Calouste Gulbenkian tinha um enorme fascínio por livros. Ao longo da sua vida, reuniu um vasto conjunto que dividiu em duas bibliotecas: uma de documentação e outra de livros-objetos de arte.

Os 3.000 volumes da biblioteca de documentação abrangem diversas áreas do conhecimento, com uma grande predominância das artes visuais. Nela encontramos, por exemplo, monografias, catálogos de exposições, de coleções e leilões, catálogos e guias de museus e até periódicos da especialidade. Muitos destes volumes têm anotações do próprio Gulbenkian em francês, inglês e até arménio e permitem ficar a conhecer melhor o seu perfil de colecionador.

Há uma relação inegável entre a crítica de arte e o gosto artístico. O segundo foi, a partir do século XVIII, muito influenciado pelo primeiro – através da sua relevância cultural, críticos e estudiosos impuseram critérios e, consequentemente, um gosto que o público da arte acabou por adotar. Isso não é necessariamente verdade no que respeita a todos os colecionadores – Gulbenkian tinha a sua intuição e gosto pessoal e usava o contacto com os críticos e estudiosos sobretudo para confirmar as suas opiniões, mais do que para as alterar.

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O núcleo fundador da Biblioteca de Arte Gulbenkian foi criado a partir dessa biblioteca de documentação de Calouste Gulbenkian – que se encontra disponível online, através do respetivo site. A biblioteca, que está aberta ao público, tem sido fundamental para o estudo da História da Arte em Portugal, permitindo o acesso a estudantes, profissionais ou curiosos pelo tema às vastíssimas publicações que integram o seu acervo.

«Antologia do Sultão Iskandar», fols. 64r-63v. Irão, Shiraz, 1411 (AH 813). Tinta, aguarela e ouro sobre papel. Museu Calouste Gulbenkian. Foto: Catarina Gomes Ferreira

Mas a arte pode ser muito mais do que o tema de um livro. O próprio livro pode ser considerado uma obra de arte, seja pelo trabalho de encadernação, caligrafia, tipografia ou pelo conjunto de todos estes aspetos. E não falamos apenas dos manuscritos enriquecidos por decoração e imagem, mas também dos livros impressos.

O livro-objeto de arte é uma das matrizes identitárias da Coleção Gulbenkian, que reúne um conjunto de livros que podem ser considerados “obras de arte totais”. Este conjunto é artisticamente coerente, relevante e eclético, e reflete as culturas representadas nos outros núcleos da coleção: a Europa Medieval e o Renascimento, o mundo islâmico, o Japão, a França setecentista até aos séculos XIX e XX, com notáveis exemplares representativos do chamado livro “moderno”.

Pierre Louÿs, «Les Chansons de Bilitis», 1922. Ilustrações de Georges Barbier; encadernação de Georges Cretté. Museu Calouste Gulbenkian. Foto: Catarina Gomes Ferreira

Falamos de exemplares únicos, não apenas pela sua importância histórica, mas também pela excelência da caligrafia, das iluminuras, da tipografia e das ilustrações que preenchem as suas páginas, além das encadernações em velino ou couro, com contracapas em seda ou papéis marmoreados.

«Hésiode. La théogonie, Le bouclier de Héraklès, Les traveaux et les jours. Traduction de Leconte de Lisle». Paris: A. Lemerre, 1869. Na imagem, aguarela original de Gustave Moreau. Museu Calouste Gulbenkian. Foto: Inês Oliveira e Silva

Outra particularidade da Coleção são os chamados “livre truffés”, ou livros recheados, muito apreciados pelos bibliófilos para serem manuseados lentamente, com espírito de descoberta, já que escondem no seu interior registos tão singulares como provas de estado de gravuras, desenhos originais, aguarelas, maquetas para futuros livros com instruções de desenhadores, editores e ilustradores, mas também correspondência original, cartas grafadas, recortes de imprensa, pautas de música ou poemas originais, entre outros. Neles, confundem-se a História e as histórias, já que é possível encontrar, no interior de alguns dos exemplares da coleção, um exercício de caligrafia de Delfim de França, futuro Luís XVI; um bilhete de Maria Antonieta; uma pauta de Debussy ou uma aguarela do pintor simbolista Gustave Moreau.

Edmond de Goncourt e Jules de Goncourt, «Histoire de Marie-Antoinette». Paris: G. Charpentier, Éditeur, 1878. Ilustrações de Hector Giacomelli. Na imagem, bilhete de Maria Antonieta. Museu Calouste Gulbenkian. Foto: Catarina Gomes Ferreira

Expor livros é diferente de expor quadros ou esculturas – é uma tarefa exigente, com necessidades particulares de iluminação e de tempo de exposição, devido à sua fragilidade, a que o Museu Calouste Gulbenkian dá a maior importância. No itinerário do museu, a coleção de livros tem vários momentos relevantes: os manuscritos, dos séculos XII ao XVI; o início da imprensa e as encadernações do Renascimento; os manuscritos e encadernações do mundo islâmico; o século XVIII, momento maior da arte do livro europeu; e, finalmente, já no fim do percurso expositivo, os séculos XIX e XX (da Arte Nova à Arte Déco).

Periodicamente, as exposições de livros podem ter outro critério, como autoral, no caso da recente exposição sobre Gustave Flaubert. Para não perder nenhuma delas, basta estar atento à programação do Museu divulgada através do seu site.