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Estação de Santa Apolónia em Lisboa em dia de greve de trabalhadores da CP, IP-Infraestruturas de Portugal, IP-Telecom , IP - Engenharia , IP -Património e EMEF. Os trabalhadores da CP e da IP cumprem hoje o primeiro dia de greve, para reivindicar um prémio financeiro que compense a perda de poder de compra em 2022  ANTÓNIO COTRIM/LUSA
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ANTÓNIO COTRIM/LUSA

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Há uma greve de 14 dias na CP sem serviços mínimos. Como são decididas estas obrigações?

A greve na CP decretada por três sindicatos não vai ter serviços mínimos. O tribunal arbitral decidiu não fixá-los. Não considerou existirem razões que se sobreponham ao direito à greve.

De 8 a 21 de fevereiro. É o período de várias greves na CP e na IP que vão perturbar a circulação de comboios. As greves foram convocadas por três sindicatos, havendo períodos sobrepostos. Não foram decretados serviços mínimos para a circulação de comboios. A greve estende-se por 14 dias. Não é a primeira greve da CP, mas em algumas outras foram estabelecidos serviços mínimos. Desta vez, o tribunal considerou não haver “necessidades sociais impreteríveis” que devessem ser acauteladas, necessidades que normalmente olham para o setor em questão, mas que, segundo Luís Gonçalves da Silva, especialista em direito de trabalho na Abreu Advogados, podem chegar a ser fixados por causa da duração de uma paralisação, que foi o que aconteceu, por exemplo, no caso da educação.

Ao pré-aviso de greve — que tem de ser apresentado 10 dias antes da paralisação — seguiu-se uma reunião na Direção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT) numa tentativa da empresa e estruturas sindicais chegarem a acordo para a fixação dos serviços mínimos, com as partes a fazerem as respetivas propostas. Sem acordo, o processo segue para a secretaria geral do Conselho Económico e Social (CES) para nomeação de tribunal arbitral. É o que acontece sempre que não há acordo em greves de companhias que compõem o setor empresarial do Estado. No caso das empresas privadas, o processo é decidido por parte do ministro do Trabalho que produz despacho sobre serviços mínimos.

Como se trata da CP, é o tribunal arbitral que terá de decidir. Na greve convocada para os primeiros dias de janeiro, o tribunal arbitral decidiu definir serviços mínimos. A greve de seis dias foi reivindicada pelo sindicato que representa os maquinistas — SMAQ (Sindicato Nacional dos Maquinistas dos Caminhos de Ferro). Se em janeiro foram determinados serviços mínimos, agora numa greve de 14 dias não foram.

Estação de Santa Apolónia em Lisboa em dia de greve de trabalhadores da CP, IP-Infraestruturas de Portugal, IP-Telecom , IP - Engenharia , IP -Património e EMEF. Os trabalhadores da CP e da IP cumprem hoje o primeiro dia de greve, para reivindicar um prémio financeiro que compense a perda de poder de compra em 2022  ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Na greve de janeiro foram convocados serviços mínimos. Para a de fevereiro não

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Cabe ao tribunal arbitral decidir, em processos que têm três árbitros: um pela entidade empregadora, outro pelos trabalhadores e um presidente (independente) indicado por acordo entre as outras duas partes. Cada um é escolhido de uma lista existente para cada um dos árbitros. A escolha é feita, segundo explicaram advogados do direito de trabalho ao Observador, sorteando-se os árbitros de cada uma das listas. À semelhança do que acontece no bingo, vão sendo retiradas as bolas com nomes dos respetivos árbitros que representam cada uma das partes.

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Na decisão da CP, da greve de fevereiro, o árbitro presidente foi Vítor Moreira Ferreira. A árbitra pelos trabalhadores foi Zulmira de Castro Neves e pelo empregador Cristina Nagy Morais.

O tribunal inicia-se com a audição de cada uma das partes que dão origem a uma decisão. Neste caso da CP, segundo a decisão consultada pelo Observador, o tribunal juntou todos os processos das greves da CP e IP, por se sobreporem. Ouvidas as partes há que decidir. Cláudia Varela, sócia do Departamento de Direito do Trabalho e Segurança Social da SRS Legal, explica ao Observador que há acórdãos que chegam a 24 horas do início da greve e, se greves do mesmo âmbito deviam ter o mesmo elenco de serviços mínimos, muitas vezes isso não acontece, podendo haver nuances. Desde logo, explicam vários advogados, porque o perfil dos árbitros também podem ditar resultados diferentes.

