Quando chegou a Madrid vindo do B. Dortmund, na sequência de mais uma corrida em que o Liverpool foi o último obstáculo a ultrapassar, Jude Bellingham, acabado de fazer 20 anos, era quase um reflexo do “quase”. Não era o jogador mais disputado do mercado mas “quase”. Não era a maior promessa do futebol europeu no verão mas “quase”. Não era o verdadeiro símbolo que o clube parecia procurar mas “quase”. Tudo à luz, claro, de Kylian Mbappé. Depois de uma revolução tranquila que foi alterando as feições do plantel sem perder essa principal característica de ser competitivo em contexto europeu, e entre toda a renovação de um Santiago Bernabéu que se tornou o melhor e mais evoluído recinto desportivo no futebol (com tudo o que isso traz de receitas para amortizar o investimento), tudo parecia montado para receber a coqueluche francesa que iria coroar o início de uma nova era. Quando a chegada parecia uma mera questão de tempo, tudo ruiu.
O primeiro nome de hoje a pensar no amanhã: Jude Bellingham é oficial no Real Madrid
Foi nesse contexto que o inglês chegou ao Real. Foi com esse contexto que mudou o Real. Foi dentro desse contexto que se tornou Real. Jude Bellingham pode ter conquistado todos os troféus respeitantes a jogadores com 21 ou menos anos ao mesmo tempo que batia vários recordes do clube que pertenciam aos maiores dos avançados. Tão ou mais importante, do número 5 que um dia pertenceu a Zinedine Zidane à forma de jogar, passando pela maneira como assumiu o papel do que é ser jogador do clube mais titulado na Europa e até pela própria postura fora de campo, ganhou o protagonismo que poucos poderiam imaginar em apenas seis meses. Tudo o resto, virá por acréscimo. E pode ser já no próximo ano, que coincide com o Europeu.
Até ganhar o Golden Boy e receber o Troféu Kopa para o Melhor Jogador Jovem do Ano, Bellingham não era um desconhecido mas pouco se sabia sobre o trajeto até ao estrelato (a não ser aquelas informações habituais de jogos, recordes e demais registos). Aí, em entrevista ao L’Équipe, revelou-se um pouco mais. Foi nessa conversa que contou que, quando era mais novo, achava mais piada em ir apanhar flores para a mãe do que propriamente em jogar futebol. O que o tornou um jogador elogiado por todos? A competitividade. A jogar à apanhada, tinha de ser o melhor. A escolher o melhor esconderijo, tinha de ser o melhor. A fazer provas na escola de atletismo, tinha de ser o melhor. Quando perdia, ganhava. Um passo atrás pela “derrota” mais não era do que dois passos em frente para a “vitória” na competição seguinte. Assim foi crescendo.
São vários os registos de precocidade do médio que até começou a jogar mais na ala esquerda e que não fazia tanto a diferença em termos físicos como hoje. Quando fez a estreia pelo Birmingham tornou-se o mais novo de sempre no clube. Quando marcou o primeiro golo pelo B. Dortmund tornou-se o mais novo de sempre no clube. Quando se estreou na seleção inglesa foi um dos mais novos de sempre a jogar pelo país. “Aprendi da maneira mais difícil que é preciso ser respeitoso mas foi sobretudo a competição que me fez adorar este desporto. No início, não gostava nada de futebol. Quando era criança ia para o treino e apanhava a relva, as flores, fazia colares com as margaridas para dar à minha mãe que estava lá fora a ver-me. Era assim e o melhor de toda esta história é que foi provavelmente por isso que acabei por me envolver no futebol”, contou o jogador que, sendo médio, decidiu com um bis o primeiro clássico com o Barcelona em Montjuïc e marcou 13 golos nos primeiros 13 jogos pelo Real, igualando os registos de Alfredo Di Stéfano e… Ronaldo.
O pai sargento que era um goleador amador e as flores que gostava de apanhar para a mãe
Nascido em Stourbridge, nos West Midlands, Jude Bellingham, que tem apenas um irmão mas que também joga futebol (Jobe, que acompanha sempre que pode nos seus encontros), é filho de um antigo sargento da polícia. No entanto, Mark era sobretudo conhecido por todos como “o melhor goleador entre todos os goleadores das ligas não profissionais” com mais de 700 golos marcados em clubes modestos como East Thurrock, Stourbridge, Leamington, Sutton Coldfield, Bromsgrove Rovers e Halesowen Town, algo que também ajudou o médio do Real Madrid a ganhar interesse no futebol. “Sim, nunca deixou que esquecesse aquilo que fez e que falava muito. Ainda hoje, quando consigo marcar um golo, ele diz-me sempre o mesmo: ‘Se fosse eu, tinha marcado três ou quatro'”, contou o internacional inglês de 20 anos em entrevista.
