John Darwin, Professor de História Global e Imperial da Universidade de Oxford, é uma figura conhecida dos que se interessam pela história do império britânico, a descolonização europeia e o estudo comparado dos impérios. É um dos académicos mais reputados e influentes nestas áreas tendo, nos anos 80 e 90, publicado numerosos artigos sobre vários aspectos da descolonização britânica. Nos últimos anos, o seu trabalho tem vindo a tornar-se mais abrangente e ambicioso, quer em termos cronológicos, quer geográficos, como atestado pela publicação, em 2007, de After Tamerlane: The Global History of Empire 1400-2000, livro aclamado pela crítica.
A pesquisa de Darwin centra-se actualmente no papel das grandes cidades portuárias dos séculos XIX e XX (incluindo Montreal, Nova Orleães, a Cidade do Cabo, Calcutá, Singapura e Hong Kong) no desenvolvimento não apenas de uma nova economia global, mas também de trocas de ideias e diferentes visões da modernidade, as quais acompanharam as fases iniciais da globalização. Foi orador convidado do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa (I.H.C) tendo apresentado uma palestra intitulada: “Facing the Orient: Towards a New Global History”, que teve lugar no Museu do Oriente, no dia 9 de Dezembro de 2015.
Apresentamos aqui a entrevista conduzida com John Darwin, que foca alguns dos temas abordados na sua intervenção, assim como outras questões relacionadas com o debate historiográfico, ou acontecimentos da actualidade.
Pedro Aires Oliveira (PAO): Gostaria de começar com uma pergunta relacionada com a sua comunicação no Museu do Oriente, na qual sugeriu que já não é possível escrever a história do mundo seguindo um modelo que se consubstancie no impacto do Ocidente em “regiões e povos menos desenvolvidos”. O que levou a que os historiadores desenvolvessem uma maior sensibilidade face a tal falácia? Terá sido o ressurgir da China nos anos 90? O fenómeno mais amplo da globalização?
John Darwin (JD): Um grande contributo foi a publicação, em 2000, do livro de Kenneth Pomeranz, The Great Divergence, obra que teve um enorme impacto, não apenas nos historiadores que estudam os fenómenos globais, mas igualmente nos historiadores da economia global. Pomeranz argumentou, de forma clara e persuasiva, que, até 1800, a China havia atingido um nível de desenvolvimento semelhante ao da Europa, em particular a Europa Ocidental. O autor também lançou a ideia de que o avanço da Europa sobre a China, em termos económicos, foi simplesmente um caso de sorte. Para a Europa, foi uma sorte ter carvão, o que permitiu o desenvolvimento da maquinaria a vapor, assim como explorar, de forma predatória, os recursos do Novo Mundo. Tal confluência de situações, bafejadas pela fortuna, permitiram ao Ocidente trilhar um caminho alternativo, escapando assim à armadilha Malthusiana a que ficaram sujeitas a China e outras partes do Oriente.
A obra de Pomeranz forçou vários historiadores, pelo menos os que já se encontravam envolvidos neste debate, a repensar até que ponto o Ocidente possuía recursos internos, assim como poder intelectual ou cultural, para ultrapassar o que tinham sido as grandes civilizações do Oriente. O debate gerado foi enorme. Igualmente, é verdade que o livro de Pomeranz foi, em si mesmo, uma espécie de sintoma, o reconhecimento de que a China já não era uma economia em ruínas, como fora considerada até aos anos 80. Neste sentido, o livro constitui um enorme progresso. Muitas das conclusões de Pomeranz têm sido rebatidas com sucesso em trabalhos mais recentes. Contudo, não deixa de ser importante sublinhar que a obra criou um debate, um novo horizonte, que se tornou extremamente influente para os historiadores.
Teresa Pinto Coelho (TPC): No seu livro After Tamerlane (2007) considera que os impérios asiáticos, em particular o chinês, conseguiram, a longo prazo, resistir aos avanços do imperialismo europeu. Neste contexto, como encara a presença portuguesa na Ásia?
JD: Penso que a presença portuguesa não é muito diferente da de outros europeus que entraram na Ásia, uma vez que, na sua maioria, se confinaram à franja marítima do continente. Os europeus são povos marítimos e, especialmente no período posterior a 1498, sulcam os mares pois possuem marinharia e técnicas de navegação. Desta forma, conseguem chegar à costa, estabelecer portos e entrepostos comerciais, mas apenas em casos muito específicos se verifica uma incursão no interior e a subsequente formação de sistemas políticos, nomeadamente, impérios. Neste sentido, os britânicos são invulgares; quanto aos holandeses, conseguiram-no, até certo ponto, em Java. Contudo, é apenas no século XIX que obtêm controlo territorial nas Índias Orientais Neerlandesas.
