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No tempo da troika, recorda Isaltino Morais, “o pessoal só falava da austeridade e dos salários. Mas nesse tempo fizeram-se alterações legislativas profundas — e uma dessas alterações foi ao nível da lei dos solos” — uma alteração legislativa que, defende o presidente da câmara municipal de Oeiras, foi decisiva para a fortíssima subida dos preços das casas e dos terrenos nos últimos anos.
Em entrevista ao Observador, Isaltino Morais pede ao governo que acorde, porque “os gajos devem estar a dormir“, e reverta essa alteração, para que possa aumentar a quantidade de solos urbanizáveis e se libertem mais terrenos para construção. A alternativa é continuar, sentado, “à espera que os ricos resolvam o problema dos pobres” (e, até, da classe média) e que os donos dos terrenos e promotores de construção civil trabalhem para perder dinheiro, diz Isaltino Morais.
Antes de chegar a esse tema, porém, Isaltino Morais fala sobre o chamado “comboio-fantasma” de Oeiras — o SATU — que foi encerrado em 2015, por Paulo Vistas, e que Isaltino Morais tinha prometido, durante a campanha eleitoral, que estaria a funcionar (e já até ao centro empresarial Lagoas Park) até ao final de 2018 e… à beira de entrarmos em 2020… continua parado.
Na entrevista, Isaltino Morais fala, também, sobre os “três ou quatro” opositores do plano para o Jamor/Lusalite — que diz serem pessoas “ligadas ao Bloco de Esquerda” — e fala, ainda, sobre o novo edifício da câmara que deverá custar quase 50 milhões e sobre os seus planos de recandidatura à câmara de Oeiras.
SATU: “Se eu fosse presidente da câmara, quem teria de vir encerrar a empresa era o ministro das Finanças”
Como viu o encerramento da operação do SATU, em 2015, no mandato do seu antecessor, Paulo Vistas? A empresa gestora acumulava prejuízos há vários anos consecutivos…
O encerramento foi uma das consequências, ao que parece, da troika. Hoje já não acontecia assim. O António Costa já alterou isso. As empresas já podem dar prejuízo. Aquela lei foi feita para acabar com as empresas municipais.
Aquelas que davam prejuízo…
Repare: uma câmara nunca dá prejuízo. Uma empresa pode dar prejuízo, mas esses prejuízos devem ser cobertos pelo município. Dou-lhe um exemplo: os serviços municipalizados de Oeiras dão um lucro médio de cerca de 10 milhões de euros por ano — o que é uma exceção a nível nacional, porque 90% dos municípios dão prejuízo na área das águas e dos esgotos. No nosso caso dá lucro, porque houve investimentos ao longo de 30 anos, temos reservas de água extraordinárias, etc. Mas na maior parte dos concelhos dá prejuízo — e é por isso que fecham? O que devia ter acontecido, com essa lei, é que a empresa era fechada mas a operação passava para a câmara, passava a ser um serviço da câmara. Hoje quem está na administração desses serviços, aqui em Oeiras/Amadora, somos nós, os presidentes de câmara. Vamos lá de 15 em 15 dias, ou seja, não administramos nada. Nas empresas havia uma gestão profissional, ou seja, isto foi uma daquelas leis absurdas, demagógicas, que são feitas a pensar que se poupa dinheiro.
Mas a câmara não pensou assim: fechou a empresa e a operação.
Na altura achei que não devia ter sido a câmara municipal a tomar essa iniciativa.
Era o que dizia a lei…
A lei dizia que, após três anos a dar prejuízo, a empresa devia ser encerrada. Mas se eu fosse presidente da câmara na altura, quem teria de vir encerrar a empresa era o ministro das Finanças [Maria Luís Albuquerque]. Não seria a câmara. Assim, a câmara encerrou a empresa mas não internalizou o serviço do SATU na câmara — encerrou a atividade.
O “comboio fantasma” de Oeiras. O que correu mal com o SATU?
