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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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José Raposo: "Fui central no Amora, era um caceteiro à Jorge Costa"

Um ator versátil que não gosta de trabalhar. Por ele era, ler o texto uma vez, ir para palco e logo se via. Regressa com “Xtròrdinário”, do Teatro Praga para marcar os 125 anos do São Luiz.

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É um dos mais versáteis atores portugueses, mas assume que não acha grande piada a trabalhar, aos ensaios, à repetição. Por ele, era ler o texto uma vez, ir para palco e logo se via. Não deve ser bem esse o caso de “Xtròrdinário”, espectáculo do Teatro Praga que celebra os 125 anos do São Luiz e que se estreia dia 10. Uma conversa sincera, com um ator sincero.

Por ele os ensaios eram sempre na praia. Ou em jantares de mesa cheia, com copos e petiscos. “Há pessoas que vivem para o teatro, eu não, eu vivo para viver, para comer, para estar bem com os filhos, com a família, depois então vem o teatro”, afirma. Isto depois de no início da entrevista nos ter dito que era terrível para estes contextos de entrevistas, não é bom de memória. Ainda assim, lembra-se da infância no Dundo, Angola, onde nasceu e viveu até aos cinco anos e de uma vez ter assistido a uma reunião/velório de macacos. As imagens de África estão muito presentes.

Aos 13 anos vem definitivamente para Portugal, onde viveu entre o Cartaxo, Almada, Cruz de Pau e a Penha de França. Inicialmente, estabeleceu-se enquanto ator na revista, onde esteve muitos anos, disciplina que defenderá sempre de um estigma tão existente no meio.

Afirma sem rodeios que não gosta de trabalhar, de ensaiar, de repetir, gosta é de representar, gosta é de estar perante salas cheias. Mas como é que um ator que não gosta de trabalhar fez tanta coisa, trabalhou com os grandes mestres do teatro, do cinema, fez televisão em vários formatos e canais? Talvez esta entrevista ajude a perceber que José Raposo não quer saber do que as pessoas dizem sobre ele e não tem qualquer tipo de problema em fazer coisas ligeiras, das quais se falam pouco.

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Mais: foi defesa-central do Amora, detalhe que não podia passar em branco. E sim, gosta muito de comer, mais do que do teatro (será?). “Não deixo de comer rojões e mousse de chocolate, é que nem pensar, isso é que era doce”. Tem 56 anos e é um ator consensual no panorama português da representação. Foi pai – 26 anos depois de ter tido o seu segundo filho – há menos de um mês. “Agora que parece que [os bebés] já nascem a olhar para nós”. Olhemos nós agora para ele.

No cartaz de “Xtròrdinário”, peça que se estreia a 10 de Maio pelo Teatro Praga no São Luiz, aparece com uma porrada de medalhas ao peito. São os prémios que já venceu na carreira?
Não, não, não.

Então que medalhas são aquelas?
Foi uma ideia deles, acho que é uma loucura não muito justificável. Talvez tenha a ver com uma espécie de condecoração do próprio teatro, uma vez que se refere à história do São Luiz. Deve ter que ver com isso.

É um espetáculo de celebração dos 125 anos do São Luiz. E mais? O que é que nos pode adiantar?
No fundo é um musicól-cabaret. Uma coisa muito cabarética, em que passa em revista – embora não tenha que ver com uma revista – a história toda do São Luiz, desde que foi construído, os nomes responsáveis por tudo…

…os grandes espetáculos.
Sim, os grandes nomes, as questões políticas que influenciaram as diversas programações… No fundo, o que se passou com todos os teatros, mas aqui com o São Luiz concretamente, até se tornar teatro municipal. Teve todo um historial próprio, em que a personagem do Visconde de São Luiz de Braga, que eu interpreto, foi fundamental. Um homem endinheirado, que fez a sua fortuna no Brasil, um francófilo, que via muito teatro em França, que tinha uma paixão por teatro e que agarrou nessa fortuna e resolveu aplicá-la na construção de um teatro. Uma figura importantíssima nesta história. E depois todas aquelas figuras míticas que passaram pelo São Luiz, desde a Sarah Bernhardt, a Pina Bausch, a influência que o António Ferro teve. E portanto fala da parte artística, administrativa, política, sendo um espetáculo à Praga, com toda a sua loucura inerente.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Como não podia deixar de ser.
Claro, no fundo, são quarenta figuras de todos os espectros artísticos que são ali revisitadas.

