O sindicalista José Abraão chamou-lhe “a grande ilusão” e “poucochinho“. Pelo menos face ao que o Governo tinha anunciado. Quando começou a negociar os salários de entrada da função pública, a secretária de Estado com a tutela apresentou aos sindicatos uma proposta para subir já este ano, com retroativos a janeiro, o salário de entrada dos assistentes técnicos em 47,55 euros, comprometendo-se depois a ajustar as tabelas de retenção na fonte — para que ninguém ficasse a perder dinheiro, como aconteceria sem mexidas.
Mas agora que a nova tabela é conhecida, os sindicatos expressaram desilusão com o resultado. É que para um assistente técnico solteiro sem filhos, em termos líquidos, subtraindo ao novo salário bruto de entrada (757,01 euros), a nova taxa de retenção (5%), a contribuição de 11% para a Segurança Social e eventuais descontos para a ADSE de 3,5%, o ganho líquido não chega a 3 euros face ao salário atual (ou seja, menos de 1%). Muito diferente, portanto, dos 47,55 euros (ou 6,7%) que têm sido anunciados pelo Governo.
Técnicos superiores. Governo não fechou a porta a subir salários de entrada já este ano
É que, atualmente, antes da nova valorização salarial, os assistentes técnicos que entram na carreira ganham 709,46 euros brutos, mas não estão sujeitos a retenção na fonte. Se passarem para a nova posição, 757,01 euros, passam a reter, à luz das novas tabelas, 5%, ou seja, 37,85 euros. Quer isto dizer que ficam a ganhar 719,16 euros — apenas mais 9,7 euros do que antes.
A situação complica-se quando se subtrai os 11% de Segurança Social e os 3,5% que os trabalhadores pagam à ADSE (se for o caso). Nas contas do Observador, o salário destes trabalhadores passará, em termos líquidos, de 606,63 euros para 609, 41 euros, ou seja: uma diferença de 2,78 euros. Situação diferente têm os casados, dois titulares com dois dependentes a cargo: nesse caso, o ganho líquido já rondará os 33 euros, segundo a versão corrigida das tabelas de retenção, para um salário mensal de cerca de 639 euros. Numa primeira versão das novas tabelas, o Governo dava a estes trabalhadores isenção da taxa de retenção (o que aumentava o ganho líquido para 40 euros), mas numa correção publicada dois dias depois, esta situação foi revertida e a taxa fixou-se em 1%.
A secretária de Estado da Administração Pública, Inês Ramires, remeteu os cálculos para o Ministério das Finanças, mais concretamente para o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que assina o despacho com as novas tabelas. “Não vou entrar [em detalhes] sobre cálculos em concreto. O que fizemos foi, ao ter identificado as duas categorias que tinham problemas na retenção na fonte com esta medida, solicitámos apoio por parte das Finanças e o que nos foi garantido foi que não haveria prejuízo através das taxas de retenção na fonte para os trabalhadores que iriam ter este aumento salarial”, respondeu, quando questionada sobre o tema. O Observador questionou o Ministério das Finanças, mas aguarda resposta.
De facto, com as novas tabelas, ninguém fica a perder dinheiro. Só que o Governo não disse logo, quando anunciou a intenção de rever as tabelas, há duas semanas, que alguns trabalhadores só iriam receber mais três euros em termos líquidos. Do universo de 17 mil assistentes técnicos abrangidos pelo aumento, o Ministério da Presidência, liderado por Mariana Vieira da Silva, diz não saber quantos funcionários públicos estão nesta situação. “Não temos essa informação desagregada“, respondeu fonte oficial.
José Abraão, líder da Federação dos Sindicatos da Administração Pública (FESAP), usa a expressão “grande ilusão” para caraterizar a postura do Governo, que tem anunciado aumentos de 47,55 euros para a posição remuneratória de entrada dos assistentes técnicos, de 709,46 euros para 757,01. O Governo estima que a valorização do salário de entrada, já este ano, com efeitos retroativos a janeiro, dos 17 mil assistentes técnicos vai custar 14 milhões de euros.
Governo dá esperança aos sindicatos até ao Conselho de Ministros
Os sindicatos saíram com esperanças da reunião desta quarta-feira com o Governo — uma ronda suplementar realizada a pedido dos sindicatos. A reunião serviu para a secretária de Estado mostrar cedências nalguns pontos, não relacionados com salários mas sim com procedimentos concursais para recrutamento.