Apesar de ser originário de uma zona conhecida por ser um dos principais pontos de produção e fabrico de vidro durante a Revolução Industrial, Jude Bellingham era difícil de quebrar. Após ter estudado na Hagley Primary School, passou para o colégio privado The Priory School, em Edgbaston, muito por “influência” da mãe, Denise, que trabalhava no departamento de recursos humanos de uma empresa e que quis investir na educação do filho desembolsando 16.000 libras (cerca de 18.400 euros) por um curso académico. “Era genuíno, agradável e extremamente educado. Dedicava-se de corpo e alma ao desporto e aos estudos. Empenhou-se por igual em todas as áreas com grande motivação”, contou uma professora. Desde miúdo que era assim, com uma natural disponibilidade para aprender e uma habilidade para qualquer desporto. “Tinha aquela mentalidade em que se visse alguém alcançar algo que ele achava ou sabia que podia fazer melhor, concentrava toda a sua atenção ali”, recordou James Ayers, professor, à Sky Sports.
Jude juntou-se ao Birmingham na equipa Sub-8, depois de passar pelo Stourbridge, e foi superando escalões jogando sempre com miúdos acima da sua idade. Foi assim que chegou aos Sub-18 com 14, foi assim que fez a estreia nos Sub-23 com 15. Referências? O pai, claro. “Se falarmos sobre ídolos, o meu pai foi o primeiro e o maior. Acho que é normal, ia vê-lo jogar todas as semanas nos jogos do futebol amador. Não era a Premier League, nem nada parecido, mas ver a maneira como ele jogava e vivia aquela atmosfera é que verdadeiramente me fez apaixonar pelo futebol. Por isso ele foi o meu primeiro herói. Comecei a acompanhá-lo muito cedo e comecei a prestar um pouco mais de atenção aos jogos e outras coisas: o ambiente, os golos que ele fazia, a forma como os comemorava. Rapidamente me apaixonei e quis que fosse eu a fazer aquelas coisas”, contou numa entrevista concedida à Federação Inglesa de Futebol já como internacional A.
A par disso, o contexto familiar funcionava como pilar para o desenvolvimento das potencialidades que já muitos viam mas nas quais o próprio não acreditava. “A relação com a minha mãe e o meu pai é próxima e dá-me equilíbrio. Os meus pais ensinaram-me coisas diferentes. Tiveram empregos toda a vida antes de eu ter a minha carreira. Depois vi como lidavam com isso, especialmente desde que me tornei profissional. Fazem um trabalho tão bom, sem qualquer experiência real, e pergunto-me sempre como é que o fazem. Admiro o facto de se conseguirem adaptar a qualquer ambiente e serem os melhores”, salientou. “Quando subi aos seniores, ainda sentia que não estava totalmente preparado do ponto de vista físico. Estava sempre em reuniões onde as pessoas me diziam o quão bom era, mas nunca quis acreditar nisso. Fui muito duro comigo mesmo e é por isso que as pessoas tinham que tentar manter-me positivo”, acrescentou.
Curiosamente, tudo começou em Portugal. É conhecida a história de Lionel Messi, que pela primeira vez fez parte da equipa principal do Barcelona num jogo particular com o FC Porto que assinalou a inauguração do Estádio do Dragão com 16 anos. Bellingham teve também a sua experiência inicial no nosso país, sendo que no seu caso não foi propriamente a mais feliz de todas: convocado para um estágio feito pelo Birmingham na zona de Tróia em 2019, o médio integrou a lista de 26 jogadores que participaram num torneio triangular feito no Estádio do Bonfim com Cova da Piedade e V. Setúbal. Suplente utilizado nos dois jogos numa fase em que não tinha ainda uma posição fixa entre o centro e a esquerda do meio-campo, o inglês viu a equipa empatar as duas partidas e perder depois nos penáltis falhando uma das tentativas com o Cova da Piedade. No entanto, seria esta a rampa de lançamento para a temporada que mudaria toda a carreira.
