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HUGO AMARAL/OBSERVADOR

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Henrique Neto em entrevista: "Demitiria um Governo por falta de transparência"

Henrique Neto duvida da receita deste Governo para pôr o país a crescer, critica "alguma fuga à realidade" e explica as exigências que fará a um primeiro-ministro se for eleito Presidente.

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Um Governo pode ser demitido pelo Presidente se não respeitar as regras de transparência pública e o chefe de Estado pode vetar um Orçamento se discordar dele. Esta é a visão do candidato presidencial Henrique Neto, ex-deputado do PS e empresário. Em entrevista ao Observador, explica por que razão tem uma visão ampla dos poderes presidenciais e deixa várias críticas ao Governo e aos partidos de esquerda, PCP e BE, que o viabilizaram.

“[Um projeto de Governo] não deve passar apenas – o que pode ser louvável – por no curto prazo procurar melhorar a vida dos portugueses. Não basta porque a dívida não se reduz, o crescimento económico não se faz por milagre, e os empregos não surgem do céu”, diz, considerando ainda que a carta que António Costa entregou a Cavaco Silva com as garantias acrescidas que lhe foram pedidas devia ser conhecida de todos os portugueses. “Vamos ver o que isso dá”, acrescenta, acerca do prazo de validade do Governo de esquerda, criticando “uma certa fuga à realidade” que vê no acordo assinado entre Costa e o PCP, BE e Verdes.

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“Não basta no curto prazo procurar melhorar a vida dos portugueses”

Há alguns meses não estava muito crente num Governo de esquerda como se veio a concretizar. Acha que este é um Governo duradouro e estável?

Eu previ antes das eleições que António Costa ia ficar com a chave no cofre, ou seja, era previsível que o que aconteceu aconteceria. Quanto a se o Governo que agora tomou posse vai ser duradouro, isso depende do Partido Socialista, em primeiro lugar, e dos outros partidos…

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É um Governo para uma legislatura?

É. Se me perguntar se eu não preferia um acordo mais profundo entre os quatro partidos, com uma enumeração das reformas necessárias, com uma visão sobre como lidar com a dívida, como fazer crescer a economia, ou quais as medidas que podem fazer crescer a economia, quais as alianças que é preciso fazer para isso, como é que se criam os empregos, preferia. Um partido, qualquer que seja, que chegue ao poder, nomeadamente partidos que estiveram arredados do poder tantos anos, deve ter a ambição de mostrar aos portugueses que tem um projeto melhor que os projetos anteriores.

E isso não é visível?

Não passa apenas, o que pode ser louvável, por no curto prazo procurar melhorar a vida dos portugueses. Não basta porque a dívida não se reduz, o crescimento económico não se faz por milagre, e os empregos não surgem do céu. Como cidadão, gostaria que os partidos fossem mais ambiciosos e apresentassem um programa mais completo, mais duradouro, mais fundamentado. Em qualquer dos casos, não me cabe a mim fazer previsões sobre o que vai acontecer. O que posso dizer é que como Presidente da República, se os portugueses assim o entenderem, estarei muito atento ao que aconteça para, por um lado, ajudar o Governo com as minhas propostas e as minhas ideias tanto quanto possível, no segredo dos gabinetes, no sentido de convencer que o Governo de que há soluções para o país. Soluções que são claras, mas que não co-existiriam com um pântano político ou com uma situação pantanosa que atrasasse ainda mais a solução dos nossos problemas. É preciso ver que nós levamos quase 20 anos de crise endémica. E, portanto, continuar essa crise não é aceitável. Mas isso depende do Governo naturalmente. Eu limitar-me-ei a julgar se vão no bom sentido ou não.

A carta com garantias acrescidas que António Costa terá entregue ao Presidente nunca não foi conhecida. Acha que era bom que o país a conhecesse?

Um grande problema da sociedade portuguesa e da política portuguesa é o secretismo e a ausência de transparência. Como Presidente da República, não hesitarei em exigir que contratos, documentos, relações do Estado com as empresas sejam totalmente transparente, os contratos sejam publicados. Até porque é essa ausência de transparência que conduz depois à corrupção, e o combate à corrupção é uma das minhas prioridades. Eu preferiria que o documento fosse conhecido, com naturalidade própria destas coisas.

"Um Presidente deve, nas suas relações com o Governo, fazer com que este tenha sempre presente qual é a interpretação do Presidente sobre o regular funcionamento das instituições para que não faça coisas que vão contra essa visão"

Um Presidente pode vetar o Orçamento de Estado? Com base em quê?