No arranque desses processos há, no entanto, duas forças que tentam os seus propósitos. Os trabalhadores por regra defendem um maior impacto da greve, pelo que propõem serviços mínimos minimalistas. A entidade empregadora tenta que sejam fixados serviços que determinem o menor impacto possível na operação.

"Por motivo de greves, convocadas pelos Sindicato Nacional dos Maquinistas dos Caminhos de Ferro Portugueses (SMAQ), Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sector Ferroviário (SNTSF) e Sindicato Ferroviário da Revisão Comercial Itinerante (SFRCI), ocorrerão fortes perturbações na circulação de comboios, a nível nacional, no período entre as 00h00 do dia 8 de fevereiro de 2023 e as 24h00 do dia 21 de fevereiro de 2023". 
Comunicado da CP

Sem serviços mínimos na circulação

O tribunal decidiu, por maioria, não fixar quaisquer serviços mínimos para além dos constantes nos números anteriores, designadamente quanto à circulação de comboios”, lê-se na decisão da entidade arbitral, que decreta ainda assim alguns serviços mínimos, mas para casos específicos. Foram decretados serviços mínimos para os comboios que já estejam a circular quando é iniciado o período de greve — têm de chegar ao destino e estacionados em segurança. E por isso se decreta também a possibilidade de haver serviço em caso de emergência ou acidente. Mas são dois casos concretos: terminar a marcha quando já estejam a circular e em caso de emergência.

De resto não haverá serviços mínimos. Isso mesmo realçou a CP em comunicado: “Não foram decretados serviços mínimos para este período de greves”. E, por isso, a empresa pública de comboios já fez saber que “por motivo de greves, convocadas pelos Sindicato Nacional dos Maquinistas dos Caminhos de Ferro Portugueses (SMAQ), Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sector Ferroviário (SNTSF) e Sindicato Ferroviário da Revisão Comercial Itinerante (SFRCI), ocorrerão fortes perturbações na circulação de comboios, a nível nacional, no período entre as 00h00 do dia 8 de fevereiro de 2023 e as 24h00 do dia 21 de fevereiro de 2023″. 

O que fazer? Reembolsado ou remarcado

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De acordo com a CP, os clientes apanhados pela greve e que tenham adquirido bilhetes para os serviços Alfa Pendular, Intercidades, Internacional, InterRegional e Regional podem ser reembolsados do respetivo valor. Ou podem remarcar para outro comboio da mesma categoria e da mesma classe, podendo esta ser feita nas bilheteiras ou em myCP (na área ‘Os seus bilhetes’) até aos 30 minutos que antecedem a partida do comboio

Para o reembolso, a CP explica que “pode ser solicitado nas bilheteiras e em cp.pt através do preenchimento do formulário online, com o envio da digitalização do original do bilhete e indicação de Nome, Morada postal, IBAN e NIF, até dez dias após terminada a greve.”

Que greve foi marcada?

Há três greves a decorrer durante estes 14 dias. A do SMAQ (maquinistas) de 8 a 21 de fevereiro. A do SNTSF (Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sector Ferroviário), afiliado da Fectrans ligada à CGTP, dia 9 de fevereiro, e a do SFRCI (Sindicato Ferroviário da Revisão Comercial Itinerante), dos revisores, para 10 de fevereiro. Mas se as greves estão marcadas para esses 14 dias, não é todo o serviço que está em causa. E, por isso, a CP fala em perturbações, mas não consegue antecipadamente determinar, em particular a partir de dia 10, quais os serviços que estarão em causa. Uma coisa é certa. Dias 9 e 10 de fevereiro não deverá haver qualquer comboio a circular.