“Lembro-me da minha estreia no Campeonato. Um dia antes, estava tipo… Treinei bem e fui convocado mas ainda assim não contava jogar. E eu nunca vou esquecer que o Jefferson Montero lesionou-se e disse-me ‘Estás pronto?’ e eu fiquei tipo ‘Bem, tenho que estar, não é?’. Marquei um golo e esse foi o ponto de partida para tudo”, recordou numa entrevista ao site oficial da UEFA. Com Garry Monk no comando, o Birmingham não foi além do 17.º lugar do Championship (equivalente ao segundo escalão inglês) mas a saída do médio para outros palcos tornara-se inevitável. Foi também aqui que Bellingham mostrou aquilo que faz dele um jogador “diferente”: mesmo sabendo que o Manchester United já tinha feito uma proposta de 20 milhões de libras [cerca de 23 milhões de euros], foi estudando todas as opções existentes com o pai tendo uma pandemia pelo meio, olhou mais para o futuro do que para o contrato e escolheu o B. Dortmund.
“Muitas pessoas interagem com agentes que estão mais interessados no dinheiro do que nos interesses do jogador. Eu tenho os meus pais, que se preocupam com o meu bem-estar e sabem que os nossos sonhos estão alinhados. Quando se envolvem agentes, há os seus próprios incentivos, o seu desejo de ganhar dinheiro… Para mim, nunca é isso que está em causa. Só quero manter o ambiente familiar. Além disso, dá origem a ótimas conversas à mesa. Pode ser qualquer coisa, desde um debate sobre um filme até algo que tenha acontecido. Já vi pessoas muito próximas de mim a serem levadas na direção errada. Se amas o futebol apenas pelo jogo, serás sempre recompensado. Se jogares pela atenção e pela fama, essa não é a forma correta de o fazer, na minha opinião”, frisou na entrevista ao L’Équipe após receber o Troféu Kopa.
A ascensão do jogador não foi feita apenas em campo e no contexto familiar que sempre teve mas também fora dele. Por não querer deixar os estudos demasiado cedo, matriculou-se num módulo de Sociologia tendo por base a ideia de que “a educação desenvolve a concentração [nos jogos]” e foi participando em alguns workshops feitos pela League Football Education, uma associação criada em Inglaterra para os jogadores entre os 16 e os 18 anos, os pais e os responsáveis das equipas para que possam ser abordados temas como a educação financeira, os direitos LGBTI, o racismo ou as redes sociais. Uma das sessões mais marcantes para Bellingham teve como foco a saúde mental: “As sessões dão outro conhecimento sobre o mundo real. Vemos a quantidade de homens que admitem o caminho do suicídio devido ao ambiente de excessiva pressão que enfrentam. É muito importante ser educado para isso numa idade ainda nova porque aumenta a consciência para nós e para os que nos rodeiam, permite que possamos perceber os sinais invisíveis”.
A graduação feita à distância em Dortmund, os recordes e uma saída em lágrimas
Apesar de ter apenas 18 anos acabados de fazer quando saiu para a Alemanha, o Birmingham não passou ao lado do impacto que Jude Bellingham conseguiu ter e decidiu retirar a camisola número 22. “É uma forma de recordarmos para sempre um dos nossos e ao mesmo tempo inspirar todos os outros”, justificou o clube. Até a escolha quando deixou a cidade acabou por mostrar que o médio era “diferente”, tendo em conta todas as oportunidades mais vantajosas em termos desportivos e financeiros dos clubes de primeira linha da Europa. Razão? Vendo o que aconteceu por exemplo com Jadon Sancho, também ele inglês, Bellingham entendeu que o próximo passo na carreira seria optar por uma formação que estivesse habituada a apostar em jogadores jovens na primeira equipa dando tempo, espaço e contexto para que pudessem desenvolver-se enquanto pessoas e atletas. A operação terá ficado por um valor de 30 milhões de euros mais objetivos.