Porque não queria ter o prejuízo. Dizia que a operação era ruinosa e só dava prejuízo…
Com certeza que dava prejuízo, porque é a mesma coisa que você fazer uma ponte sobre o Tejo e deixá-la a meio. Enquanto não chegar ao outro lado, não há portagens, não há passageiros, dá prejuízo. Se a levar até ao fim, é diferente… O que estava previsto era, logo na primeira fase, ir de Paço de Arcos [da estação da linha da CP] até ao [centro empresarial] Lagoas Park. Essa primeira fase era da responsabilidade do parceiro — a Teixeira Duarte. Para a segunda fase era a câmara que garantia que ela ia do Lagoas Park até ao Tagus Park. Do Tagus Park até ao Cacém já tinha de ser uma negociação com a câmara municipal de Sintra e, eventualmente, com o Governo, para fazer essa ligação de Paço de Arcos até ao Cacém. Circulam neste eixo, todos os dias, mais de 30 mil pessoas.
Pessoas que podiam, parte delas, usar o SATU?
Claro. Mas ao fechar a atividade, acelerou-se a obsolescência do sistema, porque houve vandalismo, o equipamento parado degrada-se mais depressa do que se estiver a andar… A extinção da empresa era uma coisa, a continuidade do projeto era outra — devia ter sido integrado como um serviço municipal.
E disse, no início de 2018, que uma empresa alemã que fornecia material tinha falido… Qual era essa empresa…
Sim, acho que houve uma que faliu, não me recordo do nome, mas há outra empresa que pode fornecer…
Fornecer o quê?
Fornecer tecnologia, há outra que pode fornecer a tecnologia. O que a câmara devia ter feito na altura era desenvolver esforços no sentido de prolongar a linha até ao Lagoas Park, que era esse o compromisso. Depois, no que diz respeito ao trajeto entre o Tagus Park e o Cacém, sempre esteve indefinido qual era o sistema.
Como assim?
O sistema por cabo é para ir até ao Lagoas Park, porque é uma zona com um declive muito acentuado e, ao que parece, era o melhor sistema. Mas ficou-se pelo (centro comercial) Oeiras Parque quando devia ter ido até ao (parque empresarial) Lagoas Park. Mas o anterior executivo desistiu do projeto.
Então, quando foi eleito, o que decidiu fazer? Tinha dito na campanha que retomar o SATU era uma obra prioritária…
Quando assumi funções a primeira coisa que mandei fazer foi iniciar uma auditoria àquele sistema — que está feita — para ver como é que estava, e a conclusão a que entretanto chegámos é que, afinal, não está em tão mau estado como poderíamos pensar.
Tão mau? Ou tão bom? Tinha dito (em abril de 2018) que estava pior do que pensava…
Não, pensávamos que estaria mais degradado, pelo que há condições de retomar o seu funcionamento até ao Oeiras Parque — o trajeto que já estava a ser feito — e a câmara municipal está neste momento a estudar como prosseguir. Mas, repare, o know how que havia, os gestores que aqui estavam eram da (construtora) Teixeira Duarte — que fazia a gestão — ora, esses…
Foram à sua vida…
Sim. Aliás, uma delas — a que foi a verdadeira obreira daquilo, a engenheira Helena Galhardo, já se reformou, até… Nós abordámo-la para saber se queria trabalhar connosco para repor o sistema mas ela, como já se reformou, não está interessada. Até estaria interessada em continuar mas só se fosse contratada diretamente pela câmara municipal. Ora, a câmara, nos termos da lei, não pode contratar diretamente — tem de haver um concurso. E ela não quer ir a concurso. É daquelas coisas que a lei não entende: ora, um escultor pode ser escolhido aquele que a câmara quiser, para fazer uma obra escultórica. Se quiser um arquiteto, não é possível — porque a lei obriga a concurso…
Mas qual é, então, o ponto de situação do SATU?
Há um grupo de trabalho que está a estudar a hipótese de reposição até ao Oeiras Parque e a fazer o levantamento da possibilidade de o prolongar, no sistema atual, até ao Lagoas Park. Do Lagoas Park, sempre esteve previsto que poderia ser um sistema mecânico, diferente — este é uma sistema de controlo remoto, sem condutor. A partir do Lagoas Park, onde passa a ser mais plano, podia ser numa linha dedicada mas não precisa de viaduto, pode ir à superfície. Admito que do Lagoas Park até ao Tagus Park uma solução com condutor eventualmente pode ser mais adequada, mas isso serão os estudos a dizer, não serei eu — e haverá uma discussão pública. Mas até ao Lagoas Park não tenho dúvidas, é o sistema que está.