Com base em não ser Orçamento de Estado (risos). As bases são muitas. É evidente que tem que se ter razões fortes. Mas se um Presidente, em presença de um Orçamento, verificar que ele é contrário ao interesse nacional, que favorece de uma maneira clara setores da sociedade (como alguns no passado favoreceram) relativamente ao interesse geral, naturalmente deverá, nas reuniões com o primeiro-ministro, tentar explicar isso e tentar alterar essa situação. O Presidente deve atuar sempre preventivamente. Todas as atuações pós-acontecimentos são sempre destrutivas e só causam mau ambiente, causam conflitos. E, portanto, o Presidente deve, com muita antecedência, ter conversas com o primeiro-ministro, perceber qual é o sentido do Orçamento e, com a experiência que o Presidente deve ter da Economia e da sociedade portuguesa, mas também internacional, fazer alguns avisos. Até porque sabemos que, muitas vezes, os primeiros-ministros têm uma experiência limitada da economia, das empresas e até do ambiente internacional, de competição, de concorrência. Alguém que tem toda essa experiência pode claramente ajudar o primeiro-ministro a ver com mais pormenor algumas coisas que possam estar no Orçamento, que possam ser evitadas, melhoradas. Claro que, se por qualquer razão, isso não acontecer e se o Orçamento for de tal maneira contrário ao interesse nacional, o Presidente tem a opção de não o aceitar e dizer isso ao primeiro-ministro.

“O Presidente deve-se empenhar para que a União Europeia abra os cordões à bolsa”

Este Governo defende, e os partidos que o apoiam, uma flexibilização das regras do Tratado Orçamental. Se for eleito Presidente vai ajudar o Governo nesse esforço junto da União Europeia?

Depende daquilo a que chama flexibilização. Se por flexibilização se entender gastar dinheiro à ‘tripa forra’ como aconteceu no passado, certamente que não. Se a flexibilização for no sentido do investimento, investimento no setor produtivo ou até na atração de investimento estrangeiro ou umas ajudas que Portugal possa conceder a empresas estrangeiras no setor produtivo e que se venham instalar em Portugal e criem muitos emprego, acho que essa flexibilização não é só desejável como é necessária. E Presidente da República deve-se empenhar para que a União Europeia abra os cordões à bolsa com esse objetivo.

"Muitas vezes, os primeiros-ministros têm uma experiência limitada da economia, das empresas e até do ambiente internacional, de competição, de concorrência" 

Se os patrões se recusarem a assinar um acordo de concertação social, admite vetar algumas medidas que tenham sido aprovadas na Assembleia da República, por não haver esse consenso em sede de concertação social?

O Presidente da República nunca pode dizer que não vai vetar alguma coisa porque senão as pessoas ficavam livres de fazer o que quisessem. Têm que ter a ideia de que o Presidente da República tem a escolha de vetar. A concertação social é absolutamente essencial mas a Assembleia da República, que é o cerne da democracia, tem o poder e o direito de resolver de outra forma, justificando junto do país e junto dos empresários portugueses. Há um grande problema na política portuguesa que me faz uma certa confusão e que eu gostaria de ver dissipado que é: se os partidos políticos acham que as empresas são absolutamente essenciais ao desenvolvimento e crescimento da economia portuguesa comportem-se como tal. Ou, se acham que não, então devem dizer claramente aos portugueses qual é a alternativa para o crescimento do PIB, para a criação de empregos, etc. Porque esta atitude, meia escondida, de que às segundas, quartas e sextas, são a favor das empresas; e às terças, quintas e sábados só se fala em criar problemas às empresas tem efeitos na economia, quer na economia interna quer no investimento estrangeiro.

Essa sua crítica é dirigida a que partido em especial? Ao que está no poder?

Cada um que julgue por si, mas é um bocado óbvio, não é? É óbvio que é aos partidos da extrema esquerda. Principalmente agora… Porque enquanto esses partidos eram partidos de protesto, esse problema não se colocava. Hoje são partidos de Governo, apoiam o Governo. E é legítimo que os empresários portugueses leiam todos os dias os jornais e vejam o que vai sendo dito, quer pelos partidos, quer pela CGTP, UGT. Já este caso do IRC, em que o PS concordou com a direita numa redução e depois, passado meses, alterou a posição, isso destrói a economia, destrói a credibilidade no país e isso não deve acontecer. E o Presidente da República deve lá estar para garantir que isso não aconteça.

