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Qual a polémica em torno dos números?

O Instituto Nacional de Estatística (INE) contabilizava, em junho, 350 mil desempregados (números provisórios). Mas, para a CGTP, os dados oficiais “não refletem o grande aumento verificado“. Porque “muitos desempregados não são assim classificados” pelo INE por “não fazerem diligências para procurar emprego, um fenómeno que tem atualmente maior relevância devido às restrições à mobilidade associadas à pandemia ocorridas”.

Os números do INE não batem certo com os do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), que, no mesmo mês, contabilizou 406 mil inscritos nos centros de emprego, valor que subiu para os 407 mil em julho.

O líder do PSD, Rui Rio, considera os dados do desemprego, tanto do INE, como do IEFP, “uma incógnita“. No final de julho disse que a taxa de desemprego de 7% calculada pelo INE não coincide com a realidade, que é “muito pior“. E voltou, em agosto, a questionar os números, desta vez do IEFP. “A realidade é de certeza pior do que os 407 mil desempregados anunciados“.

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Afinal, quem é que o INE considera desempregado?

Para apurar o número de desempregados, o INE procede a um inquérito (o “Inquérito ao Emprego”) a uma amostra, com perguntas sobre uma determinada semana (a chamada “semana de referência”). Os resultados são estimativas com um erro de amostragem associado e são considerados “oficiais” — podendo ser usados na comparação com outros países.

Para o INE, um desempregado é uma pessoa com idade entre os 15 e os 74 anos que, no período de referência, preenchia, simultaneamente, os seguintes requisitos:

  • Não tinha trabalho remunerado nem qualquer outro (mesmo que não remunerado);
  • Tinha procurado ativamente um trabalho, remunerado ou não, ao longo de um período específico (no período de referência ou nas três semanas anteriores);
  • Estava disponível para trabalhar num emprego, remunerado ou não.

Considera-se “inativo” o indivíduo que não cumpre, pelo menos, um destes dois últimos requisitos.

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O que significa procurar ativamente emprego?

Segundo uma nota do INE, a procura ativa traduz as seguintes diligências:

  • contacto com um centro de emprego público ou agências privadas de colocações;
  • contacto com empregadores;
  • contactos pessoais ou com associações sindicais;
  • colocação, resposta ou análise de anúncios;
  • procura de terrenos, imóveis ou equipamentos;
  • realização de provas ou entrevistas para seleção;
  • solicitação de licenças ou recursos financeiros para a criação de empresa própria.

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E o que é considerado "estar disponível" para trabalhar?

Segundo o INE, considera-se que está disponível para trabalhar quem:

  • tem “desejo de trabalhar”;
  • tem “vontade de ter um trabalho remunerado ou uma atividade por conta própria, no caso de poder obter os recursos necessários”;
  • tem “possibilidade de começar a trabalhar num período específico (no período de referência ou nas duas semanas seguintes)”.

Incluem-se ainda as pessoas que, embora tendo um trabalho, só iam começar a trabalhar numa data posterior à do período de referência.

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Quer isto dizer que a população desempregada pode, na prática, ser maior do que revela o INE?

Sim. Como vimos, uma pessoa desempregada, para o ser aos olhos do INE, tem de procurar ativamente emprego e estar disponível para trabalhar. Com a pandemia, e o confinamento, muitas pessoas que estavam sem trabalho não puderam procurar emprego devido ao dever de recolhimento ou porque tinham de tomar conta dos filhos (por exemplo, quando as escolas estiveram fechadas). Ou, tendo procurado ativamente emprego, não estiveram disponíveis para trabalhar (por exemplo, porque estiveram doentes). Embora estejam desempregadas, não o são na ótica do INE — para o instituto, são inativas. O mesmo não acontece segundo os critérios do IEFP, como veremos.

“Pessoas anteriormente classificadas como desempregadas e pessoas que efetivamente perderam o seu emprego devido à pandemia Covid-19 podem agora ser classificadas como inativas, devido às restrições à mobilidade, à redução ou mesmo interrupção dos canais normais de informação sobre ofertas de trabalho em consequência do encerramento parcial ou mesmo total de uma proporção muito significativa de empresas, razões pelas quais não fizeram uma procura ativa de emprego (condição essencial para a sua classificação enquanto desempregadas)”, explica o INE, numa nota divulgada em maio.

Além disso, “a não disponibilidade para começar a trabalhar na semana de referência ou nos 15 dias seguintes, caso tivessem encontrado um emprego, por terem de cuidar de filhos ou dependentes ou por terem adoecido em consequência da pandemia, leva à inclusão na população inativa”.

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Com o fim do estado de emergência, o número de inativos baixou?

O efeito não foi imediato. Os dados do INE relativamente a maio, mês em que o país começou a desconfinar, mostram que a população inativa se fixou em 2,8 milhões de pessoas, mais 125 mil (uma subida de 4,6%) do que em abril de 2020. É o valor mais alto desde 1998.

Em junho, os dados provisórios contabilizam 2,7 milhões de inativas — ou seja, menos 63,7 mil (uma redução de 2,2%) do que em maio. Um reflexo da reabertura das atividades económicos e do fim do estado de emergência.

“Tal terá possibilitado o começo do cumprimento dos critérios de procura ativa de emprego e de disponibilidade para começar a trabalhar”, que são necessários para a inclusão dos não empregados na categoria de desempregados (e não de inativos), escreve o INE.

