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ANA MARTINGO/OBSERVADOR

ANA MARTINGO/OBSERVADOR

João Costa. O homem do terreno chegou a ministro da Educação (com votos de "boa caça")

É consensual entre diretores de agrupamentos e pais. Já os professores dizem que terá de começar a mostrar logo flexibilidade para resolver problemas. As polémicas do escuteiro que chegou a ministro.

[Este artigo faz parte da série de trabalhos sobre o percurso, os desafios e as polémicas dos dez novos ministros que o Observador publica no day after da formação do novo Governo]

Quando na próxima quarta-feira João Costa chegar ao número 2 da Avenida Infante Santo vai entrar no elevador e apertar o botão 6. É ali, dois pisos abaixo do gabinete que foi seu nos últimos anos, que o homem de terreno da equipa de Tiago Brandão Rodrigues passará a número 1 na pasta da Educação.

A escolha agradou à maioria dos diretores de agrupamentos e escolas públicas, de norte a sul. E aos pais, que veem nesta escolha uma continuidade positiva. Já entre os professores há, pelo menos, a ideia de que a perder ninguém fica. “Era já ele quem definia as medidas educativas, quem tinha conhecimento do sistema. Não é um paraquedista no sistema educativo, conhece as escolas e a educação. A perder não se fica“, garante ao Observador Mário Nogueira, secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (Fenprof).

Católico praticante — com ideias demasiado progressistas para uns quantos –, João Costa continua com uma ligação especial ao mundo do escutismo. Foi chefe regional de Setúbal, tendo um dia justificado, numa entrevista ao site Rostos, o porquê da sua candidatura a esse cargo: “Os dirigentes devem saber avaliar onde podem desempenhar melhor as suas funções em diferentes fases do seu percurso”. Agora, quem nos escuteiros melhor o conhece considera que a escolha do seu nome para ministro da Educação é um passo natural nesse percurso.

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"No que toca à vulnerabilidade dos alunos com dificuldades, ele colocou-os no centro. E pôs as escolas como parte das decisões macro, deu a cara por isso. Na prática foi o pai da flexibilidade curricular"
Ana Cláudia Cohen, diretora do Agrupamento de Escolas de Alcanena

Qual o currículo?

O homem que ficará os próximos anos ao leme da Educação desde há muito que está ligado às salas de aula, ainda que às do ensino superior.

No site oficial do Governo, pode ler-se que se doutorou em Linguística em 1998, na Universidade de Leiden, na Holanda, tendo depois disso sido investigador visitante do MIT. A sua formação inicial, a licenciatura em Linguística, foi na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

João Costa foi ainda Presidente da Associação Portuguesa de Linguística e professor convidado em várias universidades no Brasil, Macau, Espanha, Holanda e Itália — sendo “autor de inúmeros artigos, capítulos de livros e livros”.

Entre 2012 e novembro de 2015, ano em que tomou posse como secretário de Estado, foi diretor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa — onde é professor catedrático de Linguística. Foi ainda presidente do Conselho Científico das Ciências Sociais e Humanidades da Fundação para a Ciência e Tecnologia e membro do Conselho Científico do Plano Nacional de Leitura, da Comissão Nacional do Instituto Internacional da Língua Portuguesa e do Conselho Consultivo do Instituto Camões.

Nasceu em Lisboa, em 1972, mas cresceu e viveu uma parte da sua vida em Setúbal — foi lá que em 1982 entrou para os escuteiros.

Novo ministro da Educação é escuteiro desde 1982

Qual é o percurso político?

Em 2015 João Costa chegou ao Ministério da Educação como secretário de Estado da Educação, quatro anos depois, em 2019, passaria a secretário de Estado Adjunto e da Educação.

Antes disso, em 2001 havia sido candidato independente à Junta de Freguesia da Quinta do Anjo pelo PCP. Mais recentemente foi candidato pelo PS à Assembleia Municipal de Palmela, tendo sido eleito para o mandato 2021/2025.

Qual a experiência na área de governação?

João Costa é um professor. E quem com ele se cruzou nas escolas de norte a sul ao longo dos últimos anos dá conta de como isso fez de si um secretário de Estado mais próximo, que deu um cunho pessoal a várias medidas importantes na área da Educação — e aqui destaca-se o enfoque dado à inclusão e a legislação relativa ao currículo e avaliação das aprendizagens.

“No que toca à vulnerabilidade dos alunos com dificuldades, ele colocou-os no centro. E pôs as escolas como parte das decisões macro, deu a cara por isso. Na prática foi o pai da flexibilidade curricular”, diz ao Observador Ana Cláudia Cohen, diretora do Agrupamento de Escolas de Alcanena. Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, concorda com boa parte dos elogios, destacando ainda o facto de o até aqui secretário de Estado estar sempre “muito por dentro dos dossiês”.