Entre essas cedências está a possibilidade de os trabalhadores contratados a prazo na bolsa de recrutamento poderem passar a ter um contrato por tempo indeterminado em caso de concurso. Além disso, a entrevista de avaliação curricular passa a ter um peso na escolha dos candidatos de 25% face aos atuais 30%, uma percentagem que o Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE) considera que “muitas vezes distorce a avaliação final”.
Quanto a aumentos salariais — e afastados que estão há muito aumentos intercalares para fazer face à inflação que não foi compensada pela subida generalizada de 0,9% em janeiro — o Executivo só deixou um compromisso: equacionar em Conselho de Ministros uma série de possibilidades.
Desde logo, a eventualidade de o aumento de 52 euros no caso do salário de entrada (o mais baixo) dos técnicos superiores — para 1.059,59 euros (estagiários) e 1.268,04 euros (licenciados) — se fazer já este ano, e não apenas em 2023 como começou por se comprometer (na reunião anterior). Assim como o ‘bónus’ pensado especificamente para os técnicos superiores com doutoramento, de forma a valorizar o empenho dos funcionários na procura por melhores qualificações.
Nesse caso, o aumento proposto foi de 416,89 euros e também só para janeiro do próximo ano. Os técnicos superiores com doutoramento que estejam atualmente em posições remuneratórias anteriores passariam para a nova posição e os que estiverem na nova posição nível ou numa acima passariam para a seguinte.
O Governo prevê com a primeira medida abranger 22 mil pessoas e gastar 20 milhões de euros brutos (não diz o valor em termos líquidos, já tendo em conta quanto vai receber a mais de impostos sobre o rendimento). Para a segunda (doutorados) estima um impacto de 3,5 milhões de euros para 750 técnicos superiores com o doutoramento. Ao todo seriam 37,5 milhões de euros gastos nestas carreiras (assistentes técnicos e técnicos superiores) este ano e no próximo.
Mas Inês Ramires diz que a decisão final sobre os prazos ainda não está tomada, remetendo para a discussão que será feita pelo Governo na quinta-feira, em Conselho de Ministros. “A posição do Governo não está fechada e será amanhã, em Conselho de Ministros, que será apreciado a partir de quando é que produzem efeitos estas medidas”, indicou.
Certo é que as estruturas sindicais saíram com alguma esperança da reunião. “Será na reunião de Conselho de Ministros que se fará essa discussão e nós queremos acreditar que possa ter sucesso”, atirou Helena Rodrigues do STE, deixando um apelo a António Costa: “Apelamos ao senhor primeiro-ministro para que amanhã [quinta-feira] se lembre que os técnicos superiores têm tido uma valorização menos positiva quando comparados com outra carreiras. É chegada a altura de fazer a revisão desta carreira.” “A senhora secretária de Estado disse-nos que essa é matéria que poderá eventualmente ser decidida amanhã em Conselho de Ministros”, disse, por sua vez, José Abraão.
Outra esperança que paira no ar é de alargar os aumentos no salário de entrada dos técnicos superiores com doutoramento a outra carreiras — as especiais, como por exemplo a dos professores não universitários — e as carreiras que não foram revistas. Inês Ramires deu exemplos: carreiras na saúde e nas áreas governativas do Orçamento e da Autoridade Tributária. A ideia surgiu em reuniões setoriais com outros sindicatos e foi apresentada às estruturas sindicais que negoceiam em nome da função pública com o Ministério de Mariana Vieira da Silva.
Se avançar, abrangerá 500 pessoas — um número que já exclui as carreiras que obrigam a um doutoramento (por exemplo, as de investigação). É que a ideia, explica Inês Ramires, é valorizar os funcionários que não sendo obrigados a ter um doutoramento para aceder à carreira ainda assim optam por fazê-lo.
Mas estas são todas decisões que, no prazo e na abrangência, foram remetidas para a discussão entre governantes no Conselho de Ministros. Só aí se saberá quais os planos concretos do Governo.
Governo vai “equacionar” alargamento a mais carreiras do bónus salarial para doutorados
Artigo atualizado após o Governo publicar uma correção às tabelas de retenção. O ganho líquido dos assistentes técnicos casados, com dois titulares e dois dependentes, é de 33 euros e não 40 euros (como seria na primeira versão da revisão das tabelas)