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SAFIN HAMED/AFP/Getty Images

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Guterres vem aí. Mas vem para ficar?

Guterres foi falado para Belém, mas o seu caminho pode antes passar pela sede da ONU, em Nova Iorque. Agora deixa a ACNUR e regressa a Lisboa. Mas por quanto tempo fica?

Quando se pergunta pelo futuro de António Guterres, a resposta é que ele ainda pode ser o que quiser, por cá e além-fronteiras. O homem que vai deixar neste final de ano o cargo de alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), deverá regressar a Lisboa, mas poderá não ser por muito tempo. Apesar das dificuldades, muitos acreditam que os voos de Guterres ainda passam pelo alto cargo de Secretário-Geral da ONU. Afinal, qual pode ser o futuro do ex-primeiro-ministro?

António Guterres termina este dia 31 o mandato no ACNUR e pelo menos durante um tempo ficará em Lisboa. Regressa em plena campanha para as presidenciais, uma campanha na qual não quis participar, candidatando-se a Belém, para tristeza de muitos socialistas. Para já, será apenas um espectador.

"António Guterres está naquela posição invejável de poder escolher o que quer fazer a seguir. Não está disponível para se reformar. Acho que está mais virado para a vertente internacional, até porque tem mostrado que gosta de o fazer."
Vitalino Canas, dirigente do Partido Socialista

O ex-primeiro-ministro tem o cargo de administrador não executivo na Fundação Calouste Gulbenkian e deverá assumi-lo. Mas ficará Guterres apenas por aí?

“António Guterres está naquela posição invejável de poder escolher o que quer fazer a seguir. Não está disponível para se reformar. Acho que está mais virado para a vertente internacional, até porque tem mostrado que gosta de o fazer”, diz ao Observador o socialista Vitalino Canas.

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“É o melhor candidato a secretário-geral da ONU”

A “vertente internacional” tem um nome: secretário-geral da ONU. António Guterres nunca assumiu oficialmente a vontade de se candidatar a sucessor de Ban Ki-Moon. Disse: “A seu tempo vamos ver”. E o tempo chega já em 2016, quando terminar o mandato do secretário-geral à frente das Nações Unidas. Guterres é apontado como um dos fortes candidatos, mas deverá ter a oposição de uma mulher de Leste, a búlgara Irina Bokova, diretora-geral da UNESCO. Nada que esmoreça aqueles que acreditam na possibilidade de ter um português à frente de uma instituição internacional relevante.

“Ele é o melhor candidato a secretário-geral da ONU, não tenho dúvidas”, acredita outro socialista. Álvaro Beleza fala não só da capacidade de trabalho e do currículo de Guterres, mas também da rede de contactos: “Ele é socialista e católico, tem experiência governativa e diplomático, esteve na ONU e é o mais conhecido dos candidatos”.

Guterres era o nome pelo qual os socialistas suspiravam para uma candidatura a Presidente da República, aliás, Maria de Belém chegou mesmo a admitir que se o ex-primeiro-ministro fosse candidato, ela não avançaria. Guterres não o fez. Mas isso não quer dizer que tenha perdido o comboio presidencial, só não vai entrar nele agora. Para quem o conhece, Guterres ainda é novo, tem tempo para se candidatar ao cargo caso não consiga chegar ao topo da ONU. “Se quisesse ter sido candidato a Presidente teria sido bom candidato, apoiado pelo PS, fortíssimo, mas não quis”, diz Vitalino Canas. E daqui a cinco anos? “Quando se falava do nome dele para candidato presidencial, enviou uma mensagem bastante cristalina dizendo que o que ele faz é ele que decide. Quando se colocar na altura, ele não se sentirá impedido”, acrescenta.

O “ótimo motor” que o Eng. Guterres criou no ACNUR

Quando entrou pelas portas do ACNUR pela primeira vez, em 2005 muitos dos funcionários daquela organização sediada em Genebra, na Suíça, terão torcido o nariz. “Muitos deles estavam céticos”, lembra ao Observador Jeff Crisp, que foi responsável entre 1996 e 2013 pelos departamentos de avaliação das políticas do ACNUR e hoje é investigador no Centro de Estudos para Refugiados da Universidade de Oxford.

Antes de Guterres, o cargo de alto comissário do ACNUR foi ocupado Ruud Lubbers, primeiro-ministro holandês entre 1982 e 1994, que em 2005 saiu num processo conturbado onde foi acusado de assédio sexual nos escritórios da organização. Apesar de a investigação que se seguiu não ter sido conclusivo, Kofi Annan, o ganês que na altura era secretário-geral da ONU, pediu a demissão de Lubbers. “O secretário-geral está convencido de que é do interesse do ACNUR, dos seus funcionários e dos refugiados que serve, que se vire a página para dar começo a um novo capítulo”, leu-se num comunicado oficial na altura.

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A entrada de Guterres — que, tal como Lubbers, era um ex-primeiro-ministro europeu, acrescendo a isso o desconhecimento de experiência com refugiados — causou, por isso, alguma estranheza. Mas depressa esta desapareceu, quando ficou claro que o recém-chegado alto comissário “dominava várias áreas do conhecimento”, refere o académico de Oxford.

Dos cerca de oito anos que trabalhou com Guterres, Crisp lembra a “energia intelectual” acima de tudo. “Ele vem de engenharia e depois foi para a política, o que para muitos já seria um exercício algo difícil. Mas quando falávamos, eram frequentes as alturas em que a conversa ia para a história, literatura ou arte”, recorda Crisp. “Uma vez estávamos a falar de trabalho e ele, um pouco inopinadamente, perguntou-me: ‘Para si, neste momento, qual é a melhor cidade em termos de arte moderna? Berlim ou Nova Iorque?'”