Mas um sistema mecânico até ao Tagus Park, como assim? É o mesmo comboio?
Não, teria de haver uma mudança. A plataforma termina no Lagoas Park e os passageiros atravessam para outro comboio para continuar para o Tagus Park. Mas era uma passagem muito rápida, sem perda de tempo, um minuto — passar de um lado para o outro.
“Chame-se SATU ou outra coisa qualquer, este eixo Paço de Arcos até ao Cacém é estruturante”
Em entrevista à TVI e no “Carpool” do Observador, durante a campanha eleitoral, garantiu que o projeto não iria “fracassar” e que até ao final de 2018 chegaria ao Lagoas Park (e até 2021, fim do seu mandato, até ao Tagus Park). Já estamos no final de 2019…
A câmara municipal irá, em breve, abrir um concurso para a reposição da linha até ao Oeiras Parque, mais a título experimental, para não deixar que ocorra a obsolescência do equipamento.
Voltar a fazer o percurso que já fazia…
Sim. A funcionar em pleno só com a construção até ao Lagoas Park — um investimento que é na ordem dos 30 milhões de euros. E esse investimento o município tem a possibilidade de o fazer. No entanto, houve alguns progressos no âmbito da discussão das políticas de mobilidade de transportes na Área Metropolitana de Lisboa, já foi entendido que este era um eixo estruturante e, portanto, chame-se SATU ou chame-se outra coisa qualquer, o que é certo é que este eixo Paço de Arcos até ao Cacém é estruturante.
Significa o quê, isso?
Significa que pode vir a ser objeto de financiamento comunitário, no âmbito das verbas que irão ficar disponíveis. Mas até ao Lagoas Park a câmara tem essa disponibilidade financeira, mesmo que não haja financiamento comunitário.
Então, mas o arranque está dependente de quê?
Está dependente do tempo em que possa vir a arrancar esta fase até ao Lagoas Park. E para isso a câmara de Oeiras está disponível para financiar na totalidade o troço até ao Lagoas Park. Depois, a candidatura que será entregue é de ligação de Paço de Arcos até ao Cacém.
Se este mandato termina em 2021, tem algum otimismo de que vá até ao Lagoas Park até ao fim do mandato?
Não, isso… Não é que a obra demore muito tempo, é praticamente só construção civil porque as tecnologias estão criadas. É uma questão de fazer pilares e o vão. É uma empreitada que se faz em oito meses a um ano. Mas o problema é que o concurso público para a empreitada é que pode demorar muito tempo. De maneira que, dificilmente… Eu gostava que estivesse em obra até ao final deste mandato, até ao Lagoas Park.
“Isto do pioneirismo às vezes depende de quem o faz”
Mas, se admite gastar 30 milhões em prolongar até ao Lagoas Park… Sente que essa é uma despesa desejada pelas pessoas, pelos habitantes de Oeiras?
Não tenho qualquer dúvida. Obviamente que se nos guiássemos pelas redes sociais não fazíamos nada. Há sempre críticos destas soluções e, durante as campanhas eleitorais, vem sempre ao de cima o SATU. Na realidade, ao que eu sei, todos os partidos defendem a necessidade de um meio de transporte neste eixo. O PS diz que deve ser outro sistema, embora não este, do PSD estão de acordo com aquilo que era a posição do meu movimento, etc. Neste momento, dos 11 vereadores há 9 que estão de acordo que seja assim, há dois que, eventualmente, discordam.
Dois críticos da opção SATU…
Ouça, da minha experiência aqui em Oeiras, tudo o que foi criticado — pela oposição ou por um cidadão ou outro — depois veio a ser elogiado. Construí a fonte ao pé do Oeiras Parque, na rotunda, à época havia muitas críticas, que era uma “megalomania do Isaltino”. Hoje todos dizem que a fonte é pequena e que a rotunda precisava de ser maior. Aliás, hoje fala-se muito em smart cities e eu tenho ouvido presidentes de câmara, alguns até vizinhos, dizer: “primeiro município que vai ter um transporte sem condutor”. O SATU, há 15 anos, já não tinha condutor. Isto do pioneirismo às vezes depende de quem o faz. O SATU tinha todas as certificações ambientais — ouça, adapta-se bem às alterações climáticas, de que se fala tanto hoje.
