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Como Malcolm Gladwell é norte-americano e escreve, antes de mais, para o público norte-americano, são também norte-americanos os casos em que alicerça a argumentação de Falar com desconhecidos. Como foi possível, pergunta Gladwell, que Bernard Madoff gerisse durante décadas o seu mega-esquema de Ponzi sem que nenhuma das “águias” do meio financeiro ou dos funcionários das entidades reguladoras suspeitasse? Porque foi Amanda Knox considerada, pela polícia, pela opinião pública e pelos tribunais, culpada do assassinato da sua colega Meredith Kercher, com quem partilhava um apartamento em Perugia? O que levou a que ninguém se desse conta de que Jerry Sandusky, treinador adjunto da equipa de futebol americano da Universidade Estadual da Pennsylvania, tivesse abusado de dezenas de crianças ao longo de 15 anos? Ou que Larry Nassar, médico da equipa de ginástica dos EUA, tivesse abusado, ao longo de 14 anos, de pelo menos 265 ginastas? Como pode ter acontecido que ninguém na CIA tivesse suspeitado de que Ana Belén Montes, uma especialista em assuntos cubanos da Defense Intelligence Agency, fosse, desde a primeira hora, um agente duplo a soldo de Havana?

1997: Ana Belén Montes recebe de George Tenet, director da CIA, um diploma de mérito

O leitor português não terá dificuldade em encontrar perplexidades análogas na realidade nacional: banqueiros e CEOs que conseguiram durante décadas criar a ilusão de serem talentosos homens de negócios quando afinal fundavam o seu sucesso no tráfico de influências, na corrupção, na intimidação, na fraude e na contabilidade criativa; governantes cujos colegas nunca suspeitaram de que a sua actuação não fosse movida pelo interesse nacional e nunca estranharam que o seu trem de vida não fosse compatível com a remuneração do seu cargo; e até tivemos um caso de desaparecimento de uma criança cujos pais acabaram por ser apontados como suspeitos do seu homicídio, simplesmente porque, como Amanda Knox, não se mostraram suficientemente desgostosos ou porque tinham “cara de culpados”.

Falar com desconhecidos: O que devemos saber sobre as pessoas que não conhecemos surgiu em Portugal (em tradução de Miguel Freitas da Costa) quase em simultâneo com a edição original (Talking to strangers: What we should know about the people we don’t know) e debruça-se sobre a dificuldade dos seres humanos em perceber os seus pares.

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“Falar com Desconhecidos”, de Malcolm Gladwell (D. Quixote)

México, 1519: Lost in translation?

Na introdução, com o título “Saia do carro!”, após fazer uma apresentação preliminar do caso de Sandra Bland, uma afro-americana detida em 2015 no Texas na sequência de um desentendimento com um polícia devido a uma suposta infracção de trânsito e que terminou no suicídio de Bland na cela de prisão (assunto que o livro trata em detalhe mais adiante), Gladwell examina a raiz do que classifica como “o conflito mais sangrento do século XVI”: o encontro, a 8 de Novembro de 1519, em Tenochtitlan, entre o conquistador espanhol Hernán Cortés e o imperador azteca Moctezuma II.

Já se sabe que a conversa não correu bem e que o resultado foi a morte de Montezuma, a destruição de Tenochtitlan, o colapso do império azteca e a conquista do México pelos espanhóis (ver México vs. Espanha: Quanto séculos são precisos para apagar esta mágoa?). O que é novo é a interpretação dos eventos por Gladwell: as coisas correram mal porque os dois interlocutores nada sabiam um sobre o outro nem sobre as respectivas culturas e porque as suas palavras foram seriamente distorcidas pela tradução. Cortés falava em espanhol para Geronimo de Aguilar, um padre espanhol que falava a língua maia (sabe-se lá com que proficiência…), Aguilar traduzia em maia para Malinche (Malintzin), uma índia capturada pelos espanhóis (e que se tornara amante de Cortés) e que falava nahuatl e maia e traduzia de maia para nahuatl para Montezuma. Como se isto não fosse suficientemente ambíguo e propenso a mal-entendidos, Moctezuma expressava-se num “linguagem cerimoniosa”, “uma espécie de código, de acordo com uma tradição cultural em que os poderosos projectavam o seu estatuto através de uma falsa humildade muito elaborada”.

Segundo Gladwell, foi este problema de comunicação o responsável pelos conflitos trágicos que se seguiram, em que “pereceram 20 milhões de aztecas, quer às mãos dos espanhóis directamente, quer, indirectamente, vítimas das doenças que eles tinham trazido consigo”.

