Aqui há uns meses, Gonçalo Marrote e a sua equipa puseram uma casa no porão de um navio e mandaram-na para os Estados Unidos. Uma estrutura de madeira sobre rodas com quarto, sala, casa-de-banho e cozinha, tudo a atravessar o Atlântico, pronto a habitar. O cliente tinha visto um artigo sobre a empresa de Cascais na revista designboom e não hesitou. “Começámos a conversar por e-mail e tratámos de tudo”, explica o arquiteto de XX anos que há cinco anos tomou conta da carpintaria do pai, a Madeiguincho, e a vocacionou para a conceção e construção de tiny houses, nome dado a estas casas minúsculas e totalmente autónomas.
“Sempre me interessaram as componentes da sustentabilidade e do offgrid”, explica, no escritório da zona de Birre, também ele de madeira, num dia chuvoso de Outono. O termo em inglês designa edifícios independentes que não estão ligados nem à rede de eletricidade nem de água. Já na Faculdade de Arquitetura a sua tese de mestrado tinha sido sobre hortas urbanas em Lisboa. “Fi-la há dez anos. Há pouco tempo olhei para ela e pensei que daqui a dez anos seria ainda mais atual. O mesmo em relação a este tipo de casas”, diz. “Felizmente, as pessoas começam a estar mais alerta para a importância da relação com a natureza.”
O movimento das tiny houses nasceu nos EUA, em 1970, quando diferentes artistas, arquitetos e autores começaram a questionar a quantidade de espaço de que realmente precisamos para viver. Reduzir, simplificar, em suma, viver com menos: a estes valores juntaram-se em décadas mais recentes os da sustentabilidade.
Não existe um regulamento universal das casas minúsculas, mas um limite muitas vezes repetido são os 37m2 (400 pés quadrados). A tiny que seguiu para Queens, Nova Iorque, tinha 17 metros quadrados, o máximo que a Madeiguincho faz (há outras bem mais pequenas). “Gostamos de ter controlo total sobre os projetos, e uma escala maior, com os mesmos prazos de entrega, já exige mais pessoas”, diz Marrote. Além de que, neste contexto, aquilo que se entende por área acaba por ser muito relativo. “Uma pessoa abre as portas e está a viver no jardim. É uma coisa para ter uma relação privilegiada com o exterior.” Se é confortável? “As pessoas dizem que sim. A minha mulher não vai nessa conversa. Já tentei”, ri-se.
Com quatro arquitetos e quatro carpinteiros, a Madeiguincho distingue-se não só pela estética minimalista mas também por desenvolver cada projeto à medida de cada cliente. Por outras palavras, não há duas casas iguais. “As pessoas dizem-nos, ‘sou eu e o meu marido’ ou ‘precisamos de uma sala para trabalhar’ ou ‘queremos uma janela para este lado’”, explica. “Depois a equipa de arquitetura pega nisso e, quando o cliente aceita, avançamos para a construção.” Prazo total: seis meses.
O projeto mais recente, por exemplo, é uma casa na árvore que a cliente queria incorporar entre pinheiros centenários. “É uma pessoa que já tem uma casa nesta propriedade [em Melides] e queria um sítio ‘mágico’”, conta. Mais do que uma casa na árvore é uma estrutura sobre palafitas. Um dos maiores desafios foi, precisamente, a altura. Edificada três metros acima do solo, inclui sala, quarto (num nível superior, com uma área exterior), casa-de-banho com duche, cozinha e ainda um escorrega. “Ela sai do quarto e está aqui entre as árvores, com vista sobre as redondezas.”
A lógica chave na mão vai ainda mais longe. Incluídos em todos os projetos estão depósitos de recolha de água da chuva, painéis solares e baterias. Para o frio há salamandras e um bom isolamento; para o calor, sistemas de ventilação cruzada. Os clientes podem ainda contar com eletrodomésticos, gavetas e armários, loiças de casa de banho e todo o tipo de acabamento, “dos puxadores aos rodapés”. De novo, escolhas personalizadas, à imagem de cada construção. Os preços variam consoante os extras, mas andam à volta dos 50 mil euros (mais IVA).
Uma das coisas que lhe agrada nesta área é a entrega ao pormenor, admite o arquiteto, o que também já lhe trouxe algumas complicações inesperadas. “Esta foi a casa mais artesanal que fizemos”, diz, apontando para as fotografias da Guincho (que, apesar do nome, também fica em Melides), “e agora as pessoas pedem um cocho [de cortiça] igual a este ou este tubo de cobre, que o canalizador por acaso tinha em casa do pai”.
Para já, a empresa tem-se especializado em casas sobre rodas, estúdios de jardim e casas na árvore, mas há muito a experimentar. Gonçalo Marrote prefere não falar em sonhos, porque, “como alguém dizia, cuidado com o que desejas porque pode tornar-se realidade”, diz. “E isso já está a passar-se um bocado.”
Uma das ideias em desenvolvimento é uma off the grid box, uma casa que possa ser transportada em contentores para qualquer lado do mundo e que, ao ser pousada num lugar, abra por si só, já com a recolha de água e painéis solares a funcionar. “Um organismo vivo”, resume. Já quase pronta a pôr em prática está a casa barco, que tanto pode deslocar-se sobre a água como apenas flutuar. Desafios de construção já são poucos; difícil tem sido aparecer um cliente.