Porque é que foi inaugurado antes de chegar ao Lagoas Park?
Olhe, isso tem de ir perguntar à dra. Teresa Zambujo [ex-presidente da câmara de Oeiras]. Eu nunca o teria inaugurado. Eu tenho esta sina — o Parque dos Poetas, por duas vezes, foi parado. Quando eu saí para o Governo, a dra. Teresa Zambujo dizia que se gastava muita água no Parque dos Poetas. Ora, um parque que tem relvados tem de se gastar água — mas queremos ter parques ou não queremos ter parques? Voltei em 2005, retomei o Parque dos Poetas. Depois saí em 2013, o meu antecessor também parou tudo — duas pontes que era preciso fazer, um parque de estacionamento. Voltei, lá estou eu a acabar aquilo: lá para maio, finalmente, as duas pontes estarão instaladas, o parque de estacionamento estará concluído. O SATU será a mesma coisa.
Mas, dizia, não teria inaugurado só com aquelas duas estações…
Claro que não, só com aquelas duas estações nunca poderia ser rentável. O compromisso era levar até ao Lagoas Park, onde já trabalham mais de 12 mil pessoas. Essas pessoas, nem que fosse para virem almoçar ao centro comercial, já eram centenas ou milhares. Fazia todo o sentido.
A ideia é que o passe único da região metropolitana de Lisboa se aplique ao SATU? Ou seja, quem tem o passe poderá viajar livremente?
Sim, aplica-se, aplica-se.
Certo, porque muitas pessoas até gostavam do SATU mas diziam que era caro.
Eu também acho. A ideia que tinha na altura é que fosse 1 euro até ao Tagus Park. Ficou mais do que 1 euro para ir até ao Oeiras Parque… Não fazia sentido… Agora fizemos uma experiência, pusemos dois autocarros a fazer o percurso do SATU — Paço de Arcos, Lagoas Park, Tagus Park — e está sempre cheio. E a partir do próximo ano vamos ter mais quatro autocarros a fazer aquele percurso. Obviamente que os autocarros circulam pelas estradas e, portanto, demoram muito mais — demoram 20 minutos ou meia hora para fazer uma coisa que o SATU faria em 5 minutos.
“Não há nenhum presidente de câmara que, hoje, possa dizer que uma obra vai começar agora ou depois…”
Mas, então, para sistematizar: quando é que vamos ter o quê? Quando é que o SATU vai chegar ao Lagoas Park, quando é que….
Não lhe posso dizer, por uma razão muito simples. Primeiro: projeto. É preciso rever o projeto do Oeiras Parque ao Lagoas Park, o canal está definido mas é preciso rever o projeto — e isso implica concurso. Depois, é a empreitada — e pode haver reclamações. Não há nenhum presidente de câmara que, hoje, possa dizer que uma obra vai começar agora ou depois…
Porquê?
Veja. Tenho para fazer o novo quartel dos bombeiros de Oeiras, abri um concurso público para a empreitada, uma obra de quatro milhões de euros. Abri o concurso há dois meses, ficou deserto. Agora vamos aumentar o preço, porque neste momento os empreiteiros em Portugal têm uma falta de mão de obra brutal. Portanto, mesmo a sobrevalorizar as obras, os concursos ficam desertos. A câmara de Oeiras, neste mandato, já conta 20 concursos desertos.
E o novo edifício administrativo da câmara? Quando vai avançar?
Foi aberto concurso há dois ou três meses, vieram as propostas, mas há uma reclamação. É óbvio que, em obras de grande dimensão, são muitos os concorrentes, dificilmente não há pelo menos uma reclamação… Depois, vai ao Tribunal de Contas, nunca sabemos quanto vai demorar no Tribunal de Contas. Ou seja, estar a dar um calendário para estas obras… eu não arrisco.
Porque é que não ponderou fazer esse edifício aproveitando aquela torre enorme que está vazia, à entrada em Oeiras vindo da A5 — que foi recentemente vendida a um grupo de Santo Tirso [Endutex]…?