O encontro entre Cortés e Moctezuma, por pintor anónimo da segunda metade do século XVII

Gladwell já tinha mostrado em David e Golias, não ter escrúpulos em distorcer factos e elaborar argumentações falaciosas para sustentar as suas teorias esdrúxulas e volta aqui a dar mostra desses “talentos”. A tese de Gladwell é desmentida por toda a história do encontro entre europeus e os povos do Novo Mundo, que, com intérpretes mais ou menos fidedignos e com mais ou menos contactos exploratórios, redundou invariavelmente em invasão, subjugação, massacre, espoliação, supressão de tradições indígenas e imposição de usos e fés religiosas importadas da Europa. Os europeus não desembarcaram no Novo Mundo movidos pela curiosidade antropológica ou pela vontade de estabelecer laços comerciais e diplomáticos com os povos americanos numa relação de reciprocidade e fraternidade. Os europeus chegaram sempre como conquistadores e animados pela convicção de serem uma raça superior (basta lembrar o debate sobre se os índios teriam alma) e de terem direito a fazer o que quisessem dos povos e das riquezas daquele continente. Os eventos que se seguiram ao infausto encontro de 8 de Novembro de 1519 apenas têm a particularidade de a civilização azteca ter sido particularmente rica e sofisticada e, portanto, o seu derrube pelos espanhóis ter sido assaz fragoroso.

A batalha de Otumba, um dos episódios da guerra hispano-azteca, tal como representada numa cópia do Lienzo de Tlaxcala (c.1552)

Gladwell não o menciona, mas o encontro que teve lugar 13 anos depois em Cajamarca, no Peru, a 16 de Novembro de 1532, entre Francisco Pizarro e o imperador inca Atahualpa parece também ter sido prejudicado por uma tradução deficiente e pela incompreensão mútua entre culturas muito diferentes (Atahualpa terá ficado despeitado pelo facto de os espanhóis terem desprezado a sua oferta de chicha, uma bebida cerimonial inca), e teve um resultado similar: a captura e morte do imperador e o derrube de um poderoso império americano por um punhado de aventureiros espanhóis dotados de tecnologia bélica e organização militar superiores e isentos de escrúpulos.

A captura do imperador Atahualpa pelos espanhóis, em Cajamarca, segundo o pintor peruano Juan Lepiani (1864-1932)

Na verdade, mesmo que a tradução das palavras de Pizarro e Atahualpa tivesse sido fiel e espanhóis e incas tivessem um razoável conhecimento recíproco das regras de etiqueta, é bem provável que o desfecho dos eventos em Cajamarca não tivesse sido diferente: afinal de contas, enquanto os incas se tinham apresentado desarmados, Pizarro planeara o encontro como uma emboscada desde o princípio. Pizarro não tinha qualquer interesse em conversações ou em intercâmbio cultural – a sua intenção estava definida pelo menos desde 1529, quando obtivera de Carlos I de Espanha (o imperador germânico Carlos V) autorização formal para conquistar o Peru.

Neste aspecto, Pizarro contrasta com Cortés, que era um aventureiro por conta própria e desembarcara no México desobedecendo a Diego Velásquez de Cuellar, governador de Cuba e legítimo representante da coroa espanhola. Porém, o comportamento de ambos não se revelou na prática muito diferente e foi norteado menos pela aspiração de dilatar a glória da coroa espanhola ou difundir a verdadeira fé entre os gentios do que pela ganância e pela sede de glória pessoal.

É instrutivo comparar os destinos dos imperadores das duas grandes civilizações da América, pois dão testemunho da prepotência e profundo desprezo dos europeus pelos povos ameríndios. Moctezuma alojou os espanhóis no seu próprio palácio e, como paga, estes fizeram-no prisioneiro – foi mantido como refém durante algum tempo, mas quando o descontentamento e agitação entre o povo azteca cresceu, os espanhóis perceberam que ele já não tinha valor como refém e tê-lo-ão executado em Julho de 1520 (ainda que na versão espanhola Moctezuma tenha sido morto por pedras atiradas por súbditos irados). Atahualpa foi capturado à traição pelos espanhóis, que exigiram um fabuloso resgate em ouro e prata em troco da sua libertação; os incas entregaram-no mas, em vez de cumprirem o acordado, em Agosto de 1533 os espanhóis executaram Atahualpa (por garrote), alegando práticas contrárias à religião católica (!), como a poligamia e a idolatria (num requinte de hipocrisia e infâmia, forçaram depois Atahualpa a converter-se ao catolicismo e deram-lhe um funeral cristão).

Funeral de Atahualpa, pelo pintor peruano Luis Montero, 1867

Em menor escala, foi o que aconteceu no continente americano, do Labrador à Terra do Fogo, quando os europeus se depararam com ameríndios. Os europeus só se mostraram mais dialogantes ou menos impositivos quando a desproporção de forças ou a insalubridade do clima ou o desconhecimento do território e da forma de dele extrair subsistência jogavam em favor dos nativos e a ausência de vestígios de ouro e prata não eram de molde a acirrar a cobiça dos europeus.