“A sociedade deve saber o que o Presidente pensa, em antecipação dos acontecimentos”

O que é para si o não regular funcionamento das instituições democráticas, ou seja, a base para que um Presidente possa demitir o Governo?

Essa é uma questão extremamente importante e eu tenho um certo receio que uma entrevista de minutos não seja o sítio ideal para falar sobre isso. Apenas uma nota: eu tenho uma visão mais ampla do que deve ser o regular funcionamento das instituições. Posso dar exemplos simples: a ausência de transparência. Foram feitas em Portugal parcerias público-privadas a que ninguém teve acesso. Isso é o funcionamento regular das instituições ou não? Para mim não. Para mim, é uma falha grave do funcionamento regular das instituições porque a democracia é o regime da transparência e do conhecimento amplo das questões. O passar responsabilidades enormes para as gerações futuras é o regular funcionamento das instituições? Na minha cabeça, não é. Um Presidente da República deve, nas suas relações com o governo, fazer com que este tenha sempre presente qual é a interpretação do Presidente da República do regular funcionamento das instituições, para que não faça coisas que vão contra essa compreensão, essa visão.

Acha que faltam poderes ao Presidente?

Não, o Presidente tem todos os poderes para fazer isto que estou a dizer. O Presidente da República deve ser muito ativo, não hiperativo, nas suas relações com a sociedade. A sociedade deve saber o que o Presidente pensa, em antecipação dos acontecimentos.

“É sempre desejável resolver o problema dentro dos poderes dos deputados que estão na Assembleia”

Se este Governo ruir, ou seja, se os partidos se desentenderem e o senhor estiver em Belém, vai procurar uma nova solução governativa saída da mesma Assembleia ou convoca eleições?

É sempre desejável resolver o problema dentro dos poderes dos deputados que estão na Assembleia da República. Bom, se isso não acontecesse não era o fim do mundo. A democracia detém recursos, na democracia há sempre soluções e as eleições são uma das soluções.

Um Presidente pode não empossar um primeiro-ministro por não ter confiança pessoal nele?

A Constituição Portuguesa dá latitude suficiente mas é evidente que sem nenhuma base, apenas por convicção pessoal não creio que o possa fazer.

Recuando a 2004. Jorge Sampaio fez bem em dissolver a Assembleia da República quando Pedro Santana Lopes era primeiro-ministro?

Fez bem por atraso. Tenho dito que nunca teria dado posse ao governo, para começar, sem eleições. E não teria festejado a ida do doutor Durão Barroso para Bruxelas, como aconteceu. Durão Barroso tinha disputado uma eleição, tinha vencido, tinha sido escolhido pelos portugueses, tinha uma responsabilidade para com os portugueses e tinha de cumprir esse contrato. E eu tinha dito ao doutor Durão Barroso ‘o senhor faz o que entender’, não posso evitar que se demita. Mas o senhor tem que se demitir e eu vou para eleições. O problema era dele, não era do Presidente da República.

Cavaco Silva devia ter demitido o Governo de Passos Coelho aquando da crise política de 2013, quando Gaspar e Portas se demitem?

Eu ter-me-ia envolvido mais no acordo, teria proposto uma visão estratégica para o país aos três partidos. Porque é um dos grandes problemas do país não termos uma visão porque a partir dela poderia ter haver acordo. E teria proposto uma visão…

Ele também tentou que os partidos se entendessem…

Não apresentou nada. Disse que se deviam entender. Eu teria tido um envolvimento maior, no sentido de garantir que eles se entendiam. Provavelmente teria sido bom para o país.

E se não se tivessem entendido?

Se eles não se entendessem era eleições naquela altura.

"Há uma certa fuga à realidade nos acordos de esquerda. A ideia de que se pode distribuir sem criar, não é? Distribuir riqueza sem criar riqueza"

Como é que é a sua relação com António Costa?

É uma relação normal. Quando ele se candidatou duas vezes a presidente da Câmara eu fui da sua comissão de honra, tive muito prazer nisso. É um socialista e um dirigente socialista e, portanto, tenho as relações normais. Não são próximas, nunca fui próximo dele. Era mais próximo de António José Seguro, por exemplo, e isso é conhecido, é verdade. Mas tenho respeito por ele, como tenho por qualquer dirigente político, ainda que não vá deixar de criticar se achar que ele faz alguma coisa que não considero a melhor solução para o país.