Não cabia lá… Por acaso ainda pensei nisso, sabe… Aquilo esteve parado no banco, foi à falência, nós ainda tentámos isso. Mas não cabia lá, aquilo tem altura mas tem poucos metros quadrados [6.400]. E o edifício da câmara terá vinte e tal mil metros quadrados. Vai ficar uma coisa bonita…
A população verá com bons olhos esse investimento?
Vou muito ali tomar café ao Fórum Oeiras [zona vizinha]. Veem-me lá e dizem: “Presidente, que é que vai acontecer aqui? Vai-nos pôr aqui uma torre, vai-nos dar cabo de tudo…”. Depois, chega outro e diz: “ó sr. presidente, quando é que aquilo avança? Olhe que eu comprei aqui a casa porque me disseram que o edifício da câmara ia ser aqui” e, claro, o preço… upa, upa.
Recandidatura? “Não quero fazer três mandatos…”
Precisa, então, de recandidatar-se para, se ganhar, acabar o SATU. É assim? Vai recandidatar-se?
Eu também tenho um limite da idade, não só de mandatos. Neste momento ainda estamos a dois anos de eleições — mas o que quero dizer é que… não quero fazer três mandatos…
Além do SATU, como planeia resolver os problemas de trânsito de Oeiras?
Os problemas de trânsito não são exclusivos de Oeiras, são um problema da área metropolitana de Lisboa. O problema de Oeiras é que é um concelho de atravessamento. Por outro lado, só temos um défice de trabalho com Lisboa — saem de Oeiras para Lisboa à volta de 51 mil pessoas por dia mas vêm 47 mil, é uma diferença de quatro ou cinco mil. Por outro lado, relativamente a Cascais, a Sintra, a Amadora, Almada, Barreiro, Seixal, etc, são mais os que vêm do que os que vão. Oeiras recebe gente de todo o lado. Como dizia, Oeiras tem o segundo maior volume de negócios do país, gera-se mais riqueza em Oeiras do que no Porto. O Porto gera 14 mil milhões, Oeiras gera 24 mil milhões, Cascais gera 6 mil milhões, quatro vezes menos do que Oeiras.
Em que ponto está o processo de transformação da zona ribeirinha do Jamor, na Cruz Quebrada, na zona da antiga fábrica da Lusalite? É uma obra polémica, criticada por muitas pessoas…
Muitas pessoas, não… Há três ou quatro. Não representam ninguém. É gente ligada ao Bloco de Esquerda, que está a remar contra a maré. Mas a verdade é que o que está lá é uma pré-existência de pavilhões que é uma coisa impressionante… Por outro lado, aquilo é um terreno privado — que tem direitos, não é? Naquilo que for terreno público na zona ribeirinha não haverá qualquer construção. Agora, os planos que estão aprovados estão aprovados. E aquele é um deles. É fundamental acabar aqueles troços do passeio marítimo entre Paço de Arcos e Caxias e, depois, da Cruz Quebrada até Algés.
Há pouco falávamos do novo centro administrativo de Oeiras, onde se vão concentrar todos os serviços da câmara. O que se trata?
Nós temos serviços espalhados por nove edifícios, há custos de ineficiência brutais, até de controlo de produtividade — a concentração num só edifício vai ter mais-valias brutais. Aquilo que deixamos de pagar de rendas que pagamos, com a alienação de alguns edifícios que ocupamos, faz com que ao fim de cinco ou seis anos o investimento está recuperado.
São 49 milhões, o custo estimado da obra…
Ainda não se sabe, foi aberto concurso, a base é 49 milhões mas há propostas de 43, 47 e, julgo eu, de 49.
Em 2015 estimava-se cerca de metade…
Sim, mas não era o mesmo… Vamos lá ver, até podia estar 10 milhões, não era o mesmo projeto. O projeto foi todo revisto, atualizado — em 2017 o anterior presidente da Câmara tencionava abrir o concurso para a obra, mas retirou de lá uma cena de equipamentos que estavam previstos, havia um outro edifício, reduziu pés-direitos, enfim… fez aquilo que entendeu. Agora, o projeto foi revisto, a nossa ideia é que desta forma se concentrem ali todos os serviços administrativos e técnicos do município.
Quando avança essa obra, no terreno?
Está o processo em curso. Está em fase de adjudicação. Agora, vamos ver se há reclamações, se não há, ver o visto do Tribunal de Contas, etc. Mas, pelas nossas previsões, se tudo correr normalmente, ficará pronto em julho de 2023.