Nativos americanos escravizados pelos espanhóis, uma gravura de Theodor de Bry publicada em 1596

Gladwell não é intelectualmente honesto quando atribui a morte de “20 milhões de aztecas” aos mal-entendidos do encontro de 8 de Novembro de 1519. Por um lado porque não havia 20 milhões de aztecas – estima-se que o império de Moctezuma abrangesse 4 a 5 milhões de súbditos, correspondendo a maioria a povos vassalos (os aztecas eram eles mesmos um povo de conquistadores chegado recentemente do Norte do México e Moctezuma era apenas o sexto imperador azteca). Por outro porque a esmagadora parte da mortalidade entre os povos do México (e restante continente americano) não decorreu directamente de combates mas da disseminação de doenças europeias contra as quais os povos americanos não tinham imunidade e que terão causado a morte de 90% da população indígena do continente. E esta mortalidade decorrente das doenças europeias teria ocorrido mesmo que o diálogo entre Cortés e Moctezuma tivesse sido servido por uma tradução rigorosa e os dois tivessem acabado a tomar cacau com baunilha, a mostrar as danças típicas do seu país um ao outro, a abraçar-se e a assinar um tratado de paz eterna.

Mas Gladwell precisa de 20 milhões de aztecas mortos na conquista do México para justificar a sua periclitante argumentação em torno dos infortúnios que decorrem de não sabermos falar com desconhecidos. É que na Europa do século XVI houve, como Gladwell reconhece, 70 (setenta) guerras entre povos vizinhos e entre facções do mesmo povo e para tentar menorizar este facto, Gladwell precisava de fazer da breve guerra hispano-azteca “o conflito mais sangrento do século XVI”.

Espanhóis e aliados mexicanos, comandados por Nuño Beltrán de Guzmán, conquistam a região de Michoacán, num dos muitos conflitos ocorridos no México após a queda do império azteca

Ler o outro

Há muitas espécies de abelhas, formigas e vespas que são animais sociais no sentido estrito do termo – “eussociais”, na designação dos sociobiólogos – mas entre os vertebrados tal fenómeno ocorre apenas em duas obscuras espécies de roedores e no Homo sapiens. O Homo sapiens tomado individualmente não é particularmente forte, rápido ou ágil, nem está dotado de presas e garras afiadas, mas a sua predisposição para o trabalho de grupo e para a divisão de tarefas fez dele, primeiro um caçador temível – responsável, entre outros “feitos”, pela extinção de parte da macrofauna das Américas e Oceânia – e depois o construtor de uma civilização altamente complexa que se estende hoje até aos mais remotos e inóspitos cantos do planeta, com grande prejuízo de todas as outras espécies (com excepção daquelas que designamos genericamente como “animais domésticos” e daquelas que prosperam no lixo e no desastre ecológico gerado pela civilização).

A cooperação na qual se alicerça a civilização requer um bom entendimento das intenções e reacções dos parceiros, tal como transmitidas por sons, expressões do rosto, gestos e posturas corporais. Isto deveria querer dizer que somos muito bons a “ler” os outros, mas isso não é verdade quando se trata de desconhecidos, diz-nos Gladwell: “pensamos que podemos penetrar facilmente no íntimo dos outros a partir dos indícios mais ténues. Não resistimos à oportunidade de julgar os desconhecidos. Nunca fazemos isso em relação a nós mesmos, é claro. Achamo-nos repletos de matizes e muito complexos e enigmáticos. Mas o desconhecido é fácil. Se conseguir convencer o leitor deste livro de uma só coisa, que seja esta: os desconhecidos não são fáceis de conhecer”.

Vale a pena ponderar o que é um “desconhecido”: no Paleolítico eram todos os que não faziam parte do restrito círculo da tribo, que se resumia muitas vezes a umas três ou quatro dezenas de pessoas. Não podemos hoje saber como se relacionariam os homens desse tempo com desconhecidos, mas nas sociedades que, no início do século XX, ainda viviam nesse estádio civilizacional, nomeadamente na Nova Guiné ou na floresta amazónica, a disponibilidade para falar com desconhecidos era, em geral, diminuta e se um estranho fosse avistado no território da tribo o mais provável é que o tentassem varar com uma flecha antes de ele ter tempo de explicar fosse o que fosse.

2012: Uma tribo isolada na floresta amazónica, no estado de Acre, Brasil, reage à intrusão de estranhos

Este comportamento persiste no século XXI na ilha Sentinela do Norte, no arquipélago de Andaman, no Oceano Índico, como descobriu à sua custa o missionário americano John Allen Chau (para citar um exemplo recente), morto em Novembro de 2018 ao insistir em dialogar com os sentineleses, apesar das repetidas demonstrações de hostilidade destes. O governo da Índia, que tem jurisdição sobre o arquipélago de Andaman, tem vindo a reconhecer tacitamente o direito dos sentineleses a usar de métodos drásticos para pôr termo a conversas com desconhecidos, uma vez que nunca formulou acusações de homicídio contra eles, apesar de, de tempos a tempos, haver intrusos (voluntários ou involuntários) mortos pelos sentineleses.