E a sua história com o São Luiz? É longa?
Por acaso, o primeiro espectáculo que fiz com o São Luiz foi a “Tropa-Fandanga”, com os Praga, que depois de a termos estreado no Teatro Nacional D. Maria II e no Rivoli, levámos ao São Luiz no ano seguinte.

Isso foi há muito pouco tempo. Portanto, não é um teatro por onde o José tenha passado muito.
Não, nem por isso. Enquanto espectador sim, claro, obviamente. Fiz foi lá algumas participações, por exemplo, na Grande Noite do Fado, fiz lá um número do Ary dos Santos, que fazia na revista, para reviver o Ary dos Santos e fui fazê-lo porque me pediram, uma vez que o Ary também escreveu para fadistas e porque era um poeta muito transversal fui lá fazer esse número. E fiz na Gala Abraço, no ano passado, uma coisa de um quarto de hora. Que é a história do Valentim de Barros, o primeiro bailarino português, um homem que nos anos 30 do século passado foi para o estrangeiro dançar e foi deportado para Portugal por ser homossexual e, claro, acabou a ser torturado e no Júlio de Matos. É uma história fantástica, que adorava fazer noutro contexto.

E enquanto espectador, do que é que se lembra?
A última coisa foi um espectáculo dos Artistas Unidos e do Jorge Silva Melo, que tinha o Nuno Lopes…

…”A Noite da Iguana”.
Sim, isso foi há pouco tempo. O resto… epá, a minha memória, eu sou terrível nestas coisas…

Sem problema. Falávamos de trabalhar com os Praga e disso ser meio louco. É assim que resumiria a coisa?
Mas é uma loucura… não é uma loucura, são desconcertantes, têm um estilo muito próprio, desconstroem textos canónicos, por aí. Têm uma forma de trabalhar muito coletiva, e é engraçado e tudo se conjuga porque têm uma grande simbiose. Para este espectáculo terão como convidados musicais o Fado Bicha. Têm música do Sérgio Godinho, porque o António Feio uma vez… olha no São Luiz, a propósito de coisas que lá vi… Mas bom, o António encenou um musical com música do Sérgio Godinho, portanto eles vão recuperar esse material. Quanto a mim, é a segunda vez que sou convidado e tenho muito gosto, claro, é um grupo com um cunho muito próprio e quando digo que é uma loucura é também o facto de eles não terem medo de arriscar nesta área, propondo coisas que à partida as pessoas não esperariam.

“Na revista temos cinco minutos para mostrar o que valemos”

Esta é a segunda vez que trabalha com os Praga e é um musical. Antes tinha feito a “Tropa-Fandanga”, que era uma revista. Gosta particularmente desse lugar do teatro cantado, certo?
Gosto, sem dúvida, se não não tinha feito tanto na minha carreira, digamos assim, se é que em Portugal podemos chamar carreira a esta coisa de um percurso artístico.

Mas é, de facto, uma zona onde passou muito tempo.
Sim, comecei no Adóque, e o Adóque era um teatro de revista, era um barracão, um teatro independente, mas fazia revista, uma espécie de revista de esquerda, porque naquela fase pós-revolução havia muito esse estigma, a revista da direita, a revista da esquerda.

O teatro da esquerda e o teatro da direita.
Sim, exatamente.

Coisa que se dissipou.
Felizmente, porque, quer dizer, o teatro é teatro, serve para transmitir mensagens, para cultivar, para entreter também, mas não tem que ser assumidamente politizado ou, em Portugal, que ainda era mais específico, partidarizado. Ali no Teatro Adóque, quando me estreei, eram textos de esquerda, mas era revista e sinceramente acho que tive excelentes professores, era um grupo fantástico. Por acaso a seguir fiz logo um dramalhão, no Trindade, “O Processo de Jesus”, do Diego Fabbri, e depois fui para o Parque Mayer, aí sim, fiz uma série de revistas nos anos 80. E depois somos conotados pelos sítios por onde passámos mais tempo, ainda hoje sofro disso, mas eu estou-me a marimbar, não quero saber do que as pessoas dizem, digam o que disserem, acima de tudo acho que sou ator, ponto, depois faço as coisas que vão aparecendo e felizmente tenho tido oportunidade de ir a vários géneros, estilos, encenadores, grupos diferentes. O facto de os Praga me terem convidado quer para um musical, quer para uma revista, talvez tenha que ver com isso, talvez gostem de me ver nesse registo e sem qualquer problema, claro.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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A revista é um estilo muito português de fazer teatro, que continua a encher salas, mas que também continua a ser mal visto pelo teatro independente em Portugal. Concorda com isto?
Concordo, sim.

