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André Maia/Observador

André Maia/Observador

Festa da Taça. O dia em que se festeja antes do apito inicial

Os bilhetes esgotam depressa e percebemos porquê. A festa da Taça é uma loucura e dá para tudo: adeptos que fogem à mulher, os que não fogem à comida da mãe, até aos que em estão presentes em cartão.

7 de maio. Quase duas da tarde. Entre amigos, só se falava de uma coisa: quem é que vai conseguir bilhete para a festa da Taça? As teorias multiplicavam-se: “Há dois anos, houve quem fossse lá antes do site abrir a venda e já dava para comprar!”, ouvia-se. “A ver se deixamos a janela do site da Federação aberto e compramos logo três ou quatro”.

A janela ficou aberta. O site foi abaixo. Os bilhetes esgotaram em horas. A situação não é rara. Todos os anos, a corrida por um bilhete para a final daquela que é conhecida como a prova rainha do futebol nacional é sempre renhida e por vezes injusta. Mas não foi isso que nos impediu de estar na festa do Jamor. Nem a nós nem a muitos adeptos sem bilhete. E percebemos o porquê de terem esgotado tão rápido.

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A missão noturna, uma fuga à mulher e o companheiro perdido

Um dos adeptos sem bilhete foi Rui Gil. Encontrámos este simpatizante do Sporting junto a uma mesa cheia de comida, rodeadode muita gente. “Conhece todos?”, perguntámos. “Não”, respondeu Rui a sorrir. Sabia que lá pelo meio estavam os primos, que vieram do Luxemburgo de propósito, mas as restantes pessoas eram amigos de amigos que foram encontrando pelo caminho. No fundo era tudo família, a sportinguista. E por essa, dizem, muitos esforços se fazem. Contudo, das onze pessoas que estavam à mesa… só uma tinha bilhete.

“Só arranjámos um bilhete, que vai para o meu filho, mas ainda nem chegou”, disse Rui, que pela primeira vez veio à festa do Jamor. E que trabalheira que deu: chegou ao recinto às… 22h30 do dia anterior. Tudo para arranjar espaço. “Tivemos de vir ontem à noite e até já estava muita gente. Trouxemos dois carros, pusemo-los logo aqui debaixo de uma árvore e hoje trouxemos só a comida”. Uma missão que também não foi fácil, pela variedade alimentar: “Temos vinho… verde, branco, tinto… cerveja… em bebida são quase 40 litros. Para comer temos bifanas, entremeada e chouriça”, enumerou Rui, ajudado pela tal prima que veio do Luxemburgo.

Rui Gil (ao centro) e a família... sportinguista, já que muitos dos presentes se acabaram por juntar mesmo sem terem relação

André Maia/Observador

Quem não teve ajuda do público feminino, noutra zona do recinto, foi Pedro Lopes. Aliás, aqui que ninguém nos ouve, Pedro nem sequer estava no Jamor. Ou estava? “Olhem, a minha mulher não sabe que eu estou aqui. E não estou! Estou em casa da minha mãe, doente, com varicela”. A mentira pareceu-nos fraca e Pedro lá admitiu: “Ela sabe que estou cá, mas eu sou um achado de marido e ela não fica chateada”.

Quem não estava mesmo no Jamor foi o Pikeno. Pikeno, se nos estiveres a ler, fica a nota de que os adeptos de futebol torcem por ti. Isto porque Pikeno — não se sabe o nome verdadeiro — foi “obrigado pela mulher a ir a um casamento”. Não o dele — “porque senão tinha cancelado” –, mas lá foi “arrastado”. Em homenagem ao sofrimento do rapaz, os amigos levaram-no de outra forma ao Estádio Nacional: um corpo de cartão, com a cara do ausente e a inscrição “Quem disse que o Pikeno não veio?” transportaram o adepto do Sporting do casamento para a final da Taça.

Ao menos não teve de acordar cedo como os amigos: “Acordámos às 4 da manhã. Mal dormimos, este aqui até está de direta. É pelo Sporting!”, disse-nos Pedro. Um esforço necessário para montar o “estaminé” e levar o necessário: “Temos bifanas, salsichas… cervejas foram 180!”. O espaço fecha-se — literalmente — com umas pequenas grades que limitavam o espaço. Um catering digno de casamento.

A prova de que "Pikeno" esteve no Jamor. E de que Pedro esteve também. Ou não.

André Maia

Vendas que duram há 20 anos

É inquestionável que a final da Taça de Portugal é um jogo especial. Esse estatuto confere-lhe algumas caraterísticas, inerentes a todos os jogos especiais. Os piqueniques são conhecidos e uma bandeira das matas do Jamor, em dia de final. Comum a todos os jogos são os vendedores de equipamentos dos clubes. Mas já que estamos no Jamor, até aqui os homens que trazem mais cachecóis e chapéus do que os que podem usar, têm algo diferente.

