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O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa,  acompanhado pela A ministra da Defesa Nacional, Helena Carreiras, e pelo  Chefe do Estado Maior da Força Aeréa (CEMFA), general João Cartaxo Alves, durante a sua participação na cerimónia acompanhado pela ministra da Defesa Nacional, Helena Carreiras,Encerramento das Comemorações do Centenário da Primeira Travessia Aérea do Atlântico Sul, que decorreram na Base Aérea N.º 1 (BA1), Granja do Marquês, Sintra, 13 de janeiro de 2023. ANTÓNIO COTRIM/LUSA
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ANTÓNIO COTRIM/LUSA

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Força Aérea vive momento "mais grave dos últimos 50 anos". O raio-X que serviu de aviso ao Governo e o recuo horas depois

Num memorando enviado à tutela é referido que as funções e tarefas a mais, aliadas à drástica redução de pessoal, levam a uma maior “probabilidade de erro humano”: "Missão está em risco".

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Há duas décadas em Monte Real, colocado na manutenção dos aviões de caça, Rodrigo (nome fictício) rescindiu este verão o contrato com a Força Aérea. “As coisas são fáceis de perceber: vencimento, falta de investimento, disponibilidade constante. Sendo menos, há maior rotatividade entre o pessoal, mais serviços, horas extraordinárias pelo mesmo valor ao final do mês. A questão das reformas também teve um peso grande. E não há reconhecimento”, desabafa ao Observador.

A aviação civil e as condições oferecidas fora do universo militar foram outro fator a pesar na decisão. “Há muita oferta para a minha especialidade cá fora. Foi uma decisão difícil, mas a verdade é que somos vistos como mão de obra super especializada e somos muito valorizados cá fora. O destino das Forças Armadas está traçado. Cansei-me de esperar por mudanças que tardam em aparecer.”

Rodrigo está longe de ser caso único. Como ele, saíram nas últimas semanas vários militares da base onde estão estacionados os F-16. A redução cada vez maior de efetivos estende-se, aliás, a todo o ramo — e aos restantes ramos. No caso da Força Aérea, a situação atual é de tal forma preocupante que levou o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea a dirigir um memorando à ministra da Defesa, no início de outubro, com um descritivo detalhado da evolução do número de efetivos dos últimos 10 anos (e uma previsão para os próximos dois). O cenário descreve-se com uma frase do próprio general João Cartaxo Alves: “A atual situação é, sem margem para dúvidas, a mais grave dos últimos 50 anos.”

O cenário traçado sobre a situação da Força Aérea é muito grave. As funções e tarefas a mais aliadas à drástica redução de pessoal levam a uma maior “probabilidade de erro humano”, lê-se no memorando a que o Observador teve acesso.

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Acréscimo de responsabilidades da Força Aérea

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É o próprio Chefe do Estado Maior da Força Aérea que sublinha exemplos de responsabilidades acrescidas que vieram contribuir para “o atual défice de efetivos neste ramo”:

  1. Capacidade de meios aéreos próprios do Estado para combate a incêndios rurais (Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais – DECIR);
  2. Capacidade de ciberdefesa;
  3. Capacidade Unmanned Aircraft System (UAS), sistema de armas KC-390;
  4. Entre outros.

As revelações são tão complexas que, após algumas notícias a dar conta da existência deste memorando, o ramo das forças armadas acabou por vir dizer que, apesar da carência de recursos, vai “continuar a cumprir a sua missão”.

A missão da Força Aérea está “em risco”. Os avisos sérios à tutela

Mas de que forma? A resposta era clara no documento de 11 páginas que foi enviado a Helena Carreiras: o que está a acontecer, garante José Cartaxo Alves, “poderá […] conduzir à redução da qualidade do trabalho desenvolvido e consequentemente à desmotivação dos militares”. “Por outro lado”, acrescenta, “a falta de pessoal traduz-se numa redução da capacidade para treino e manutenção de qualificações, aumentando, uma vez mais, os riscos para a operação, e para a segurança em terra e em voo”.

Em tempos de grandes e complexos desafios internacionais, o Chefe do Estado Maior é muito claro: “Esta continuada falta de efetivos se reflete diretamente numa redução dos padrões de prontidão operacional e na crescente indisponibilidade dos meios, colocando em risco o cabal cumprimento da missão”.

E não se prevê que tudo se possa resolver de forma rápida, dado que “o aumento de efetivos será sempre um processo continuado e prolongado no tempo, dado o atual défice de pessoal, sendo necessário tomar medidas concretas que possam reverter, categoricamente, esta erosão dos quantitativos de pessoal militar”.