“Quando me transferi de Birmingham para Dortmund, não estava nervoso. Senti que essa era a oportunidade que queria. Essa oportunidade surgiu e entendi que era algo para o qual tinha trabalhado e sido educado desde a minha infância. Sendo assim, seria estúpido para mim ficar nervoso ou mimado com o que estava em causa e agarrei a possibilidade com as duas mãos”, contou mais tarde, sem esquecer o gesto do clube onde foi formado e onde se encontra agora o irmão mais novo. “Foi uma grande honra para mim retirarem a minha camisola número 22, independentemente de as pessoas acharem se mereço ou não. Com que fiz tornei-me quase um símbolo para as crianças que crescem na minha cidade. As pessoas gostaram de me ver jogar. Não acho que isso seja o suficiente para retirarem o meu número mas é algo de que me posso orgulhar. Todos beneficiaram com a minha transferência e estou extremamente grato ao clube”, acrescentou.
Uma das condições para essa transferência, fazendo-se acompanhar da mãe que deixou então o seu trabalho nos recursos humanos (o pai ficou em Inglaterra com o irmão mais novo), foi também a possibilidade abordada com o clube de poder continuar a estudar. Assim, e com 18 anos, Bellingham fez a matrícula na Universidade de Loughborough para ter aulas à distância e continuar a investir no futuro. Ao mesmo tempo, e à semelhança do que aconteceu agora em Madrid, inscreveu-se num curso de alemão para ir aprendendo a língua do país mesmo comunicando nos primeiros meses em inglês. “Ele poderia escolher e colocar a sua cabeça onde quisesse. Podia ser advogado, solicitador, futebolista… Até podia ser professor, repórter… Seria sempre um dos melhores”, frisou Jason Ramsey, mentor na graduação em Desporto e Performance.
Bellingham foi durante três anos um miúdo a viver noutro país com a mãe, que ainda lhe fazia a cama todos os dias, a estudar através do ensino à distância e com a sua profissão. “O papel da minha mãe na minha vida é enorme. É o papel mais importante de todos. Mais do que os meus professores ou os meus treinadores, foi ela quem me fez manter sempre os pés no chão. Tenho uma ligação muito forte com ela”, admitiu, destacando ainda todas as condicionantes que esses primeiros meses tiveram devido à pandemia, que ainda apanhou obrigações de isolamento e limitações na circulação. Contudo, a “profissão” não era uma profissão qualquer. Bellingham também não era um jogador qualquer. Até aos recordes, foi uma questão de tempo.
O médio fez a estreia a meio de setembro de. 2020 na Taça com o Duisburgo, marcando um dos golos na goleada por 5-0 e tornando-se o jogador mais novo de sempre a marcar num jogo da Taça pelo B. Dortmund (à frente de Giovanni Reyna) e também o mais novo de sempre a marcar num encontro oficial pelo clube, superando Nuri Sahin. Um mês depois, quando se estreou nas provas europeias, passou a ser o jogador inglês mais novo de sempre a jogar na Liga dos Campeões, quebrando o recorde que pertencia a Phil Foden. “Na altura em que cheguei ao Borussia, a única coisa que pensei era que tudo parecia surreal. ‘Meu Deus, estou com campeões com mundo, com o Hummels, com o Sancho, com o Reus. São ícones do futebol. São tão bons em campo que só posso pensar em ser melhor sempre que os vejo”, salientou o jogador.
Jadon Sancho, pelo facto de ser também inglês, foi o jogador mais próximo e também a principal referência mas depressa Bellingham começou a fazer o seu caminho, com mais de 30 jogos de média por temporada sempre a aumentar o número de golos e assistências de época para época. Também viveu alguns problemas, internos e externos. Chegou a ser chamado a atenção pelos mais velhos por atitudes em campo que deixaram os “patrões” do balneário desagradados, correu o risco de ser suspenso quando a seguir a um jogo frente ao Bayern criticou a atuação do árbitro Felix Zwayer recordando o escândalo de jogos combinados que explodiu na Bundesliga em 2005, assumiu a braçadeira de capitão sendo um dos mais novos do plantel.