É que, se no caso do SNTSF, a greve foi convocada entre as zero horas e as 24 horas do dia 9 de fevereiro e no caso do SFCR entre as zero horas e as 24 horas do dia 10 de fevereiro, na greve do SMAQ tem vários horários. De acordo com o pré-aviso, a que o Observador teve acesso, o sindicato dos maquinistas convocou greve das zero horas do dia 8 de fevereiro até às 24 horas de 21 de fevereiro, “encontrando-se em greve a prestação de todo e qualquer trabalho nos períodos de tempo e termos descriminados:

  • entre as 00H00 e as 24h00 do dia 9 de fevereiro de 2023, em todo e qualquer trabalho;
  • os trabalhadores que a 8 de fevereiro tenham previsto um período normal de trabalho diário que ultrapasse as 00h00 do dia 9 de fevereiro encontram-se em greve desde a hora prevista de início do seu período normal de trabalho até ao seu termo;
  • os trabalhadores que no dia 9 de fevereiro tenham previsto um período normal de trabalho diário que ultrapasse as 00h00 do dia 10 de fevereiro encontram-se em greve desde a hora prevista do início do seu período normal de trabalho até ao seu termo;
  • os trabalhadores que no dia 8 de fevereiro de 2023 tenham previsto um período normal de trabalho diário com retirada/repouso fora da sede, encontram-se em greve desde a hora prevista do início do seu período de trabalho até ao seu termo;
  • entre as zero horas do dia 10 de fevereiro de 2023 e as 24h00 do dia 16 de fevereiro de 2023, os trabalhadores com as categorias Maquinista ou Maquinista Técnico encontram-se em greve à prestação de trabalho a todos os períodos normais de trabalho diários que tenham a duração prevista superior a sete horas e meia;
  • entre as 00h00 do dia 10 de fevereiro de 2023 e as 24h00 do dia 16 de fevereiro de 2023, os trabalhadores com as categorias Maquinista ou Maquinista Técnico encontram-se em greve à prestação de trabalho a todos os períodos normais de trabalho diário que impliquem entradas e/ou saídas na sede entre as 00h30 e as 06h00;
  • entre as 00h00 do dia 10 de fevereiro de 2023 e as 24h00 do dia 16 de fevereiro 2023 os trabalhadores das categorias representadas pelo SMAQ recusarão resguardar/preparar material circulante nas linhas sem passadeiras, lajetas e/ou plataformas na estação de Valença, encontrando-se em greve a partir desse momento até ao termo do período de serviço.
  • entre as 00h00 do dia 14 de fevereiro 2023 e as 24h00 do dia 17 de fevereiro 2023, os trabalhadores com as categorias Inspetor de Tração ou Inspetor Chefe de Tração encontram-se em greve a todos os períodos normais de trabalho que tenham a duração prevista superior a 6 horas;
  • entre as 00h00 do dia 08 de fevereiro e as 24h00 do dia 21 de fevereiro 2023 farão greve a todo o período de serviço sempre que esteja prevista a preparação e ou condução de comboios históricos e/ou vapor;
  • após a prestação de serviço na sede e/ou após um período de greve na sede, sempre que o reinício da prestação de trabalho ocorrer fora da sede e/ou na sede, o trabalhador estará em greve a partir desse momento, pelo período de tempo necessário a que a retoma do seu período normal de trabalho diário se verifique de novo na sede, no início de nova jornada de trabalho, atenta a sua escala de serviço.

Várias especificações que tornam difícil à CP precisar que comboios vão conseguir circular e que serviços será possível garantir.

Os trabalhadores lutam por aumentos salariais e valorização das carreiras.

Os serviços mínimos "não garantem a satisfação das situações mais atendíveis (pessoas com deficiência ou em estado de gravidez, idosos, etc. que pretendam deslocar-se a hospitais, por exemplo), pois nesse caso a oferta reduzida de transporte será tendencialmente utilizada, não pelos utentes mais carenciados (cuja identificação é, na prática, impossível), mas sim pelos utentes mais lestos e 'agressivos'".
Tribunal arbitral sobre decisão da CP

O que decidiu o tribunal?

O tribunal decidiu pela não fixação dos serviços mínimos, o que é diferente de greves anteriores. Segundo explica Pedro Quitéria Faria, advogado de direito de trabalho, é necessário para essa determinação ter em consideração “as necessidades sociais impreteríveis”, olhando para a amplitude da greve e os seus efeitos. A greve visa, mesmo, causar um conjunto de instabilidade e danos. E só nos casos de responder a necessidades sociais impreteríveis é que os serviços mínimos devem ser fixados, não beliscando o direito constitucional da greve. Mas há outros direitos constitucionais que poderão sobrepor-se, como o direito de deslocação. E é sobre o equilíbrio desses direitos que o tribunal tem de ser decidir.