Comité de boas-vindas da Região de Turismo da Sentinela do Norte

A verdade é que ao longo da história, a disponibilidade das sociedades humanas para estabelecer conversa com estranhos e aceitar a sua presença foi, genericamente, dilatando-se. Apesar da persistência do racismo e da xenofobia (e até do seu recrudescimento na cosmopolita Europa do século XXI), a crescente aceitação do “desconhecido” – frequentemente imposta pela força da lei e pela pressão social – é algo que deveria ser mencionado num livro como Falar com desconhecidos, mas este parece estar pouco interessado nas componentes biológica, antropológica e histórica do assunto.

Tomando chá com a besta

Gladwell estabelece a sua argumentação sobretudo em torno de casos que suscitaram comoção na opinião pública americana na últimas duas décadas – como Bernard Madoff, Amanda Knox, Jerry Sandusky, Larry Nassar, Ana Belén Montes – sendo Adolf Hitler uma excepção. No capítulo “Ficar a conhecer der Führer”, Gladwell realça como o Primeiro Ministro britânico Neville Chamberlain e Lord Halifax (que se tornaria Ministro dos Negócios Estrangeiros de Chamberlain) se equivocaram sobre Hitler e as suas intenções e como Winston Churchill foi dos poucos a não acreditar que “nem por um segundo que Hitler fosse mais do que um rufião dúplice”. Chamberlain e Halifax conheceram Hitler pessoalmente, Churchill não e, observa Gladwell, “nos escalões superiores dos serviços diplomáticos britânicos, só uma pessoa – Anthony Eden, que precedeu Halifax como Ministro dos Estrangeiros – se encontrara com Hitler e vira o que ele era. Mas, e o resto das pessoas? As pessoas que tiveram razão sobre Hitler foram aquelas que menos sabiam dele pessoalmente. As pessoas que se enganaram sobre Hitler, pelo contrário, foram as que conversaram com ele durante horas”. Gladwell usa este caso como argumento para a sua tese de que “travar conhecimento com um desconhecido nos torna menos aptos a compreender essa pessoa do que não ter privado com ela”, uma generalização abusiva para que não consegue reunir provas convincentes.

Hitler recebe Chamberlain no seu refúgio alpino de Berghof, a 15 de Setembro de 1938, durante a “crise da Checoslováquia”

Curiosamente, Gladwell não escreve uma linha sobre o governante que foi mais completamente ludibriado por Hitler, embora nunca tivesse falado com ele e fosse, por natureza, extremamente desconfiado e astuto e sempre tivesse pautado a sua actuação por um comportamento que pode ser classificado como paranóico: Stalin. Enquanto Chamberlain e Halifax despertaram abruptamente da sua ilusão de conhecer Hitler o mais tardar a 1 de Setembro de 1939, quando as tropas nazis entraram na Polónia, Stalin viu Hitler invadir países uns atrás dos outros e cometer todo o tipo de traições, faltas à palavra dada e infâmias e continuou a acreditar nele e no Pacto Molotov-Ribbentrop (o tratado de não agressão entre a Alemanha e a URSS), apesar dos muitos avisos que recebeu de múltiplas fontes dos seus serviços de informações e do Governo britânico, até 22 de Junho de 1941, quando os Stuka e os Panzer se abateram sobre as desprevenidas forças armadas soviéticas.

Kremlin, 23 de Agosto de 1939: Stalin e Ribbentrop quando da assinatura do pacto de não agressão entre a Alemanha e a URSS

A incapacidade de tantos estadistas e diplomatas com longa experiência de vida e espírito supostamente aguçado em discernir a verdadeira natureza e propósitos de Hitler é ainda mais desconcertante quando se atende a que o próprio Hitler se encarregara de os deixar explícitos de forma cristalina num livro publicado logo em 1925 e que tivera tão ampla difusão que nas vésperas da eclosão da II Guerra Mundial, tinha vendido 5.2 milhões de exemplares em 11 línguas: Mein Kampf. É certo que Mein Kampf, livro repetitivo, errático e canhestramente argumentado e redigido, parece ter sido pouco lido, quer entre os seus apoiantes quer entre os seus adversários (ver Mein Kampf: Quem tem medo deste best-seller?), mas Hitler não se limitou a verter no papel os seus preconceitos obtusos, o seu ódio, a sua desumanidade e os seus desígnios sinistros: tudo isto foi confirmado repetidamente pelos seus discursos, pelos métodos que empregou para tomar o poder, pela forma como suprimiu a oposição após se ter tornado chanceler, pela política externa extremamente agressiva que pôs em prática, num crescendo de exigências e actos de intimidação, e no empenho que pôs no rearmamento da Alemanha.