“O objetivo continuava a ser sempre ganhar o jogo, não pensei muito no facto de estar a usar a braçadeira de capitão. O treinador [Edin Terzić] diz-me sempre ‘Não precisas de uma braçadeira para ser um líder’ e sempre senti que posso liderar a equipa sem ter a função de capitão num determinado jogo. A maior parte da liderança tem a ver com a maneira como lideramos pelo exemplo, pelo nosso desempenho”, realçou numa entrevista à UEFA. “As coisas que podemos trabalhar com ele estão a um nível diferente porque é alguém tão inteligente, que percebe tanto. A sua personalidade permite também que comece a assumir não só as suas responsabilidades mas também as dos outros, dos companheiros, de todo o ambiente. Em espaços grandes, é um jogador que pode ser como o Steven Gerrard, a conduzir a bola, a ir para cima e para baixo no campo. Em espaços mais pequenos, pode jogar como o Zidane”, analisou o técnico Rene Maric à Sky Sports.
À semelhança de tantos outros como Jadon Sancho ou Erling Haaland, a saída tornou-se quase inevitável depois de três temporadas. Desde que chegou à Alemanha que Jude Bellingham passou a ser uma presença frequente na principal equipa de Inglaterra, faltando-lhe apenas aquilo que todos os outros também não conseguiram: quebrar a hegemonia do Bayern na Bundesliga (ganhou apenas uma Taça, em 2021). Por isso, a última imagem que ficou do jogador foi a de um miúdo a chorar de forma compulsiva depois do empate caseiro com o Mainz que retirou a hipótese de ser campeão pelo B. Dortmund. Nem mesmo o facto de ter sido considerado o Melhor Jogador do Campeonato em 2022/23 atenuou a tristeza de depender apenas de si e não conseguir o título numa época marcada pelo drama vivido pelo avançado Sébastien Haller.
Chegar, ver e vencer em Madrid em todos os capítulos menos na língua (mas a tentar)
Em junho, Jude Bellingham foi anunciado oficialmente como reforço do Real Madrid, num contrato de seis anos para juntar-se a uma nova base que estava a ser criada com jogadores abaixo dos 25 anos onde estavam Vinícius Jr., Rodrygo, Camavinga, Tchouameni, Fede Valverde, Éder Militão, Fran Garcia e o também reforço Arda Güler. Segundo jogador mais caro da história dos merengues apenas atrás de Eden Hazard (sendo que os 103 milhões podem aumentar mais 30% mediante a obtenção de objetivos desportivos, o que faria com que superasse os 115 milhões pagos pelo belga quando saiu do Chelsea). E houve um episódio que deixou os responsáveis do clube agradavelmente surpreendidos, quase que a adivinhar o que passavam a ter entre mãos: após sabe que tinha como ídolo Zidane, o clube falou com Jesús Vallejo a perguntar se poderia abdicar do número 5, o central anuiu e Bellingham quis pedir o seu telefone para ligar a agradecer o gesto que tivera, algo que voltou a fazer no primeiro dia de trabalhos em que se cruzou com o defesa espanhol.
Ao El Mundo e ao El País, algumas fontes do Real contactadas falavam de um jogador “muito profissional, que está sempre disposto a ouvir para aprender e que fazia de tudo para integrar-se”, como ficou bem patente pela relação genuína que foi ganhando a nomes como Vinícius Jr. ou Camavinga fora de campo. Começou por viver num hotel, o Eurostars, encontrou depois uma casa na zona de Zarzuela e Valdemarín que lhe dava uma outra independência – e permitia ter a família por perto. “Estava confiante em vir para aqui porque sabia como os jogadores são bons. Conheço as qualidades que posso trazer e sinto que me encaixei bem. Agora só quero manter o ritmo durante toda a temporada. Este é o maior clube com os melhores jogadores. As expectativas são altas como devem ser. Os padrões que são estabelecidos e a forma como todos se aplicam nos treinos, a mentalidade do dia a dia… gosto disso”, salientou numa entrevista ao NRG Stadium.
“Estava um pouco stressado no início. Nunca me impressionei com estrelas mas quando se chega aqui, com as coisas que eles conseguiram, é difícil não pensar ‘Uau, isto é o auge do futebol’. Nas primeiras semanas, quando estava a conhecê-los, comia ao lado do Toni [Kroos] e perguntava-me ‘Será que ele está a comer ouro?’. Depois, apercebemo-nos de que são pessoas normais, que nos ajudam a sentir bem. Eles são muito humildes. É uma grande lição para mim. Não importa o sucesso que se tenha, não importa o que se tenha ganho, ainda se pode ser um grande ser humano como estes rapazes, que são inspiradores como jogadores e como homens”, destacou ainda. Agora, esses pensamentos são quase contrários e são todos esses que já ganharam tudo o que havia a ganhar a mostrarem-se rendidos ao inglês. Eles, o clube e as próprias marcas, com a Adidas a fazer do médio o principal rosto na Europa após a saída de Messi para os EUA, tendo por exemplo de apresentar modelos novos de chuteiras de duas em duas semanas.
