A tendência de aumento da taxa de desemprego já vinha de trás, desde outubro do ano passado, e foi confirmada esta quarta-feira, quando o Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou a estimativa rápida de janeiro: a taxa subiu 0,3 pontos percentuais (pp) face a dezembro e 1,2 pp. em relação a um ano antes, para 7,1%, o valor mais alto desde novembro de 2020. O INE contabilizou 374,8 mil desempregados em Portugal, mais 22,3% do que um ano antes. É nos “ex-inativos” que agora procuram emprego que recai parte da explicação, mas também na inflação, que obriga famílias e empresas a fazer e refazer contas e tomar decisões — de voltar a procurar trabalho ou restringir contratações.

A taxa de desemprego subiu pelo terceiro mês consecutivo, uma evolução que, para João Cerejeira, especialista em economia do trabalho e professor na Universidade do Minho, foi superior ao que esperava. “Até pelos dados da atividade económica” divulgados um dia antes pelo INE e que apontavam para um crescimento económico de 0,3% no quarto trimestre. Segundo Cerejeira, o aumento homólogo de mais 68,3 mil desempregados não é reflexo da destruição propriamente dita do emprego, que praticamente estagnou, e sim pela transferência daqueles que eram considerados inativos — porque não procuravam emprego — para o desemprego — porque passaram a procurá-lo, mas não o encontraram.

Taxa de desemprego subiu em janeiro para 7,1%, o valor mais alto desde novembro de 2020

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De acordo com a estimativa rápida do INE, em janeiro, a população inativa diminuiu 1,8% em termos homólogos, ou seja, no espaço de um ano houve 45,6 mil pessoas que deixaram de ser categorizadas como inativas nos critérios do organismo (que são iguais aos dos outros institutos europeus) e passaram a ser consideradas ativas (empregadas ou desempregadas). Esta diminuição dos inativos deveu-se “à diminuição do número de outros inativos (29,3 mil; 1,3%)” — os que não estavam disponíveis para trabalhar nem procuravam emprego — e do “número de inativos disponíveis para trabalhar, mas que não procuravam emprego (21,5 mil; 15,6%)”, explica o INE.

“Parte deste aumento do desemprego tem, essencialmente, a ver com a transferência de pessoas que estavam inativas para a população ativa, como desempregadas“, explica João Cerejeira, ao Observador. Nos critérios do INE, para ser considerado desempregado, é preciso cumprir três critérios: não ter emprego, estar disponível para trabalhar e procurar ativamente emprego. Aquilo a que se assistiu foi a um aumento das pessoas que antes não procuravam emprego e agora passaram a fazê-lo.

E porque não procuravam emprego antes? João Cerejeira admite que ainda houvesse quem não pudesse fazê-lo por causa das restrições da pandemia — em janeiro de 2022 ainda estavam em vigor algumas medidas restritivas, como a chamada “semana de contenção”, que dificultavam essa procura. Mas também podiam simplesmente não o querer fazer. Paulo Marques, coordenador do Observatório do Emprego Jovem e professor no ISCTE, dá um exemplo: há pessoas sem trabalho que estão “à beira da reforma”, à espera de chegar à idade da reforma, e que apenas equacionariam voltar à atividade se encontrassem um emprego “muito atrativo”.

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A inflação e a consequente perda de poder de compra pode ter levado este conjunto diverso de ex-inativos a fazer contas à vida e a optar pela procura de emprego. Ou seja, para o INE, a partir do momento em que há essa procura ativa, e disponibilidade para trabalhar, estes cidadãos deixam de ser categorizados como inativos e passam a empregados (se conseguirem arranjar trabalho) ou desempregados (se procuram mas não o encontram). Esta segunda opção terá sido a mais provável, tendo em conta que a população empregada subiu muito menos (0,1% em termos homólogos, mais 5,8 mil) do que a desempregada (22,3%, mais 68,3 mil).

Empresas mais cautelosas na hora de contratar

Paulo Marques, do ISCTE, e Pedro Martins, ex-secretário de Estado do Emprego e professor na Nova SBE, concordam que o aperto nas carteiras motivado pela inflação pode ter motivado os tais inativos a procurar trabalho. “Pode haver quem agora, num contexto de aumento das taxas de juro e dos custos, sinta uma pressão maior para entrar no mercado de trabalho”, refere Paulo Marques, para quem a subida do salário mínimo em 7,8%, para os 760 euros, também pode ter sido um “incentivo”.

“O aumento dos níveis elevados da inflação pode fazer com que haja maior necessidade de rendimentos do trabalho. É uma lógica de necessidade“, converge Pedro Martins. Além disso, aqueles que estão sem trabalho há muito tempo, perante as notícias de falta de trabalhadores nalguns setores, “podem ter-se sentido motivados a procurar emprego”, acrescenta Paulo Marques.

