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Gelados e bolachas ficaram mais caros? As férias de verão também? Como explicar a inflação às crianças

Inflação tem obrigado os pais a fazer escolhas no supermercado, na quantidade de brinquedos que oferecem ou no destino das férias, mas dinheiro não tem de ser tabu. Sete passos para abordar o tema.

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Não há fórmulas mágicas“, uma receita única e infalível para explicar às crianças porque é que a palavra “inflação” é tantas vezes dita na televisão, porque é que os pais se queixam de que os preços no supermercado estão a subir tanto, porque é que, se calhar, houve que fazer escolhas em casa e cortar nos cereais de pequeno-almoço ou escolher uns ténis mais baratos para levar à escola. O dinheiro e os problemas que ele (ou a falta dele) traz são ainda vistos como um “tabu” pelas famílias, acreditam os especialistas em literacia financeira consultados pelo Observador.

Ou há “tabu” ou há um desconhecimento da melhor forma de abordar o tema com as crianças, sem correr o risco de lhes transmitir uma certa ansiedade financeira que em nada as beneficiará. Ou ainda falta de preparação dos pais, que podem não estar, eles próprios, familiarizados com as dinâmicas por detrás do conceito. “Não se fala em casa [sobre a inflação]. Os pais — eu próprio incluído — chegam a casa cansados, não têm a mesma paciência. É um tópico que devia ser dado de forma simples e divertida para os miúdos aprenderem, mas eles vêm da escola também cansados”, reconhece Sérgio Cardoso, chief academic officer (responsável pela formação) do Doutor Finanças, consultora financeira que, em 2019, publicou o livro infantil de literacia financeira “Doutor Finanças e a Bata Mágica”.

Paulo Ferreira, economista e coautor do livro “Pai: Ensinas-me a Poupar?”, acredita que o assunto não é frequentemente abordado pelos pais não por culpa destes mas pelo próprio sistema educativo que, diz, trata a literacia financeira como “um dos parentes pobres”. Os dados apontam para uma fraca literacia financeira nos adultos em Portugal. Em 2020, o país ocupava o último lugar do ranking do Banco Central Europeu (BCE), entre os 19 países da zona euro. Em cinco perguntas sobre a diversificação do risco, inflação, aritmética e juros compostos, apenas 25% dos portugueses acertaram em pelo menos três.

O dinheiro e a inflação têm de ser abordados paulatinamente, entende Carina Meireles, consultora financeira e autora do blog “Milla & Família”, dedicado à educação financeira para crianças. “Diria que não pode ser imediato. É algo que tem de ser trabalhado com o tempo.” Se as crianças entendem ou não a mensagem não depende só da idade — mas também da maturidade, da curiosidade inata, do interesse e da forma como os pais abordam ou não estas temáticas no dia a dia.

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Portugal ocupa último lugar do ranking de literacia financeira da zona euro

O gelado ou os cereais: usar exemplos que lhes sejam próximos

Sérgio Cardoso acredita que os dois filhos, de sete e nove anos, “ainda não têm maturidade” para descortinar o conceito da inflação (a melhor altura, considera, será por volta dos 10 anos). Mas se tivesse de lhes explicar já, pegaria num “artigo que lhes seja familiar”, que consigam “relacionar com o seu próprio dia a dia”, e referiria que tem vindo a aumentar de preço nos últimos meses, tal como muitos outros. Por exemplo, um gelado. “O que faria seria dar-lhes cinco euros para a mão e dizer: hoje, com estes cinco euros, conseguem comprar cinco gelados. Daqui a um ano com os mesmos cinco euros só devem conseguir comprar quatro gelados. Eles percebem que, com o mesmo dinheiro, não conseguem comprar o mesmo número de artigos“, exemplifica.

A consultora financeira Carina Meireles concorda que é preciso partir de exemplos que eles conhecem. “Mostrar que o arroz, que eles veem na prateleira de supermercado, custa agora x euros, mas custava y porque vem de longe. Contar uma história, usando a linguagem deles. Por exemplo, agora demora mais tempo a chegar e isso pode fazer com que esteja mais caro”, refere. Paulo Ferreira dá um exemplo parecido: “Podemos pegar numa ida ao supermercado e dizer: o pacote de cereais que costumamos comprar para o pequeno-almoço custava 1 euro e agora 1,15 porque o cereal ficou mais caro, o transporte também”.