E qual é o motivo? É precisamente por ser comercial e por falar para massas?
Essa é uma das razões. Outra das razões que evocam é da falta de qualidade, que é um teatro menor e é aí que não estou nada de acordo, acho que é um preconceito. Se acham que é um conceito menor, porque é que não experimentam, tentando que seja maior? Olha, como os Praga fizeram, com a “Tropa-Fandanga”. É evidente que a revista não deixa de ter um público-alvo, lógico, como os Praga têm um público que os segue, todos nós sabemos, e é uma coisa muito urbana, é evidente, não vamos escamotear isso. A revista abrange o povo todo, portanto não pode ser uma coisa elitista, é impossível sê-lo, agora dentro dessa abrangência pode haver qualidade e eu, peço imensa desculpa, as pessoas que falam muito se calhar não viram, mas eu assisti a revistas nos anos 70 e 80, começava a decadência do género, mas ainda assisti a grandes textos, muito bem escritos, representados, encenados, ou seja, para mim, qualquer género de teatro pode ser maravilhoso se tiver qualidade.

Falava de uma certa decadência da revista. Reconhece, então, que a qualidade tem decrescido.
Sim, acho que tem. A revista à portuguesa, que é genuinamente portuguesa, embora tenha as suas raízes no meio do século XIX em Espanha, aquela coisa da revue française, mas tornou-se, de facto, numa estrutura muito à portuguesa, adaptou-se ao nosso tipo de humor, à anedota do português, pronto. Essa chamada decadência tem que ver com a época política que vivíamos, no tempo do fascismo, até ao 25 de Abril, as críticas políticas e sociais estavam todas nas entrelinhas dos textos e obrigavam a um trabalho intelectual grande. Era muito mais querido pelo público… Meu deus, é que as pessoas esquecem-se, a memória em Portugal é uma coisa extraordinária, eu ainda estive no Parque Mayer, nos anos 80, isto foi agora, há pouco tempo, e fiz de terça a domingo duas sessões por dia.

Sempre esgotado
Sempre. À terça-feira havia uma sessão às 20h30 e outra às 23h00.

Teatro às onze da noite também é outra coisa que já não existe.
Pois não. E as pessoas iam, era a família que ia. E ao domingo eram três sessões, duas à tarde e uma à noite. Nós dizemos isto assim e as pessoas não acreditam, os atores dizem “não pode ser”. Ah pois não, então perguntem, informem-se. Existiu, eu estive lá. Tinha esse público e já os mais velhos diziam: “Epá, isto já não é o que era”. Agora já não é assim, deixou de se passar o testemunho, começou-se a destruir o teatro da revista com a abertura, com a liberdade, claro, mas aquele género vivia dessa crítica subtil.

Que depois passou a não ser necessariamente subtil.
Claro, depois já se podia dizer tudo à vontade e já não tinha tanta graça ir procurar nas entrelinhas, mas eu acho que não haver censura não é motivo para deixar de existir o género, como é um género onde há uma série de quadros diferentes onde cabe música, dança, representação, havia revistas que tinham números de circo, com cavalos, tudo. Mas começou-se a dizer mal da revista, nas escolas, no Conservatório, ou seja, na classe artística começou-se a denegrir, aquela coisa do “ah não, esse é revisteiro”. Até nas televisões há este estigma contra o qual eu lutarei sempre, se sou uma ator com jeito e posso fazer várias coisas, se passei por lá e digo que lá é que aprendi tudo, se calhar há aqui qualquer contradição.