Os portugueses têm uma grande variedade do que se denominou feitorias, entrepostos comerciais, algumas localidades como Goa, mas, de novo, os portugueses não criaram um império no interior da Ásia. Nem os britânicos o teriam feito, se não fosse o facto de, como descrevo no livro, a sua presença em Bengala coincidir com o colapso do Império Mogol, consequência, não dos seus próprios esforços, mas do duplo ataque dos Maratas a Sul e dos Afegãos no Noroeste. Isso dá aos britânicos a oportunidade de alargar o seu domínio na Índia Oriental, especialmente em Bengala. Mas essa é, na realidade, a excepção. Na sua maioria, os europeus na Ásia são confrontados com poderosos impérios e, consequentemente, mantiveram-se largamente na franja marítima, como se verifica no caso da China. E, como sabemos através do famoso caso do Japão, não lhes foi permitido sair do pequeno porto de Nagasaki, na ilha de Dejima.
TPC: Considera, então, que a historiografia tradicional portuguesa, assim como qualquer outra historiografia europeia, tem exagerado o papel dos portugueses na Ásia?
JD: Bem, neste caso devo ser cauteloso, uma vez que, certamente, não sou tão conhecedor da historiografia portuguesa como deveria, mas penso que a tendência geral na Europa era considerar o seu papel na Ásia em termos mais grandiosos do que o longo registo histórico justificaria. Assim, entre britânicos, franceses, holandeses, portugueses e, talvez no final, alemães e americanos, existia uma certa competição em termos de conceber o seu papel imperial de forma grandiosa. Mas seria insensato negar que os portugueses foram pioneiros, que construíram uma extensa rede de entrepostos comerciais, assim como de influência, e que permaneceram, mesmo após a sua era de supremacia imperial se ter dissipado, uma forte presença no continente asiático. Na Índia encontramos muitos portugueses, ou descendentes seus. A título de exemplo, muitos nomes de origem portuguesa eram típicos entre os europeus, ou os euro-asiáticos.
TPC: Mas o imperialismo, ou colonialismo português no Brasil não se enquadra nesta perspectiva.
JD: Não, no Novo Mundo é diferente. É diferente da Ásia, uma vez que os portugueses conseguiram criar um império no interior, embora, no meu entender, grande parte do período do domínio português no Brasil é, novamente, um fenómeno costeiro até meados do século XVIII, aquando da corrida ao ouro, que os conduz a Minas Gerais. E o mesmo podemos dizer das actividades dos bandeirantes, que levaram uma certa expansão fronteiriça.
Um fenómeno semelhante aconteceu com os britânicos na América do Norte pois, até finais do século XVIII, encontravam-se confinados à planície, entre as Montanhas Apalaches e o mar. Na América do Norte é apenas no período pós-1763 que é possível aos britânicos, ou aos ingleses, sair desta situação costeira limítrofe. O argumento que procuro explorar no livro é o de que não devemos assumir que, desde o tempo de Colombo, os europeus foram capazes de controlar quer a Ásia, quer o Novo Mundo.
PAO: Como descreveria a forma como a Grã-Bretanha, uma sociedade cada vez mais multicultural, se relaciona hoje com a herança e a memória do império? Por um lado, o império parece ainda encontrar-se presente em muitos aspectos da sociedade britânica, nomeadamente na vida pública. Por exemplo, a Rainha continua a ser a Chefe de Estado em alguns dos territórios anteriormente designados como “Domínios brancos”, os jogos da Commonwealth são ainda largamente populares, etc. Por outro lado, parece existir um certo sentimento de culpa, nomeadamente no diz respeito a aspectos mais controversos da empresa imperial, tais como a escravatura e o comércio de escravos.
JD: Como diz, existe ainda na Grã-Bretanha um legado um tanto embaraçoso relativamente ao império. Não é um tema que muitas pessoas, nomeadamente no âmbito da vida pública, considerem de fácil abordagem. Penso que, de forma geral, procuram evitá-lo, em parte por existir ainda uma geração mais velha que consideraria ofensiva qualquer discussão sobre o império que o retratasse de forma hostil ou agressiva. Por outro lado, e concomitantemente, muitos jovens cresceram numa sociedade em que muitas vozes vociferantes têm argumentado que os actuais problemas da Grã-Bretanha, como o racismo, são consequência directa do passado imperial britânico, visão que pessoalmente considero um grande mal entendido.
Os nossos líderes políticos não gostam de abordar o tema do império quer de forma negativa, quer positiva, uma vez que existe forte probabilidade de ofender um dos dois grupos. Duas coisas sugerem que a memória do império é negativa. Uma é a comemoração de alguns aspectos menos agradáveis do império: a escravatura e o comércio de escravos. Um grande museu em Liverpool é-lhes dedicado. A outra é que, em algumas ocasiões, os nossos líderes políticos julgaram conveniente expressar publicamente arrependimento, ou pedir desculpa por alguns dos piores crimes perpetrados na era imperial.
Mais recentemente, enquanto resultado de uma acção judicial, foi necessário pagar compensação às vítimas de brutalidade e do pior tipo de atrocidades cometidas por forças controladas pelos britânicos no Quénia durante o estado de emergência. Estão igualmente em curso acções judiciais referentes a Chipre tal como, possivelmente, também à Malásia. Assim, o quadro actual é bastante dinâmico, uma vez que, face a todos estes argumentos relativos à última fase do império, os estados de emergência que se verificaram nos anos 50 e no início dos anos 60 (incluindo Aden), ainda não é claro que tipo de registo de atrocidades p0ssa vir a revelar-se. De certa forma, é possível que tal registo venha a comprometer ainda mais a imagem do império. Contudo, creio que a maioria das pessoas na Grã-Bretanha não está realmente interessada no império. Trata-se de uma área em que, de um lado, um certo número de vozes influentes tende a salientar os aspectos mais vergonhosos do império; do outro lado, ninguém realmente proclama as glórias deste.
