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@ Ilustração retirada do livro "Lagom"

@ Ilustração retirada do livro "Lagom"

"Lagom" e a felicidade. O que é que temos a aprender com os suecos?

Falar só quando necessário, sair a horas do trabalho e fazer escolhas sensatas. A autora do novo livro sobre "lagom", a forma de viver dos suecos, diz que o segredo está na "medida certa".

Nem de mais, nem de menos. Lagom significa a quantidade certa, uma medida que pode ser aplicada a todas as facetas da nossa vida. Da relação saudável entre o trabalho e a vida pessoal, à utilização funcional da linguagem. Lagom, depois do dinamarquês hygge, é a palavra de ordem de 2017 e serve para descrever o modo de vida dos suecos. Ao contrário do que possamos pensar, não celebra nem a mediocridade nem a conformidade.

Quem o garante é Linnea Dunne, a autora do livro Lagom – A Arte Sueca para Uma Vida Equilibrada (editora Nascente). Nascida na Suécia, Dunne mudou-se para Dublin, na Irlanda, aos 19 anos. Por lá ficou e criou família. Ainda assim, é defensora do modo de estar dos suecos e, em entrevista, garante que o aplica diariamente. À conversa com o Observador, a autora explica que os suecos não são frios, apenas falam quando necessário e dizem o essencial — não gostam de conversas de circunstância, consideram-nas desonestas.

O livro é editado pela Nascente a 4 de setembro e custa 13,99€.

Lagom aplicado ao trabalho significa sair a horas e respeitar escrupulosamente as pausas para café — as fika — e, ao invés de dar valor à conquista pessoal, apela ao bem-estar geral. ” É ótimo que as pessoas sejam confiantes e felizes, que sigam os seus sonhos, mas o objetivo final não é que alguns indivíduos brilhem, mas sim que esta seja uma boa sociedade, onde todos possam ser felizes a viver em harmonia.”

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Em última análise, lagom remete para o equilíbrio em tudo na vida, mesmo que tal signifique menos espontaneidade. É a sensatez a vir ao de cima.

Lagom é comprar um carro prático, ainda que não seja o carro mais apelativo visualmente. É pintar apenas uma parede da sua sala e deixar o resto em branco, porque pintar a divisão toda seria demasiado. É usar batom vermelho-vivo, mas deixar o resto da maquilhagem perfeitamente discreta. (Pág. 9)

O conceito de lagom, a nível social, pode ser confundido com indiferença ou frieza por parte dos suecos (e até dos escandinavos). Como se explica isso?
Os suecos são conhecidos por serem muito reservados. Não diria que isso é uma coisa necessariamente confundida com lagom. Um dos elementos-chave de lagom é o equilíbrio. Os suecos são muito bons a ter em conta diferentes aspetos, prós e contras. Antes de tomarem uma decisão, pedem opiniões a todos — se quiserem uma coisa nova para a casa vão pensar no que é realmente preciso, ao invés de irem simplesmente às compras. A consideração é fundamental no lagom. Talvez seja por isso que haja alguma confusão [tendo em conta a forma de ser dos suecos]. Oiço mais vezes as pessoas dizerem que lagom pode ser muito restritivo e até que celebra a mediocridade. Não consigo compreender o porquê: se pensarmos no equilíbrio como parte do lagomLagom é sobre fazer as coisas da melhor forma possível, mas sem recursos desnecessários, fazê-las de uma maneira sensata.

Mas considerando alguém que vem de fora, os suecos podem ser tidos como pessoas frias, uma vez que, socialmente falando, usam menos palavras e só falam quando necessário…
Já percebi o que quer dizer. Acho que isso está relacionado com a ideia da honestidade que, relacionada com lagom, tem que ver com o uso das palavras de uma forma funcional. Os suecos não falam muito, pelo menos comparando com outras pessoas [de outras culturas]. Se lhes fizermos uma pergunta, eles vão responder “sim” ou “não”. Num contexto diferente, nós responderíamos “sim, porque…”. Nós justificaríamos a nossa resposta, enquanto os suecos levam a linguagem à letra. Ao mesmo tempo, se perguntarmos a um sueco com quem nos cruzamos “Como estás?”, eles não vão responder simplesmente “Estou bem e tu?”. Vão dizer tudo o que se passa com eles, porque acham que estamos mesmo a perguntar como é que estão. Isto é a linguagem no seu estado mais funcional.

"Os suecos não falam muito, pelo menos comparando com outras pessoas [de outras culturas]. Se lhes fizermos uma pergunta, eles vão responder “sim” ou “não”. Num contexto diferente, nós responderíamos “sim, porque…”. Nós justificaríamos a nossa resposta, enquanto os suecos levam a linguagem à letra."

