O imponente edifício ondulante e metálico na margem do rio Nervión, em Bilbau, ainda não existia e Juan Ignacio Vidarte já trabalhava para que a obra de titânio de Frank Gehry se erguesse. Em 1992, liderou o consórcio que coordenou a construção do Museu Guggenheim Bilbao, um museu que redefiniu a identidade desta cidade basca, periférica no norte de Espanha, e criou um verdadeiro case study do poder do turismo cultural. Há quem lhe chame “efeito Bilbau” ou “efeito Guggenheim”.
Desde que o museu foi inaugurado, em outubro de 1997, que Juan Ignacio Vidarte é o seu diretor, um cargo que vai deixar dentro de meses, numa altura em que a instituição bate um recorde histórico de visitantes. Foram mais 1,3 milhões em 2023.
Em entrevista, Juan Ignacio Vidarte fala dos perigos inerentes à turistificação das cidades, da ambição falhada de mostrar Guernica no País Basco e do poder transformador da cultura: “este museu é uma prova disso”, atesta. Aborda, também, o destaque dado aos artistas portugueses — que não estão representados na coleção do Guggenheim Bilbau — nestas quase três décadas de museu. Em 2025, está prevista uma grande exposição dedicada à pintora Vieira da Silva. É apenas a segunda artista portuguesa a mostrar-se no museu basco, depois de Joana Vasconcelos, em 2018. A mostra de Vieira da Silva, Anatomy of Space, inaugura a 17 de outubro do próximo ano e prolonga-se até 22 de fevereiro de 2026.
Há 30 anos, quando surgiu a ideia de criar mais um museu Guggenheim, Bilbau não era Nova Iorque ou Veneza. Como descreve a cidade na época?
Era uma cidade muito diferente, que vivia tempos difíceis. Estava no meio de uma importante recessão económica devido ao declínio da economia ligada a indústria e à construção civil. Era um momento de convulsão social, havia muito desemprego, violência política. Era uma cidade que já tinha visto melhores dias. Era uma cidade ativa, não era uma cidade morta, mas que estava a passar por um momento muito duro, provavelmente a enfrentar uma crise de identidade e a tentar encontrar formas de mudar para garantir um futuro.
O plano do governo basco de criar um museu pago pelo erário público num período de crise industrial não foi pacífico. Fazer um investimento avultado na arte, num museu, gerou contestação.
Claro.
A resistência foi ultrapassada ou ainda restam críticos?
Nessa altura a crítica tinha muitas camadas. Mais do que crítica, havia muito cepticismo. Muito disso desapareceu. Era uma ideia disruptiva na época, a de que a cultura podia não ser só um ativo em si, mas também um instrumento de transformação. A ideia de que a cultura e uma instituição cultural podia desempenhar um papel num processo de transformação foi criticada e era olhada com cepticismo porque não havia muitos exemplos de onde isso tivesse acontecido. A crítica ou o cepticismo com base nisso desapareceu. Hoje é claro que o museu desempenhou o papel para o qual foi imaginado, talvez até maior e mais rápido do que se pensava.
Mas não era a única crítica.
Sim, também havia críticas sobre o modelo de museu, e provavelmente essa continua a existir. Havia esta crítica ideológica ao museu. Na Europa os museus públicos não nascem de um acordo com uma instituição estrangeira (a Solomon R. Guggenheim Foundation), neste caso uma instituição sem fins lucrativos, em vez de uma instituição ou fundação pública.
Porquê fazer um museu com raízes em Bilbau, com uma conexão profunda com a vida cultural de Bilbau, mas que não é um museu nacional basco? Um museu que não se baseia no facto de o programa ou a coleção serem maioritariamente baseados em artistas bascos ou espanhóis, mas num museu cuja ambição era concentrar-se em oferecer uma experiência aos visitantes vindos de todo o mundo desta ligação entre a arte do século XX e XXI num contexto arquitetónico muito especial. Havia pessoas que não gostavam dessa ideia então e que podem não gostar dessa ideia agora. Talvez esses continuem a ser críticos. Mas, no geral, o museu, que na altura do seu nascimento era certamente um projeto muito controverso, agora é muito apoiado e aclamado.
O museu colocou Bilbau no mapa e criou inclusivamente expressões como “efeito Bilbau” ou “efeito Guggenheim”. Criou-se a expetativa de que este modelo podia ser replicado noutras cidades?