"Temos obra a sair do papel em todo o país e mudou também o olhar sobre a escola: quisemos afastar-nos de uma escola desenhada para a elite e da ideia de que se tem de separar os alunos o mais cedo possível, como através de exames ou de testes psicotécnicos"
João Costa, numa entrevista em 2019

Em 2019, João Costa deu uma entrevista ao jornal i em que explicava as mudança na forma de olhar para o ensino especial e em que lembrava que não só a deficiência é motivo de exclusão. “Temos obra a sair do papel em todo o país e mudou também o olhar sobre a escola: quisemos afastar-nos de uma escola desenhada para a elite e da ideia de que se tem de separar os alunos o mais cedo possível, como através de exames ou de testes psicotécnicos”.

“Desenvolvemos a autonomia, a flexibilidade, modelos de avaliação internos e externos, tutoriais, o Plano Nacional das Artes. Relançámos o Plano Nacional de Leitura, fazemos um trabalho muito intenso com a rede de bibliotecas escolares, temos o programa ‘Cientificamente Provável’ […] reforçámos o desporto escolar…”, disse na mesma entrevista, acrescentando: “Todas estas iniciativas não são finalidades: são instrumentos para que consigamos atingir certos objetivos, pois quisemos centrar a política educativa em três pilares: sucesso — entendido como aprendizagem e construção de um perfil dos alunos que vai para além de saber coisas que se esquecem, e não como estatística; inclusão — a escola tem de ser para todos e há que contrariar o fatalismo da pobreza; e cidadania — a escola tem de nos capacitar para uma cidadania ativa e informada”.

"Nunca houve relação de proximidade como houve com este secretário de Estado. Há um estilo de liderança que faz a diferença."
Dulce Chagas, diretora do Agrupamento de Escolas de Alvalade

E grande parte deste trabalho é reconhecido pelos diretores dos agrupamentos escolares. Dulce Chagas, do Agrupamento de Escolas de Alvalade, afirma mesmo que o trabalho do secretário de Estado se destaca do dos antecessores: “Nunca houve relação de proximidade como houve com ele. Há um estilo de liderança que faz a diferença, se calhar foi também dos que mais tempo esteve no cargo”.

A experiência no ensino durante vários anos também terá sido importante para identificar os problemas que, desde diretores a professores, dizem que conhece como ninguém. O que, por outro lado, lhe dá também uma responsabilidade acrescida.

“Inteirou-se durante seis anos dos problemas, vamos ver se agora está disposto a fazer o que não foi feito até aqui“, diz Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof: não só não está isento “de responsabilidades nos problemas dos últimos anos, como agora passará a ter um poder de decisão que não tinha”. “Vamos ver se tem vontade”, insiste, rematando: “Tem uma vantagem, mas por outro lado tem de saber geri-la. Os professores sabem que ele conhece os problemas, que não é preciso dar-lhe tempo, não vai haver um período de estado de graça”.

"Do ponto de vista da cordialidade e da formalidade e do respeito pelo interlocutor tinha-nos em níveis mais elevados do que o atual ministro [...] mas dá para perceber que João Costa é alguém que, ouvindo o que há para lhe dizer, tem características de alguma inflexibilidade"
Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof

Nas reuniões com os sindicatos — uma experiência que leva destes anos e que será fundamental para o desafio que se aproxima — Mário Nogueira destaca a postura diferenciada de João Costa face a Tiago Brandão Rodrigues: “Do ponto de vista da cordialidade e da formalidade e do respeito pelo interlocutor tinha-nos em níveis mais elevados do que o próprio ministro”.

Mas o balanço não é propriamente positivo, uma vez que, segundo o secretário-geral da Fenprof, João Costa é “de ideias fixas”: “Dá para perceber que é alguém que, ouvindo o que há para lhe dizer, tem características de alguma inflexibilidade”.

Quais os desafios da pasta?

Nos meses e anos que se aproximam, João Costa passará a ter em cima da mesa questões que até agora não eram da sua competência. Verdadeiros desafios, que só mais tarde se saberá se consegue ou não ultrapassar. Reabrir o diálogo sobre a progressão na carreira docente, conseguir demonstrar uma valorização da classe, e contrariar a falta de atratividade da profissão para os mais novos são os desafios destacados por Mário Nogueira.

Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos, antecipa que os maiores desafios que João Costa enfrentará como ministro serão a "questão da carreira docente" e a inversão da tendência de "escassez de professores".

“Diria que o João Costa enquanto governante conhece muito bem o estado em que se encontra a Educação, as dificuldades das escolas e os problemas que estão na origem de muitos jovens que já eram professores e saem e de muitos jovens que nem sequer querem ser professores”, diz, lembrando que se, enquanto ministro, falhar “a frustração será maior”.

Também Filinto Lima antecipa que os maiores desafios que João Costa tem pela frente são a “questão da carreira docente” e a inversão da tendência de “escassez de professores”. E acrescenta ainda a “descentralização”, a “avaliação desempenho dos professores e dos diretores” e a “estabilização do currículo escolar”.

O presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap) disse, em declarações à Lusa, que considera que João Costa “tem a capacidade e o conhecimento para levar para a frente um conjunto de medidas que são necessárias”. Jorge Ascenção referia-se, sobretudo, à revisão dos currículos, à consolidação da autonomia das escolas e da flexibilidade curricular e à revisão da avaliação e do acesso ao ensino superior. “Não será muito diferente daquilo que era como secretário de Estado”, arrisca.

"Tem a capacidade e o conhecimento para levar para a frente um conjunto de medidas que são necessárias [...] Não será muito diferente daquilo que era como secretário de Estado".
Jorge Ascenção, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais

Quais as polémicas no seu percurso?

Ao longo de seis anos foram várias as polémicas em que João Costa esteve envolvido. A mais recente e que possivelmente mais destaque teve foi a das aulas de Cidadania e Desenvolvimento — foi um dos principais defensores desta disciplina depois de dois alunos terem chumbado por faltarem às aulas. O ministério acabou por aceitar a progressão excecional dos alunos enquanto o caso corria nos tribunais, mas um ofício de João Costa dirigido ao diretor-geral dos Estabelecimentos Escolares deixou clara a sua posição. Garantindo que o objetivo da tutela nunca foi a retenção dos alunos, João Costa escreveu, na altura, que “quando quaisquer encarregados de educação têm uma posição política contra uma componente curricular, […] os debates em torno dessas posições são saudáveis, desde que não se recorra à instrumentalização das crianças e dos jovens”.

Já em agosto de 2019, um despacho relativo à aplicação da lei da identidade do género nas escolas havia trazido alguma controvérsia ao gabinete de João Costa. O documento referia que “as escolas devem garantir que a criança ou jovem, no exercício dos seus direitos, aceda às casas de banho e balneários, tendo sempre em consideração a sua vontade expressa e assegurando a sua intimidade e singularidade”.

Reagindo a uma publicação que Rui Rio fizera no seu Twitter — a acusar o Governo de semear “a confusão nas escolas e nos pais” –, o secretário de Estado contra-atacou, em declarações à Rádio Observador, garantindo que o despacho não significava que “uma menina, de repente, encontraria um galifão de 16 anos ao seu lado na casa de banho”.

“Nunca, na história da nossa democracia, se assistira a um passa-culpas deste nível”
Nuno Crato, antigo ministro da Educação sobre declarações de João Costa

No final de 2020, os ânimos voltaram a aquecer e João Costa era de novo protagonista — ao associar as políticas do Governo liderado por Pedro Passos Coelho (2011-2015) à queda no desempenho a matemática dos alunos portugueses do 4º ano, segundo o estudo “Tendências Internacionais de Matemática e Ciência”, de 2019, da Internacional Association for the Evaluation of Educational Achievement. Nuno Crato, antigo ministro da Educação, não se deixou ficar e classificou as acusações como “irresponsáveis e falsas”: “Nunca, na história da nossa democracia, se assistira a um passa-culpas deste nível”, lamentou à Lusa o ex-governante, que é professor catedrático de Matemática.

Em dezembro do ano passado, João Costa voltava a trocar umas palavras mais duras com o líder do PSD, num artigo publicado no Público, sobre políticas de educação: “Rui Rio não evolui no pensamento sobre o currículo: avaliar é fazer exames, ensinar é ter programas que só se cumprem pagando explicações, disciplina intui-se que seja expulsar alunos do sistema”.

As suas posições por vezes não são entendidas e nem sempre do outro lado está um adversário político. Sendo católico e estando próximo dos escuteiros, as “ideias mais progressistas” — sobretudo em temas como a identidade de género ou a disciplina de Cidadania — às vezes são criticadas no meio mais conservador, mas serão casos pontuais e nunca terão provocado mal-estar nos círculos que frequenta, conta ao Observador António Theriaga, antigo chefe nacional adjunto dos escuteiros, que trabalhou de perto com João Costa, quando este era chefe regional em Setúbal. O que fica destes anos na pasta da Educação, diz, é que o novo ministro  é um homem “profundamente conhecedor da área e da pedagogia, por ser professor e por dar muita formação a professores”.

E a inexistência de divergências acaba por ficar demonstrada no comunicado emitido esta quinta-feira pelo Corpo Nacional de Escutas (CNE): “Ficamos muito contentes com a recente indicação do João Costa, dirigente da Região de Setúbal, para a missão de continuar a servir Portugal, agora na capacidade de Ministro da Educação. Estamos confiantes da sua capacidade e perseverança, para além do elevado sentido de serviço abnegado, para contribuir para uma sociedade mais justa e mais feliz, através da educação das nossas crianças e jovens”.

E termina com “as mais calorosas saudações e votos de ‘boa caça’, como se diz nos escuteiros”. Será o suficiente para o que espera João Costa quando sair do elevador no 6º piso?

 
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