[Hitler discursa na fábrica da Krupp, em Essen, 1936:]

A verdade é que, em 1938, Hitler estava longe de ser um “desconhecido” para Chamberlain, Halifax ou qualquer pessoa bem informada sobre a vida europeia, no sentido em que Amanda Knox o era para os investigadores da polícia italiana que a interrogaram, ou em que Sandra Bland o era para o polícia que a fez parar por causa de uma irrelevante infracção de trânsito, ou em que Bernard Madoff o era (em menor medida) para os seus clientes e para os funcionários das entidades supervisoras do sistema financeiro norte-americano. O facto de, em Setembro de 1938, Neville Chamberlain ter regressado de Munique muito ufano, exibindo o acordo assinado com Hitler e proclamando ter obtido “peace for our time”, é um episódio que tem menos cabimento num livro sobre a dificuldade em decifrar as intenções e pensamentos de estranhos, do que num livro sobre como até as pessoas inteligentes fazem julgamento desastrosos em resultado de uma mescla de estupidez, presunção e arrogância intelectual. Estar consciente de que até as pessoas inteligentes cometem erros muito estúpidos é indispensável para compreender a humanidade, das guerras mundiais às desavenças familiares.

Aeródromo de Heston, Grã-Bretanha, 30 de Setembro de 1938: Neville Chamberlain exibe o acordo assinado com Hitler em Munique

A confiança no mundo

De acordo com Gladwell, as dificuldades em “decifrar” os desconhecidos resultam essencialmente de três fenómenos: a “verdade por defeito”, a ilusão da “transparência” e a “conjugação”.

A expressão “verdade por defeito” é uma tradução pouco rigorosa de “default to truth”, que seria mais correcto verter em português como “verdade por omissão” (ver A praga dos vocábulos estrangeiros que não sabemos usar. Está Portugal perdido na tradução?) e que se traduz por, na falta de indicações em contrário, darmos por verdadeiras e honestas as palavras das pessoas com quem interagimos. Gladwell explica este comportamento através das teorias do psicólogo Tim Levine, que “sustenta que, no decurso da evolução, os seres humanos nunca desenvolveram aptidões sofisticadas para detectar os embustes […], porque não há vantagem em passar o tempo a escrutinar as palavras e os comportamentos dos que nos rodeiam”, já que que “as estatísticas nos dizem que o mentiroso e o vigarista são raros”. Escreve Levine, em Duped: Truth default theory and the social science of lying and deception (2019): “O trade-off entre a verdade por [omissão] e o risco de embuste é um excelente negócio para nós. O que ganhamos em troca de sermos vulneráveis a uma mentira ocasional é uma comunicação eficiente e a cooperação social. Os benefícios são enormes e os custos, em comparação, triviais”.

Poderia acrescentar-se que o efeito da “verdade por omissão” é mais poderoso se as pessoas ocuparem cargos respeitáveis e tiverem um curriculum limpo. É provável que não aceitemos sem pestanejar a garantia dada pelo vendedor de automóveis de segunda mão de que o único proprietário da viatura que pretende vender-nos foi uma senhora de idade que a manteve durante todo o tempo na garagem, mas quando nos é sugerido que um ex-primeiro-ministro terá estado no centro de um enredado esquema de corrupção e tráfico de influências ou que um professor universitário alicerçou a sua carreira no plágio de artigos científicos ou na falsificação de experiências, isso abala de tal modo a confiança que depositamos no funcionamento do mundo que nos rodeia que somos tentados a rejeitá-la como uma enormidade.

Najib Razak, primeiro-ministro da Malásia entre 2009 e 2018, discursa no Fórum Económico Mundial, em Davos, 25 de Janeiro de 2013. Razak foi detido após se ter apurado que uma empresa estatal transferira 9.6 milhões de euros para a sua conta bancária. Esta transferência será apenas uma pequena fracção do dinheiro recebido por Razak, já que a polícia lhe apreendeu 1400 colares, 567 malas de mão, 423 relógios, 2200 anéis, 1600 broches e 14 tiaras, no valor de c.250 milhões de euros

Bernard Madoff, o cérebro de um esquema de Ponzi de 50.000 milhões de dólares, estava rodeado de uma aura de respeitabilidade: trabalhava num “elegante edifício de escritórios na zona central de Manhattan […], era membro dos conselhos de administração de um certo número de associações importantes da indústria financeira. Frequentava os círculos endinheirados dos Hamptons e de Palm Beach. Tinha uma atitude imperiosa e uma esvoaçante juba de cabelo branco”. Assim, apenas uma pessoa, Harry Markopoulos, viu o que deveria ter sido óbvio para todos e, pós ter investigado as operações de Madoff, fez denúncias à SEC (em 2000, 2001 e 2005); esta ignorou os elementos recebidos e a fraude de Madoff só seria descoberta em 2008, quando os filhos o denunciaram ao FBI.

Há casos em que a indiferença, inércia ou inoperância das entidades reguladoras entra no limiar da negligência criminosa (este é um assunto em que Portugal também teve amarga experiência recente), mas, como escreve Gladwell, “se toda a gente em Wall Street se portasse como Harry Markopoulos, não haveria fraude em Wall Street, mas a atmosfera estaria tão carregada de suspeita e paranóia que também não haveria Wall Street”.