TPC: Vou-lhe fazer-lhe duas perguntas que se encontram relacionadas. A primeira é: na sua palestra, assim como no seu livro After Tamerlane, a história do imperialismo termina com o domínio dos Estados Unidos. Até que ponto este está hoje em dia a ser disputado?
JD: É interessante pois, se regressarmos ao historiador Frederick Jackson Turner, cujas ideias informaram muita da historiografia americana entre o início do século XX até aos anos 50, este abordava de forma muito clara a situação da América, dos Estados Unidos, enquanto império. Em tempos mais recentes, outro grande historiador americano, Donald W. Meinig, escreveu um estudo admirável, uma história geográfica da América, na qual esta é apresentada como sendo um império. Assim, penso que não é inusitado retratar os Estados Unidos como uma forma de império. Mesmo alguns dos mais influentes historiadores americanos têm reconhecido isso mesmo, ou considerado o conceito de império bastante adequado, assim como útil e preciso, para ser aplicado à história americana.
É verdade que uma corrente poderosa da opinião americana, da historiografia americana, tem sempre procurado avançar a ideia de que a América é a grande excepção à história da Europa: é uma nova fundação, evitou muitos dos conflitos e disputas que caracterizam a história europeia, evitou as guerras dinásticas, evitou ter uma aristocracia, evitou o feudalismo. Assim, de muitas formas, e sob este prisma, a América era uma sociedade alicerçada na noção de liberdade.
Penso, contudo, que muito desse velho estilo de historiografia americana se tornou menos persuasivo, devido ao grande poder, especialmente após os anos 60, da preocupação relativa à relação entre brancos e negros. Isto pode ser visto no estudo da escravatura, que explodiu desde os anos 60, assim como na mais recente pesquisa dedicada à luta pelos direitos civis. Esta perspectiva muito idílica da América enquanto fornecendo as coordenadas para um estudo em termos de liberdade tem sido, assim, largamente posta em causa pelos próprios historiadores americanos.
A tendência para ver a história americana como consequência de uma hegemonia branca, cujo poder foi apenas muito gradualmente obrigado a recuar nos finais do século XX, é agora prevalecente. Foi também afectada por uma forte consciência de diversidade cultural, tanto relativamente à posição dos judeus, como dos hispânicos, ou qualquer outro grupo de imigrantes, que se tornaram uma força poderosa na historiografia americana. Outro factor importante é o interesse pelas questões de género e a pela posição das mulheres, assim como de outros grupos, na sociedade americana. Existe agora um quadro muito amplo, e não uma noção simplista da história da liberdade, que, hoje em dia, se tornou, de certa forma, largamente marginal.
Contudo, os americanos ainda resistem à ideia de que o seu papel no mundo é o de um império. Habitualmente, defendem esta ideia dizendo: “Não tivemos colónias, não tivemos governadores a gerir territórios coloniais”. Certamente que tiveram, pelo menos, durante um curto período de tempo no século XX. Não há, contudo, razão alguma para pensar sobre o império, ou definir império de forma monolítica.
Os impérios são a projecção do poder e influência para além do território de uma nação, o que pode assumir diferentes formas em diferentes épocas. Se pensarmos na amplitude do poder americano no mundo após 1945 – incluindo centenas de bases militares, uma enorme presença militar e naval espalhada pelo mundo, a construção de alianças que, em muitos casos, não são alianças de iguais, mas, ao invés, alianças entre os Estados Unidos e outros estados que são, na verdade, estados clientes, ou dependentes, incluindo muitos na Europa – a que se assemelha? Pessoalmente, parece-me muito próximo de um sistema imperial. A questão é saber se deveremos definir império de forma muito limitada e precisa ou, pelo contrário, considerar se não será mais útil pensá-lo de forma mais abrangente, mais complexa, incluindo diferentes tipos de relações. Mas não existem grandes dúvidas sobre quem tem sido, até recentemente, o parceiro dominante na maioria destas relações. Assim, considero império um conceito útil para pensar sobre o papel desempenhado pelos Estados Unidos no mundo desde 1945. Se é, ou não, um império em declínio, é outra questão. E, se formos a Washington, se andarmos por Washington, não estaremos numa capital imperial, recheada de monumentos imperiais? Penso que sim.
TPC: Relacionando com o tema, e dada a sua definição de império: na sua opinião, será a Alemanha, hoje em dia, o novo “soft power” em termos de influência económica e cultural na Europa, ou mesmo para além da Europa?
PAO: Ou, posso acrescentar, será a União Europeia [UE] um outro império disfarçado, com a Alemanha no centro?