Sim, penso que essa expetativa se criou e, como resultado disso, houve um grande número de cidades ou regiões do mundo que o tentaram emular.
Observa algum outro caso de sucesso?
O principal problema da maioria desses casos, pelo menos dos que conheço… Falei com muitas pessoas, de sítios diferentes, que vieram aqui tentar perceber [o fenómeno] e contei-lhes a história real. Acredito firmemente neste poder, no potencial transformador da cultura e este museu é uma prova disso. É legítimo que, quando as cidades ou regiões enfrentam um problema ou têm uma ambição, pensar que uma instituição cultural pode ter esse poder transformador. Mas é importante, e foi o que tentei sempre explicar, saber que normalmente, e certamente não aqui, isso não acontece por si só.
Não basta pôr um Guggenheim numa cidade.
Sim. Não basta colocar, como algumas pessoas podem ter pensado, uma instituição cultural, ou mesmo apenas um edifício espetacular, e esperar que isso seja uma varinha mágica que muda tudo. Expliquei que o que aconteceu aqui não foi isso. O museu teve uma função principal, claro, mas pensamos nele como um catalisador do processo de mudança. Ou seja, é uma importante parte para que a química resulte, mas são necessários outros elementos. No caso de Bilbau, esses elementos de um conjunto mais amplo de ações aconteceram antes do museu e depois do museu. O museu assegurou o processo, teve um efeito muito importante de fazer avançar a transformação, de a tornar mais credível, de aumentar a expectativa, de subir o nível, mas não foi de forma alguma a única coisa responsável por ela.
Por exemplo, 20 anos antes de se pensar sequer no museu houve um esforço muito grande relativamente ao rio, pago por toda a comunidade. O preço da água na cidade aumentou para garantir a limpeza do rio, que há 40 anos era uma lixeira. Se isso não tivesse acontecido, e isso precisava de começar a acontecer antes, o museu não teria tido efeito nenhum. Ou a construção do metro, que ligou toda a área metropolitana, ou outro tipo de ações que eram necessárias. Se não tivessem acontecido, o sucesso do museu não teria sido o que foi. Foi isso que tentei sempre explicar, mas na maioria dos casos, quem ouve isto não ouve realmente (risos). É compreensível. É mais fácil para um político que quer deixar a sua marca na cidade, na região, contratar um arquiteto e, tendo o financiamento, fazer um edifício ou criar uma instituição cultural e esperar que tudo aconteça por magia. Só que as coisas não acontecem assim.
O edifício para nós é uma parte essencial da equação, mas se não existisse um programa, uma coleção, um modelo de funcionamento sustentável ao longo de 30 anos para que se possa ter uma estrutura financeira que nos permita programar com o nível de qualidade que precisamos… Se todos estes ingredientes não estivessem presentes seria muito improvável que tivéssemos sucesso.
Fala desta revolução a longo prazo porque esteve envolvido mesmo antes de o projeto existir. Esperava estar quase trinta anos envolvido num projeto? O que o levou a decidir sair agora?
Em retrospetiva, o meu envolvimento parece um caminho muito coerente, mas foi uma sequência de diferentes capítulos. Não estava à espera de estar no museu durante 27 ou 28 anos, mas aconteceu. Participei nas conversações iniciais, em 1991, entre as instituições bascas e a Fundação Guggenheim, que chegaram à conclusão de um acordo no final de 1991, início de 1992. Foi-me atribuída a responsabilidade de iniciar o projeto, depois de liderar a construção, depois de liderar o funcionamento do museu… Parte dessa responsabilidade é agora a de abrir a porta para o próximo capítulo do museu. Pessoalmente, sinto-me muito bem. Venho todos os dias para o museu muito feliz. Ouço algumas pessoas dizer que estão cansadas, que querem fazer outras coisas. Não é o meu caso. De coração, digamos, continuaria a fazer o que estou a fazer, mas, racionalmente, acho que isso não seria correto para o museu. O museu, como instituição, precisa de ser capaz de se renovar, de abrir a porta à mudança geracional, a novas perspetivas sobre o que fazer com o museu nos próximos 10, 15 anos. Por isso achei que era minha a responsabilidade de abrir essa porta. Andava a pensar nisso há algum tempo, mas achei que devia fazer isso numa boa altura, quando o vento sopra a nosso favor.