Na idade dos porquês, as crianças podem não ficar satisfeitas com estas explicações. Se calhar já perceberam que está tudo mais caro, mas porquê? Antes de responder, lembre-se: a mensagem tem de ser adaptada à idade e à maturidade da criança e não vale a pena ser alarmista (mas esse é um passo para ver mais adiante). Se a criança quiser saber mais, há formas de lhe satisfazer a curiosidade. Voltando ao exemplo dos gelados, poderá tentar explicar que os componentes do gelado ficaram mais caros: “O chocolate, a madeira do suporte, até o senhor que vem trazer o gelado. Por exemplo, o suporte do gelado é feito de madeira, que vem de uma árvore que não há em Portugal. Tem de vir de barco e o gasóleo está mais caro, há menos contentores para trazer e, como tal, cada pauzinho custa mais. Logo, o gelado também vai custar mais”, sugere Sérgio Cardoso (“até o preço do dinheiro está mais caro, mas isso já é demais para eles”, acrescenta).

Se a criança quiser saber mais, pode tentar explicar que tudo isto ficou mais caro porque “a guerra, a pandemia — que eles viveram muito — têm impactos no dinheiro e na forma como ganhamos o dinheiro”, diz Carina Meireles. “Pode explicar que há todo um processo desde a altura em que as coisas saem da terra até chegarem à prateleira. Há um processo de transporte, de embalagem, que ficou mais caro porque uma guerra ou uma pandemia têm impactos. Aquilo que a pessoa paga, por exemplo, no caso das embalagens, não está só caro para nós. Está caro em todo o processo. E isso faz com que também acabemos por pagar mais”.

Reportagem sobre Saúde Mental: criado em 2021, o projecto-piloto RAP (Resposta de Apoio Psicológico) iniciou as primeiras respostas especializadas de apoio psicológico e psicoterapêutico para crianças e jovens vítimas de violência doméstica. São 31 equipas em todo o país, o Observador vizitou a equipa de Santarém. 14 de Abril de 2023 Ex-Escola Prática de Cavalaria, Santarém TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

O esforço de consistência é "fundamental": é importante que à criança não sejam transmitidas mensagens contraditórias, que os pais digam uma coisa e façam outra

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Numa altura em que se aproximam as férias de verão, e em que os pais podem não ter a mesma capacidade financeira que tiveram em anos anteriores, há também formas de explicar aos mais novos porque é que este ano ou não vão de férias para fora ou porque é que vão menos tempo. Sérgio Cardoso aplica o racional dos gelados às férias: “Da mesma maneira que, no ano passado, 50 euros pagariam duas semanas de férias, este ano ano os mesmos 50 euros só permitem comprar uma semana”. O especialista do Doutor Finanças sublinha que os pais podem explicar que isto não significa que não tenham dinheiro para pagar as duas semanas férias, mas que, “neste momento, podem ter outras prioridades”, como poupar.

Paulo Ferreira complica a questão: a crianças mais crescidas pode tentar explicar a lei da oferta e da procura com o exemplo das férias: “Há mais pessoas a procurar casa para férias porque, depois da Covid, voltaram a ter mais férias, os estrangeiros vêm mais para Portugal. E o número de casas é o mesmo. Além disso, os proprietários dessas casas podem ter créditos a pagar aos bancos, que ficaram mais caros, logo estão a cobrar mais pelas casas.”

"As crianças deviam perceber desde muito cedo que para comprarem um determinado artigo não podem comprar outro, ou que estão a abdicar de outro. Isso não é inflação, é custo de oportunidade."
Sérgio Cardoso, Doutor Finanças

Outra ideia que pode introduzir é que, ao mesmo tempo que os preços aumentam, os salários podem não ter subido na mesma proporção. Paulo Ferreira explicaria aos filhos mais novos isso mesmo: “O patrão do pai não aumentou tanto o ordenado quanto as pessoas aumentaram os preços das casas de férias e temos de fazer escolhas“.

A importância de fazer (e explicar) escolhas

A inflação leva a que os consumidores tenham de fazer escolhas no dia a dia. No supermercado, isso pode significar comprar menos pacotes de bolachas, substitui-los por outra marca mais barata ou por outro tipo de bolachas (a isto, chama-se efeito de substituição). Ou eventualmente, optar por nem comprar as bolachas. Chama-se o custo de oportunidade a este benefício que se perde por fazer uma escolha em detrimento de outra.