JD: Penso que se trata um caso mais difícil, pois a UE não é sequer ainda propriamente uma federação, pelo menos formalmente. Poder-se-á, talvez, dizer que é uma federação emergente, à qual há, no meu país, muita oposição. Contudo, existem pessoas que argumentarão que, na sua relação com outras partes do mundo, por exemplo, com a parte mais oriental da própria Europa, com a Ucrânia, na sua relação com alguns dos países com quem tem relações comerciais próximas, a UE age, sempre que possível, com uma certa pompa e autoridade imperial. Porém, como disse anteriormente, é importante ser cuidadoso quando esperamos que o comportamento dos impérios no século XXI seja idêntico ao dos impérios no século XIX. Tal certamente acontecerá, uma vez que o contexto geopolítico é claramente diferente.
No caso específico da Alemanha, será importante salientar que os alemães estão claramente conscientes desta visão exterior e entendem-na muito bem. Devido à sua própria história, os alemães têm procurado evitar qualquer manifestação pública que evidencie arrogância nacional e, de forma geral, têm sido muito bem sucedidos.
A questão que surge agora é se, face ao contexto de dupla crise que a Europa tem atravessado desde 2008, quer na frente comercial, quer, agora, na da imigração e dos refugiados, será possível ter uma UE mais unida e integrada sem achar que tal conduzirá a uma maior influência da Alemanha no seio da UE. Não é ainda claro. Contudo, penso que estamos a aproximarmo-nos de um ponto em que a posição da Alemanha, enquanto centro da Europa, se tornará uma questão muito difícil, uma vez que os Estados que já acham que a voz da Alemanha na UE é demasiado ruidosa, ou demasiado forte, poderão considerar que uma UE mais integrada conduzirá a maior influência alemã.
Se isso será tolerável ou se, pelo contrário, será encarado como interferência na soberania nacional dentro da UE conduzindo à revolta, à resistência, apenas o futuro dirá. Assim, e penso que os alemães estão conscientes disto, creio que estamos a aproximarmo-nos de uma fase bastante difícil na evolução da UE, fase essa que tem sido particularmente dramatizada pela relação entre a Alemanha e a Grécia.
PAO: Em After Tamerlane sugere que os efeitos da construção do império são ainda demasiado recentes para pertencerem ao passado. Até que ponto poderá a memória de incursões britânicas e francesas em regiões como o Médio Oriente alimentar a actual instabilidade ao nível das relações internacionais, assim como ao nível da política interna desses países? Estou a pensar, por exemplo, na ira que leva jovens muçulmanos britânicos e franceses a aderir ao Estado Islâmico, ou a perpetrar ataques terroristas em Paris e noutras cidades europeias. Poderão historiadores, académicos, e intelectuais em geral, desempenhar algum papel nesta questão, nomeadamente enquadrando o debate de forma informada, no sentido de o tornar menos emotivo?
JD: Em termos das relações com o Médio Oriente, estou mais familiarizado com o caso britânico do que com o francês. Penso que o historiador poderá querer sublinhar, no caso das regiões do Médio Oriente que estiveram sob influência britânica desde 1918, enquanto Mandatos, e depois, no caso do Iraque, enquanto estado cliente, que os britânicos estavam desde o início determinados, nomeadamente desde 1921, a que o Iraque tivesse uma liderança árabe. Para este efeito, promoveram cuidadosamente o líder árabe que, na sua perspectiva, teria o maior apoio possível dentro do Iraque, o rei Faisal.
Faisal vinha de uma família hashemita, a família que detinha a posição hereditária do xerife de Meca. Faisal é colocado no trono do Iraque por uma actuação deliberada por parte dos britânicos. Por outro lado, esta actuação contou com o apoio de uma fracção considerável da sociedade iraquiana, embora talvez não da maioria da população árabe, que era xiita, nem dos curdos no Norte. De qualquer forma, poder-se-á dizer que, dada a decisão de criar um estado iraquiano, não iria ser fácil encontrar um líder que gozasse da aprovação total por parte de todos os sectores do Estado. Contudo, os britânicos procuraram, pelo menos, colocar no poder alguém que julgavam ser apoiado pela fracção mais poderosa do estado iraquiano, a comunidade árabe sunita, tendo devolvido o poder a esse líder a partir de 1930-32.
Claro que se poderá argumentar que isso não permitiu alcançar o que alguns dos árabes da altura almejavam – a criação de um estado árabe unificado para todo o Médio Oriente árabe – o que motivou grande ressentimento, particularmente após 1945. Assim, os britânicos e os franceses eram vistos como tendo frustrado a grande ambição de criar um estado árabe único, no qual o nacionalismo árabe pudesse ser expresso sob a forma da reunificação de todos os árabes. Se seria praticável ou não, é uma pergunta a que é difícil responder, mas poderia eventualmente ter funcionado. Suponho, contudo, que os historiadores podem chamar a atenção para o facto de, pelo menos, na Jordânia e no Iraque, os britânicos terem devolvido o poder aos líderes árabes desde uma fase inicial.
