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RODRIGO MENDES/OBSERVADOR

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Líderes, visionários, empreendedores, inspiradores. Os dez portugueses mais influentes dos últimos 50 anos

Da política à literatura, do desporto à economia, da música ao mundo empresarial, estes são os 10 portugueses mais marcantes desde o 25 de Abril, de acordo com os leitores do Observador.

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O desafio foi lançado um mês antes da celebração dos 50 anos do 25 de Abril: perguntámos aos leitores e ouvintes do Observador e da Rádio Observador quais os dez portugueses mais influentes das últimas cinco décadas, divididos por categorias. Pessoas que, pelo seu trabalho e exemplo, marcaram de forma inequívoca o país em democracia.

Para isso, a redação do Observador escolheu cem nomes marcantes para a história de Portugal depois do 25 de Abril. Essa centena de figuras foi classificada em cinco categorias: Líderes e Inovadores, Política, Economia, Desporto e Cultura. Em cada uma destas áreas havia vinte nomes a partir dos quais se podiam escolher dois. A lista final, que agora revelamos, representa as duas figuras mais votadas em cada uma destas categorias.

Mais de 11.200 pessoas votaram para a escolha destes dez nomes, a partir da nossa lista inicial que pode consultar aqui.

Líderes e inovadores: Rui Nabeiro e Mário Soares

Rui Nabeiro, o homem que fez do café um império (a partir do interior do país)

O “pai” dos cafés Delta nunca teve o destino traçado. Foi pregoeiro, vendeu peixe e viveu do contrabando para alimentar a miséria a que a década de 1940 votou uma pequena vila fronteiriça após a guerra civil espanhola. Foi pela mão de um tio que Rui Nabeiro começou a forjar o império que veio a criar em Campo Maior, onde ainda hoje está cimentado. Primeiro com “umas barracas” de açúcar, massa, arroz e feijão. Até que surgiu o café. Em 1961, uma máquina artesanal que torrava trinta quilos de grãos de café deu origem à marca que nunca descolou da pele de Rui Nabeiro e de Campo Maior. E não foi por falta de oportunidade.

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Foram várias as propostas que teve para vender a Delta a gigantes como a Nestlé ou a Pepsi. Nunca aceitou nenhuma, porque tal implicaria tirar a empresa à terra que a viu nascer e que, graças à indústria do café, tem uma taxa de natalidade acima da média nacional e uma taxa de desemprego mais baixa que o resto do Alentejo.

A ligação umbilical do “Senhor Rui” a Campo Maior teve várias ramificações. Na política, aderiu ao Partido Socialista após o 25 de abril e foi pelo partido da rosa que foi três vezes eleito presidente da Câmara de Campo Maior, entre 1977 e 1986. No desporto, foi também com Rui Nabeiro que o Campomaiorense provou o sabor da glória chegando à I Divisão.

Rui Nabeiro (que conquistou 3981 votos na categoria de “Líderes e Inovadores” na eleição dos dez portugueses mais influentes) morreu no dia do pai, 19 de março, de 2023, em Campo Maior. Deixou uma fortuna avaliada em cerca de 400 milhões de euros. Em seis décadas, a Delta, hoje liderada pelo neto, Rui Miguel Nabeiro, espalhou-se por mais de quarenta países e emprega cerca de quatro mil pessoas.

Mário Soares, o construtor da democracia que foi tudo na política

Mário Soares juntou-se ainda jovem a movimentos de oposição ao regime, tendo passado por várias estruturas, incluindo o PCP, que combatiam o salazarismo. A oposição a Salazar valeu-lhe várias detenções pela PIDE — no total esteve preso três anos — e até um exílio para São Tomé, revertido na chamada “primavera marcelista”. Que foi sol de pouca dura, já que foi forçado a exilar-se pouco depois. É nesse entretanto que, em 1973, fundou o Partido Socialista português na Alemanha, partido do qual é a figura maior.