As crianças deviam perceber desde muito cedo que para comprarem um determinado artigo não podem comprar outro, ou que estão a abdicar de outro. Isso não é inflação, é custo de oportunidade”, diz Sérgio Cardoso. Num contexto de inflação, pode ser incutida às crianças a ideia de que é preciso fazer escolhas.

“Podemos mostrar à criança que, por exemplo, se calhar, não precisamos de levar tanta quantidade, porque já temos em casa e depois acabamos por não gastar”, observa Carina Meireles. Ou direcioná-la para produtos substitutos, mais baratos, mas que “podem ser bons também”. “Se perceberem que, ao longo do tempo, uma coisa que elas gostam ou compram normalmente custava um euro há três ou cinco meses, e agora custa 1,10, dá para perceber que depois há que fazer escolhas”, acrescenta Paulo Ferreira.

O economista e também professor no Politécnico de Portalegre entende que, “mais do que enquadrar as crianças na tomada de decisão — porque não são eles que tomam as decisões” (também iremos lá mais adiante) –, é preciso que percebam que “em todas as coisas que fazemos, incluindo na ida ao supermercado, há decisões a tomar, quer se ganhe mais ou menos“. Nessas idas ao supermercado, ou mesmo em casa, pode aproveitar para explicar porque é que escolheu o produto A em vez do B: “Se quisermos continuar a comprar cereais, compramos mais baratos, explicamos que há umas marcas que são mais caras do que outras, damos a perceção de que não é só o preço que é relevante. Devemos promover as comparações”.

Este processo “deve ser natural”, mas “continua a ser negligenciado pelos pais”, acredita o especialista, mas não só por culpa destes — que podem, eles próprios, não estar familiarizados com os processos que levam à subida dos preços. O sistema educativo também tem uma quota-parte na responsabilidade da falta de literacia financeira, acredita.

Literacia financeira deve ser abordada "pelo menos em dois ciclos do ensino básico"

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Ao Observador, o Ministério da Educação garante que a “literacia financeira e a educação para o consumo” é um dos domínios da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento que tem hoje de ser abordado “pelo menos em dois ciclos do ensino básico“. No ensino primário, esta disciplina é “uma componente transversal ao currículo, potenciada pela dimensão globalizante do ensino”, enquanto nos 2.º e 3.º ciclos é uma disciplina autónoma.

Já no ensino secundário há maior autonomia das escolas: “cabe a cada escola decidir se a oferece como disciplina autónoma ou se a abordagem é transversal”. A exceção é o curso cientifico-humanístico de Ciências Socioeconómicas — nas disciplinas de Economia “existem temas e subtemas no âmbito da educação financeira” e o conceito da inflação é dissecado.

“Para apoiar a literacia financeira”, os professores podem consultar um “referencial de educação financeira”, feito pela Direção-Geral da Educação, segundo o qual o conceito de inflação deve ser abordado no 3.º ciclo (do 7.º ao 9.º anos) e no secundário.  Para os alunos de cada ciclo do ensino foram criados “cadernos de educação financeira”, mas o Ministério não especifica com que frequência são usados, apenas referindo que “podem, enquanto material de apoio à Educação Financeira, ser trabalhados nos diversos contextos curriculares de aprendizagem anteriormente referidos”.

Neles, o conceito de “inflação” só aparece nos cadernos destinados ao 3.º ciclo e ao secundário. A publicação destes manuais resulta de uma parceria, no âmbito do Plano Nacional de Formação Financeira, entre o Ministério da Educação, o Banco de Portugal, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, a Associação Portuguesa de Bancos, a Associação Portuguesa de Seguradores, a Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios e a Associação de Instituições de Crédito Especializado.

Desejo versus necessidade

Nesse processo de tomada de decisões, em que se fazem escolhas, há um raciocínio que pode ajudar a convencer os mais novos: a distinção entre o que realmente precisa e o que realmente quer mas não precisa. Carina Meireles faz workshops de literacia financeira com crianças e diz que esta diferença é percetível a partir dos cinco, seis anos. “Temos de lhes dar a perceção de que a massa, o arroz, o pão são importantes para o nosso dia a dia em termos de alimentação. E que depois há outros gastos que temos de perceber se vale a pena ou não termos. Ou até adiá-los. Dou o exemplo de hambúrgueres, gomas ou rebuçados, e eles percebem logo que é supérfluo. Depende muito dos exemplos que utilizamos”.