O olhar inquietante que Yoshitomo Nara não consegue explicar revela-se no Guggenheim de Bilbao
Hoje o museu vive uma situação favorável?
Sim. Quando pensei nisso, há cerca de cinco ou seis anos, não era um mau momento, mas depois veio a COVID-19, tivemos dois anos muito difíceis, não era o momento de criar outra fonte de problemas. Ultrapassámos isso. Quando estávamos a começar a estar de novo numa boa situação deu-se a transição ao nível do diretor da fundação em Nova Iorque, o Richard Armstrong saiu e voltou a não ser o momento certo. Agora pensei que seria a altura, uma vez que o ano passado foi um ano recorde em termos de assistência.
Quantos visitantes teve o Museu Guggenheim Bilbao em 2023?
Tivemos mais de 1,3 milhões de visitantes, quase 1,4 milhões, na verdade. Foi o máximo da nossa história. O museu estava de muito boa saúde em termos de programa, coleção, os fundos de aquisição tinham sido renovados novamente. Estávamos numa situação estável e achei que era o momento certo.
Disse publicamente que vai participar na escolha do próximo diretor da instituição. Parte com alguém em mente e que perfil ou requisitos procura?
Não tenho ninguém em mente. Espero que sejam candidatos muito bons, porque o processo acabou de abrir. Isto é uma lista de desejos, depois a direção tem de ver até que ponto os candidatos que existem se encaixam realmente em todos os requisitos, mas a ambição é encontrar, em primeiro lugar, alguém que tenha as competências profissionais e a experiência ao nível exigido para uma instituição deste âmbito ou desta ambição. Estamos à procura de um profissional de alto nível. Mas não estamos apenas à procura de um grande profissional, mas de uma pessoa que partilhe valores que sejam coerentes com as instituições, com a Guggenheim Bilbau, com a Guggenheim Nova Iorque: valores como a integridade, a empatia, a capacidade de construir equipas, de estar aberto a uma força de trabalho muito diversificada. E estamos à procura de alguém que esteja num ponto da carreira em que possa desenvolver um trabalho de 10 a 15 anos. Não estamos à procura de um substituto para dois ou três anos, mas sim de alguém que tenha a capacidade de desenvolver e levar o museu para o seu próximo capítulo.
Em Portugal, todos os museus de arte moderna e contemporânea das principais fundações culturais do país são liderados por estrangeiros. Isso pode acontecer em Bilbau ou é expectável que o candidato escolhido seja espanhol e que conheça profundamente a cultura e o contexto da cidade?
Acho que é importante que a pessoa compreenda e esteja consciente do contexto. Isso não implica necessariamente nacionalidade, mas implica um nível de compreensão do conhecimento do contexto do contexto cultural e institucional, porque este é um museu que, para além de ser um museu, é também um ícone muito importante na paisagem do País Basco.
A pessoa que vai estar aqui, além de ser diretor de um museu, terá de ser também uma espécie de embaixador. Porque o museu é, para muitas pessoas, o primeiro contacto que têm com o país, pelo que é importante que esta pessoa compreenda esse papel. Este também é um museu em que o seu modelo operacional é único: é um modelo híbrido, público e privado. As instituições públicas desempenham um papel muito importante no desenvolvimento do projeto e continuam a ser uma parte importante da direção do museu e do conselho de administração. Mas não são a única parte, porque também temos uma participação relevante da sociedade civil, do setor privado, de indivíduos e empresas que fazem parte do conselho de administração. A pessoa que estiver aqui tem de compreender isso e tem de ser capaz de navegar nesse cenário.
A propósito de nacionalidade, falemos de artistas portugueses. O Guggenheim Bilbau apresentou em 2018 uma exposição antológica da artista Joana Vasconcelos — I’m Your mirror. Foi a primeira e única artista portuguesa que teve uma mostra no museu em 27 anos e foi uma das mais visitadas de sempre. Prestes a abandonar o cargo, deixa programada uma exposição dedicada à pintora Vieira da Silva em 2025.
Sim.
Porquê apenas duas artistas portuguesas e estas duas mulheres em particular?