Soares foi três vezes primeiro-ministro (duas nos dois primeiros governos constitucionais e uma terceira no chamado “Bloco Central”) e, em 1986, contra todas as expectativas iniciais, venceu à segunda volta as Presidenciais. Em Belém funcionaria como contra-poder ao cavaquismo. Foi reeleito em 1991 com a maior vitória até agora registada na democracia portuguesa: 70,35% dos votos. Sempre ativo na política, foi candidato ao Parlamento Europeu em 1999, tendo vencido as eleições, mas falhado o objetivo de presidir ao hemiciclo europeu. Em 2006, concorreu uma terceira vez à Presidência da República, mas perdeu para Cavaco Silva e ficaria atrás do camarada de partido Manuel Alegre.

Nos anos seguintes manteve a sua atividade política com livros e artigos de opinião, que não deixavam de ter peso. Em 2014, por exemplo, contribuiu para o início da queda de António José Seguro e ascenção de António Costa à liderança do PS, quando classificou a vitória eleitoral das Europeias de 2014 de “pírrica”.

Morreu a 7 de janeiro de 2017, sendo reconhecido como uma das figuras maiores da democracia portuguesa e da História de Portugal. Foi a segunda figura mais votada na categoria “Líderes e Inovadores”, com 3128 votos.

Política: Ramalho Eanes e Salgueiro Maia

António Ramalho Eanes, o primeiro Presidente em democracia

António Ramalho Eanes queria ser médico, mas teve de optar pela carreira militar, onde ingressou aos 17 anos. Fez parte de uma geração de oficiais que fez toda a Guerra Colonial e estava em Angola em serviço a 25 de Abril de 1974. Não participou, por isso, nas operações militares que, no terreno, derrubaram o regime de Marcello Caetano.

Ramalho Eanes estava, no entanto, alinhado com o MFA na visão para as Forças Armadas (e para o país) e foi chamado a Lisboa logo após a Revolução. Deram-lhe a missão de presidir à RTP, o mais poderoso meio de informação da época. Durante o PREC alinhou com os militares moderados no chamado “Grupo dos Nove”, liderando o contra-golpe de 25 de Novembro de 1975. Tornou-se após esse dia Chefe do Estado-Maior do Exército. No ano seguinte, foi eleito Presidente da República, o primeiro em democracia, batendo o seu antigo colega de camarata em África, Otelo Saraiva de Carvalho. Em 1980, foi reeleito em Belém, novamente à primeira volta. Antes de sair da Presidência, resistiu a abandonar o poder e promoveu um partido (PRD), que fez mossa ao PS nas primeiras legislativas em que foi a votos, mas dois anos depois, já sob a liderança do próprio Ramalho Eanes, tornou-se irrelevante.

Afastou-se depois da política ativa, mas manteve-se como um informal senador da política nacional — posição que materializa no Conselho de Estado. A sua palavra tem peso, em particular quando fala sobre as Forças Armadas. É visto como um referencial de ética, com vários episódios marcantes, como o de ter recusado 1,3 milhões de euros que o Estado lhe devia ou ter dito, no auge da pandemia, que, perante uma situação extrema, cedia o seu ventilador caso um jovem precisasse. Mais recentemente alinhou na ideia que o 25 de Novembro de 1975, do qual é o principal protagonista, deve ser celebrado.

Com 4479 votos, Eanes foi o português mais votado na categoria “Política”.

Salgueiro Maia, o capitão que construiu Abril

© Alfredo Cunha

Quando Salgueiro Maia nasceu em Castelo de Vide, em 1944, já Salazar governava o país há 12 anos. Filho de um ferroviário e órfão de mãe desde os quatro anos, o jovem Maia entra na Academia Militar, em Lisboa, aos 20 anos, e é colocado na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém. Não sabia então que, dez anos depois, acabaria por eternizar aquele quartel escalabitano. Em 1968, seguiu para a Guerra Colonial em Moçambique integrado num regimento de comandos e ascendeu à patente de capitão. E é já como capitão Maia que, em 1971, passou para a Guiné.

Dois anos depois, em 1973, Maia voltou para Santarém e foi nesse ano que começou a participar nas reuniões clandestinas da Comissão Coordenadora do MFA. No desenho do 25 de Abril de 1974, foi a ele que lhe competiu comandar as tropas de Santarém até ao Terreiro do Paço, em Lisboa. De madrugada fez um discurso na parada do Quartel que se tornou famoso: “Há diversas modalidades de Estado: os Estados socialistas, os Estados corporativos e o estado a que chegámos. Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos”.