No final do livro, Gladwell reitera esta ideia: “Assumir o melhor acerca dos outros é o traço que criou a sociedade moderna. Aquelas ocasiões em que a nossa natureza crédula é violada são trágicas. Mas a alternativa – abandonar a confiança em defesa contra a predação e a fraude – é pior”. A dicotomia proposta por Gladwell é forçada: manter a confiança genérica nos outros não implica que fechemos os olhos a indícios consistentes de que há algo errado, como fez a SEC quando não fez nada com os elementos que Harry Markopoulos lhe remeteu sobre as actividades suspeitas de Madoff e como fizeram os responsáveis da Universidade Estadual da Pennsylvania quando não deram seguimento ao  relato de uma testemunha credível que uma noite surpreendeu o treinador Jerry Sandusky e um rapaz de 10 ou 12 anos, nus nos chuveiros, em actividades de natureza sexual.

Quem vê caras não vê corações

A outra grande causa de julgamentos deficientes que fazemos em relação a desconhecidos provém da ilusão de transparência: a convicção de que as expressões faciais, os gestos e postura dos nossos interlocutores espelham fielmente o que lhes vai na alma. Escreve Gladwell que “a transparência é um mito – uma ideia que apanhámos a ver demasiada televisão e ler demasiados romances em que ‘o queixo [do herói] cai de assombro’ ou ‘os olhos se [lhe] esbugalham de surpresa’”. “Quando nos defrontamos com um desconhecido, temos de substituir a experiência directa por uma ideia – um estereótipo. E esse estereótipo está errado demasiadas vezes”, pois cada pessoa tem as suas idiossincrasias e a sua forma de manifestar (ou ocultar) emoções.

Na sequência do assassinato de Meredith Kercher, Amanda Knox exibiu comportamentos que não encaixavam no padrão que se esperaria de uma rapariga de 20 anos que acaba de descobrir que a sua colega de apartamento foi brutalmente assassinada, pelo que os investigadores da polícia italiana concluíram, apesar da ausência de provas concretas, que a aparente frieza e leviandade de Knox resultava de ela ter sido co-autora do crime – “os olhos dela não pareciam mostrar qualquer tristeza e lembro-me de pensar se ela poderia estar implicada” declarou um amigo de Kercher. Edgardo Giobbi, o principal investigador do caso, foi mais preciso e assertivo: “Conseguimos estabelecer a culpa [de Amanda Knox] pela apertada observação da reacção psicológica e comportamental da suspeita durante o interrogatório”. Knox passou quatro anos na prisão por não se conformar a um estereótipo.

Perugia, 1 de Novembro de 2007: Amanda Knox durante o julgamento pelo homicídio de Meredith Kercher

Gladwell tem razão quando aponta o cinema, as séries de televisão e os romances como uma das nossas principais referências na “decifração” dos outros. As obras de ficção dirigem-se a um espectador médio abstracto e têm de recorrer a referências instantaneamente reconhecíveis por pessoas muito variadas e com diversas experiências de vida, pelo que afunilam a grande latitude de expressões, posturas, gestos e tons de voz das diversas pessoas num número limitado de estereótipos. Estes, ao serem vistos ou lidos repetidamente, ano após ano, filme após filme, romance após romance, moldam profunda e insidiosamente na nossa mente o que deve ser a expressão facial e o comportamento “correctos” de quem, na vida real, acaba de descobrir que a sua amiga foi degolada ou ganhou o Euromilhões ou surpreendeu o/a cônjuge na cama com a/o melhor amiga/o.

O que é mais inquietante é que não são apenas as pessoas comuns que se deixam levar pela ilusão da transparência: num estudo psicológico conduzido por Tim Levine, veteranos do FBI com pelo menos 15 anos de experiência de interrogatórios, quando confrontados com vídeos de mentirosos que agiam como se fossem sinceros, apenas detectaram a falsidade em 14% dos casos. Curiosamente, uma personagem que se tornou popular nas séries de televisão de natureza policial são os psicólogos que têm o poder de perceber se os seus interlocutores estão ou não a dizer a verdade, através da análise de micro-expressões e da linguagem corporal – os estudos de Levine mostram que os argutíssimos e infalíveis Dr. Cal Lightman (Tim Roth), de “Lie to Me”, e Patrick Jane (Simon Baker), de “The mentalist”, têm escassa correspondência no mundo real.

[Cena de abertura do episódio-piloto de “Lie to Me”:]

Associada à ilusão de transparência está a ilusão da perspicácia assimétrica, que pode ser vista como um corolário da primeira. O conceito foi desenvolvido pela psicóloga Emily Pronin: “A convicção de que conhecemos os outros melhor do que eles nos conhecem a nós – e que podemos ter sobre eles percepções de que eles carecem (mas não vice-versa) leva-nos a falar quando faríamos bem em ouvir e a sermos menos pacientes do que deveríamos ser quando os outros exprimem a convicção de que são eles que estão a ser incompreendidos ou injustamente julgados”.