Mas quando começam as obras?
Devem começar já no próximo ano. A nossa dificuldade aqui, também é que quando eu cheguei à câmara, em 2017, e não tinha um único projeto feito. Neste momento estou com 180 projetos em curso.
“Oeiras não está interessada em ser dormitório de Lisboa”
O que está a planear fazer na área da habitação?
Quero lançar um programa de habitação de 500 casas, casas para famílias carenciadas, casas para desdobramento de bairros municipais (famílias que cresceram muito), casas para a classe média — vamos ter casas à venda e para arrendamento acessível — e casas para jovens.
Quantas casas para jovens?
Para jovens tenho previsto cerca de 150 casas, das quais 60 já estão em construção. E ainda este ano vou entregar umas 10 ou 15.
Até que ponto é que Oeiras pode afirmar-se cada vez mais como alternativa para jovens que até gostariam de viver em Lisboa mas as rendas altas na cidade subiram para níveis proibitivos…?
Oeiras não pode ser alternativa a Lisboa. Oeiras não concorre, em matéria de habitação, com município nenhum. Não estamos interessados em ser dormitório de Lisboa ou de outra coisa qualquer. Oeiras precisa de ter a habitação estritamente necessária para aqueles que aqui vivem, que querem continuar a cá viver. E temos de dar condições a quem cá trabalha, e aí é que entra o tema da mobilidade — porque repare, alguém que trabalha em Oeiras mas vive no Barreiro, a diferença do valor das casas é tão grande que continua a viver no Barreiro e vem trabalhar para Oeiras. Mas não compram aqui casa, nem arrendam, porque a diferença é muito grande. Oeiras não pode ser dormitório, já lá vai o tempo — hoje há outros municípios que são dormitórios de Oeiras.
Mas também em Oeiras os preços subiram muito. Há previsões de que a oferta aumente de forma significativa?
Este é um problema muito difícil. Porque este não é um problema da câmara de Oeiras nem da câmara de Lisboa… A habitação é cara porque os governos querem. E os partidos políticos também.
Porquê?
Por uma razão muito simples. Em 2012, 2013, lembre-se do que se dizia do mercado habitacional: dizia-se que os presidentes de câmara eram uns tontos, puseram-se a aprovar casas por aí fora, construções a mais, as casas não se escoam, não se vendem, o imobiliário nunca mais vai ser o mesmo, os preços nunca mais serão os preços que havia em 2007, 2008…
Quem dizia isso?
Jornalistas, gurus da economia, comentadores de televisão. Todos diziam amén, todos com o mesmo discurso. Bastaram três anos para que vivamos o período de maior especulação dos últimos 100 anos. Os preços já duplicaram — e se for ler os editoriais que escrevia nos boletins da câmara, já dizia o mesmo que estou a dizer agora.
“As casas são caras porque o governo da troika alterou a lei dos solos… e estes ainda não se aperceberam, porque, também, andam a dormir”
Mas, então, mais em concreto, porque é que as casas estão mais caras?
As casas estão caras porque isso convém aos ricos. Isto agora está bom é para os ricos. Está mal é para os pobres, para quem não tem casa. Mas ninguém faz nada por eles. E eu, aqui em Oeiras, vou demonstrar que se podem fazer casas baratas — não posso é fazê-lo na extensão que eu queria.
Como assim?
Eu vou pôr à venda casas, dessas tais 500, 125 vão ser vendidas. Estas 125 vou vendê-las entre os 120 mil e os 190 mil euros — T1 a T4. Em zonas onde casas iguais estão a ser vendidas por preços entre 240 e 500 mil. Claro que nestas vou pôr cozinhas de 6 mil euros e ao lado estão cozinhas de 30 ou 40 mil. Mas isso não justifica a diferença para o dobro ou para o triplo (no preço total).
Então o que é que justifica?
As casas são caras porque o governo durante a troika fez uma coisa — e estes gajos acho que ainda não se aperceberam, porque, também, andam a dormir… O Bloco de Esquerda só bla bla bla, nada, para esses gajos, quanto mais pobres, melhor… O Partido Comunista a mesma coisa, não sei se está a ver… Já o PS, acho que ainda não se aperceberam… Porque se se tivessem apercebido já tinham feito alguma coisa.