O que é que aprendeu?
Epá, aprendi a representar, com grandes mestres. Ainda ontem falava isso com o meu querido amigo e grande ator Vítor Norte, o Vítor começou na revista, primeiro como bailarino, depois como ator, e as nossas referências são o Nicolau Breyner, o Camilo de Oliveira, o Henrique Santana, o José Viana, o Carlos Coelho, o Octávio de Matos, a Mariema, a Florbela Queiroz, estas eram as grandes figuras do teatro de revista, estas pessoas sabiam muito, tinham muita experiência em relação aos tempos de representação, as respirações, a forma de reagir às palmas, aos risos, ao choro. E o Vítor dizia: na revista temos cinco minutos para mostrar o que valemos. E depois é um ritmo louco, as pessoas não têm noção do que é.

Às duas e três por dia então…
Era muito violento, mas com grande prazer. É assumidamente ligeiro, sim, fisicamente é que não é nada ligeiro.

“Eu que não gosto de trabalhar, trabalho muito”

Nasceu em Angola.
Sim, em 1963. Vim para Portugal com 13 anos. E o meu pai, que era ator amador, adorava teatro de revista, ia muito com ele, até me estrear em 1981. Mas sim, já tinha uma paixão pelo teatro em geral, o meu pai acho que me injetou esse gosto pelo teatro.

O que é que se lembra desse tempo?
Opá, as recordações são maravilhosas, quando se fala de África, quem teve essa experiência, sabe que tem uma recordação dos cheiros, do clima, da noção de tempo e de espaço que é completamente diferente da nossa. O ritmo da vida é muito melhor, aliás, eu muitas vezes pergunto-me o que é que estou aqui a fazer, esta gente vive a correr, ou seja, não vive, e lá eles vivem, eles lá não olham para o relógio, olham para a manhã, tarde e noite, é assim que regem o seu dia. Nós não, regemos a nossa vida pelos nossos compromissos sociais e o trabalho e enfim. As pessoas sabem que sou atrasado, tenho um grande problema a cumprir horários, custa-me muito.

E dá a desculpa que vem desse hábito angolano, onde o ritmo de vida é outro, é isso?
Eles sabem que nasci lá, mas a desculpa não pega.

Em que cidade vivia?
Eu nasci no Dundo, que fica na Lunda, no norte, porque o meu pai foi trabalhar para a Diamang, que era a companhia de diamantes de Angola. Estive lá só até aos cinco anos, em 68 fomos para Luanda, porque o meu pai foi trabalhar para lá e a primeira parte da adolescência passei-a em Luanda, escola, isso tudo, até 1976, quando vim para Lisboa.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Como é que era a vida no Dundo?
Cada empregado dessa Diamang tinha o privilégio de ter uma moradia, portanto era uma vida faustosa, digamos assim, mas era maravilhoso porque era no mato. O meu pai era contabilista e uma das funções era pagar os ordenadas às senzalas, onde os trabalhadores viviam.

Portanto, pagar individualmente a cada pessoa.
Sim, lembro-me bem, era maravilhoso. O meu pai chegou-me a levar algumas vezes, uma vez parou o jipe porque havia uma reunião de macacos, tinha morrido um macaco e eles estavam a velar o morte, digamos assim, à volta de um cadáver e nós na estrada parámos a assistir àquilo, era uma coisa estranha, mas lindíssima. E, claro, o meu pai foi caçador nos tempos livres, javalis, pacaças, animais africanos, também me lembro disso. Foi pena viver isso tão cedo e não a ter aproveitado mais. Em 1968 fomos para Luanda e aí já foi uma experiência mais urbana. O meu pai ia trabalhar às seis da manhã e antes dos filhos irem para as escolas íamos todos à Ilha de Luanda dar um mergulho, para um gajo acordar, em vez de ser em casa.

Já voltou lá?
Não, não por opção, mas porque há sempre qualquer coisa. Uma estupidez, eu que não gosto de trabalhar, trabalho muito.

Se calhar não precisava de trabalhar assim tanto.
Isso não é bem assim, essa ideia que a malta tem de que os atores ganham papel para caraças.