A nossa falibilidade na interpretação de expressões do rosto é posta ainda mais a nu através do Efeito Kuleshov (que Gladwell não menciona) e que foi demonstrado pelo cineasta russo Lev Kuleshov nas décadas de 1910-20: Kuleshov filmou um grande plano do rosto do actor de cinema russo, Ivan Mosjoukine, dando-lhe instruções para manter a expressão mais neutra possível, e montou-o alternadamente com outros planos e exibiu a breve sequência a uma plateia de “cobaias”: estas leram no rosto de Mosjoukine expressões de fome, desejo ou mágoa consoante o plano intercalado fosse, respectivamente, de um prato de sopa, de uma mulher atraente reclinada num divã ou de uma criança morta num caixão, e elogiaram os dotes expressivos do actor, sem se dar conta que que o plano do seu rosto era sempre o mesmo. O Efeito Kuleshov é usualmente citado como demonstração de que a montagem é o elemento fulcral do poder do cinema, mas também serve de alerta para o facto de a tão exaltada inteligência emocional do Homo sapiens ser facilmente ludibriada.

[O filme demonstrativo do “Efeito Kuleshov”:]

O terceiro elemento importante que nos leva a interpretar mal os estranhos é, defende Gladwell, a “conjugação” (“coupling”), um conceito que nos diz que as pessoas se comportam de forma diferente consoante o ambiente que as rodeia – uma asserção tão óbvia e banal que nem merece discussão. São também os capítulos mais frouxamente argumentados do livro e incluem várias páginas sobre o suicídio de Sylvia Plath, que pouco contribuem para a compreensão do fenómeno da “conjugação”, embora forneçam uma informação relevante: os suicídios são muito dependentes das oportunidades e meios fornecidos aos suicidas para pôr termo à vida e se estes forem removidos, a maioria das pessoas com propensões suicidas não se dará ao trabalho de procurar uma alternativa.

[A Golden Gate Bridge, em São Francisco, é um dos assuntos do capítulo intitulado “Sylvia Plath”. A ponte foi palco de 1500 suicídios desde que foi inaugurada em 1937, mas só em 2019 começou a ser instalada uma rede destinada a desmotivar os suicidas]

Os desconhecidos na nossa casa (e na casa do lado)

Gladwell pretende responder à questão “Porque é que as nossas interacções com estranhos correm tantas vezes mal?”, mas não mostra qualquer interesse em saber porque as interacções com pessoas que nos são próximas também nem sempre correm bem.

Está arreigada na maioria das sociedades a convicção de que os perigos vêm sobretudo de “desconhecidos”, mas, no mundo desenvolvido de hoje, a maior parte dos homicídios e dos abusos de menores são cometidos dentro do círculo de familiares, amigos e vizinhos e a taxa de homicídios regista picos por ocasião dos períodos festivos que reúnem a família e dão azo a que velhos rancores e disputas se reacendam. Portanto, o problema da incompreensão e desconhecimento mútuo entre seres humanos vai bem para lá da dificuldade em falar com estranhos.

Quando um crime particularmente cruel ou bizarro irrompe nos media e os repórteres vão entrevistar os vizinhos, a resposta é frequentemente: “era muito educado, cumprimentava-me sempre quando ia passear o cão (de quem parecia gostar muito), cuidava com esmero do jardim, era simpático com as crianças, não me passaria pela cabeça que fosse capaz de tal coisa”.

Em 2018, descobriu-se que o casal David and Louise Turpin manteve os seus 13 filhos – com idades compreendidas, à data, entre 2 e 29 anos – aprisionados em casa, em condições degradantes e sujeitos a privações, maus tratos e torturas. Nunca frequentaram a escola nem receberam tratamento médico e estavam subnutridos. O caso não teve lugar num canto remoto do Alaska ou de Montana mas num pacato e burguês subúrbio da cidade de Perris, na Califórnia, e não foi denunciado por vizinhos ou familiares mas por uma das crianças que fugiu e pediu ajuda à polícia