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“A possibilidade de cumprimento de ambos os critérios é já visível nos resultados provisórios de junho, onde se observa um forte aumento da população desempregada em relação aos três períodos de comparação (mês anterior, três meses antes e mês homólogo de 2019) e uma diminuição mensal da população inativa que apenas cumpre um dos critérios necessários à classificação de desemprego.”

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Se uma pessoa teve um emprego "informal" é considerada empregada?

Nos critérios do INE, uma pessoa que trabalhou mesmo não tendo declarado o rendimento à Segurança Social (o que é ilegal), como na chamada economia “informal”, é considerada empregada.

Já aos olhos do IEFP, pode ser considerada desempregada se declarar não ter trabalho, estiver disponível para trabalhar imediatamente e tiver capacidade para o trabalho.

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Em que é que diferem os critérios do INE e do IEFP?

O Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) divulga mensalmente dados sobre os desempregados que estão inscritos nos centros de emprego como “candidatos a uma colocação no mercado de trabalho”, sendo que esta inscrição é obrigatória para acesso ao subsídio de desemprego.

A informação do IEFP baseia-se, assim, em registos administrativos. Segundo os critérios definidos pelo instituto, são consideradas desempregadas as pessoas com, pelo menos, 16 anos que, cumulativamente:

  • declarem não ter trabalho;
  • estão imediatamente disponíveis para trabalhar (ou seja, estão dispostas a aceitar um posto de trabalho no prazo máximo de 15 dias a contar do momento da inscrição; após aquele período, a aceitação do posto de trabalho tem que ser imediata);
  • têm capacidade para o trabalho (isto é, demonstram possuir aptidões para o exercício de uma atividade profissional, nomeadamente a inexistência de incapacidade por doença).

Além da diferença que vimos na pergunta anterior, os dados do IEFP não permitem calcular uma taxa de desemprego, nem garantem uma comparabilidade internacional.

Mais: ser desempregado na ótica do IEFP não implica, necessariamente, que a pessoa procure ativamente emprego de acordo com os critérios do INE. Isto porque pode não desenvolver iniciativas para procurar trabalho — não envia currículos, não vai a entrevistas que conseguiu por iniciativa própria (mas se não comparecer às convocatórias conseguidas através do IEFP pode perder a inscrição), não responde a anúncios, etc. (a procura ativa de emprego é, porém, obrigatória para quem recebe o subsídio de desemprego).

Os técnicos do INE, por outro lado, procuram saber se o inquirido fez essa procura ativa. Se não o fez, é considerado inativo.

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E quem está em formação ou num estágio do IEFP?

Segundo os conceitos usados pelo IEFP, deixam de ser considerados desempregados (mas mantêm a inscrição como candidato a emprego):

  • Os candidatos que apresentam indisponibilidade justificada para o trabalho (por exemplo, por doença), sendo transferidos para a categoria de “Indisponível Temporariamente”;
  • Candidatos que iniciam atividade por conta própria apoiados ou sejam integrados no mercado de trabalho no âmbito dos programas de apoio à criação de empresas e/ou postos de trabalho, sendo a sua inscrição anulada;
  • Candidatos a desenvolver trabalho socialmente necessário, a frequentar ações de formação profissional, estágios profissionais ou mais medidas ativas de emprego, à exceção das medidas que visam a criação do próprio emprego ou postos de trabalho, sendo transferidos para a categoria de “Ocupados”.

No caso do INE, e “de acordo com o conceito em vigor no Inquérito ao Emprego, os estagiários só são considerados empregados caso sejam remunerados pelo trabalho que efetuam (excluindo o pagamento das despesas de alimentação ou de transporte)”.

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Se estou desempregado e não respondo às convocatórias, deixo de estar inscrito no IEFP?

Sim. O incumprimento de deveres, como a falta a uma convocatória ou não resposta a controlo postal (convocatórias por carta), determina a anulação da inscrição para o emprego. E “a reinscrição para emprego só pode verificar-se decorridos 90 dias consecutivos contados da data da decisão de anulação”.

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Mas durante a pandemia não foi possível procurar ativamente emprego. E agora?

Com o confinamento, o Governo levantou a obrigatoriedade de procurar ativamente emprego para continuar inscrito nos centros de emprego e, assim, manter o direito ao subsídio de desemprego.

Mas, com a “entrada na fase de desconfinamento, o dever de procura ativa de emprego, bem como da sua demonstração perante o serviço público de emprego, volta a ser necessário para a manutenção das prestações de desemprego. No entanto, sempre que possível, devem continuar a ser privilegiados os meios digitais”.

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Se houve 46 mil novos desempregados, como é que no final de julho só havia mais 637 inscritos?

O IEFP anula também do ficheiro dos desempregados quem começou a trabalhar, quer no âmbito de programas de apoio à criação de postos de trabalho, quer no caso de o inscrito ter encontrado trabalho pelos meios próprios e quem se reformou ou emigrou. Ou, como vimos, quem recebe formação ou está de baixa.

São estas razões que podem levar à discrepância entre a evolução do número de desempregados no final do mês e o número de desempregados que se inscreveram ao longo do mês. Segundo os dados do IEFP, no final de julho, existiam 407.302 desempregados, mais 637 do que no final de junho (406.665). Mas, ao longo do mês de julho, inscreveram-se 46.800 desempregados — alguns dos quais, por exemplo, devido a alguma das razões enumeradas anteriormente, deixaram de estar inscrito.