Falando em “linguagem funcional”, os suecos passam muito tempo em silêncio…
Aqui na Irlanda, antes de conhecer bem os meus amigos, percebi que isto era uma grande diferença cultural, era mesmo estranho. Houve muitos silêncios constrangedores porque nós, suecos, apenas falamos quando achamos que vamos dizer algo absolutamente brilhante. Quando levei o meu marido à Suécia pela primeira vez, das primeiras vezes e nos primeiros anos, ele teve muita dificuldade em habituar-se ao silêncio. Ia dar um passeio com o meu pai e o meu pai ficava silencioso durante cinco minutos, sem dizer uma palavra. Para um sueco, isso é normal, se não estamos a pensar em nada em particular, não queremos ser desonestos. A conversa de circunstância é quase considerada desonesta.

Uma das ilustrações que dão cor ao livro, referente ao piquenique, a forma "mais barata, fácil e lagom de dar uma festa".

@ Ilustração retirada do livro "Lagom"

No livro, escreve que lagom está associado a um “ato de equilíbrio habilidoso”. A citação sugere autocontrolo, enquanto o ser humano é conhecido por conseguir ser caótico. Parece existir, entre os suecos e segundo o que descreve, uma certa falta de espontaneidade e uma felicidade comedida…
Isto é uma generalização terrível, mas há um elemento de verdade quando dizemos que os suecos são menos espontâneos. Se estiverem numa festa e forem trabalhar no dia seguinte, não vão beber muito, por exemplo. Não se vão divertir porque querem ser sensatos. Ao fazer as coisas de uma forma mais sensata e correta estamos a tirar um elemento de espontaneidade, isso é verdade. Mas acho que é preciso contextualizar isto — como isso é a norma na Suécia, ninguém repara. Planear um encontro com os amigos faz parte da experiência social. Não é algo penoso de se fazer, não é como se a vida estivesse dependente destes momentos, quando finalmente fazemos estas coisas. Se vamos exportar o conceito lagom, temos de inseri-lo na realidade da qual somos provenientes. Não estou a dizer que as pessoas vão, a partir de agora, viver como os suecos. Nem acho que se deva fazer isso, é mais encontrar elementos lagom que sejam benéficos para nós.

Quase tenho medo de dizer isto, mas acho que a cultura lagom está associado ao estilo luterano de pensar e de trabalhar…

Está a referir-se à influência da igreja católica na nossa sociedade?
Não necessariamente à igreja católica. Acho que a culpa católica é uma coisa muito conhecida e acho que talvez haja uma maior tendência em culturas católicas para abraçar a espontaneidade, o que é ótimo, mas também há o outro lado, que é a culpa católica. Não quero falar sobre religiões, mas não ficaria surpreendida se existisse uma ligação entre a igreja luterana e o ser-se menos espontâneo e mais sensato.

De acordo com o Índice para uma Vida Melhor da OCDE, a Suécia classifica-se no topo na maioria dos aspetos relacionados com o bem-estar, incluindo uma pontuação particularmente alta nas categorias de saúde, satisfação com a vida, segurança, equilíbrio entre trabalho e vida particular e meio ambiente. (Pág. 109)

“O lagom não se impressiona com a conquista pessoal.” Considerando países que valorizam o esforço laboral e a conquista pessoal, como é que isso não afeta a autoconfiança e o orgulho das pessoas?
Lagom não tem que ver apenas com a temperatura dentro de casa ou com as nossas emoções, aplica-se a toda a sociedade. Na Suécia, temos redistribuição de riqueza, em termos de impostos, e temos valores partilhados… A maior parte das pessoas diria que a assistência infantil, sendo muito subsidiada, é quase grátis para todos, o que é muito bom. Como uma extensão disso, as pessoas levam o seu trabalho muito a sério. E é aqui que a ética luterana de trabalho entra: nós podemos desfrutar do nosso trabalho, e acho que muitos suecos o fazem, mas o que está em causa não é a realização pessoal da mesma forma que deverá ser noutros locais, não é uma questão de status. Mesmo que tenhamos muito dinheiro, temos de pagar muitos impostos. Discutir o nosso salário, na Suécia, é considerado estranho. É como se nos tivéssemos a gabar do quanto ganhamos. Na Suécia, as pessoas não falam sobre dinheiro e não compram carros exuberantes para mostrar que têm muito dinheiro. É ótimo que as pessoas sejam confiantes e felizes, que sigam os seus sonhos, mas o objetivo final não é que alguns indivíduos brilhem, mas sim que esta seja uma boa sociedade, onde todos possam ser felizes a viver em harmonia.