Não tenho essa ideia, não foi isso que quis dizer.
Mas há muita gente que tem essa ideia. E depois é evidente que chegas a determinada idade e um tipo compra uma casa, um carro e depois para manteres isto é tramado, mas isto é de altos e baixos, como se sabe, nestas profissões onde és freelancer nunca se sabe. Mas sim, as pessoas não gostam de ouvir isto, mas eu não gosto de trabalhar, é a verdade.

Mas e um ator precisa de gostar de trabalhar para ser bom ator?
Eu gosto é de representar, trabalhar significa que para se representar um gajo tem que trabalhar alguma coisa e isso já é a parte chata. Por mim, era chegar ao palco, entrar e o que fosse seria. Vou dizer uma coisa que é chata, depois caem todos em cima de um gajo, mas tudo bem: os ensaios, por exemplo, uma seca… é que todos os atores adoram ensaiar, eu odeio. Eu gosto de fazer aquilo é para o teatro cheio, representar, ainda por cima várias vezes no mesmo dia, só para aquela pessoa, ainda por cima aquela pessoa vai-te chatear e vai dizer “epá, não é assim, é assado”.

Mas tem dificuldade em lidar com as dicas do encenador?
Não, tem que haver alguém de fora e a encenação é isso mesmo, conduzir segundo o que se pretende. Mas, aquela coisa de se repetir… não percebo porque é que os atores adoram aquilo, de estar ali a falar uns para os outros uma data de tempo.

Será que adoram?
Eu acho que gostam, se calhar tem que ver com os nossos egos e assim, mas eu não tenho muita paciência para isso, por mim lia uma vez e pronto. Ou então fazermos ensaios na praia, ou nos cafés, ou mesmo a almoçar, já propus várias vezes, porque não? Era muito mais agradável, descontraído, mas não, uma pessoa tem que estar fechada num sítio… “agora, faz outra vez”… Isto é horrível de dizer.

Pelo menos é sincero.
Lá isso sou, e digo-lhes a todos, depois faço, contratam-me, estou lá, querem que eu repita eu repito, sim senhor, tudo bem.

Há pouco dizia que era um bocado conotado como ator de revista… permita-me que discorde, a ideia que tenho é que o José é um todo-o-terreno. No cinema trabalhou com todos os grandes realizadores ou quase todos os grandes realizadores portugueses, na televisão já esteve em todos os canais e géneros diferentes, teatro a mesma coisa. Isto não é muito condizente para quem não gosta de trabalhar.
Eu não gosto de falar de mim, quem tem de falar de mim são os outros, mas a malta como eu, versátil, é ator e acho que ser ator é isso, é ser capaz de fazer coisas completamente diferentes, registos diferentes, experimentar e é isso que sempre tentei. E depois é como em todas as áreas, tem-se talento, chamem-lhe o que quiserem, eu chamo-lhe talento. Às vezes ouvia os mais velhos dizerem: “Isto o que é preciso é 10% de talento e 90% de trabalho”, eu acho que é cada vez mais ao contrário.

As percentagens estão erradas.
Exato, são precisamente o oposto, para mim. Tens um ator que é mais falado ou algo do género, porquê? Porque tem um talento do caraças, eu sei lá se ele trabalha mais ou menos, não estive lá, mas não acredito que é por ter trabalhado muito que tem tanta visibilidade, aquela pessoa tem um brilho, tem um talento, uma cena que não se explica, nasce e acabou, como aliás, no jornalismo, na fotografia, obviamente que depois desenvolvem, estudam, tenho dois filhos atores, um fez um Conservatório e o outro fez o Chapitô, mas disse-lhes logo: “Vocês podem fazer o que quiserem, se não tiverem talento não vão a lado nenhum”.

Portanto esta parte da entrevista é para todos os jovens que estão no Conservatório a tentar ser atores, é isso?
Claro, se não têm talento desistam já. Há muitos que se enganam e, ainda pior, os enganam, acho que devia haver alguém, na formação de uma pessoa, que fosse capaz de dizer, “olha, não é para aqui que serves”, ser sincero e fazer testes psicotécnicos. Ui, ui, há muita gente enganada na minha área.

No “País Irmão” interpretava um produtor, com um filho argumentista. Não podia ter ido por um caminho daqueles, produtor, argumentista ou até realizador, personagem que viria depois a fazer na “Sara”.
Sabes que já me passou pela cabeça, e aí tecnicamente é preciso ter uma formação, experimentar realizar algo que eu idealizasse fazer.