Bem, acho que são duas das maiores artistas do nosso tempo. Uma das diretrizes ou linhas de programação do nosso programa é tentar apresentar ao nosso público uma representação aprofundada do trabalho dos artistas mais importantes da segunda metade do século XX e do século XXI e, certamente, a Joana [Vasconcelos] está lá, não temos dúvidas disso.
Reforço: porquê apenas duas em quase três décadas?
O que podemos ter é um problema de programação porque são muitas exposições, mas não são assim tantas se pensarmos em quantos artistas importantes precisam de ser apresentados. Fazemos todos os anos cerca de oito exposições e tentamos equilibrar esses programas entre exposições mais contemporâneas e exposições mais modernas, digamos, da primeira metade do século, para que o nosso público tenha também algum equilíbrio no sentido cronológico. Isto significa que não há muitas vagas por ano para apresentarmos uma exposição monográfica dedicada a um artista. Mas certamente que ambas são mais do que qualificadas para fazer parte deste programa.
Há um novo papel do museu?
O museu, como qualquer instituição social, está em permanente mudança, mas o papel do museu, tal como o vejo, na sua essência, continua o mesmo: ser uma instituição educativa cujo objetivo é atuar como uma ponte entre a arte e os artistas, no nosso caso os artistas visuais dos séculos XX e XXI, e o público. Ser um elo de ligação entre o trabalho dos artistas, os seus pensamentos, as suas preocupações e o público. Esse é o nosso papel principal e não creio que tenha mudado. Mas a forma como o desempenhamos pode mudar, claro. As expectativas mudaram.
Há cinquenta anos, os museus destinavam-se basicamente a colecionar, preservar e, por vezes, a apresentar as obras, mas eram muito autocentrados. Com o final do século XX e o século XXI, os museus começaram a desempenhar um papel adicional: o de serem locais de interação social, de educação, de aprendizagem, de esclarecimento e de diversão. Estão a tornar-se muito mais enraizados nas preocupações sociais atuais, o que é ótimo para os museus, porque nos torna mais relevantes enquanto instituições, mas levanta mais desafios, porque temos de ser menos autocentrados e mais centrados no visitante e no público. Temos realmente de desempenhar o papel de uma instituição educativa e, nosso caso, estamos a falar para um público universal, que não é definido pelo seu conhecimento da arte. Queremos atrair toda a gente ao museu.
Trata-se de um público maioritariamente internacional?
Maioritariamente internacional, sim.
Qual é a proporção?
Cerca de dois terços dos nossos visitantes vêm de fora de Espanha. Cerca de um terço de Espanha e, nesse terço, temos cerca de 10-15% de visitantes do País Basco. O que parece baixo, mas se compreendermos o que é o número relativo, e falarmos em termos absolutos, a situação muda. Porque 15% de 1,4 milhões de visitantes, que foi quase o que tivemos no ano passado, são mais de 200.000 visitantes. A população do País Basco é de 2 milhões e pouco, o que significa que mais de 10% da população do País Basco veio ao museu. Somos, de longe, o museu do País Basco mais frequentado por bascos, apesar de a maioria do público do museu ser internacional.
Que tem um impacto da economia local…
Sim, é isso que cria impacto em termos económicos, mas também em termos de como a imagem da cidade e da região é vista no estrangeiro.
O debate sobre a turistificação das cidades não é novo, mas tem-se intensificado. Pese embora o turismo seja desejável pelas receitas económicas, tem sido discutido o perigo de criar autênticas cidades “feitas para turistas”, “sem alma”. Como é que Bilbau tem lidado com essa tentação?
É uma pergunta muito pertinente… E para perguntas pertinentes não há respostas simples. É evidente que em certas cidades o turismo que normalmente era visto como um grande trunfo e como um benefício agora está a criar enormes problemas.
Está a pensar numa cidade em particular?
Sim, cidades como Veneza, por exemplo, Barcelona, provavelmente, Amesterdão. Há cidades em que existe uma desproporção entre o número de pessoas que querem ir para lá e a capacidade da cidade para as receber. Há o perigo desse desequilíbrio mudar a cidade.
Como olha para o caso de Lisboa?