“Ele gosta de falar e tem uma tendência para monopolizar reuniões. Por vezes consegue ser intimidante, mesmo que não se aperceba disso, porque o seu conhecimento dos assuntos é tão vasto que as pessoas à volta dele podem sentir-se pequenas.”
Jeff Crisp, antigo funcionário do ACNUR

Como defeito, Crisp aponta-lhe o “gostar muito do som da sua voz”. “Ele gosta de falar e tem uma tendência para monopolizar reuniões. Por vezes consegue ser intimidante, mesmo que não se aperceba disso, porque o seu conhecimento dos assuntos é tão vasto que as pessoas à volta dele podem sentir-se pequenas.”

Ao mesmo tempo, Guterres fez o ACNUR crescer como nunca. “A primeira palavra que me vem à cabeça é ‘expansão'”, diz Jeff Crisp, do Centro de Estudos para Refugiados da Universidade de Oxford e responsável entre 1999 e 2013 pelos departamentos de avaliação das políticas do ACNUR. Esta “expansão”, explica o britânico numa entrevista telefónica, tem três componentes: financeira, com o orçamento da organização a saltar de cerca de 900 milhões de euros em 2005 para 6,5 mil milhões em 2015; geográfica, porque “antes dos mandatos de Guterres o Médio Oriente não era uma região fulcral para o ACNUR; e tópicos, quando assuntos como “movimentos migratórios, alterações climáticas, desastres naturais e pessoas deslocadas no próprio país passaram a receber mais atenção”.

"Quando ele entrou, trouxe consigo novas dinâmicas, foi um novo começo, uma lufada de ar fresco (...). Havia uma grande fadiga por parte dos doadores [financeiros] e ele conseguiu dar a volta a isso, levando a que vários estados dessem mais dinheiro para os refugiados."
Beat Schuler, responsável do ACNUR nos países do Sul da Europa

Para a presidente do Conselho Português para os Refugiados (CPR), Teresa de Tito Morais, Guterres “tornou o ACNUR muito mais visível e muito mais interveniente do que há 10 anos”. Opinião partilhada pelo responsável do ACNUR nos países do Sul da Europa, Beat Schuler. “Guterres entrou no ACNUR quando este era uma organização média e quando sai já é uma das maiores dentro da esfera das Nações Unidas”, diz ao Observador. “Enquanto engenheiro que é, ele conseguiu montar um ótimo motor para a nossa organização.”

“Quando ele entrou, trouxe consigo novas dinâmicas, foi um novo começo, uma lufada de ar fresco”, lembra Beat Schuler, que já trabalhava no ACNUR quando Guterres chegou. “Havia uma grande fadiga por parte dos doadores [financeiros] e ele conseguiu dar a volta a isso, levando a que vários estados dessem mais dinheiro para os refugiados.”

Em dez anos de Guterres, apareceram mais 22 milhões de refugiados

Mesmo assim, nem tudo funcionou para o ACNUR na década que passou — e o último ano foi prova disso. Quando Guterres assumiu o cargo de alto comissário do ACNUR, em 2005, havia 38 milhões de refugiados no mundo, sendo que esse número estava a descer. Em 2015, são mais de 60 milhões — e cada vez mais. A braços com a maior crise de refugiados desde que foi fundado em 1950, Guterres não conseguiu persuadir a grande maioria dos líderes europeus a tomarem medidas de acolhimento de refugiados de larga escala.

"É muito difícil conseguir uma resposta articulada da Europa e eu responsabilizo os governos europeus mais conservadores e egoístas, junto dos quais o ACNUR tem tentado trazer para uma estratégia mais solidária, embora sem sucesso"
Teresa Tito de Morais, presidente do Conselho Português para os Refugiados

Para Teresa Tito de Morais, a falta de consenso europeu não se deve a Guterres, mas sim apesar dele. “É muito difícil conseguir uma resposta articulada da Europa e eu responsabilizo os governos europeus mais conservadores e egoístas, junto dos quais o ACNUR tem tentado trazer para uma estratégia mais solidária, embora sem sucesso”, diz a presidente do CPR.

“Mesmo com todas as qualidades que ele tem, entre elas a de negociador político, há muito pouco a fazer para mudar as causas dessas tragédias”, refere Jeff Crisp, enumerando os vários conflitos de onde emergem refugiados em todo o mundo, com a Síria à cabeça. “O Conselho de Segurança da ONU e outros atores políticos é que têm o verdadeiro poder para atacarem as causas que produzem mais refugiados”, diz o antigo funcionário do ACNUR, para depois citar de memória uma máxima que circula pelos corredores daquela organização, em Genebra: “Não se resolvem problemas humanitários com ações humanitárias”. Ficam sempre a faltar a diplomacia e a política — algo que, como putativo secretário-geral da ONU, poderá fazer (ainda) mais parte da sua rotina.

Jeff Crisp não duvida de que Guterres está talhado para esse cargo. “Ele preenche todos os requisitos necessários. Está no palco internacional há vários anos, tem contactos com políticos e partidos de todo o mundo, fala uma série de línguas e conhece as Nações Unidas por dentro como poucos”, explica, para depois contrapor com a aspiração dos países da antiga União Soviética a serem representados no cargo pela primeira vez, aliando a isso as vozes que pedem que Ban Ki-Moon seja sucedido por uma mulher: “Tirando a nacionalidade e o sexo, ele tem tudo o que é necessário”.

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