"Lagom não tem que ver apenas com a temperatura dentro de casa ou com as nossas emoções, aplica-se a toda a sociedade. Na Suécia, temos redistribuição de riqueza, em termos de impostos, e temos valores partilhados…"

Mas isso soa tão utópico… As pessoas, e por vezes as sociedades, tendem a ser caóticas.
Acho que isso é uma perceção cultural. Há pesquisas recentes que mostram que sociedades desiguais criam sociedades deprimidas: quantos mais desigual for uma sociedade, mais pessoas sofrem de depressão. Enquanto espécie, nós precisamos de olhar uns pelos outros, precisamos de funcionar em grupo. Cresci num país onde os extremos são menores, comparado, por exemplo, com os Estados Unidos da América. Mesmo que as pessoas tenham muito dinheiro, é por um interesse comum que pagam mais impostos. É engraçado que tenha falado de utopia. Eu não acredito nisso e não acredito que a Suécia seja perfeita. Mas “utopia” é uma palavra muito usada para descrever os países nórdicos. Mesmo na Irlanda, muitas pessoas perguntam-me o que estou aqui a fazer, considerando que, estando lá, poderia ter um apoio parental utópico, uma ótima licença parental e casas maravilhosas.

Linnea Dunne nasceu na Suécia mas mudou-se para a Irlanda com 19 anos. Vive lá desde então. © Divulgação

Escreveu um livro sobre a forma como os suecos vivem, mas vive na Irlanda. Como é que responde aos leitores que possam ficar confusos com isso?
É uma ótima pergunta. Quando decidi escrever este livro tive de desembaraçar todas essas questões dentro de mim. Eu fugi da Suécia, mudei-me para o estrangeiro e apaixonei-me pela Irlanda. Mas a vida que tenho é uma aproximação de lagom — a minha casa é ao estilo escandinavo e eu e o meu marido tentamos partilhar as responsabilidades parentais. Acho que as nossas vidas são uma mistura saudável do estilo de vida irlandês e sueco. Há sempre prós e contras. Eu não acho que a Suécia seja perfeita para todos nem penso que o lagom seja sempre bom. Mas há muitas ideias dentro do conceito lagom que providenciam boas respostas.

A maioria dos trabalhadores suecos sai porta fora no minuto em que o horário laboral chega ao fim — e isso depois de um número decente de pausas fika. (…) Fika é para os suecos o que os pubs são para os britânicos e o aperitivo é para os italianos; uma pausa entre afazeres. (Págs. 20 e 40)

A vossa relação com o trabalho é uma dessas respostas, que envolve sair a horas e fazer as fika [pausa para café muito importante no mundo do trabalho]. É comum existir esta ética de trabalho nas empresas suecas?
Sim, acho que sim. Não vou dizer que todos saem a horas, mas diria que há mais empresas na Suécia do que noutros lugares que têm uma visão explícita de como ser um bom empregador. Coisas como alguém precisar de horários flexíveis ou de tirar uns dias para ficar em casa com os filhos. As pessoas esperam essas coisas dos empregadores e muitos deles investem num fundo que pode ser gasto mensalmente, por exemplo, num ginásio, porque sabem que é bom para os colaboradores. De um modo geral, penso que os empregadores suecos são muito progressistas.

E estas pausas, as fika, estimulam a produtividade, certo?
Sim. Não é que a cultura das fika exista para que sejamos mais produtivos, é uma questão cultural que existe há muito tempo… Não há uma cultura de pubs na Suécia, como há na Irlanda. Antes, as pessoas não tinham o hábito de ir a um pub e beber. Socializavam em casa e nas igrejas, onde havia café e bolos de canela acabados de fazer. Essa tradição acabou por ficar, sobretudo à medida que as pessoas começaram a trabalhar cada vez mais em escritórios partilhados. É uma forma de as pessoas porem a conversa em dia. O resto veio por acréscimo: já foi provado muitas vezes que quando fazemos pausas regulares somos muito mais eficientes no trabalho, até porque o nosso cérebro não consegue funcionar eficazmente por mais de 50 minutos seguidos.

"Quando percorremos as ruas de Estocolmo vemos muitos pais homens a passear com os filhos, sendo que nos parques infantis temos tantas mães como pais. Alguém que venha de uma cultura em que os pais nunca têm tempo livre para estar com os filhos durante o dia vai assumir que eles são amas."