Salgueiro Maia acabou não só por tomar o Terreiro do Paço como também acabaria por se dirigir ao Largo do Carmo para escoltar o presidente do Conselho, Marcello Caetano, até ao aeroporto para seguir para exílio para o Brasil. O capitão Maia foi uma das principais figuras da Revolução que pôs fim a 48 anos de ditadura, mas recusou sempre ser glorificado pelo momento. Depois disso, licenciou-se, foi subindo na hierarquia militar, mas recusou cargos que lhe dessem responsabilidade política, como o Conselho da Revolução ou ser governador civil de Santarém.

Ainda assim, e pela sua relevância no Portugal pós-25 de Abril, o seu nome foi incluído na secção “Política” desta eleição, tendo conquistado 3434 votos. Morreu com apenas 47 anos, em 1991, já numa democracia estabilizada que ajudou a construir.

Economia: Champalimaud e Salvador Caetano

António Champalimaud, o empresário genial mas implacável

Genial para uns, implacável para outros, António Champalimaud construiu por duas vezes o grupo, muitas vezes em conflito com os governos e com os pares. E terá sido o único grande empresário do Estado Novo a fugir do país antes do 25 de Abril.

Herdou negócios da família que fez crescer, um percurso impulsionado pelo casamento com uma neta de Alfredo da Silva. Os seus interesses, que chegaram ao Ultramar, iam dos cimentos à siderurgia, até à banca com o Banco Pinto e Sotto Mayor. Foi neste setor que chocou de frente com o poder, quando quis tomar o controlo do BPA. Marcello Caetano tentou travar a operação que daria a Champalimaud um terço do setor financeiro, com uma lei à medida. O empresário já estava exilado para evitar as consequências do processo da herança Sommer, no qual era acusado de se ter apropriado de ações por abuso de confiança. Os dois casos foram resolvidos, mas após o 25 de Abril Champalimaud viu as empresas nacionalizadas.

Recomeçou no Brasil e, na década de 1990, chegou a acordo com o Governo de Cavaco Silva para receber uma indemnização de dez milhões de contos (50 milhões de euros) pelas nacionalizações, dinheiro que usou para comprar ao Estado a Mundial Confiança e o Pinto e Sotto Mayor. Nos últimos dias de 1995 fintou o rival José de Mello na aquisição do Totta e Açores e novamente foi feito um despacho à medida, desta vez para ajudar o negócio, que o livrou de ter lançar uma OPA cara sobre o resto das ações. Champalimaud ficou com o segundo maior grupo financeiro do país liderado pelo filho mais novo, Luís — já tinha perdido dois filhos, um deles assassinado em 1992.

Os alegados favores que recebeu no tempo de Cavaco Silva foram alvo de uma comissão de inquérito que não teve conclusões, porque os socialistas no poder não quiseram afrontar Champalimaud e levá-lo a vender os negócios a estrangeiros. O que acabou por fazer quando em 1999 fez um acordo com espanhóis do Santander para ceder 40% do grupo. Portugal tentou travar a operação, mas Bruxelas ameaçou com um processo. O Santander ficou com o Totta e Açores e o resto foi dividido pelo BCP e pela Caixa Geral de Depósitos. O negócio fez de Champalimaud o homem mais rico de Portugal, o que não o impediu de pôr o Estado em tribunal a exigir mais compensações pelas nacionalizações.

Foi-se o grupo, ficou o nome. Quando morreu em 2004, aos 86 anos, legou um terço da sua fortuna à criação da Fundação Champalimaud que hoje é uma instituição de referência na investigação e tratamento contra o cancro.

Com 7749 votos, António Champalimaud foi o português mais votado na categoria “Economia”.

Salvador Caetano, o homem que, sem herança, criou o grupo agora liderado pelos herdeiros

Não é um herdeiro. É o que se pode chamar um self made man. Começou cedo a trabalhar para ajudar os pais a garantir sustento para a casa. Conta-se que terá começado aos 11 anos. Primeiro na construção civil, depois numa oficina de reparação de automóveis como pintor — embora tenha assumido, mais tarde, que nem ligava muito a carros.