E seria assim como aquele realizador? Chapéu, charuto?
As coisas em mim surgem muito pela proposta do realizador, encenador ou autor, e depois daquilo que intuitivamente vou arranjando para a personagem. Muita gente me veio dizer que aquela personagem era o Fonseca e Costa, ou o Luís Filipe Rocha, ou António Pedro-Vasconcelos.

Mas trabalhou com todos.
Há referências, não vou negar. Aquela forma de falar. Surgiu, pronto, mas como produtor estou a produzir e a representar uma peça, uma coisa que anda pelo país porque lá está, é teatro ligeiro, é uma coisa que não interessa muito para as entrevistas e para o meio, mas eu quero lá saber, faço aquilo porque me apeteceu. Aquilo surgiu numa série da RTP que é a “Circo Paraíso” e eu estava com a Vera Mónica, que conheço há muitos anos, uma atriz fantástica e que sofre desse bullying preconceituoso de ser uma atriz revisteira, mas é uma atriz super versátil. A falar com ela disse-lhe “eu gosto é de cantar e de dançar” e às vezes um gajo está preso pelo sistema, vamos fazer uma coisa a cantar e a dançar. E ela mostrou-me uma coisa brasileira que se chama “Brasileiro Profissão Esperança”, que foi feita nos anos 50 pelo Paulo Gracindo e a Clara Nunes, que era cantora. O Paulo Gracindo dizia uns poemas e textos do Antonio Maria e ela cantava uns temas da Dolores Duran, que foi uma cantora brasileira dos anos 30 que inspirou o Caetano Veloso, o Vinícius, por aí. A partir daí fazem uma espécie de homenagem. Então fizemos assim uma coisa mas mais em relação a Portugal, as canções da minha vida e as canções da vida da Vera, e depois falei com o Fernando Heitor, para fazer uns textos que justificassem que a gente cantasse as canções da nossa vida. E foi assim.

Como é que se chama?
“Vou Levar-te Comigo”, a partir da canção do Duo Ouro Negro.

Está em cena?
Sim, estamos a ir a várias terras de Portugal. Gosto de ir ao país real, ir à província, estar com o povo, porque eles gostam de agarrar a gente, gostam de falar connosco.

Gente que não tem vergonha de pedir autógrafos.
Ora nem mais, exatamente. É isso mesmo.

Em Lisboa é problemático.
Muito complicado, eu não tenho problema nenhum. Ainda há bocado em Alfama, estou lá a ensaiar com os Praga, fomos almoçar a uma tasca e foi “epá, Raposo vieste cá, pá? Porreiro, já há bocado me tinham dito que o Raposo andava por aí”. É porreiro porque pagam-me cafés e um copo de vinho e tal. Mas isto malta mais dos 40 para cima, que se habituou a ver-me na revista e na televisão. Mas nas terrinhas é maravilhoso ter este contacto direto com as pessoas. E no fundo, esta é que é a verdadeira descentralização, vamos a todo o lado.

“Era o gajo que tinha que estar em cima do avançado para sarrafar”

Vem para Portugal com 13 anos, o seu pai era ator amador, no Cartaxo.
Sim, no Grupo Marcelino Mesquita.

Mas quando vem viver para Portugal vem para Lisboa?
Sim, para casa dos meus avós maternos, na Penha de França.

E depois?
Os meus pais vieram e fomos para a Margem Sul, Cruz de Pau, por aí, onde estava muita gente que vinha das ex-colónias. Estudei no Seixal, depois fui para Almada, estudei no Pragal, assisti ao começo dos UHF, dos Xutos, etc, isso começou tudo ali no final dos anos 70, a Emídio Navarro, aquela malta toda, Almada era assim um polo cultural muito interessante na altura. Depois casei, fiquei por ali uns anos, joguei futebol no Amora.

Qual era a posição?
Defesa-central.

