Alunos “esmagadoramente” ansiosos e stressados estão na origem do fenómeno que colocou a professora de Psicologia Laurie Santos no mapa da felicidade muito além da Universidade Yale — no ano passado participou, inclusive, numa campanha da Chanel a propósito dos 100 anos do perfume Nº5 enquanto uma das “seis vozes inspiradoras” escolhidas pela marca, ao lado da atriz Marion Cotillard e de Graydon Carter, editor da Vanity Fair entre 1992 e 2017.
O curso criado em 2018 é um caso de sucesso desde a primeira aula, com um quarto de todo o campus a escutar atentamente ao discurso de Santos a partir uma sala de espetáculos (o local da aula teve de mudar à última hora dada a inesperada adesão). Em retrospetiva, tornou-se no curso mais popular nos 300 anos de história da prestigiada universidade norte-americana e desmultiplicou-se, entretanto, em aulas online e num podcast que nem a pandemia abrandou — já soma 65 milhões de downloads.
O interesse pelo comportamento humano foi que o motivou Santos — o apelido deixa a descoberto a ascendência portuguesa e cabo-verdiana — a estudar processos cognitivos e a enveredar pela cruzada da felicidade. Mergulhou tão fundo na temática ao ponto de estar prestes a tirar uma licença de maneira a evitar um burnout — não quer cair no erro de ser uma professora da felicidade a sentir-se esgotada e infeliz.
Em entrevista ao Observador, garante que não distribui banalidades aos seus alunos, mas sim estratégias já carimbadas pela ciência, e que mesmo em tempos difíceis como o presente — na sequência da guerra na Ucrânia — cuidar da saúde mental é fundamental.
Antes de falarmos do percurso profissional, falemos do pessoal: quais são as suas origens? O apelido Santos tem alguma ligação a Portugal?
O meu apelido tem ascendência portuguesa e cabo-verdiana. A minha avó era metade portuguesa e metade cabo-verdiana. Sou cidadã norte-americana de terceira geração de ascendência portuguesa e cabo-verdiana.
Já alguma vez esteve em Portugal? Tem memórias do país?
Sim, fiz uma viagem adorável a Portugal quando estava a estudar na universidade. Adorei conhecer o país, apreciar a comida e o delicioso vinho do Porto.
O que é que na vida — quem sabe, na infância — a encaminhou para a Psicologia? E, mais tarde, para este curso em particular?
O comportamento humano sempre me interessou. Sempre quis conhecer melhor as pessoas e acho que isso naturalmente me levou por um caminho: estudar Psicologia. No entanto, a mudança para estudar a felicidade aconteceu quando me tornei “head of college” no campus da Yale. “Heads of college” são membros da faculdade que vivem em residências académicas com estudantes e, quando assumi esse novo cargo, vi o quão deprimidos e ansiosos estavam os meus estudantes. O curso foi a minha tentativa de encontrar uma forma de dar estratégias aos estudantes para que eles não estivessem tão stressados e infelizes.
“Psicologia e a Boa Vida” foi a minha forma de tentar dar aos meus estudantes estratégias para se sentirem melhor. Fiquei realmente impressionada com os níveis de depressão e ansiedade que estava a ver no campus da Yale, e este é o tipo de coisas que estamos atualmente a observar à escala nacional nos Estados Unidos, onde mais de 40% de estudantes universitários relatam estar demasiado deprimidos para funcionar na maior parte dos dias e mais de 60% relatam que se sentem esmagadoramente ansiosos.
Lembra-se das primeiras aulas? O curso foi sempre concorrido?
As primeiras aulas foram em 2018, em janeiro desse ano, e lembro-me bem da primeira aula porque estava tão cheia que tivemos de ensinar os alunos numa sala de espetáculos. Assumimos que 40 estudantes estariam na aula, mas mais de mil, um quarto de todo campus da Universidade Yale, decidiram aparecer.
Houve maior procura pelo curso com a pandemia? Há, agora, mais ansiedade entre os alunos?
Por causa da popularidade das aulas no campus da Yale, criámos uma versão online do curso na plataforma Coursera.org, chama-se “The science of well-being” e, durante a pandemia, tivemos mais de três milhões de alunos a inscreverem-se — esse pico começou por volta de março de 2020. Penso que houve uma grande procura por este conteúdo durante a pandemia.
O podcast “The Happiness Lab” é uma extensão do curso?
Sim. Quando percebemos que tantos estudantes estavam interessados em ter estas aulas no campus da Yale, fizemos uma versão online da aula em Coursera.org. No entanto, recebemos feedback por parte de muitas pessoas que queriam aprender mais sobre este conteúdo, mas que não queriam necessariamente tirar um curso inteiro na Yale. Assim, o podcast foi uma forma de traduzir muitas destas estratégias numa narrativa muito mais acessível, é todo um podcast sobre que tipos de estratégias podemos usar para nos sentirmos mais felizes.
Por que é que vai tirar uma licença por burnout?