É verdade que a empresa foi fundada, com dois sócios (um deles seu irmão), em 1946, ainda o Estado Novo estava enraizado. Uns anos mais tarde, Salvador Caetano ficaria sozinho na sociedade e aí se lançou na indústria de carroçaria. O embrião do futuro. Recebia encomendas dos transportes públicos e fazia parcerias internacionais. O que, aliás, foi sempre um dos “segredos” da Salvador Caetano, aliando-se a quem possuía o conhecimento.

Juntou, mais tarde, à montagem de autocarros o comércio de automóveis, como representante de grandes marcas e como concessionário: 1968 foi um ano decisivo ao garantir a representação da nipónica Toyota. Mas, devido a imposições legais, os carros tinham de ser montados em Portugal, incorporando mão de obra nacional. E assim nasceu a unidade de Ovar em 1971 que já depois do 25 de Abril se converteu para a montagem de comerciais e mais tarde para fabrico de autocarros. A influência dos sócios japoneses e as exigências de gestão não podem ser dissociadas da evolução da Salvador Caetano, que viria a viver períodos conturbados depois do 25 de Abril, com ameaças de nacionalização e intervenção sindical e até com um assalto pelas FP 25 em Vila Nova de Gaia.

Salvador Caetano resistiu. E cresceu. Entrou em outros negócios. Esteve no arranque do BPI e do BCP. Ainda se envolveu na Soares da Costa. Mas foi saindo. Nos automóveis passou a ter, além da representação da Toyota, a da BMW, através da Baviera. Hoje é também sinónimo da importação dos veículos chineses Byd, que andam a conquistar a Europa (e em Portugal ganhou já este ano o concurso carro do ano).

A Salvador Caetano passou por três intervenções do FMI, pela liberalização do mercado automóvel, pela globalização. Hoje tem mais de oito mil trabalhadores, que estão em negócios como o automóvel, mas também o ferroviário e até o aeronáutico. Salvador Caetano morreu em 2011, com 85 anos, tendo repartido os negócios pelos três filhos (o filho Salvador Acácio também já morreu, estando agora o seu filho, também de nome Salvador, a liderar a Baviera). O genro José Silva Ramos, casado com a filha Maria Angelina, lidera a componente industrial na Toyota Caetano. Onde também já está a terceira geração. A outra filha (a mais nova), Ana Maria distanciou-se, ficando com a Caetano Coatings, de tratamento de pintura automóvel e fazendo outros investimentos, optando por uma carreira “a solo”.

Salvador Caetano — que conquistou 3646 votos nesta eleição — fez as partilhas ainda em vida. Nos últimos anos, foi assistindo de fora à evolução das suas empresas. “Nada se faz sem que eu saiba, mas não interfiro na gestão corrente”, disse ao Público. Com fama de implacável, confessou que gostava de ter sido ator. O seu palco foi outro. Deixou-o aos filhos e, agora, também já é a terceira geração a avançar. Os herdeiros.

Cultura: Amália e Saramago

Amália Rodrigues, a mulher livre que se fez maior do que o fado que transformou

Eduardo Gageiro

Na vida de Amália Rodrigues há inexatidões e contradições sobre datas e lugares — dúvidas quanto ao seu nascimento levaram-na a escolher dois dias de Julho para celebrar o aniversário, 1 e 23. O que é inegável: que Amália da Piedade Rodrigues nasceu em Lisboa, em 1920, em casa dos avós maternos, naturais do Fundão.

Figura única da música portuguesa, símbolo insuperável do fado e de Portugal, teve uma fulgurante projeção internacional, com uma pequena ajuda de Salazar, o que a levou a, após o 25 de Abril, ser apelidada de estandarte do velho regime, ou mesmo “princesa da PIDE”, apesar de durante a ditadura tivesse apoiado a causa antifascista e sido vigiada pela polícia política da ditadura do Estado Novo por suspeita de apoio aos comunistas (como revela uma investigação recente do jornalista Miguel Carvalho, que a biografou). Certo é que a sua voz atravessou os dois regimes, a ditadura e a democracia, enquanto expressão maior da portugalidade.