A partir de uma certa idade, no início da adolescência, este argumento pode não colar tão facilmente pela pressão dos pares nas escolas: há coisas que os amigos têm e que eles próprios querem ter. “Costumo dizer ao meu filho que aquilo que os outros têm nós não temos de ter também. Tem muito a ver com o dinheiro, uns ganham mais do que outros. Podemos explicar que nós não ganhamos todos a mesma coisa, que temos de gerir aquilo que gastamos à nossa maneira“, afirma Carina Meireles.

Sérgio Cardoso, do Doutor Finanças, concorda: “Imagine que quer o modelo da Nike, porque três amigos já têm, e que custa 150 euros. Nós enquanto pais podemos dizer: tu precisas de umas sapatilhas, sim, mas para aquilo que precisas uma sapatilhas de 100 ou até de 50 euros são mais do que suficientes. Ficas bem servido e são duradouras. Uma coisa é o que precisas, outra coisa é o que tu queres.” Nesse exemplo, pode também apelar às poupanças — isto se houver a possibilidade de constituir um mealheiro: por exemplo, acordar com a criança que, para umas sapatilhas de 150 euros, ela paga 50 do mealheiro e os pais o restante. “Aí percebem que se quiserem a diferença têm de ser eles a assumir essa responsabilidade.”

Quanto mais cedo começar a incutir literacia financeira de forma adaptada às crianças, mais facilmente perceberão conceitos mais complexos

MARIO CRUZ/LUSA

Este raciocínio do mealheiro — de a própria criança poupar para comprar — pode ajudar a que perceba que se quer uma coisa tem de poupar para isso. Mas Sérgio Cardoso também admite que pode ter um efeito negativo: incutir na criança a ideia de que o dinheiro poupado serve só para gastar (e não para poupar mais). O Doutor Finanças advoga a técnica dos três mealheiros: um para guardar, outro para ajudar quem precisa e um terceiro para comprar o que a criança gosta.

Outra sugestão, crucial também para os adultos, é já amplamente conhecida: não ir ao supermercado com fome.

Inclui-los nas decisões (e começar cedo)

Acho que a maior parte das famílias não inclui as crianças” nas suas decisões, observa Sérgio Cardoso. São os pais que tomam a decisão final mas as crianças podem dar o seu contributo, sugerem os especialistas — na construção da lista de compras (em casa, podem procurar os preços dos produtos que colocam na lista nos sites do supermercado) ou na própria ida à loja, onde podem conhecer os preços e ajudar os pais a seguir a lista que ajudaram a construir e da qual não devem fugir. “As crianças são muito visuais e fixam mais facilmente a informação se for com algo prático”, indica Carina Meireles. Em casa, a especialista recomenda que ajudem a arrumar as compras “para terem a perceção de que só comprámos uma caixa, por exemplo, e que só quando a caixa terminar é que vamos comprar mais e não antes só porque queremos”.

Sérgio Cardoso sugere que esta prática se aplique noutras dimensões da tomada de decisão em família. Foi, aliás, isso que fez com a mulher e os filhos para escolher a escola de futebol da atividade extracurricular. Visitaram várias escolas e depois sentaram-se os quatro à mesa: fizeram uma tabela com prós e contras de cada escola, com aspetos que eram importantes para eles e para os pais. Atribuíram valores e pesos e no fim escolheram. O mesmo método “pode funcionar na tomada de decisão nas idas de férias, na escolha dos destinos”.

Sabe quanto ganha o seu colega do lado?

Além disso, quando as crianças mostram querer saber mais sobre determinados temas — por exemplo, quanto ganham os pais? — é importante não cortar logo as perguntas. “Queremos que eles sejam curiosos, senão no futuro não procurarão os pais quando tiverem dúvidas de outro teor. Está errado dizer-lhes que são pequeninos, que não têm nada a ver com o assunto. Eles fazem parte do agregado familiar, aquelas questões dizem-lhes respeito”.

Nestes casos, pode procurar saber o que é que querem realmente saber quando lhe perguntarem quanto ganha. Até porque, segundo os especialistas, dizer a uma criança pequena que ganha 800 euros ou 1.500 euros vai dar ao mesmo, ela não terá a noção real do que isso representa. “Se calhar a pergunta que queria ver respondida não era essa, mas provavelmente ouviram na escola que os pais dos colegas não podem ir de férias. Se calhar só querem saber se estão tranquilos, se estão seguros. E a forma que têm de expressar isto é perguntando quanto ganham os pais, na expectativa de que a resposta os tranquilize”, exemplifica Sérgio Cardoso.