Luís Gonçalves da Silva admite que a unanimidade nas decisões nos tribunais arbitrais existe em número suficiente para não ser exceção. No caso da CP não houve unanimidade e a árbitra do lado do empregador votou vencida e até fez declaração de voto, “por entender que deveriam ter sido fixados serviços mínimos relativamente à circulação de comboios nos termos propostos pela CP (empresa)”, argumentando que “sendo o direito à greve um direito fundamental dos trabalhadores [consagrado na Constituição], o seu conteúdo não pode ser entendido como ilimitado”. Para a árbitra Cristina Nagy Morais, “a paralisação total da circulação [que irá acontecer em pelo menos três dias] conflitua com direitos fundamentais dos cidadãos passageiros, limitando o seu exercício, como é o caso do direito à circulação, à saúde, o direito ao trabalho, no que se refere ao exercício efetivo da atividade profissional ou o direito à educação”. Considerando que há um conflito entre direitos fundamentais — direito à greve e o direito dos cidadãos afetados –, esta responsável defendeu a existência de serviços mínimos além dos definidos que, no seu entender, “não asseguram a satisfação de ‘necessidades sociais impreteríveis’”.

Mas o tribunal teve outra leitura. Ainda que o setor dos transportes possa estar enquadrado nestas necessidades sociais impreteríveis, o tribunal considera que “daí não decorre, porém, que as necessidades sociais satisfeitas pelos trabalhadores e pelas empresas abrangidas por estas greves sejam todas e em todas as circunstâncias necessidades sociais impreteríveis. Tal consideração conduziria, na prática, à negação a esses trabalhadores do direito fundamental à greve”.

E para que o direito à greve seja sacrificado “é necessário que esses outros direitos ou interesses sejam, por via da greve, preteridos de forma intolerável. O que não se mostra evidenciado no caso em análise”, já que, segundo o tribunal, não foi evidenciado que alguém fique “verdadeiramente impossibilidade de circular ou que fique com o seu direito de circulação de tal modo perturbado que possa considerar-se esvaziado de conteúdo efetivo. Existem outros meios dos quais os cidadãos poderão exercer o seu direito de deslocação, sem necessidade de sacrifício do direito fundamental dos trabalhadores à greve”.

Para o tribunal arbitral, por outro lado, nos serviços mínimos devem ser respeitados os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade. O que leva o tribunal a excluir logo a imposição de serviços mínimos de tipo percentual, ou seja, fixar uma percentagem mínima de serviços a operar. Não resultaria, diz o tribunal, porque “não garante a satisfação das situações mais atendíveis (pessoas com deficiência ou em estado de gravidez, idosos, etc. que pretendam deslocar-se a hospitais, por exemplo), pois nesse caso a oferta reduzida de transporte será tendencialmente utilizada, não pelos utentes mais carenciados (cuja identificação é, na prática, impossível), mas sim pelos utentes mais lestos e ‘agressivos’”.

E ainda que reconheça que a paralisação dos comboios possa conflituar com o direito à deslocação, com o direito ao trabalho, à educação e à saúde (no seu acesso), “para justificar uma restrição lícita ao direito de greve não basta que ele provoque incómodo, perturbação, prejuízo ou restrições para outros direitos. É necessário que seja causado um dano irreparável ao núcleo essencial de tais direitos. O que não se encontra evidenciado no caso em análise”. E assim o tribunal decide pela inexistência de serviços mínimos gerais.

Oiça aqui a História do Dia sobre a greve e os serviços mínimos.

Greves. Como e quem decide os serviços mínimos?

O tribunal arbitral que funciona junto do CES (mas sobre o qual o Conselho Económico não tem interferência) decidiu e está decidido. O recurso poderá chegar ao Tribunal da Relação, mas os tempos de decisão não se compaginam com os calendários das greves. E não foi possível detetar casos em que uma decisão do arbitral tenha sido revertida.

Sem serviços mínimos, a greve vai acontecer. A CP já alertou: ocorrerão fortes perturbações na circulação de comboios, a nível nacional.

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