Não conheço o caso de Lisboa em particular. Sei que muitas pessoas estão a ir para Lisboa… Mas não sei se se enquadra nessa categoria. Talvez em algumas áreas. Por outro lado, todos gostamos de ser turistas. Todos gostamos de viajar. Essa é uma das grandes evoluções do nosso mundo por comparação há um século, em que só um tipo de pessoas, ricas e com meios, é que podiam viajar. Viajar é bom. Pode ter efeitos maus, mas é bom, expande-nos o horizonte, é bom para o nosso crescimento e enriquecimento pessoal, mas precisamos de um equilíbrio.
Bilbau soube encontrar esse equilíbrio?
Acho que Bilbau ainda não está nessa categoria, não tem esse problema e acho pouco provável que venha a ter. Pode haver algumas áreas na cidade mais visitadas por turistas, mas acho que Bilbau continua sem estar nesse sítio. No País Basco, San Sebastián talvez tenha um bocadinho este problema, mas acho que Bilbau não. Certamente temos de estar alerta, mas temos de ser cuidadosos na abordagem. Não podemos só proibir, porque isso não seria bom. Por outro lado, acho que há tipos de turismo. Detesto dizê-lo, mas há diferentes tipos de turista. O que torna algumas situações mais difíceis. O turismo mais ligado à cultura e à gastronomia é um turismo com o qual é mais fácil de lidar do que aquele ligado à praia e ao sol… Atrai um diferente tipo de… [silêncio].
A chuva miudinha típica de Bilbau é uma bênção?
Neste sentido ajuda!
Em maio, na conferência de imprensa após anunciar a sua saída, mencionou que lamentava não ter sido capaz de mostrar, ainda que temporariamente, Guernica (1937) no museu e o tema foi replicado em muitos meios de comunicação social pela relevância que fazê-lo teria para a cidade — a pintura de Picasso, desde 1992 no Museu Rainha Sofia, em Madrid, foi inspirada nos bombardeamentos alemães de Gernika-Lumo e transformou-se num manifesto antiguerra. É um objetivo que lança ao seu sucessor?
Seria injusto porque provavelmente não dependerá dele ou dela. O tema de facto ocupou a imprensa espanhola. Talvez não tenha respondido corretamente. Foi-me perguntado se tinha alguma, em espanhol diz-se “espinita”, que é uma espécie de espinho, ao longo deste tempo e respondi que se tivesse alguma seria o facto de não ter mostrado a Guernica na inauguração. Acho que devia ter sido mais contido na resposta porque não é realmente um espinho, não o sinto como uma frustração. Entendo que isso é muito difícil.
Porquê?
Senti-o não como uma frustração, mas uma tristeza. Achei que uma grande oportunidade tinha sido perdida. Tentámos para a exposição inaugural do museu, era um grande momento, seria um gesto poético mostrar pela primeira vez no País Basco a Guernica. Até tínhamos um espaço reservada para ela e durante uma série de meses discutimo-lo em Madrid, com um certo nível de apoio… Enfim, entendemos que é um tema delicado, um tema altamente político, mas durante muito tempo tivemos muita conversas e estávamos francamente otimistas. Mas quem não estava a favor fez muito alarido sobre o assunto e tornou-se politicamente impossível.
Foi triste. Teria sido uma boa história. Bilbau e o País Basco estavam a apostar o seu futuro ao construir uma instituição cultural baseada em arte moderna e contemporânea aberta ao mundo num momento em que estávamos a viver uma situação muito difícil, com violência da ETA, que estava muito ativa então. Era poético abraçar esse gesto do País Basco mostrando em Bilbau talvez a maior pintura do século XX que é exatamente baseada na rejeição da violência. Picasso pintou aquela tela como reação ao bombardeamento de Guernica, que é a 30 km daqui. Seria uma história belíssima.
Insisto, porque é tão difícil?
Por várias razoes. A razão dada então era a fragilidade da pintura, algo que nós reconhecemos. É muito frágil, apesar de ter sido mostrada em 40 ou 50 lugares em todo o mundo ao longo da sua história. Fizemos um estudo muito elaborado de como a pintura poderia ir de Madrid a Bilbau na sua moldura, etc. Mas essa foi a razão dada. Acho que é um assunto altamente político. Na altura chegámos a ouvir: “eles estão a pedir a pintura, mas não a vão devolver”. Era completamente absurdo, surreal. Não tenho grande otimismo sobre o assunto. Não daria esse objetivo ao meu sucessor. Seria demasiado injusto.
O Observador viajou até Bilbau a convite do Museu Guggenheim Bilbau