No mesmo dia em que se iniciaram as provas de aferição, o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) anunciou que os professores de Informática vão ter até cinco horas extraordinárias pagas por semana para assegurar a transição digital nas escolas. A medida vai custar aos cofres do Estado, no máximo, 1,5 milhões de euros por mês, avançou ao Observador a pasta tutelada por Fernando Alexandre. Os diretores escolares alertam que esta decisão pode sair mais cara do que contratar técnicos informáticos — a opção que, defendem, verdadeiramente resolvia o problema. E acusam o Governo de tentar pôr fim à greve à manutenção de equipamentos e apoio a provas digitais.
“Repartir cinco horas extra por cada professor é uma má gestão”, defende ao Observador Filinto Lima, presidente da ANDAEP (Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos de Escolas Públicas). Artur Vieira, diretor do Agrupamento de Escolas de Canelas, em Vila Nova de Gaia, concorda: “Uma coisa é ter competências [informáticas] ao nível do usuário, outra coisa é ao nível técnico. Isto não é um trabalho para qualquer um. Vou pagar a uma pessoa que não sabe” ou não tem conhecimentos suficientes, questiona-se o diretor escolar?
Na base da medida comunicada pelo MECI estão as horas de serviço não letivo que os professores de Informática fazem, além das horas que têm com os alunos em contexto de sala de aula, explica o presidente da ANDAEP.
Tudo isto tem sido feito em “regime voluntariado ou pro bono”, completa a presidente da Associação Nacional de Professores de Informática (ANPRI), acrescentando que há muito que esta situação se arrasta. Segundo Fernanda Ledesma, depois das aulas, os professores preparam “os computadores para as provas de aferição”, por exemplo através da instalação de determinados programas, e reparam equipamentos. Atualmente, “nas escolas, muitos dos portáteis estão avariados”, conta. Estes professores são também responsáveis por apoiar o secretariado de exames.
De acordo com a informação avançada a 2 de maio pelo Ministério de Fernando Alexandre, a medida poderá abranger “cerca de 3.750 professores do 3.º ciclo do básico e secundário”. Questionado pelo Observador, o ministério adianta que “a utilização das horas totais disponíveis resultará num custo máximo de 1,5 milhões de euros por mês“. E salvaguarda que “o custo da medida dependerá das necessidades definidas pelos diretores das escolas, isto é, do número de horas a atribuir a cada docente e do escalão a que cada docente pertence”.
Professores “têm por obrigação lecionar em contexto de sala de aula, mais nada”
No fundo, critica o representante dos diretores escolares, os professores de Informática “fazem o serviço que muitas vezes dizemos que deve ser feito por um técnico de Informática. Mas esta não é a sua obrigação. Têm por obrigação lecionar em contexto de sala de aula, mais nada”. Na opinião de Filinto Lima, “era necessário que o ministério fizesse chegar às escolas técnicos informáticos, alguém que pudesse monitorizar e arranjar os equipamentos, uma pessoa habilitada. Acho que [a medida] vai sair cara”, diz.
A opinião vai ao encontro das contas feitas por Artur Vieira, diretor do Agrupamento de Escolas em Vila Nova de Gaia: “Tenho 10 professores de Informática na escola. Vou dar cinco horas extra a cada um, dá 50 horas. Não era mais fácil ter um técnico informático por 35 horas semanais [um horário completo] e o valor era menor?”
Na ótica do diretor escolar, o Governo implementou agora esta medida “porque está a dar barraca”. “Não querem que se falhe nas provas digitais”, pelo que têm necessidade de assegurar que não só os equipamentos são reparados como garantir que existe apoio técnico durante as provas, caso algo não funcione em condições, defende.
Filinto Lima vai mais além e diz que a decisão do Governo de pagar horas extraordinárias tem como objetivo “esvaziar o efeito da greve” que decorre desde dia 8 de abril. Há quase um mês, a Fenprof e a ANPRI convocaram uma greve “às funções de apoio e manutenção de equipamentos, bem como ao suporte técnico a provas digitais”. Confrontada com esta ideia, a responsável pela associação dos professores de Informática é clara: “A greve vai manter-se.”
Em abril, o ministro Fernando Alexandre anunciou que as provas de 2.º, 5.º e 8.º ano se iriam realizar em formato digital, à semelhança de 2023 (medida aplicada pelo Executivo anterior). No comunicado enviado pelo Governo a semana passada lê-se que esta medida se aplica “ainda no presente ano letivo e nos seguintes”, algo que deixa os diretores e a presidente da ANPRI descontentes. Para Filinto Lima esta é apenas “uma medida passageira” e para Fernanda Ledesma “uma espécie de penso-rápido”.
Já o diretor do Agrupamento em Vila Nova de Gaia, Artur Vieira, afirma que “não é útil e que não vai resolver nada”. E diz mesmo que os professores não vão querer este pagamento de horas extra “porque não é rentável”. Os professores trabalham muito e “mesmo sendo pagos não estão com disponibilidade para aceitar”, começa por dizer. E acrescentam que muitos destes professores vão “subir de escalão no IRS. Ou seja, podem vir a receber menos”.