A grande dificuldade britânica é a Palestina. E é difícil, tendo em consideração o ponto de vista muçulmano-árabe, perspectivar uma forma de reconciliação em termos do que parece ser a decisão largamente injusta de criar uma pátria judaica nacional, embora deva sublinhar, na esteira de outros historiadores, que os britânicos nunca apoiaram a criação de Israel no seu figurino actual. Em 1939 a ideia era limitar a imigração judaica para a Palestina e criar um estado que teria uma maioria árabe, um estado que viria a gozar o mesmo grau de independência que se verificava no Iraque. Neste caso, os britânicos, não necessariamente por razões altruístas, mas mais por razões derivadas da Realpolitik, não eram hostis às aspirações nacionalistas árabes, certamente, não da forma como geralmente são, por vezes, considerados.
A dificuldade para a Grã-Bretanha, e talvez também para a França, embora em menor grau, é que muito do ressentimento e do ultraje sentido por jovens muçulmanos advém da recente guerra no Iraque, em 2003, na qual os britânicos se aliaram aos Estados Unidos, guerra de que a França se manteve afastada. Nos próximos tempos, penso ser difícil encontrar uma explicação histórica para o papel da Grã-Bretanha na guerra que permita reconciliar a opinião muçulmano-árabe. E, até certo ponto, é disso reflexo o facto de a posição britânica não ter sido de liderança, embora Tony Blair tivesse desempenhado um papel proeminente.
Foi o reconhecimento (largamente partilhado pelos dois principais partidos) de que a posição mundial do Reino Unido parecia depender de continuar extremamente próximo dos Estados Unidos, posição quase que de clientelagem. Terá sido isto que terá conduzido a esta extraordinária vontade de desempenhar um papel tão relevante na guerra no Iraque, não obstante Blair ter sido avisado por vários dos seus conselheiros de que não existia um plano coerente quanto ao que fazer após a derrota do exército de Saddam Hussein. Como sabemos, foi essa falha que conduziu ao horrendo desfecho no Iraque, relativamente ao qual muitos árabes se sentem revoltados.
TPC: Procura conceptualizar a globalização ao apresentar um certo número de características que a podem definir, ou mesmo redefinir. Uma destas é “a gigantesca escala de migrações e diásporas, forçadas e de livre vontade”. Cito do seu livro After Tamerlane. Como vê o enorme aumento da onda de migrantes na Europa?
JD: Suponho que é produzido por uma migração excepcional provinda da Síria, excepcional, quer pelo seu aparecimento súbito quer pelo seu volume. Faz, contudo, parte de um fenómeno mais alargado, o do movimento de pessoas, especialmente provindas de África, mas igualmente de muitos migrantes económicos, assim como refugiados do Afeganistão e de outras partes do grande Médio Oriente, onde se verificam dois aspectos: a incapacidade de crescimento da economia a um ritmo que permita suportar o aumento da população e, em particular, o fracasso da governação em assegurar a segurança e a protecção das pessoas. E, igualmente, um fracasso em integrar certos grupos étnicos aos quais é negado acesso ao governo em muitos destes novos estados do mundo.
Todos estes aspectos criaram diásporas atípicas, tendo as pessoas procurado escapar à perseguição política e criar uma nova vida, ou alcançar reconhecimento étnico fora do seu próprio Estado. As pessoas fogem do caos e da violência praticados por governos (como o do Sudão) contra os seus próprios cidadãos, contra determinados grupos étnicos, ou contra a oposição política. Talvez o mais importante seja considerar como estas migrações resultam de uma ausência de oportunidades económicas, o que é acentuado pelo facto de a Europa de há muito ter vindo a aceitar imigrantes provindos destas partes do mundo, especialmente de algumas regiões de África.
Um outro aspecto importante é que a Europa está relativamente próxima e parece relativamente acessível, mais acessível do que outros destinos que os migrantes possam considerar. É, certamente, uma característica dramática do suposto mundo moderno, se compararmos os padrões de migração dos anos 60 com os actuais. Nos últimos trinta ou quarenta anos temos assistido a um aumento gigantesco do número de pessoas que saem destas regiões, tendo, na sua maioria, a Europa como destino. E, claro, não nos podemos esquecer de que muitas pessoas também vão para os Estados Unidos. Não sei quantos países na América do Sul estão abertos à migração, mas alguns estão, ou estiveram. Os Estados Unidos e a Europa têm sido, contudo, os grandes lugares de destino destas migrações. Mas os efeitos na Europa são potencialmente bastante controversos, e são-no, certamente, à luz das ansiedades actuais, como a existência de actos de terrorismo e afins.
TPC: Mas pensa que tais fenómenos irão eventualmente mudar a cultura e a sociedade europeia como as conhecemos?
JD: Essa é uma pergunta muito difícil. A questão, suponho, é se se assistirá a um volume de migração que não possa ser facilmente assimilado pela cultura existente. Então teremos efectivamente colónias de pessoas, ou guetos, que compreensivelmente procurarão manter a sua própria cultura, e para as quais não será difícil assimilar a cultura em que entram. Por outro lado, se a assimilação ocorrer, será por razões meramente práticas, e procurarão conservar a sua identidade cultural. Isto é compreensível. Todos nós, provavelmente, faríamos o mesmo, caso nos encontrássemos atirados para outra cultura e tivéssemos a possibilidade de ter à nossa volta outras pessoas com quem pudéssemos manter a nossa identidade cultural própria. Não podemos culpar as pessoas por isto.