“Não concordo com uma certa fuga à realidade que [PCP e BE] às vezes revelam”

E os outros líderes dos partidos de esquerda – conhece ou costuma conversar com eles?

O Partido Comunista conheço relativamente melhor que o Bloco de Esquerda, as jovens do BE. Mas tenho visto na televisão e tenho ficado agradavelmente surpreendido com a performance política que revelam. Se me perguntar se concordo com uma certa fuga à realidade que às vezes revelam, não concordo. Vamos ver o que é que isso dá.

Está a lembrar-se de que ‘fuga à realidade’?

A ideia de que se pode distribuir sem criar, não é? Distribuir riqueza sem criar riqueza. É evidente que o fator trabalho, nomeadamente, sofreu um ataque tão sério nos últimos quatro anos que compreendo perfeitamente que tem que se estancar. Mas se o Bloco de Esquerda, por exemplo, for por essa via para conquistar votos na próxima eleição então estamos mal porque vamos entrar em rutura e isso não é bom para ninguém. Por outro lado, não tenho uma grande convicção que o crescimento do mercado interno vá fazer as duas coisas que se pensa que faz. Uma delas é que vai permitir um maior desafogo às classes mais desfavorecidas. Não vai. O aumento do consumo favorece as classes mais favorecidas. Em segundo lugar, o aumento do consumo desequilibra a balança comercial e não temos uma política de substituição das importações. E, portanto o que vai acontecer com o aumento do consumo é o aumento das importações e, digamos, um défice na balança comercial. Isso é indesejável nas circunstâncias atuais porque não nos podemos endividar mais, não sabemos se os juros se mantêm tão baixos como estão.

“[PCP e BE] não fizeram nada para que se governasse melhor além de protestar”

Como é que viu a aproximação do PCP e do BE a um partido de poder?

Ao longo dos anos, PCP e o Bloco de Esquerda e Os Verdes preferiram o seu posicionamento eleitoral através do protesto, defenderam os seus eleitorados protestando. Pela primeira vez, parecem estar noutra posição. Se temos que condenar os partidos de centro-esquerda e centro-direita que têm governado o país porque governaram mal, também não podemos ilibar de culpas os partidos da esquerda. Não fizeram nada para que se governasse melhor além de protestar. E o protesto vale o que vale – eu não digo que não tenha valor político – mas os portugueses não ganharam muito com isso.

Mas não é criador, não acrescenta, o protesto?

Pergunte aos portugueses se, lá no fim do mês, alguém recebeu alguma coisa por conta do protesto. Esta ideia que ouvi do líder do PCP, de que os trabalhadores portugueses não devem esperar que os patronatos lhes deem alguma coisa porque o que conseguirem tem de ser através da ação, não é verdade para toda a gente. Vejo com alguma apreensão esta ideia de que não pode haver uma relação entre uma empresa, uma administração e os sindicatos e os trabalhadores. Devemos ter uma política menos agressiva e menos sectária quer de um lado, quer do outro. Porque também vejo empresários que dizem coisas sobre a governação e o Governo de esquerda que temos agora, que eu também não subscrevo.

Acha que a direita também se radicalizou nos últimos anos?

É evidente que um dos grandes problemas dos últimos quatro anos de governação foi que o primeiro-ministro – por inexperiência, acho eu, nem foi, talvez, por má intenção – achou que para combater as desgraças anteriores, do endividamento, etc, tinha que fazer uma política de terra queimada em relação ao trabalho e que isso mostrava coragem. E portanto, radicalizou muito o debate como partido que supostamente é social democrata, um partido de direita. E isso foi mau para a democracia, foi mau para os portugueses. Até porque o dinheiro que se foi buscar ao fator trabalho podia ter-se ido buscar a outras zonas do país, nomeadamente, às rendas pagas a grandes empresas, na energia, nas telecomunicações, nas isenções fiscais, a coisas desse estilo. Podia ir lá buscar muito dinheiro. Não quiseram fazer. Mas diga-se de passagem que o PS também não o fez. Falava de acabar com a austeridade mas nunca falou onde é que vai buscar o dinheiro para acabar com a austeridade, ainda hoje não fala.

Se for Presidente, concordaria com o envio de militares para combater o Estado Islâmico no terreno em resposta novos pedidos de ajuda por parte da França?

Sim. Não há nada como atacar os problemas cedo e penso que os países da NATO deviam resolver o problema. Nomeadamente, não se limitando a ataques aéreos e cercando militarmente e no terreno [o Estado Islâmico] quer na Síria, quer no Iraque.

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