Depois das mediáticas diligências em janeiro e em maio, surgiu esta terça-feira uma terceira ronda de buscas da Polícia Judiciária da Região Autónoma da Madeira. Ponto comum dos três inquéritos: o escrutínio das ações do Executivo Regional e do PSD/Madeira liderado por Miguel Albuquerque.
A Operação “AB INITIO” (termo latino que significa desde o início) investiga suspeitas de financiamento ilícito da campanha do PSD/Madeira para as Regionais de 2023, mas também homens muito próximos de Miguel Albuquerque. Depois da detenção em janeiro de Pedro Calado (presidente da Câmara do Funchal que tinha sido n.º 2 de Albuquerque no Governo Regional), são agora visados nesta nova investigação figuras como José Prada (vice-presidente da Assembleia Legislativa Regional e secretário-geral do PSD/Madeira), Armando Abreu (responsável pelas finanças do PSD/Madeira) e Miguel Silva (adjunto de Miguel Albuquerque). Todas estas figuras do PSD/Madeira foram alvo de buscas domiciliárias e nos respetivos escritórios de trabalho.
No processo foram detidos oito arguidos. Destacam-se Humberto Vasconcelos (ex-secretário regional da Agricultura e Pescas entre 2015 e 2019), o também social-democrata Carlos Ornelas Teles (presidente da Câmara da Calheta e presidente da Associação dos Municípios da Madeira) e António Franco Santo (antigo diretor-regional da Madeira, que foi adjunto da atual secretária regional Rafaela Fernandes).
No centro da investigação, e também detidos, estão igualmente o empresário Humberto Drumond, empresário próximo do PSD, a sua companheira Daniela Rodrigues (que foi chefe de gabinete do secretário regional Humberto Vasconcelos) e o seu alegado testa-de-ferro Miguel Nóbrega.
Todos serão presentes a um juiz de instrução criminal nas próximas 48 horas.
Empolamento de custos dos contratos públicos para “saldar dívidas” do PSD/Madeira
Estão em causa 25 contratos públicos adjudicados por diversas entidades públicas regionais a empresas controladas por Humberto Drumond num valor total superior a 1 milhão de euros entre 2014 e 2024. O custo de alguns desses contratos terão sido empolados “de forma a saldar dívidas de um partido político resultantes de campanha eleitoral”, lê-se num comunicado emitido pela Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa.
O alegado esquema sob investigação do DIAP Regional de Lisboa e da PJ terá começado com um pequeno conglomerado de 11 sociedades alegadamente controladas por Humberto Drumond e Miguel Nóbrega. Muitas dessas empresas serviam apenas para se apresentarem em procedimentos de contratação pública relacionados com comunicação, marketing e publicidade nos quais era obrigatório ouvir mais do que uma proposta comercial.
Trata-se de uma violação das regras legais nos procedimentos de contratação pública, nomeadamente de ajuste direto e de prévia qualificação.
A PJ suspeita que muitas das propostas eram combinadas para que ganhassem as sociedades de Humberto Drumond, o que viola claramente as regras da contratação pública. Entre essas sociedades vencedoras encontram-se a Dupladp & Associados (uma agência de comunicação, publicidade e marketing) e a Brisa Épica (uma agência de publicidade).
Há mais figuras próximas de Miguel Albuquerque sob investigação. Líder do PSD/Madeira rejeita qualquer financiamento partidário ilícito
As autoridades estão a apertar cada vez mais o cerco em redor do presidente do Governo Regional da Madeira e, ao que o Observador apurou, há mais figuras próximas de Miguel Albuquerque na mira da PJ.
Para já, as diligências visaram José Prada, Armando Abreu e Miguel Silva, mas é provável que a malha da investigação se alargue a outros elementos do inner cricle do presidente do Governo Regional da Madeira e também líder do PSD regional — um partido com autonomia que ‘manda’ na Madeira desde 1976.
Até porque uma parte dos 25 contratos públicos sob suspeita não se restringem à Secretaria Regional de Agricultura e Pescas liderada por Humberto Vasconcelos. Por exemplo, há vários contratos adjudicados pelas secretarias regionais das Finanças e da Proteção Civil em 2022 e 2023.
Uma das linhas de investigação visa igualmente suspeitas de corrupção e de desvio de verbas do financiamento partidário ilícito para alegado benefício próprio dos dirigentes do PSD/Madeira. Uma matéria difícil de provar devido ao facto de existirem indícios de que muitos pagamentos terão sido feitos em ‘dinheiro vivo’.
Ao início da noite, Miguel Albuquerque fez questão de assinar um comunicado divulgado pelo PSD/Madeira, no qual o partido regional “nega a existência de quaisquer financiamentos ilícitos a seu favor por parte da empresa Dupla DP ou de quaisquer outras empresas, nomeadamente no âmbito das campanhas realizadas pelo partido na região”, lê-se no comunicado citado pela Agência Lusa.
O também presidente do Governo Regional da Madeira acrescenta que “as relações comerciais entre o PSD/Madeira e a dita empresa, alvo da investigação desenvolvida, estão plasmadas em faturas e recibos, cujo pagamento é do conhecimento do partido a nível nacional, assim como dos revisores do partido e dos auditores do Tribunal Constitucional”.
Por isso mesmo, Albuquerque refuta “quaisquer ataques ao seu bom nome” e espera que, “no fim de mais este processo, seja reposta a verdade dos factos, assim como apurados os responsáveis que estiveram na base desta investigação”.
O autarca da Calheta, o ginásio da filha e o Jaguar da mulher do empresário
Ao que o Observador apurou, o autarca da Calheta, Carlos Teles, terá usado os seus conhecimentos políticos para influenciar outras entidades públicas madeirenses a contratar as sociedades dominadas por Humberto Drumond, sem respeitarem as regras da contratação pública.
O autarca é suspeito de ter recebido alegadas contrapartidas, nomeadamente em benefício da filha, de modo a cobrir despesas relacionadas com o fornecimento de bens para o ginásio “Ritmo Calheta”, inaugurado em 2023 e explorado pela sociedade Alegria Teles, da sua filha Ana Patrícia.
Além do crime de prevaricação, Carlos Teles é suspeito do crime de recebimento indevido de vantagem.
Outra diligência que foi feita esta terça-feira pelos inspetores da PJ prendeu-se com a apreensão de um veículo de luxo da marca Jaguar, que era conduzido por Daniela Rodrigues, companheira de Humberto Drumond. As autoridades suspeitam que a viatura terá sido adquirida com o produto das adjudicações alegadamente ilícitas concedidas às empresas de Drumond, daí o DIAP Regional de Lisboa ter ordenado a sua apreensão.