O grau de detalhe de cada explicação deverá ser adaptado à idade e à maturidade da criança. “Não se pode dar muito detalhe ao ponto de se tornar tão complexo que as crianças não percebam, nem tão pouco detalhe que achem que as estamos a despachar. É preciso ter este equilíbrio, mas também depende da criança que temos à frente”, afirma. Uma relação saudável sobre dinheiro “deve ser promovida desde cedo”, diz Sérgio Cardoso. “Quanto mais cedo começarmos a abordar essas questões em casa, melhor para as crianças, tornam-se hábitos”. Segundo o especialista, 70% da literacia financeira aprende-se em casa ou com os amigos.

O dinheiro “não deve ser tabu”. As conversas sobre o assunto não têm de ser diárias, mas podem ser introduzidas aos poucos. Paulo Ferreira dá um exemplo: “Normalmente, costumo com os meus filhos passar oito a dez dias de férias no Algarve. No ano da Covid, tivemos as férias marcadas, mas a minha filha mais velha ficou doente na altura das férias e tivemos de adiar. Só pudemos ir cinco dias porque ficou mais caro, foi uma coisa em cima da hora. Explicámos isso: que íamos ficar menos dias porque era mais caro e não havia dinheiro para fazer o normal dias de férias”, exemplifica.

O que dizem os manuais criados pelo Ministério da Educação sobre a inflação?

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A palavra “inflação” não aparece nos cadernos de educação financeira do ensino primeiro nem do 5.º e 6.º anos. O conceito já aparece no caderno do 3.º ciclo do ensino básico, a partir dos 12/13 anos, num diálogo entre o Tomás, a irmã Clara e o pai.

– Consegues, Tomás – rematou o pai. – Se quiseres comprar um tablet com alguma qualidade, pode demorar um tempinho, mas não faz mal porque a inflação está controlada.
– E o que é isso, pai? É uma coisa muito complicada? Eu de certeza que percebo, já o Tomás… – continuou a Clara, desafiando o irmão, que só não deu troco, porque estava mais interessado nas explicações do pai.
– A inflação é a subida generalizada de preços – explicou o pai.
– Então explica lá isso para gente do nosso tamanho – pediu o Tomás.
– Quando decides começar a poupar para comprar um tablet, é natural que a primeira coisa que faças é decidir que tablet vais comprar e qual o seu preço. Ora, quando há estabilidade de preços, o nosso dinheiro mantém o valor, por isso, tu sabes que daqui a um ano, dois ou mais, quando juntares a quantia necessária, o preço do tablet será muito semelhante ao preço que tem hoje. Bastará, então, comparares preços para verificares onde compras mais barato. Se a inflação não estivesse controlada, o preço do tablet poderia subir muito todos os anos, de tal maneira que irias demorar muito mais tempo a juntar o dinheiro, ou até desistirias de comprá-lo.
– Mas isso não aconteceria só com os tablets, pois não, pai? – perguntou a Clara.
– Não – respondeu o pai. – Fala-se em inflação quando a subida de preços é generalizada, isto é, quando o preço da maioria dos bens sobe. Considera-se que a inflação está controlada e que há estabilidade de preços quando o aumento médio dos preços num ano é inferior a 2%.
– E quem é que controla a inflação? – perguntou o Tomás.
– É o Banco Central Europeu (BCE) juntamente com os bancos centrais dos países que aderiram ao euro.”

No caderno do ensino secundário, há todo um capítulo explicativo, e detalhado sobre a inflação, as taxas de juro e o papel do BCE. Um exemplo:

A inflação é assim o aumento generalizado dos preços de quase todos os bens de consumo. É o que acontece quando aumentam os preços da energia, dos alimentos, dos transportes, das rendas das casas, etc. O resultado desta situação é que com o mesmo dinheiro compramos menos bens de consumo, isto é, o nosso poder de compra diminui. Por exemplo, se a inflação num ano foi de 2%, o que se comprava no supermercado por 100 € há um ano é expectável que agora custe 102 €.

(Tentar) Ser consistente

É, provavelmente, muito mais fácil dizer do que pôr em prática: como ser consistente depois de um dia de trabalho cansativo, quando os pais e as próprias crianças já têm pouca paciência para explicar e aprender? E como se consegue manter a coerência quando é mais fácil encomendar o jantar em vez de o fazer em casa, o que fica muito mais caro, sendo esse o argumento utilizado noutras ocasiões?