Em Portugal, Amália foi além do fado, desdobrando-se por vários palcos, da música aos filmes, do teatro à revista — a estreia da fadista no teatro fez-se em 1940, no Maria Vitória, com a peça Ora vai tu!. O estilo da incontestável diva do fado também acabaria por influenciar os que lhes seguiram as pisadas: o uso de vestido e xailes negros, bem como o posicionamento à frente dos guitarristas vieram a transformar-se em verdadeiras convenções performativas do género. A vida artística foi um território natural de afirmação, mas não o único. A grandeza artística libertou-a de uma redoma e conferiu-lhe um estatuto de exceção e admiração também por tudo o resto: era divorciada, viajada, emancipada, independente. Em suma, uma mulher livre.

Quando morreu, em 1999, milhares de portugueses saíram às ruas e foram decretados três dias de luto nacional. Em 2001, tornou-se a primeira mulher a receber honras de Panteão Nacional. Foi escolhida por 4236 pessoas nesta eleição das dez figuras mais influentes depois do 25 de Abril.

José Saramago, o Nobel que disse o que quis, quando quis, como quis

Writer Jose Saramago Leaning on Bookshelf

Sygma via Getty Images

O único escritor de língua portuguesa a quem foi atribuído o Nobel da Literatura nasceu em 16 de novembro de 1922, em Azinhaga do Ribatejo. Filho e neto de camponeses sem terra, foi aos dois anos para a capital, levado pelo pai, que se tornara guarda da PSP. O contexto humilde afastou-o do ensino regular. Foi serralheiro e funcionário público, passou pelos jornais, e só na década de 1970 se dedicou à escrita, ofício que depurou numa aprendizagem solitária e persistente. Controverso e crítico, como jornalista e militante político (era conhecida a filiação comunista), entrevistado ou escritor, Saramago gerou polémicas, tanto pelos seus livros, como pelas suas declarações, que lançava para o espaço público sem temer ficar isolado no debate.

Em 1975, era diretor-adjunto do Diário de Notícias quando 24 jornalistas foram saneados. “A revolução ou é coletiva ou não é”, diria. A revolução literária de Saramago viria a provar-se na década seguinte, com o romance Levantado do Chão (1980), uma assumida apologia da reforma agrária. Nele liberta-se das regras da pontuação e das maiúsculas, rejeitando o discurso direto e confirmando a sua forma original de narrar histórias, mesclando erudição clássica com sabedoria popular, num fluir narrativo torrencial próprio do discurso oral. Memorial do Convento, publicado dois anos depois, marca a consagração definitiva do autor e abre-lhe as portas do reconhecimento internacional.

Em 1991, publica O Evangelho Segundo Jesus Cristo e vê o seu nome vetado dos candidatos ao Prémio Literário Europeu. A decisão é do Governo então chefiado por Cavaco Silva. O livro atacava princípios que tinham a ver “com o património religioso dos portugueses”. Saramago exila-se na ilha espanhola de Lanzarote, onde continuará a escrever até ao fim, concretizando fisicamente a ideia de um homem à margem das instituições e do poder dominante. Ensaio sobre a Cegueira (1995) e Todos os Nomes (1997) precedem a atribuição do Prémio Nobel da Literatura, em 1998, quando o escritor tinha 76 anos. Nas entrevistas posteriores dirá que abandonaria este mundo sem “nenhuma esperança”, mas com a certeza de que “disse o que queria, como queria, quando queria”. José Saramago publicou 46 livros (16 romances, além de poesia, teatro, contos, crónicas, viagem, memória e diários). Foi autor dos libretos de três óperas. A sua vasta obra encontra-se editada em mais de trinta países. Percorrê-la é uma viagem que tem tanto de literatura quanto de património histórico. Morreu em 2010, na sua casa da ilha de Lanzarote, onde vivia com a mulher, Pilar del Río, presidente da fundação com o nome do escritor.

Foi a escolha de 3307 eleitores da seleção dos dez portugueses mais influentes dos últimos cinquenta anos.

Desporto: Ronaldo e Rosa Mota

Cristiano Ronaldo, o maior futebolista de todos os tempos?