Eu estava a planear tirar uma licença académica há já algum tempo, mas acabei por adiá-la durante a pandemia de Covid-19 porque era muito complicado sair do campus e havia muitas coisas nas quais tínhamos de pensar para garantir que os estudantes estavam seguros. Ainda que eu tivesse a intenção de tirar a minha licença no final do ano académico de 2020, acabei por adiar [a decisão] para ficar por perto e de certa forma tomar conta dos estudantes durante esta crise. Mas comecei a notar [em mim] muitas das coisas [que acontecem] quando estamos prestes a ter um burnout — estava a sentir-me bastante mais cínica, a ter interações mais curtas com os colegas e a sentir-me mais frustrada. Estava também a sentir-me muito cansada, mesmo que uma noite bem dormida me fizesse sentir melhor. Comecei a perceber que, se não fizesse uma pausa, iria sofrer graves consequências. Não era que já estivesse em burnout, mas estava a ver os sinais: se eu não fizesse uma pausa, chegaria lá.
Mais pessoas deveriam fazer o mesmo?
É definitivamente uma prática que recomendo, penso que demasiadas vezes deixamo-nos levar por essa cultura da agitação e do excesso de trabalho — pensamos que temos de estar sempre a trabalhar. O que nos esquecemos é que somos mais produtivos se descansarmos um pouco; somos menos produtivos quando estamos em burnout, pelo que prever o burnout é uma coisa importante em que mais empregados e empregadores deveriam pensar.
Diz que ser feliz dá trabalho, como assim?
O que quero dizer é que a felicidade não vem necessariamente das nossas circunstâncias, não é sobre se somos ricos ou pobres, se temos ou não coisas boas na nossa vida. A felicidade também não vem da nossa genética, parece vir das nossas ações intencionais, parece vir dos comportamentos em que nos envolvemos e das práticas e dos hábitos que formamos. Comportarmo-nos da forma certa dá trabalho, é como qualquer coisa boa na vida: para aprender uma nova tarefa temos de nos esforçar um pouco. A felicidade funciona assim, exige esforço intencional.
Porque é que somos tão maus a descobrir o que nos faz feliz?
Essa é uma pergunta complicada. Não penso que a evolução e a seleção natural nos tenha selecionado para sermos muito felizes. A seleção natural apenas queria que sobrevivêssemos e que nos reproduzíssemos, e isso significa que temos cérebros que não estão necessariamente desenhados para encontrar a felicidade de forma natural, mas com as estratégias certas podemos fazer isso.
O que acha da cultura dos livros de autoajuda? E porque é que andamos agora, talvez mais do que nunca, preocupados (obcecados, por vezes) com a felicidade?
Acho que sempre estivemos obcecados com a felicidade. Aqui nos EUA, na nossa Declaração da Independência, os fundadores observaram que as pessoas deviam ir à procura da liberdade, da vida e da felicidade. Penso que estamos obcecados com a procura pela felicidade há algum tempo. Em relação aos livros da cultura de autoajuda, penso que alguns deles ajudam, mas eu esforço-me para dar uma abordagem baseada em evidências. Não estou a dizer banalidades aos meus alunos, mas sim o que a ciência realmente diz sobre as estratégias que têm uma grande probabilidade de funcionar.
Depois de uma pandemia, e de sociedades cada vez mais polarizadas, o sentimento de pertença nunca foi tão importante?
Acho que a conexão social é sempre importante, mas numa era em que nos sentimos mais desconectados como nunca, penso que arranjar tempo na nossa vida para relações sociais e para encontrar meios e comunidades onde sentimos pertença é ainda mais importante do que alguma vez foi.
Se a saúde mental é como uma dieta, o que é a junk food e o que é a salada?
Acho que junk food é ir para as redes sociais e receber aqueles pequenos hits de dopamina através dos nossos aparelhos. Esse tipo de coisas são fáceis, mas não nos dão necessariamente o boost de bem-estar que assumimos [que dão]. A salada, a refeição nutritiva em termos de felicidade e de aumento [benéfico] da nossa saúde mental, é ter tempo para uma conexão real em pessoa. É fazer coisas boas para outras pessoas. É participar em atividades saudáveis como exercício físico e dormir. Também é encontrar tempo para ganhar presença e ter a atitude certa, como uma atitude de gratidão e autocompaixão. Essas são as coisas que realmente funcionam no que a aumentar a nossa felicidade diz respeito.
No rescaldo da pandemia, surge uma guerra na Europa: como é que se incute o conceito de felicidade num momento destes?
Pode ser difícil concentrarmo-nos no bem-estar durante um período assustador como este – especialmente com a guerra na Ucrânia. Mas a investigação mostra que é mais importante do que nunca que nos foquemos na saúde mental. Por exemplo, um estudo de Kostadin Kushlev e dos seus colegas da Universidade de Georgetown mostrou que as pessoas mais felizes são mais propensas a agir contra a injustiça – eles descobriram que as pessoas com emoções mais positivas são mais propensas a ir a um protesto e a ajudar a combater a injustiça e a lutar por pessoas necessitadas. Acho que este trabalho mostra que, quando coisas más estão a acontecer no mundo, torna-se ainda mais essencial prestarmos atenção ao nosso bem-estar e à saúde mental, porque isso dá-nos a resiliência e a largura emocional necessária para lutar pelo que é certo.
Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.
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