Mas apesar dessa procura ativa, muitos destes ex-inativos não estão a conseguir encontrar trabalho porque, diz João Cerejeira, as empresas estão mais cautelosas na contratação. “Acho que esta situação de alguma incerteza vai refletir-se em primeiro lugar nas contratações. Provavelmente haverá já uma contração das intenções de contratar. É o desemprego que não tem a ver com a destruição do emprego, mas com a não criação de emprego”, refere o investigador. O emprego medido pelo INE subiu 0,1% face a janeiro de 2022 e 0,5% em cadeia, uma quase estagnação.

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Segundo Cerejeira, não há ainda nos números do desemprego um  reflexo de eventuais falências das empresas, “porque a atual crise ainda não se refletiu na atividade económica” e nos resultados, e sim no poder de compra das famílias. Paulo Marques, do ISCTE, chama, porém, a atenção para realidades muito distintas entre setores.

Os dados mais recentes por setor são do último trimestre do ano e revelam disparidades. Por um lado, refere o especialista em economia do trabalho, o setor do imobiliário, que face ao trimestre anterior viu o emprego cair 10%; por outro lado, o turismo, que em 2022 criou 50 mil postos de trabalho, nas suas contas, e estava a “segurar” o emprego. “Isto quer dizer que há alguns setores que estão a ser bastante afetados, num contexto de alteração radical da política monetária. Geralmente leva algum tempo a produzir efeitos, mas começa agora a generalizar-se o efeito que tem o aumento das taxas de juro para as famílias e empresas”, indica o investigador. “Será preciso ver até que ponto outros setores, como o turismo, conseguem compensar”.

Para isso, irá depender o comportamento do consumo das famílias no verão e os efeitos que isso tiver no turismo. “Não sabemos como vai ser a época turística face aos aumentos de preço. A inflação é um fenómeno global e há mercados emissores europeus, por exemplo, do Reino Unido, que também estão a passar por dificuldades internas”, defende João Cerejeira. A perspetiva dos economistas é que, pelo menos no curto prazo, os níveis de contratação não melhorem, num contexto de aumento das taxas de juros e de retração do consumo das famílias.

Momento é de “inflexão”, dizem economistas. Governo contraria

Os economistas ouvidos pelo Observador concordam que a tendência será para o aumento da taxa de desemprego nos próximos meses, depois de tempos de desemprego historicamente baixo. Paulo Marques fala numa “inflexão” da situação no mercado de trabalho, que já vinha de trás: a taxa de desemprego está a subir desde 0utubro, altura em que estava nos 6%, subindo até dezembro para os 6,8% e, agora em janeiro, para os 7,1%, segundo a estimativa rápida. “Depois de um período longo de redução do desemprego, e já abaixo do que estava em 2019, há uma certa tendência de crescimento do desemprego“, observa. Essa tendência deverá manter-se, dizem os economistas.

O Governo tem uma visão diametralmente oposta. Em declarações à RTP3, Miguel Fontes, secretário de Estado do Trabalho, rejeita que haja uma “tendência” da subida do desemprego. “Os dados do IEFP [Instituto do Emprego e Formação Profissional] que disponho, de fevereiro, mostram uma quebra relativamente à subida do desemprego e uma recuperação”, afirmou.

Miguel Fontes sublinha que, em janeiro, a taxa de desemprego tende a subir fruto da “sazonalidade” (no mês do natal o emprego sazonal tende a aumentar, descendo depois) e que este foi o “terceiro melhor janeiro dos últimos 20 anos”, após 2019 e 2020, imediatamente antes da pandemia que quebrou esse ciclo de quedas. O secretário de Estado prevê que nos próximos meses haja uma recuperação da taxa de desemprego “que habitualmente acontece ao longo do ano”. E salienta que de dezembro para janeiro haja mais 24 mil pessoas empregadas e que se registe a “maior população ativa alguma vez reconhecida”.

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Mais pessimista, Paulo Marques lembra que há setores que, na reta final do ano, “já se percebia que estavam a ser bastante afetados”. Os dados trimestrais vão permitir com mais detalhe perceber que dinâmicas se mantêm ou foram agravadas. “A alteração da política monetária vai ter efeitos no mercado de trabalho, é inevitável“, afirma o coordenador do Observatório do Emprego Jovem.

Serão precisamente os jovens os “mais afetados”, ora porque tendem a ter contratos precários — os primeiros a ser dispensados em momentos de crise — ora porque estarão, sobretudo por alturas do verão, quando completarem a formação escolar, na transição para o mercado de trabalho, antecipa. João Cerejeira, por sua vez, acredita que a “pressão” que já existe do lado dos consumidores, com a subida dos preços e a perda de poder de compra, vai ter repercussões na atividade das empresas, mas “vai demorar algum tempo mais”.

Pedro Martins, da Nova SBE, concorda que os próximos tempos vão depender da situação internacional, mas também aponta fatores nacionais que, considera, podem dificultar a vida às empresas, como as novas alterações na lei laboral que tornam o mercado de trabalho menos flexível e restringem o recurso à contratação temporária ou ao outsourcing — tudo opções que as empresas queriam manter sobretudo para momentos de crise.

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