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Benvinda Piedade, de 87 anos, não quis abandonar a casa, onde vive sozinha, em Colmeias, distrito de Leiria
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Benvinda Piedade, de 87 anos, não quis abandonar a casa, onde vive sozinha, em Colmeias, distrito de Leiria

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Benvinda Piedade, de 87 anos, não quis abandonar a casa, onde vive sozinha, em Colmeias, distrito de Leiria

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Reportagem. Como foi a madrugada dos fogos: "O que não ardeu hoje arde amanhã"

O Observador passou esta madrugada ao lado da população e do Grupo de Intervenção de Proteção e Socorro, na zona de Leiria. Este foi "um dos dias que parece que só acontecem aos outros".

O fumo que transformou a lua numa bola difusa foi-se desvanecendo ao longo da madrugada. Pela noite dentro, chegou, enfim, um pouco de calma. Não muita. As chamas deram tréguas aos moradores e a quem combate os incêndios em Colmeias e Agodim, no distrito de Leiria, mas nem por isso chegou a perspetiva de que o novo dia será melhor ou, pelo menos, com menos aflição. E, neste assunto, população e autoridades estão de acordo.

Quatro incêndios continuam a não dar tréguas, três deles no distrito de Vila Real

No posto de comando do Grupo de Intervenção de Proteção e Socorro (GIPS), montado num parque em Colmeias a poucos quilómetros dos vários locais onde têm deflagrado os incêndios dos últimos dias, olhava-se para os mapas, organizavam-se equipas a enviar para o terreno e, já por volta das duas da manhã, era traçado o cenário para esta quarta-feira: se durante a noite os incêndios acalmam, a certeza era a de que o novo dia que agora começa vai trazer temperaturas muito elevadas, a rondar os 40ºC para Leiria. As previsões apontam para que o fogo surja, outra vez, em força.

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E os moradores de Agodim sabem que o que os espera não será muito diferente do que tiveram esta terça-feira. “O que não ardeu hoje arde amanhã”, ouvia-se repetidamente, durante a madrugada, entre os que ainda esperavam que as chamas de maiores dimensões fossem dominadas pelas equipas do GIPS.

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

A noite escondeu aquilo que a manhã voltará a trazer — uma paisagem em tons de cinza –, e deu espaço para recordar “um dos dias que parece que só acontecem aos outros”. Mesmo à frente das chamas que minutos mais tarde acabariam por ser dominadas, estava Manuela, protegida pelo muro de sua casa. Atrás dela, o marido, que dificilmente conseguiria dormir — se o conseguisse teria de acordar às quatro da manhã para ir trabalhar. “Cheguei a casa às cinco e meia e o fogo passou dali para aqui em minutos. Pus o carro na garagem e, quando dei conta, o jardim já estava a arder”, lembrou. Regou o jardim, mas o poste que garantia a entrada de internet e televisão em sua casa acabou por arder.

Toda a encosta junto a esta habitação ardeu esta terça-feira. Durante a noite, sobraram pequenas chamas, como lembretes de um perigo que ainda não desapareceu. E, do lado de lá do muro, também em jeito de balanço, vários moradores apontavam as queixas do dia: pouca água da rede de abastecimento e poucos bombeiros. “Percebo que não podem estar em todo o lado, mas aqui apareceram poucos durante o dia inteiro”, disse um morador, referindo que estiveram, no entanto, membros do GIPS. Durante a madrugada, continuavam mais de mil operacionais só no distrito de Leiria e mais de 2500 de norte a sul.

Em Agodim, os moradores só foram descansar de madrugada, depois de controladas as chamas

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Ali, em Agodim, antes da três da manhã, os poucos moradores que ainda andavam nas ruas decidiram regressar às suas casas, de onde, aliás, nunca chegaram a sair por ordens das autoridades, apesar da situação preocupante durante o dia desta terça-feira. As chamas que estavam à frente de Manuela deixaram de se ouvir e, ao mesmo tempo que as três carrinhas do GIPS abandonavam o local, a mulher fechava a porta de sua casa.

“Borrifei a lenha e enchi baldes de água, acho que aqui não pega”

Entre Agodim e Colmeias, a distância não ultrapassa os três quilómetros, mas durante a noite e, provavelmente durante o dia desta quarta-feira, o caminho pode tornar-se mais longo, ou até impossível. As autoridades estão a barrar o acesso às localidades onde os incêndios estão a deflagrar com mais força. E um dos motivos é bem visível quando se percorre a Rua Principal: postes caídos, árvores onde o fogo, lentamente, teima em continuar, algumas já derrubadas, e fumo que torna impossível ver além das luzes do carro.

Entre o fumo, e por entre a noite, claro, continuou Benvinda, que não conseguia dormir. Afinal, o incêndio estava praticamente à sua porta. Ainda o relógio marcava a noite de terça-feira, quando as chamas iluminavam o caminho da rua das Figueirinhas, em Colmeias.

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“Quem é que tem sono com isto?”, questionava, sem duvidar que fosse necessário ter de abandonar a sua casa. Um dos seus filhos, que estava exatamente do lado oposto da encosta, em Igreja Velha, a aldeia que ficou cercada pelo fogo ao final da tarde e, por isso, com as entradas entradas limitadas, queria ir buscar a mulher de 87 anos, que vive sozinha. “Os bombeiros não disseram nada, não vou para lado nenhum”, insistia. O mesmo não aconteceu, no entanto, a poucos metros dali num lar de idosos. Na aldeia de Boa Vista, também freguesia de Colmeias, o fogo esteve próximo do edifício e a Proteção Civil deu ordem para transferir os utentes. Aliás, no total, os idosos de cinco lares do distrito de Leiria tiveram de sair das respetivas instalações.

Além de as autoridades não terem dado indicação para que as pessoas saíssem das respetivas habitações naquela zona, Benvinda apontava outro motivo para ficar, que era a preparação para as horas que aí vêm. “Borrifei a lenha e enchi baldes de água, acho que aqui não pega”.

Enquanto dava explicações, suportando as mãos nos joelhos para descansar, Benvida não desviava o olhar da única viatura que apoiava os bombeiros de Algés naquele combate, nem dos bombeiros que por ali passavam. “Temos de trabalhar de maneira a retardar o avanço da linha de fogo até à chegada de meios. É isso, companheiro”, dizia um dos operacionais. Os meios chegaram ali e antes das duas da manhã e os veículos estavam apenas a garantir que não existiam reacendimentos e que não havia projeções para outros terrenos, evitando assim novos focos.

Durante a noite e a madrugada, em muitos dos locais havia bombeiros a descansar junto aos carros, aproveitando uma altura em que os incêndios estavam controlados em vários pontos, a ganhar fôlego para o novo dia. Além disso, a prioridade, até este momento, tem sido proteger as habitações, já que não há meios suficientes para cobrir todos os incêndios ativos. Esta madrugada, existiam ainda 15 incêndios ativos em todo o país, 24 em conclusão e quatro em resolução, de acordo com a página da Proteção Civil.

Incêndios. Cerca de 300 pessoas retiradas da Freixianda. Proteção Civil diz que prioridade é salvar vidas

Benvinda já viveu muitos anos e muitos fogos, mas seus olhos nunca viram um incêndio destas dimensões. E a sua memória teima em mandá-la para 2017, mais precisamente para o dia 17 de outubro, quando viveu um aniversário em sobressalto, com grandes incêndios, em muito idênticos aos que agora está a assistir.

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