O problema surge quando se verifica uma espécie de ressentimento cultural, ou mesmo hostilidade, para com uma cultura dominante entendida como “decadente”, ou moralmente corrupta. Este é verdadeiro um problema pois já não se trata de manter, ou não, uma cultura diferente, mas de manter uma cultura activamente hostil à cultura dominante. Esse será um aspecto muito difícil de gerir.
É uma situação complicada e, se realmente se verificar a chegada de um milhão de muçulmanos à Alemanha como as previsões indicam, mesmo que a primeira geração seja cautelosa na afirmação da sua identidade cultural, ou relutante em vê-la em conflito com a identidade europeia prevalecente, é muito mais difícil prever o que acontecerá com a segunda geração. O curioso é que na Grã-Bretanha, como tem sido comentado, é que alguns dos indivíduos que se tornaram jihadistas na Síria e que demonstravam uma hostilidade clara contra a cultura britânica, não eram imigrantes de primeira geração. Eram pessoas nascidas na Grã-Bretanha, criadas na Grã-Bretanha, educadas na Grã-Bretanha, em alguns casos, tinham empregos na Grã-Bretanha, antes de descobrirem uma hostilidade intensa contra a cultura dominante.
Assim, penso que é muito difícil prever. E é igualmente muito difícil pensar na maneira mais eficaz de lidar com esta situação. Em parte, dependerá da forma como as lideranças muçulmanas destas comunidades reconhecerem a necessidade de encontrar uma via média entre a sua cultura, os seus valores, a sua religião, e as comunidades que os rodeiam.
PAO: Sugiro que passemos a um dos tópicos centrais da sua pesquisa – a descolonização. Enquanto estudioso da dissolução do império britânico, tem de há muito vindo a adotar uma postura céptica face a argumentos que promovem a ideia de uma retirada cautelosamente planeada. Em algumas das suas obras tem salientado a natureza improvisada e, por vezes, mesmo caótica da descolonização britânica: na Índia, na Palestina, assim como em algumas regiões de África. Mas, de alguma forma, a imagem de uma retirada britânica mais ordeira, pacífica, quase harmoniosa, comparada, por exemplo, com a francesa na Argélia, ou a portuguesa em Angola, é ainda muito forte. Será este um mito que serviu, ou continua a servir, um determinado objectivo na Grã-Bretanha?
JD: Penso que, em muitos casos, é uma combinação de mito e sorte. Suponho que tenha ajudado o facto de o império britânico ser muito diverso e de aquelas partes do império que primeiramente alcançaram pleno governo-autónomo e, posteriormente, soberania e independência eram colónias de povoamento branco.
Em meados do século XIX, estas receberam autonomia total, o que foi apelidado “governo responsável”. Assim, os líderes britânicos dispunham de algo extremamente útil quando tiveram de lidar com os pedidos de independência quer da Índia, do Sri Lanka, da Malásia, ou de colónias africanas: possuíam já uma fórmula previamente utilizada e testada previamente. Possuíam, assim, uma espécie de “modelo teórico” para alcançar independência e soberania: primeiro passava-se por uma auto-determinação parcial; depois por total auto-determinação e depois aquilo a que os britânicos chamaram “Dominion status”, redefinido nos anos 20 de 1900 como soberania nacional quase integral.
Posteriormente, o modelo evoluiu para a ideia de Commonwealth, associação que não impunha quaisquer obrigações aos seus membros, característica muito curiosa, uma vez que podia ser entendida como uma associação voluntária. Foi, pois, fácil para os líderes britânicos invocar este modelo, quando tiveram de explicar porque é que concediam auto-determinação e, posteriormente, independência, sobretudo, às colónias africanas, nos finais dos anos 50 e 60. Podiam dizer: “Claro, é o que sempre fizemos”. Fazia parte do plano constitucional da Grã-Bretanha (diziam) e bastava uma determinada colónia ter atingido a fase certa para passar à independência total.
Harold McMillan foi o grande mestre deste tipo de retórica, apresentada com o seu maravilhoso estilo eduardiano como tendo sempre feito parte do programa imperial. Podemos ver que a grande vantagem desta descrição, em grande parte fictícia, de descolonização é que convinha a todos. Convinha aos britânicos por apresentar o que estava a acontecer como resultado do destino e da criação de estados que olhariam para a Grã-Bretanha como a mãe-pátria que garantia a independência. A Commonwealth – e será importante salientar como subestimamos quanta propaganda foi feita em torno da Commonwealth, especialmente por volta dos anos 50 – seria uma associação em que os novos estados esperavam da Grã-Bretanha sinais de liderança e de orientação. E a monarquia, em especial na figura de uma jovem rainha glamorosa, seria, a partir de 1953 o símbolo de uma relação natural, amistosa, quente, familiar entre os estados, com os “filhos” da Grã-Bretanha nesses novos estados.
Este foi um mito fortemente promovido, que preservava, em especial para a opinião pública britânica, a noção de que nada de mau adviria desta solução. A Grã-Bretanha não sairia prejudicada em termos da sua situação internacional; pelo contrário, como proclamava Harold Wilson, a Grã-Bretanha tinha um “papel mundial” a desempenhar. A Grã-Bretanha continuaria a ser um dos grandes países do mundo e nada do que tinha mudado em termos das suas relações com as colónias iria alterar isso. Era também conveniente para os diferentes estados, em particular para os líderes dos movimentos nacionalistas, aceitarem isto. Até certo ponto, convinha-lhes aceitar este mito.