Claro, centralão.
Porra, era um caceteiro à Jorge Costa, mesmo, era o quarto defesa, era o gajo que tinha que estar em cima do avançado para sarrafar, as minhas ordens eram essas, sempre gostei de futebol. Casei-me e ainda aí vivi uns anos e quando os meus filhos nasceram decidimos ir viver para o campo, para o Cartaxo. Tinha as ligações com o meu pai, que é dali de Pontével e fomos viver para uma casa com a João [Maria João Abreu, primeira mulher e mãe dos dois primeiros filhos de José Raposo] e os meus filhos cresceram ali, eles ainda têm relações fortes lá, os amigos deles são dali, continuam a ir lá, fazem tertúlias porreiras e acho que foi giro nesse sentido, para o crescimento deles.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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E para si? Foi uma zona de que gostou?
Sim, mesmo durante os 13 anos que estive em Angola, todos os anos vinha cá e quando vinha ia às festinhas da terra, às festas de Pontével, portanto tinha uma ligação afetiva com a zona.

Uma zona onde, ainda hoje, se vive de outra maneira, o tempo é outro.
Sim, a minha mãe ainda vive lá, tem 84 anos e vive na casa onde viveu com o meu pai e eu vou lá regularmente.

Gosta dessa vida ribatejana?
Gosto muito. Sou sempre muito bem recebido, conheço lá muita malta, tem uma gastronomia do caraças, tem uns restaurantes incríveis, muitos jeitosos mesmo, aconselho toda a gente a ir à Adega do Cocharradas, que tem uma sopa de coelho que é uma coisa de se lhe tirar o chapéu, ninguém imagina.

Gosta muito de comer, está visto.
Gosto muito, depois dos meus filhos, dos meus netos e da minha senhora, é o que eu mais gosto, o teatro só vem depois disto. Há pessoas que vivem para o teatro, eu não, eu vivo para viver, para comer, para estar bem com os filhos, com a família, depois então vem o teatro. Gosto mesmo de comer assim enfarta-brutos, feijoada, rojões, mão de vaca, isso tudo. E é engraçado, fui macrobiótico durante seis anos, porque o meu pai pesava 120 kg e decidiu ser macrobiótico, e eu fui atrás, para ajudar o meu pai, e adoro, como muito bem, vou a vegetarianos, vegans, como isso tudo, e gosto de tudo, agora não deixo de comer rojões e mousse de chocolate, é que nem pensar, isso é que era doce, portanto tudo o que vier à rede é peixe.

Acabou de ser pai, aos 56 anos. Nasceu outra vez? Como é que está a ser?
Para mim a vida é isto, é o dia-a-dia, não é o ontem, é o hoje.

Tem que lhe trazer coisas, digo eu. Sobretudo porque a última vez que tinha sido pai foi há 26 anos.
Já não me lembrava que não se dormia. Não se dorme, depende das crianças, mas com a Lua… por exemplo, é uma coisa nova, tenho uma menina, só tinha rapazes, há diferenças claro que há, nas coisas que se têm que adquirir, as relações das pessoas com o bebé, o facto de relembrares uma série de coisas, o carinho, o amor. É assim, não tenho jeito para mudar fraldas, não é por ser homem ou mulher, é porque não tenho jeito nenhum, nem para mudar fraldas, nem para pegar num copo, eu de mãos sou um desastre, mas mudo as fraldas, mas fica muito mal e a Sara sabe, coitadinha da criança. Diga-se que não tenho tido muito tempo, porque claro, a Sara foi mãe e não pode trabalhar assim de repente, portanto a coisa está definida. Neste momento estou a fazer quatro coisas e quando chego a casa quando a Lua não me deixa dormir, já aconteceu, vou para o quarto ao lado, para dormir um bocado, porque às dez da manhã já estou a ensaiar. Relativamente à bebé gostava de desfrutar mais, mas até agora um tipo tem facilidade nisto das videochamadas, estou sempre a falar, a miúda até parece que fica fixa a olhar para nós, com duas semanas, fico parvo. Estavas a falar de diferenças, não sei, agora parece que já nascem a olhar para nós, a saber olhar para nós.

É significativo a nível pessoal.
Sim, claro, mas no fundo é viver a coisa como se fosse a primeira vez, estou todo contente, os meus filhos são irmãos fabulosos, estão a achar um piadão ter uma irmã tão mais nova. Está tudo maravilhoso.

Muito bem. Obrigado.
Obrigado eu, gostei muito de falar contigo.

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