Em 21 jogos feitos pelo Real Madrid, Jude Bellingham, sendo um médio marcou 17 golos e fez cinco assistências, superando num posicionamento novo em campo onde tem margem para aparecer mais vezes em zonas de finalização a grande lacuna que a equipa tem: um verdadeiro ‘9’, como Cristiano Ronaldo (outra das inspirações do internacional britânico) e Karim Benzema. “Fiz um esforço, empenhei-me em melhorar, mas o mérito é do treinador Ancelotti, que encontrou a posição certa para mim e me dá mais liberdade em campo. Por isso, agora estou a voar”, referiu após receber o Troféu Kopa, antes de admitir um calcanhar de Aquiles: “Sei que estou a desiludir num aspeto, é que eu ainda não falo espanhol… Lamento mas estou a encontrar obstáculos inesperados na língua. É difícil, reconheço. Em todo o caso, prometo dar o meu melhor, garantidamente”. Em paralelo, teve outra frase que caiu no goto dos adeptos: “Desejos para os próximos cinco anos? Ganhar cinco Ligas dos Campeões, um Europeu e um Campeonato do Mundo”.
Carlo Ancelotti, um mestre com este tipo de diamantes nas mãos, foi tentando quase “relativizar” os números de Bellingham mas em dezembro começou a abrir mais o livro dos elogios. “Se ele é parecido comigo como jogador? Só nas unhas… É um rapaz fantástico, estamos encantados com ele. O que ele consegue dar à equipa é incrível”, ironizou, antes de admitir que vê parecenças com um antigo Bola de Ouro que também orientou. “Tem coisas como o Kaká. O Kaká chegava muito à área com bola, não tinha tanta qualidade para chegar sem bola como o Jude. Como jogamos sem um avançado fixo, há mais espaço para finalizar na área. Com o Kaká o sistema era diferente mas em termos gerais posso dizer que o Kaká era muito bom com a bola e que os movimentos do Jude sem bola são muito efetivos”, explicou o italiano que acabou de renovar até 2026.
Apesar dessas comparações, Zidane continua a ser a grande referência de Bellingham (depois do pai, claro). “Admirava os jogadores do Birmingham, aquela equipa que ganhou a Taça da Liga em Wembley. O Seb Larsson, o Craig Gardner, o Lee Bowyer. À medida que me fui habituando ao futebol, o meu pai foi o mais importante. Depois, os meus primeiros modelos foram Wayne Rooney e Steven Gerrard, só porque jogavam pela Inglaterra. De seguida, à medida que se vai crescendo, começa-se a ver futebol. O meu pai tinha uma camisola falsa do Zidane que tinha comprado na praia. Usava-a em todo o lado, muitas vezes em casa. Um dia perguntei-lhe: ‘Quem é esse tipo, já agora?’. Respondeu-me: ‘Vai ao YouTube, dá uma vista de olhos’. Desde então, nunca mais parei. Zidane era o jogador que queria ser. Tive a sorte de o conhecer durante a final da Champions entre o Real e o Liverpool em 2022. Estava como uma criança, de olhos arregalados. É tão humilde para alguém que alcançou tanto e, segundo os meus companheiros que jogaram aqui com ele, era um grande treinador, o que também é importante”, salientou o número 5 do Real.
Edin Terzic, antigo treinador do médio no B. Dortmund, Bellingham era “o jogador de 19/20 anos mais velho do mundo”. Um ano depois, a ideia continua presente. Apesar da juventude, o inglês consegue mostrar uma maturidade que impressionou tudo e todos dentro e fora de campo. Jude ainda é aquele miúdo que gosta de beber Fanta de limão, como contava esta semana o Relevo, e que não prescinde de tempo com a família, mas colhe os frutos que foi cultivando desde cedo para se pudesse estar preparado para todas as realidades, todos os palcos e todas as vivências até ser o melhor de todos. Afinal, foi essa competitividade que fez com que olhasse para o futebol como algo mais a sério e não uma oportunidade para ir colher flores para a mãe.