Esse esforço de coerência é “fundamental”: é importante que à criança não sejam transmitidas mensagens contraditórias, dizem os especialistas, ainda que admitam que essa disciplina nem sempre seja fácil. “O pai não pode dizer uma coisa e a mãe outra, dizer hoje uma coisa e outra amanhã”, atira Sérgio Cardoso.

"O segredo é ir falando com as crianças à medida que as coisas vão acontecendo, sem ter medo das questões nem atirá-las para debaixo do tapete."
Paulo Ferreira, economista e professor no Politécnico de Portalegre

Carina Meireles também defende que a educação financeira é um trabalho “contínuo” e que nada deve ser imposto à criança, muito menos do dia para a noite. É preciso respeitar o tempo de cada um. “É algo que tem de ser trabalhado com o tempo, para a criança ir percebendo o porquê de ser assim, e que, se determinado produto não vai ser comprado, é porque não faz sentido nesta altura.”

Para Paulo Ferreira, o “segredo é ir falando com as crianças à medida que as coisas vão acontecendo, sem ter medo das questões nem atirá-las para debaixo do tapete”. Uma coisa é certa, acredita Sérgio Cardoso: “Quanto mais cedo se começar, melhor. Porque quanto mais cedo adquirirem estes hábitos, mais fácil será para eles no futuro”.

Para os especialistas em literacia financeira, uma forma de introduzir as crianças ao tema do dinheiro é através do mealheiro, que os ajuda a “ter noção da importância do dinheiro e o valor que representa —  logo, da inflação — e o porquê de as coisas estarem mais caras”.

As crianças não são todas iguais

É importante perceber que “não há fórmulas mágicas“: a explicação ou a abordagem que resulta para uma criança não tem de resultar para todas as outras, mesmo que tenham a mesma idade ou próxima. “Temos de conhecer os nossos filhos e saber a maturidade que têm e até onde podemos ir”, refere Sérgio Cardoso. Por isso, não há uma idade específica a partir da qual pode inserir o conceito da inflação. O especialista do Doutor Finanças aponta os 10 anos, enquanto Paulo Ferreira indica que convém ser quando a criança já sabe contar.

"A forma como comunicamos com a criança faz toda a diferença, a forma como utilizamos as palavras, a altura em que dizemos pode ditar essa questão da ansiedade."
Carina Meireles, consultora financeira

Os especialistas concordam, porém, que se começar cedo a incutir literacia financeira de forma adaptada às crianças, mais facilmente perceberão conceitos mais complexos. O fator decisivo pode, portanto, não ser a idade: um adolescente que nunca abordou as temáticas financeiras não vai necessariamente entendê-las melhor, só porque é mais velho, do que uma criança de dez anos com quem os pais já vêm falando sobre o tema. Entre idades, “o que pode diferir é a profundidade com que determinadas questões são faladas”, diz Paulo Ferreira, pai de quatro crianças entre os 5 e os 16 anos. “Não falo de aplicações financeiras e de juros com os meus filhos mais novos, mas com o mais velho volta e meia vem à conversa.”

As crianças não são todas iguais, mas os contextos familiares também não. Há situações de carência financeira profundamente dramáticas que obrigam a uma maior delicadeza na forma como o tema do dinheiro é abordado. “A partir do momento em que estas questões se tornam dramáticas é mais difícil aos pais conseguirem falar com os filhos”, admite Paulo Ferreira.

Atenção à linguagem

É preciso não ser catastrofista na mensagem que passa à criança, sob o risco de lhe transmitir uma certa ansiedade financeira que não a beneficiará. Carina Meireles entende que é importante que os pais falem sobre o tema “de forma positiva e não coloquem a questão como algo de negativo, não passem a ideia de que as coisas estão muito más, que isto não está fácil”. É que “a forma como comunicamos com a criança faz toda a diferença, a forma como utilizamos as palavras, a altura em que dizemos, tudo isto pode ditar o nível de ansiedade”. Isto porque não deixam de ser crianças e não devem sentir que recai sobre elas toda a responsabilidade.

Se, e quando, falar dos temas financeiros, é importante “tirar o peso da decisão do lado deles para que não se sintam culpados”, nota também Paulo Ferreira. “As crianças devem estar informadas até para perceberem porque é que nós, adultos, tomamos algumas destas decisões, porque é que não compramos aquilo que eles querem. Mas não são eles a decidir, somos nós adultos.”

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