A maior proximidade não implica necessariamente melhor conhecimento e anos de contacto regular mas restrito a ninharias e conversas de circunstância pouco revelam sobre a natureza íntima dos que nos rodeiam, e uma sebe de buxo meticulosamente aparada no jardim da frente nada diz sobre se quem lá vive é capaz de matar um vizinho à machadada ou abusar dos seus próprios filhos. Por um lado, porque há pessoas que pouco revelam sobre si ou se empenham em construir uma falsa imagem de si mesmas, por outro porque os seus próximos poderão não ser suficientemente atentos e perspicazes para perceber indícios que não sejam flagrantes, ou porque não se interessam suficientemente pelas outras pessoas para as querer realmente compreender. O egocentrismo é um dos maiores obstáculos à compreensão dos outros, sejam eles desconhecidos ou familiares, amigos e vizinhos. Para um egocêntrico, o único assunto interessante de conversa é ele mesmo (na formulação de Groucho Marx: “Mas basta de falar de mim. Diga-me, o que pensa sobre mim?”) e as conversas entre egocêntricos são monólogos alternados (pontualmente até sobrepostos), em que um dos interlocutores vai acenando distraidamente com a cabeça para dar ideia de que presta alguma atenção, quando na verdade apenas aguarda impacientemente que o outro tagarela faça uma pausa para respirar e lhe dê oportunidade de despejar o muito que tem para dizer. Mesmo quando há alguma disponibilidade para ouvir o outro, falta muitas vezes a perspicácia para filtrar os elementos importantes entre a escória dos elementos irrelevantes, a memória para os armazenar e a capacidade de estruturar a informação assim obtida num retrato coerente e nítido. Abundam os bisbilhoteiros, que adoram coligir maledicências desgarradas e pormenores frívolos sobre toda a gente, ou que apenas estão interessados em colher informação que lhes permita obter uma posição de vantagem, mas faltam pessoas com uma genuína e desinteressada curiosidade sobre os outros.

O desconhecimento entre “conhecidos” tenderá, previsivelmente, a agravar-se com a ascensão das redes (ditas) sociais, pois estas desviam a nossa atenção das pessoas reais que fazem parte do nosso quotidiano e dispersam-na por uma nuvem difusa de centenas ou milhares de “amigos” virtuais, dos quais sabemos pouco ou nada (alguns deles poderão mesmo não passar de bots). A mais famosa das redes (ditas) sociais, proclama que o seu propósito é que “as pessoas usem o Facebook para se manterem ligadas com os amigos e a família, para descobrir o que se passa no mundo e para partilhar e expressar as coisas que são importantes para elas”, mas o efeito produzido é o inverso.

Mais do que um meio de aproximar pessoas, as redes (ditas) sociais são uma passerelle onde cada um procura dar a entender que é mais feliz, bem-sucedido, inteligente, viajado, ambientalmente consciente, espirituoso, culto, auto-confiante e fisicamente atraente do que realmente é e que a sua vida é uma festa. Claro que isto é uma generalização e há de tudo nas redes ditas sociais e até há quem as use para expor a sua infeliz condição e buscar a comiseração dos outros, mas estas tendências contra-corrente não perturbam a imagem geral: o universo das redes (ditas) sociais é dominado pelo individualismo exacerbado, pelos perfis “aditivados” e maquilhados, pela exibição narcísica, pela luta pela notoriedade a todo o custo, pela caça ao “click” e ao “like” (ou à sua compra, quando tudo o mais falha) e oferece, portanto, poucas oportunidades para aprendermos sobre o íntimo dos outros – excepto na medida em que os seus pífios embustes revelam algo sobre as suas aspirações e sobre a forma como gostariam de ser vistos.

Absortos como estamos com as nossas “selfies” e a gestão da nossa página de Facebook, é natural que as pessoas que nos rodeiam nos sejam cada vez mais desconhecidas.

Um pensador sem tempo para pensar

Se, genericamente, é de louvar o empenho patenteado pelas editoras nacionais, nos últimos anos, em manter os leitores portugueses a par da mais recente produção intelectual a nível mundial, neste caso concreto, não haveria justificação para tanta pressa. É que, como acontecia no anterior David e Golias: A arte de combater os mais fortes (2014), Gladwell faz pouco para justificar a reputação de ser “o pensador mais influente do mundo”, que lhe foi conferida pela revista GQ.

O livro lê-se sem esforço – Gladwell tem talento para contar histórias – mas poucas novidades traz sobre a natureza humana e poderia ter sido compactado em 40 páginas – em vez das 400 que ocupa – se Gladwell não se dispersasse a providenciar detalhes espúrios sobre processos judiciais e a repisar informação e argumentação.

Malcolm Gladwell tornou-se numa estrela mediática e é muito solicitado para fazer palestras pelo mundo fora e dar entrevistas, o que lhe deixa pouco tempo para escrever livros com princípio meio e fim. Falar com estranhos é uma amálgama de ideias vagas e mal amadurecidas e, num claro indício do atabalhoamento com que foi elaborado, o seu conteúdo distribui-se desordenadamente pelo texto principal, pelas notas de rodapé e pelas notas finais – uma das “notas” estende-se por cinco páginas! – o que prejudica a fluidez da leitura. As notas deveriam servir para indicar referências bibliográficas (ou outras fontes de informação) e um ou outro detalhe, não para acolher reflexões que o autor deveria ter-se dado ao trabalho de integrar no corpo principal. Mas quando se é apontado repetidas vezes como “o pensador mais influente do mundo”, é natural que se julgue que tudo lhe é permitido.