Claro que queriam destacar o seu papel de heróis. Contudo, para muitos deles, era muito importante que a independência adviesse como sinal de reconhecimento da sua qualidade enquanto líderes nacionais e não enquanto resultado de luta pela mesma. Muitos estavam conscientes de que, no novo Estado, eles próprios se encontravam numa posição precária. Estavam, talvez, muito mais conscientes das divisões étnicas, ou outros tipos de divisão, do que a opinião externa. Assim, era vital que lhes fosse permitido herdar os poderes do Estado colonial, poderes esses bastante consideráveis, sem a existência de luta armada. Igualmente, não sabiam o que os britânicos poderiam fazer, se realmente se verificasse um confronto sério, como aconteceu na Algéria. Era mais compensador afirmar: “Sim, crescemos, alcançámos o estádio ideal de evolução e agora tal deve ser reconhecido e ser-nos dada a independência”. Assim, os dois lados estavam dispostos a alimentar este mito, que se revelava satisfatório, uma vez que beneficiava ambas as partes.
PAO: Em termos políticos, nomeadamente de política externa, poderemos dizer que a mentalidade dos decisores actuais é ainda moldada por antigos modelos de pensamento imperial, em especial na UE? Entre os poderes europeus, esta corrida pelas esferas de influência nas antigas colónias europeias, nomeadamente as tentativas por parte de britânicos, franceses, até mesmo portugueses, de inaugurar centros culturais, procurar fazer negócio com as suas antigas colónias…
JD: Penso que sim. É bastante interessante compreender como passámos por uma fase em que, em especial no caso britânico, quase se queria negar a existência do império. Mas a persistência da relação com a Commonwealth preservou ainda certos canais de influência. E nem a Grã-Bretanha, nem a França, nem Portugal, estão preparados para prescindir destas relações na actual era de globalização.
Penso que esta tendência de olhar retrospectivamente para as regiões onde figuram estas ligações específicas se tornará cada vez mais óbvia. É muito interessante. No final dos anos 60, no Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico produziu-se um extraordinário mapa esquemático, que procurava revelar quais as partes do mundo que se considerava serem importantes para a Grã-Bretanha. E o mais interessante, se olhássemos para o mapa, era a proeminência dos Estados Unidos, assim como do Bloco de Leste. Por outro lado, as partes do mundo que haviam sido o império estavam agora reduzidas a zonas muito pequenas. Tal reflectia, nos finais dos anos 60, a crença do Ministério de que a Grã-Bretanha estava a caminhar na direcção da Europa, que a relação transatlântica com os Estados Unidos era também uma chave importante e que tudo o resto era secundário.
Nesse mapa não encontraríamos as Ilhas Falkland, onde travaríamos uma guerra apenas dez ou doze anos depois. Assim, este mapa era uma representação do auge da caminhada para a Europa, uma retirada para o Atlântico. Contudo, e trinta ou quarenta anos mais tarde, especialmente com todas as modificações observadas a nível da industrialização da China, do Sudeste Asiático, da Índia, assim como o ressurgir do crescimento económico em certas regiões de África, tal atitude é simplesmente antiquada. E observa-se um impressionante momento de viragem dentro da própria Grã-Bretanha: os que são mais acérrimos na defesa da saída da UE, dizem que a Grã-Bretanha não depende da Europa, que a Grã-Bretanha tem um vasto mundo, que terá sido esquecido, a que pode regressar.
Estou certo que, no caso de Portugal, especialmente num período de grande dificuldade económica, a importância de olhar para além da Europa se tem igualmente revelado óbvia. E mesmo, sem dúvida, no caso da França, por razões semelhantes. Tornou-se um fenómeno, em larga medida, ditado pela pressão económica, assim como pela necessidade que franceses e britânicos ainda sentem de se proclamarem como grandes poderes.
PAO: Duas questões relacionadas. Ficou surpreendido pelas recentes revelações acerca da grande cumplicidade de altos responsáveis e de oficiais superiores do exército em alguns dos aspectos mais desagradáveis do fim do império britânico, em locais como o Quénia, Chipre, ou mesmo a Malásia? E poderão tais revelações alterar a forma como a descolonização britânica é compreendida, se não pelos historiadores, ao menos, pelo público em geral?
JD: Penso que sim. Que nível de informação passará para um público mais alargado é difícil prever. Mas penso que seria desonesto dizer que estávamos ao corrente de tudo isto, uma vez que a forma como o registo histórico se apresentava tinha obscurecido até que ponto tais actos se encontravam disseminados e quão frequentes eram.
Sabíamos, há muito, muito tempo atrás, desde 1959, pelo menos, que existiam escândalos associados ao abuso de pessoas nos vários campos do Quénia descritos como acções de reabilitação. O que mudou – e a este respeito os anos 60 e 70 são um momento de viragem – tem sido a forma como pensamos sobre a legitimidade de tratar brutalmente os povos coloniais. Penso que, mesmo em 1960, a ideia de que seria legítimo usar a força contra africanos, no caso de se verificar algum tipo de resistência física à autoridade colonial, era ainda largamente aceite pelo público britânico. Na linguagem da época, tal brutalidade era tudo aquilo que “eles entendem”.