Medidas propostas no memorando enviado à tutela

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De acordo com a posição de João Cartaxo Alves, “para além de todas as medidas implementadas e previstas nos vários regulamentos e planos sobre esta matéria (fundamentalmente dirigidos aos militares do regime de contrato), propõem-se medidas concretas, que também contemplem os quadros de pessoal, consideradas determinantes para a mitigação destes problemas, nomeadamente:

  1. Melhoramento das condições remuneratórias dos militares, com especial ênfase na sua remuneração base e no suplemento de condição militar;
  2. Melhoramento das condições de remuneração na aposentação, nomeadamente na materialização do complemento de pensão, previsto no EMFAR;
  3. Reforço do investimento, que permita o melhoramento das condições de trabalho dos militares (infraestruturas, equipamentos, viaturas, entre outras);
  4. Autorização atempada das propostas de admissões e de acordo com as necessidades da Força Aérea.

É já a terminar o alerta ao Ministério da Defesa que o Chefe do Estado Maior da Força Aérea lança a mais dura crítica, fazendo um comparativo com o último meio século: “A atual situação dos efetivos da Força Aérea é, sem margem para dúvidas, a mais grave dos últimos cinquenta anos”. E insiste: “Caso não sejam tomadas medidas efetivas, que contribuam de forma inequívoca para a inversão do processo de erosão dos efetivos militares comprometer-se-á, irremediavelmente, a capacidade operacional da Força Aérea e qualquer ambição de edificação das novas capacidades atribuídas”.

Mas afinal o que falta?

Ao longo das 11 páginas do memorando, o general João Cartaxo vai intercalando a sua análise sobre a situação no ramo com gráficos sobre a relação entre efetivos (ou “existências”, isto é, o real número de militares que integram o ramo) e aquilo que os sucessivos governos foram consagrando para esse universo, entre 2013 e 2025; a evolução do quadro permanente (2013-2023); o número de oficiais e praças em regime de contrato (para o mesmo período); o mesmo gráfico apenas com os dados dos praças no ramo; e o resumo das saídas voluntárias (o regime que possibilitou a saída de Ricardo da Força Aérea) desde 2018.

O primeiro gráfico é aquele que melhor ilustra o contraste entre as autorizações do governo para a abertura de vagas no ramo e o número real de militares em funções. No parâmetro da diferença entre esses dois valores, constata-se que, desde 2013, o valor tem sido sistematicamente (sem qualquer exceção) negativo. Ou seja, a cada ano, o número de entradas na Força Aérea foi inferior ao número de saídas. E desde 2019 que o desfasamento é cada vez maior: o défice desse ano foi de 1074 militares; no ano seguinte, foi de 1176; em 2021, entraram menos 1307 elementos face aos que saíram; no ano passado, já eram 1411; e a estimativa para este ano é de que o défice suba para os 1632 (passando para os 1722, em 2024, e para os 1909, em 2025).

“De há 10 anos para cá, as saídas têm sido superiores aos lugares inscritos nos decretos-lei” para a abertura de concursos, explica o presidente da Associação Nacional de Sargentos, António Lima Coelho, ao Observador. “Há anos que alertamos para o perigo da diminuição de efetivos, particularmente tendo em conta que, no final dos anos 70, anos 80, entravam novos militares às centenas e não se perspetivou que esses efetivos ao fim de 30, 40 anos iam começar a sair e, durante muitos anos, não se compensou essas saídas” com o alargamento das vagas de recrutamento, acrescenta. “Resultado: depois de um interregno de 10 anos sem o mesmo número de cursos, aqueles que entraram nos anos 80 agora não são compensados” pelas vagas abertas.

Soma-se a isto o número de militares a contrato que rescindem de forma antecipada o seu vínculo com o ramo (ver exemplos mais abaixo). “E a situação também foi agravada, de há meia dúzia de anos para cá, a partir de 2017, ou 2018, com o desencanto, a desmotivação”, conclui o militar. “O número de saídas de abate ao quadro superou tudo” nos tempos mais recentes. “Há uns anos, passávamos uma semana a discutir o que teria levado um camarada a sair, e agora já ninguém se surpreende com isso”.

Acresce que, pela formação especializada que recebem durante a sua permanência na Força Aérea, não é possível compensar as saídas num curto prazo. “O número significativo dos quem têm saído por abate ao quadro são técnicos muito qualificados que não vão ser substituídos num ano ou dois. São anos de formação.”

Mais: financeiramente, o universo militar não tem conseguido competir com o civil. “A Força Aérea tem sérias dificuldades em responder e só por muito amor à camisola muitos continuam cá”, diz Lima Coelho. “Pilotos, mecânicos, controladores, não encontro ninguém que não seja muito especializado e que no mercado civil não encontre uma remuneração muito melhor” no exterior, sublinha também um antigo chefe militar.

Esse desfasamento não escapou à atenção das empresas privadas. Em agosto, como o Expresso contou na altura, uma empresa belga (a Daelus) organizou uma sessão para apresentar os seus projetos em vários países europeus. As sessões — estava prevista uma, mas a adesão em massa obrigou a empresa a organizar uma segunda — chegaram ao conhecimento dos militares da Base Aérea Nº5, onde estão estacionados os F-16.

O local, um hotel em Vieira de Leiria, não terá sido uma coincidência (a empresa vinha em busca de militares que estivessem habilitados a fazer a manutenção dos caças, parte dos quais Portugal vendeu à Roménia). A data também não, uma vez que parte dos militares que asseguram essa operação tinha regressado, pouco tempo antes, da missão de policiamento da NATO na Lituânia.