Rui Botelho e Jaime Alves, ambos com 53 anos, não são estranhos ao Jamor e a mata junto ao Estádio Nacional já testemunhou várias cores a passar-lhes pelas mãos. “Fazemos isto há 20 anos”, partilhou Rui. A razão não é a mais apaixonante, já que os amigos tiveram de se “fazer à vida” depois de ficarem desempregados. “Começámos a vir e, desde então nunca mais parámos”, contaram quase em coro.

O negócio “está fraco” e parece não fazer jus à festa que ecoa pelo meio da mata. “Menos carros”, “menos espaço” são algumas das justificações que Rui e Jaime encontram para carregarem mais cachecóis e chapéus do que aqueles que queriam. Pelo meio aparece um cliente interessado.

— Amigo, quanto é o chapéu?

— Faço dois a cinco.

— Assim não… O seu colega faz a um…

— Então vá lá comprar.

“Se nós compramos a um euro, como é que fazemos dinheiro?”, questiona Rui. Os vendedores acabam por concluir que o problema não é falta de compradores, mas os clubes. “Com clubes grandes nunca é muito bom”, admite Jaime, que prefere fazer negócio quando há mais cores para além da verde, azul ou vermelha. No meio de tantos clubes por onde escolher, há preferências na hora de apontar os que são melhores clientes. “O Marítimo e o Vitória de Setúbal compram mais”, refere Rui.

Mesmo com mais dificuldade em cumprirem o propósito que os leva à final da Taça, Rui e Jaime não trocavam o Jamor. “Se mudarem a Taça para outro campo, isto perde o valor”, prevê um dos amigos. Entre chapéus, cachecóis e trocos, a mata do Estádio Nacional também se faz do convívio. “A festa é aqui”, concluem.

Jaime Alves e Rui Botelho vão ao Jamor há 20 anos, mas sem clube.

Os que agradecem à mãe e os que equipam de azul mas têm uma tenda verde

Parecia propositado. Se os adeptos do Sporting estão no lado Sul do Jamor, os adeptos do Porto armaram as tendas a Norte. Um dos grupos, de Vila do Conde, acordou às seis da manhã, carregou os carros e puseram-se a caminho pouco depois das sete. Trouxeram comida, como não podia deixar de ser, mas só porque alguém — sem bilhete para o jogo — se lembrou de a preparar. “Queremos agradecer à Dona Helena, a mãe do Gil. Fez a comida ontem, de improviso, porque pensava que íamos tratar da comida, mas não fizemos nada”, lá deixou escapar um dos amigos.

Pelas mesas do Norte havia de tudo: rissóis, bolinhos de bacalhau, sandes de bifes panado, pataniscas… Não veio nenhum porco para assar porque queriam “dar dinheiro ao comércio local”. Para ajudar a empurrar os sólidos havia líquidos, como não podia deixar de ser. “Temos entre 10 a 20 litros de cerveja… Mas também trazemos água, para o caso de haver incêndio”, admitiu um dos portistas. Os vila-condenses eram liderados por António Carvalho, que já conta com sete finais na algibeira. António é o responsável por fazer com que a tradição passe “de geração em geração”, e o grupo já fez cinco viagens para o Estádio Nacional.

Os portistas de Vila do Conde, sem a mãe de Gil (à esquerda), mas com a comida que preparou.

Um grupo de amigos e vizinhos da Póvoa de Varzim não teve problemas em partilhar os gastos nas compras para a visita a Lisboa. “Gastámos 40 euros em carne e 30 e tal em bebidas”, afiançou um dos portistas. A viagem também começou com os primeiros raios de sol e, entre as iguarias que restavam, destaque para o “franguinho”, as salsichas e as sandes de porco. Tudo com abundância de sombra e cadeiras para aguentar as horas que ainda restavam para o início do jogo.

Curiosamente, a sombra era patrocinada por um pano da cor do adversário do Futebol Clube do Porto. “É emprestado”, finta um dos amigos, mas entende que não há problema algum já que “os portistas são pacíficos”. Devidamente acondicionados, os amigos admitiram que iam aguentar à sombra ate mais perto do jogo. “Quando começarmos a ver o pessoal a ir também vamos”, chuta um dos adeptos azuis e brancos. Afinal de contas, a festa da final da Taça começa sempre antes do jogo propriamente dito e, como tal, é para ser apreciada.

O grupo da Póvoa de Varzim, de azul e branco com sombra verde.

A final da Taça transcende um jogo entre duas equipas e a disputa pelo troféu. A Taça de Portugal é mais do que isso, é uma festa. Uma viagem de carro pela madrugada, uma desculpa perfeita para juntar amigos. No fim, ainda há tempo para o futebol, mas só no fim. O resultado interessa, mas quem vai ao Jamor garante que “não é tudo”. É uma experiência obrigatória para quem gosta — ou não — de futebol. E se não levar comida ou bebida não há problema. A frase mais repetida neste dia é “também temos aqui para vocês”. A Taça é isto mesmo, uma festa.

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