A nossa compreensão dos direitos humanos e do mal que é o racismo transformou, entretanto, as mentalidades. O que acontece actualmente é que somos mais sensíveis a aspectos que, há cinquenta anos, provavelmente muitos de nós teriam considerado vulgares. Assim, duas coisas estão a acontecer. A primeira, é que se está a descobrir que atrocidades como estas eram mais recorrentes do que se admitia na época e que aconteciam de forma mais sistemática do que se supunha quando estes escândalos foram revelados. Em segundo lugar, a forma como os encaramos é muito diferente. É agora reconhecido que tal tratamento foi absolutamente errado, posição muito diferente da dos anos 60, ou mesmo dos anos 70. Neste sentido, penso que isso faz possivelmente parte de uma transformação mais alargada de atitudes face a muitas das dimensões da autoridade imperial – isto é, que a brutalidade recorrente perpetrada por europeus, por brancos, por britânicos é agora entendida como um mal moral. Estas revelações coincidiram com uma grande mudança na nossa sensibilidade moral.
PAO: E poderá ser aberta uma espécie de “Caixa de Pandora” em termos de pedidos de reparação em tribunais?
JD: Possivelmente sim. Suponho que dependa, em larga medida, de quão explícitas forem as provas encontradas pelos advogados. Se esses casos forem apresentados, terão de ser em relação a grupos específicos de pessoas, pessoas que possam ser identificadas. E, além de ser diminuto o número de pessoas que ainda se encontram vivas e que poderão ter estado envolvidas nessas actividades hediondas, existe um número de vítimas que presumivelmente se tornará ainda mais diminuto.
Não sei se assistiremos a uma grande vaga de pedidos. Penso que, provavelmente, não. Existirão alguns. Por outro lado, isso poderá conduzir a toda uma série de novas revelações sobre a forma como estas forças de segurança actuaram. E a Irlanda do Norte testemunhou alguns destes casos. Será que isso propiciará uma mudança na compreensão do que aconteceu? E até que ponto poderá mudar as atitudes públicas no que diz respeito ao império? Bem, se na Grã-Bretanha o império não é assim tão importante para a maioria das pessoas, então, o efeito poderá ser significativo, mas sem grande impacto.
PAO: A minha última pergunta seria: que caminhos ao nível da investigação identificaria como pertinentes para um aprofundamento da nossa compreensão dos impérios europeus fundados na era moderna, nomeadamente de um ponto de vista comparativo? Que possibilidades de pesquisa poderemos seguir de forma a alcançar uma maior compreensão das suas trajectórias comuns?
JD: É verdade que se tem assistido, particularmente nos últimos vinte anos, a um enorme crescimento, muito bem-vindo, aliás, da história cultural do império. Tem-se procurado compreender como a vida cultural dos povos colonizados respondia a, ou se afirmava contra a presença de terceiros. Temos passado por várias fases. Houve uma fase em se presumia que existia uma imposição da cultura do detentor do poder imperial, que suprimia a cultura da população indígena, ou das culturas indígenas. Penso que ultrapassámos essa fase, no sentido de reconhecermos que frequentemente se verificava uma certa colaboração cultural, de hibridismo. E o nosso mundo moderno, contemporâneo, é, na verdade, o resultado de um espantoso grau de hibridização cultural.
Poderemos dizer que somos todos crioulos, na medida em que foi construída uma cultura derivada de uma enorme variedade de elementos diferentes. Procurar seguir um programa de investigação desse tipo seria muito interessante e útil, podendo conduzir-nos a uma compreensão cada vez mais aprofundada do papel que os impérios tiveram na construção do mundo moderno global. Certamente que desempenharam um papel que envolveu um elevado nível de violência, usurpação, subjugação, uso da força, assim como destituição das elites existentes. Por outro lado, os impérios também desempenharam um papel na criação de muitas das culturas modernas híbridas do mundo actual.
Assim, penso que é tempo de adotarmos uma distância mais irónica da experiência do império, em vez de sentirmos que temos de discutir os seus aspectos positivos e (geralmente) negativos. Esta atitude parece-me uma perda de tempo. Existem erros associados ao império, claro que sim, e não é de bom tom reconhecer que há aspectos positivos. Na realidade, creio ser muito mais útil centrar a nossa atenção nos efeitos do império quer em termos culturais, quer económicos, assim como na forma como o império era um empreendimento que envolvia muita gente, tanto pessoas de fora, como gente local, e seguidamente, tentar reconstruir o seu modo de funcionamento. Até certo ponto, isso tem sido feito – a historiografia indiana, por exemplo, é, em muitos aspectos, líder nesta abordagem. Mas poder-se-ia desenvolver uma investigação semelhante noutras partes do mundo colonizado – o império francês, o império português, o império britânico, ou o império holandês – investigação essa que poderia ser realizada de um ponto de vista comparativo, como, aliás, já começa a acontecer.