Está a falar de quê? Que alteração foi essa?
No Governo da troika o pessoal só falava da austeridade e dos salários. Mas nesse tempo fizeram-se alterações legislativas profundas — e uma dessas alterações foi a lei dos solos. Havia terrenos rústicos, urbanos e urbanizáveis. Desapareceram os urbanizáveis — agora só há rústicos e urbanos. E, no caso de Oeiras, havia alguns terrenos que já estavam, até, loteados mas como o promotor não levantou o loteamento passou a rústico. E, portanto, o que é que acontece? Os poucos terrenos urbanos que há agora obviamente que se valorizam. E quem os tem… é a política do salame: para quê vender tudo ao mesmo tempo? Se você tiver 50 quadros do mesmo pintor famoso, se se põe a vender os 50 ao mesmo tempo está lixado.
Qual é a solução, então, nesse caso?
Seria necessário serem disponibilizados mais terrenos para construção. E isso têm de ser as câmaras municipais a fazê-lo, é preciso que a lei o permita, para voltarmos a fazer contratos de desenvolvimento de habitação em que a câmara municipal coloca terrenos à venda por um valor simbólico mas onde estabelece o custo final da casa, o preço de venda de cada apartamento. É a câmara que depois diz: estão aqui 200 casas, vão ser vendidas a estes 200 agregados familiares que a câmara indica — que são as famílias que estão dentro das condições de rendimento para cada tipo de casa.
Isso está a ser feito?
Nós estamos a arrendar, aqui, no centro da vila, ainda há dias inaugurei aqui 12 apartamentos no centro da vila que são apartamentos lindíssimos. Você ficará espantado se for lá ver. Sabe a quanto arrendam casas iguais por aí? Entre 750 e 1500 euros. Sabe a quanto é que a câmara os vai arrendar? A 250 euros por mês. Menos de um terço. Não são casas de habitação social, mas também não são casas do mercado — são casas arrendadas a quem tem condições para pagar esta renda, uma renda que a classe média pode pagar. Mas a câmara só tem terrenos para uns 500 fogos — se tivesse para 3.000 ou para 4.000, ou 5.000, podíamos fazer um concurso em que determinávamos: aqui é para construir casas que depois vão ser vendidas a 150 mil euros — e não a 300 mil. Para isso é preciso que o Governo legisle para permitir a libertação de solos.
Dessa forma seria menor a especulação imobiliária?
Não se esteja à espera que sejam os construtores a fazer casas para quem precisa. Os construtores querem ganhar dinheiro. Os donos dos terrenos querem ganhar dinheiro. Portanto, casas para quem não tem condições para comprar no mercado só o Estado ou as câmaras municipais é que podem promover. Há um segmento da população que só tem casa se for a câmara a dar-lha, ou a arrendá-la a preços baixos. Não fiquemos à espera que sejam os ricos a resolver o problema dos pobres. Quem tem de resolver é o Estado — se queremos dar dignidade às famílias.
Fala muitas vezes sobre o plano de erradicação das barracas…
Repare, porque é que Oeiras tem uma classe média tão forte? Porque é que Oeiras tem as empresas que tem? Porque somos o município com mais coesão social em Portugal. Tem-se falado sobre a zona da Pedreira dos Húngaros, eu lembro-me daquilo sempre cheio de lama no inverno, pó no verão, as crianças brincavam ali na porcaria, pá… Os pais tinham relações sexuais à frente dos filhos porque as barracas eram só um compartimento. As barracas durante o dia faziam de cozinha e à noite soltava-se um cordel e o colchão, que estava preso na parede, caía para o chão e toda a gente dormia ali. Eu vi isto. Era assim. E aquelas pessoas, à noite, olhavam para as luzes das torres de Miraflores, aquela malta a festejar, a comer bem… não tinham que sentir revolta? Claro que tinham. Depois, do outro lado, os que estavam nos prédios, olhavam cá para baixo e pensavam: “aqueles ali amanhã vão-me roubar o meu filho”… Ou seja, a melhor forma de desenvolvimento é combater a pobreza e dar dignidade às pessoas — e a casa é o mais importante que se pode dar a uma família. Uma família que não tem uma casa não tem nada.