“Tenho conhecimento de um conjunto de camaradas jovens que estavam no final do curso de sargentos e que desistiram do curso em bloco e foram para Itália para fazer manutenção de helicópteros”, conta ao Observador o presidente da Associação Nacional de Sargentos.

Aquilo que essa desistência em bloco mostra é que as ações de captação de militares estão longe de se restringir àquela que é a coqueluche da Força Aérea Portuguesa. “Não é exclusivo dos F-16 ou de Monte Real. A empresa belga lançou também [operações de charme] direcionadas a militares habilitados a operar e fazer a manutenção dos C-130, dos C-295, dos helicópteros”, acrescenta Lima Coelho.

O problema é transversal aos vários ramos, mas “o drama na Força Aérea é particularmente duro”, resume uma antiga chefia ao Observador. “O chavão é que a missão é para cumprir. E não é que se vá acabar com as missões de busca e salvamento, mas cada vez se fazem em piores condições”, acrescenta a mesma fonte. “Não cumpridos os tempos de descanso entre missões, estão a levar a malta ao limite e um dia isto vai correr mal”, antevê um militar no ativo que também pediu para não ser identificado.

E é toda esta realidade que acaba por estar plasmada no memorando enviado à ministra, quando o Chefe do Estado Maior da Força Aérea elenca os fatores para o decréscimo do pessoal:

  • Falta de competitividade, em termos remuneratórios, com outras carreiras de qualificações ou responsabilidades equiparáveis;
  • Diminuição dos apoios associados ao estatuto de aposentação dos militares;
  • Diminuição da perceção do prestígio social associado à condição militar;
  • Impacto na vida pessoal e familiar das especificidades da carreira militar (colocações, destacamentos, escalas de serviço, permanente disponibilidade para o serviço, entre outros);
  • Fadiga e desmotivação provocadas pelo aumento da carga de trabalho e necessidade de acumulação de funções, devido à insuficiência de efetivos;
  • Dificuldades de recrutamento e retenção, decorrentes da reduzida atratividade da carreira militar;
  • Cortes nas vagas para admissão aos cursos para ingresso nos QP.

Depois das críticas, o recuo da Força Aérea: “Há resultados positivos”

Horas depois de a notícia sobre o memorando ter sido tornada pública, a Força Aérea divulgou uma nota à imprensa, em que assegurava que iria continuar a “cumprir” a sua missão.

“A Força Aérea Portuguesa, como tem sido o seu timbre ao longo dos 71 anos da sua existência, cumpre e continuará sempre a cumprir a sua missão empenhando todos os seus homens e mulheres, bem como todos os seus meios colocando-os ao serviço do país e dos portugueses”, referia o comunicado.

Num tom muito menos duro, fonte oficial explicava que o tema da redução de efetivos é conhecido, apresentando como justificação para tal a “competitividade do mercado de trabalho face às especificidades tecnológicas dos sistemas à disposição da Força Aérea e à elevada atratividade pela competência técnica” dos militares.

Longe das críticas assumidas no documento enviado à ministra, nesta posição, é mesmo referido que tem sido mantido um “diálogo permanente com a tutela para reverter a situação descrita”. E mais: é referido que já se alcançaram “resultados positivos”, tanto no que toca ao recrutamento, como à retenção dos militares do ramo. É, por isso, reconhecido o “trabalho conjunto desenvolvido”, assim como o avanço de algumas das “medidas já adotadas pelo Governo”.

O Observador pediu um comentário sobre a situação descrita no memorando ao Ministério da Defesa, que disse não fazer “comentários sobre documentos de trabalho ou memorandos internos, e no caso concreto sobre informação entre remetentes e destinatários individuais”. Além disso, adiantou, “a Força Aérea está, também, a desenvolver um processo de averiguação sobre a divulgação deste seu documento”.

O gabinete de Helena Carreiras salientou igualmente que “a Força Aérea já veio […] clarificar a importância de medidas tomadas pela tutela governativa na resolução de questões como as colocadas, e do trabalho conjunto que vem sendo desenvolvido”.

“Sobre efetivos militares, a ministra da Defesa Nacional tem-se referido inúmeras vezes aos desafios de retenção nas fileiras Forças Armadas. Os números relativos aos efetivos e a sua evolução são públicos e conhecidos. É precisamente pelos desafios colocados por uma realidade adversa que têm sido tomadas medidas, algumas tão recentes quanto o aumento do Suplemento de Condição Militar (cuja componente fixa passa de 30 euros para 100 euros mensais, abrangendo todos os militares) ou como a criação dos Quadros Permanentes de Praças na Força Aérea e no Exército (que deles não dispunham)”, rematou a mesma fonte.

Para este artigo, foram também foram pedidos esclarecimentos ao Chefe do Estado Maior da Força Aérea, que disse não ter “nada a acrescentar”.

*Notícia atualizada na noite de sábado, dia 14, com a resposta do Ministério da Defesa Nacional.

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