VI-Images via Getty Images

A imagem de Cristiano Ronaldo sentado no relvado, a chorar, naquele que era, possivelmente, o mais importante jogo da vida do futebolista, teria ficado para sempre associada àquele participação de Portugal no Campeonato da Europa de Futebol de 2016. Teria, se Éder não tivesse feito o que fez. E se o Stade de France, naquele 10 de julho, não se tivesse assim tornado o palco da maior conquista da seleção nacional. Em vez disso, talvez nos venham mais à memória as imagens do jogador eufórico, a coxear, a empurrar o selecionador Fernando Santos, a dar indicações aos colegas para dentro do campo, a gritar para o árbitro apitar para o fim da partida. Ou esta mesmo, com o capitão a segurar a cobiçada taça.

Não há outro como ele no futebol mundial. Nunca houve. E não se sabe se alguma vez haverá. Com mais jogos (197) e mais golos (145) nas competições de clubes da UEFA, com mais golos na Liga dos Campeões (140), com mais golos pela respetiva seleção nacional masculina (128), o primeiro a conquistar por cinco vezes o troféu maior da UEFA, o primeiro a marcar dez hat-tricks por uma seleção. Etc, etc, etc.

É infindável, a lista de recordes do jogador pobre da Madeira que foi para Lisboa sozinho, com 11 anos, para ingressar nos escalões iniciais do Sporting depois de dar os primeiros pontapés no Andorinha (ainda passou pelo Nacional). Dos recordes desportivos aos recordes financeiros, entre contratos de publicidade, vencimentos com os clubes ou negócios vários no vestuário ou imobiliário.

E, aos 39 anos, depois do Manchester United, do Real Madrid, da Juventus e do Al-Nassr, onde joga atualmente, é possível que os números continuem a aumentar. O tabu sobre o clube onde CR7 terminará a carreira continua a existir, mas é até possível que ele próprio não tenha ainda decidido. Nem o clube, nem a época. Não se espera que venha conquistar outra Bola de Ouro (seria a sexta), mas, tendo falhado o objetivo de se sagrar campeão do mundo no Qatar, em 2022, o capitão Ronaldo (que conquistou 8263 votos nesta eleição) espera voltar a levantar o troféu de campeão europeu, na Alemanha a partir de 14 de junho.

Rosa Mota, a maratonista que continua a correr

Getty Images

O nome atual é Super Bock Arena. O nome antigo era Pavilhão dos Desportos. Mas o nome por que todos conhecem o complexo multidesportivo utilizado também para concertos, comícios ou congressos nos jardins do Palácio de Cristal continua a ser o mesmo: Pavilhão Rosa Mota.

É assim desde 1991, numa das formas que a cidade que a viu crescer encontrou para homenagear a atleta que começou a carreira em 1974, no Futebol Clube da Foz, tendo depois passado pelo FC Porto e mais tarde pelo Clube de Atletismo do Porto, onde alcançou os maiores feitos e terminou o período profissional.

Reconhecida nacionalmente (é grã-cruz da Ordem do Mérito, além de outras comendas das Ordens Honoríficas portuguesas) e internacionalmente, Rosa Maria Correia dos Santos Mota começou a dar verdadeiramente nas vistas quando chegou em primeiro lugar à meta da maratona feminina do Campeonato Europeu de Atletismo, disputado em Atenas.

Na altura, o nome da atleta de 28 anos saltou logo para o lote de favoritas à vitória da mesma prova nos Jogos Olímpicos que seriam disputados dois anos depois – na primeira vez que a maratona feminina ganhou estatuto de modalidade olímpica. Ainda não foi dessa, em Los Angeles (alcançou o bronze), mas acabou por ser em 1988, em Seul, nos jogos da XXIV olimpíada, quando Rosa conquistou o segundo ouro olímpico para Portugal – até hoje há apenas cinco, todos no atletismo.

O currículo é impressionante. É a única atleta do mundo que foi campeã olímpica, mundial e europeia na maratona, além de ter também vencido a prova em Chicago, Boston, Roterdão, Tóquio, Londres e Osaka. Figura de referência do desporto nacional, tendo passado também pela Comissão Executiva do Comité Olímpico de Portugal, Rosa Mota continua a correr: em outubro do ano passado, com 65 anos, bateu, por duas vezes, o recorde de mundo da meia maratona para atletas do seu escalão etário. Primeiro em Riga, quando tirou mais de seis minutos à melhor marca que estava em vigor, três semanas depois em Valência, quando reduziu em 13 segundos o seu próprio tempo.

O nome de Rosa Mota alcançou 3675 votos nesta eleição.

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