Na Suécia há licenças parentais que podem ir até aos 480 dias pagos. Parece, mais uma vez, algo utópico… E porque é que os pais suecos já foram confundidos com “amas masculinas”?
Essa última parte… Acho que foi um jornalista norte-americano, mas não tenho a certeza. Quando percorremos as ruas de Estocolmo vemos muitos pais homens a passear com os filhos, sendo que nos parques infantis temos tantas mães como pais. Alguém que venha de uma cultura em que os pais nunca têm tempo livre para estar com os filhos durante o dia vai assumir que eles são amas. Isto está relacionado também com a licença parental. Acho que noutras culturas, tal como na Irlanda, há um pouco aquela ideia de que a mãe é apenas uma mãe. Então, se decidirmos ter filhos e formos mães, ficamos em casa, pelo que não são precisos sistemas de apoio — os quais permitiriam que tivéssemos tempo decente fora do trabalho. Quando olhamos para o sistema de assistência à infância na Suécia, isso faz parte de um plano sobre como as crianças devem ser educadas, sendo que todos devem ter o mesmo direito à educação. Acho que a licença parental é um aspeto muito importante em termos de igualdade na Suécia — caso um pai e uma mãe partilhem a licença, significa que eles vão ganhar mais tempo; há um bónus na partilha. É bom para os pais, para os filhos que ficam com fortes exemplos masculinos e também para o mercado, ou seja, quando se concorre a um trabalho não importa se se é mulher ou homem, as pessoas não vão ser julgadas por poderem vir a ter filhos. Qualquer pessoa pode ter filhos.

Como educam os pais mais felizes do mundo?

Os pais dinamarqueses, por exemplo, apostam na brincadeira livre, têm cuidado com os elogios e levam a empatia muito a sério. Como é que os pais suecos educam?
Tanto quanto sei, os pais suecos são parecidos com os dinamarqueses. Muitas das coisas que mencionou, como empatia ou o não elogiar os filhos em exagero (elogiar tendo em conta os esforços e não os resultados), aplicam-se aos pais suecos. Outras culturas podem dar mais ênfase ao facto de se dizer aos filhos o que não fazer. Há culturas em que os pais dizem “Que fotografia bonita”, e o que as crianças aprendem é que o foco não é nelas mas sim nos seus resultados. As crianças ficam a pensar que precisam de tirar uma fotografia bonita para que a mãe goste delas. Outra coisa está relacionada com a cultura do exterior, do ar livre. Os suecos são muito bons a estar ao ar livre com os filhos. Com o sistema de saúde gratuito, as pessoas podem ir de férias esquiar no inverno ou acampar no verão. Há liberdade para explorar e estar na natureza. Mesmo que vivamos na cidade.

Lagom quer ensinar-nos, de alguma forma, a sermos mais felizes. No entanto, há um mito que relaciona os países escandinavos com elevadas taxas de suicídio — dados de 2015 da OCDE mostram que 11,7 pessoas em cada 100.000 se suicidam; em Portugal esse número corresponde a 10. De onde vem o mito?
Não sei de onde vem, talvez seja porque vivemos num país muito frio — em algumas partes da Suécia o sol nem aparece durante o dia. Talvez as pessoas esperem que sejamos deprimidos por isso. Mas eu interrogo-me… Quando se lê muito sobre os países nórdicos, que são mais igualitários, entre outras coisas positivas, as pessoas devem agarrar-se a qualquer coisa que oiçam de negativo, porque ficam fartas de algo ser sempre tão bom. Se alguém mencionar algo negativo, é possível que peguem nisso e que o espalhem. Mas é um mito.

"Não quero dizer a ninguém como comer ou o que beber. Há coisas na cultura sueca que eu gosto mais do que outras. A nível individual, considerando o que está escrito no livro, acho que se pode pegar no que funciona."

Lagom apela ao equilíbrio em vários aspetos da vida. Em Portugal gostamos de mesas cheias de comida e de vinho. Do ponto de vista de um sueco, nós somos excêntricos?
É preciso ter sempre em conta as pessoas num determinado contexto de vida. Se isso funciona nessa cultura, ainda bem. Não quero dizer a ninguém como comer ou o que beber. Há coisas na cultura sueca que eu gosto mais do que outras. A nível individual, considerando o que está escrito no livro, acho que se pode pegar no que funciona. Somos um produto de onde vimos. A pergunta a fazer é “como é que podemos aprender uns com os outros”, da mesma forma que os suecos adotaram um pouco da cultura britânica (relativamente aos pubs) e da espanhola (em relação às tapas). Não deixem de ser portugueses, acho que os portugueses são ótimos, tal como os irlandeses, adoro-os. Mas acho sempre que se nos ouvirmos uns aos outros, e aprendermos uns com os outros, podemos tornar-nos pessoas melhores.

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