Nasceu numa família de advogados e cresceu entre o rio Douro e o mar da Foz. Foi mãe aos 19 anos e isso fez com que desistisse de estudar Direito — formou-se mais tarde em marketing e até se imaginava a trabalhar na área, quando, por iniciativa de uma amiga, fez um casting para um novo projeto televisivo. Em 2006 nascia o Porto Canal e com ele a carreira de Maria Cerqueira Gomes como apresentadora. Em 12 anos fez quase tudo, incluindo programas criados à sua medida. “Tornei-me a profissional que sou hoje no Porto Canal, vejo-o como uma grande escola, mas também como um privilégio que pouca gente tem: ter a oportunidade de aprender a fazer televisão no ar.”
Apesar de bem sucedida profissionalmente, Maria ambicionava trabalhar num canal generalista, com mais meios e rodeada de uma equipa diferente. Sempre sentiu que um dia essa oportunidade iria chegar e em novembro de 2018 chegou. “Se era a altura que teria escolhido? Não. Se era a altura certa em termos da minha maturidade enquanto profissional e mulher? Sem dúvida. Não teria aguentado um quarto se tivesse menos cinco anos, menos experiência e menos estrutura emocional. Portanto, sim, foi a altura certa.”
Em janeiro de 2019, estreia-se na TVI ao lado de Manuel Luís Goucha no programa “Você na TV”, substitui o lugar deixado por Cristina Ferreira, torna-se uma das grandes apostas da estação e é obrigada a mudar-se de armas e bagagens para Lisboa. O peso da responsabilidade, a gestão das expectativas ou o medo de falhar ficaram para segundo plano, uma vez que no momento da decisão, Maria Cerqueira Gomes garante ter tido a família e os filhos, ainda menores, como prioridades.
A aprendizagem foi feita, mais uma vez, no ar e em direto, mas, ao contrário do que acontecia no Porto Canal, com muita gente a vê-la. “Sabia que estava em contra relógio, que tinha de encontrar o meu espaço, a minha forma de estar, tendo, ao mesmo tempo, muitas pessoas em cima de mim e a avaliarem-me constantemente. É difícil para qualquer um.” Durante vários meses, diz ter sentido “todos os estados de alma”, dias em que corria tudo bem e outros em que as críticas lhe soavam mais alto e “chegava a casa de rastos” a suspirar por um abraço dos filhos que não tinha por perto.
Em abril de 2020, a apresentadora decide deixar o programa das manhãs e voltar a viver no Porto. Mudou de rota e correu riscos, mas assegura que hoje percorre mais quilómetros e é muito mais feliz. Alegre, pragmática e observadora, Maria não sente que desistiu do projeto ou que defraudou alguém, rejeita que as críticas tenham pesado na sua decisão e acredita que mais importante do que apresentar o formato perfeito é trabalhar com a equipa certa. Aos 37 anos, divide-se entre o Porto e Lisboa, onde grava vários registos ao fim de semana, das entrevistas intimistas no “Conta-me” à festa popular com direito a farturas no programa “Somos Portugal”.
“Quando comecei no Porto Canal em 2006 não tinha formação na área e com muito trabalho e dedicação cheguei até aqui”, reage Maria Cerqueira Gomes, sobre a polémica que envolve a escolha da filha para ser uma das protagonistas da próxima novela da TVI. Diz não acreditar na melhoria da humanidade depois da pandemia, mas quando ela terminar já sabe o destino da sua próxima viagem.
Que memórias tem da sua infância no Porto?
Foi uma infância muito vivida na Foz, algures entre o mar, o Douro e a praia. Foi um período muito banal até ali aos 10 anos, altura em que tive um choque quando os meus pais se separaram, o que me obrigou a crescer muito rápido e de forma um bocadinho abrupta, isso moldou-me até aos dias de hoje. Tornei-me mais responsável, mais atenta e mais sensível a determinadas realidades que até então desconhecia, foi aí o meu primeiro choque com uma realidade menos cor de rosa, mas que agora olhando para trás tenho a capacidade de perceber que também foi importante para mim, mesmo que muito nova.
Quem eram as suas principais referências nessa altura?
As pessoas que mais me marcaram a infância são, sem dúvida, os meus avós. Tenho uma verdadeira paixão pelo papel dos avós na vida das crianças, pois colaboram para uma série de coisas que os nossos pais e a sociedade tão frenética em que vivemos não têm a capacidade de nos dar. Uma calma, um saborear de vida, uma experiência e uma visão que é essencial para termos uma perspetiva de vida diferente. Os meus avós marcaram-me muito, ainda hoje sonho muito com eles. Só tenho uma avó viva, mas todos eles ainda estão muito presentes na minha vida, apesar de já não estarem cá fisicamente. O meu filho mais novo chama-se João, é o nome de um dos meus avôs com quem passei muito tempo, quando preciso de alguma coisa é nele que penso para me ajudar.
Que relação tem com o Porto?
Sempre tive essa relação muito próxima com a cidade porque o meu pai e os meus tios são muito bairristas e vivem muito intensamente os problemas da cidade, então cresci com essa cultura dentro de casa. Sei que muito deste sentimento é resultado da estrutura do nosso país e da forma desequilibrada como funciona, mas também sei que em parte é culpa nossa, pela forma como nós, os portuenses, nos posicionamos relativamente ao resto do país. Sempre cresci muito nesta cultura de idolatrar a cidade, depois a forma como estamos na vida, como olhamos para a família e para encaramos o trabalho, com seriedade e sentido de compromisso, acho que são coisas que tenho mais em mim e caracterizam a região de onde venho. Com isto, não quero dizer que quem não é do Porto não as tem, mas nós fazemos muita questão de vincar determinadas características que já estão no meu ADN.
Vem de uma família de advogados, mas não chegou a terminar o curso de Direito.
Tenho uma inveja imensa daquelas pessoas que nascem a saber exatamente o que vão fazer, nunca tive isso. Era a palhacinha de serviço, aquela que animava a casa, sempre prestei muita atenção à televisão, mas nunca soube o que queria fazer no futuro. O meu pai sempre me incutiu a importância de tirar um curso superior e fui para Direito, mas não cheguei a terminar o curso porque engravidei. Quando a Francisca tinha uns oito meses candidatei-me a um curso de marketing e imaginava-me a trabalhar nessa área, talvez por ser uma pessoa muito prática. Adorei o curso e até tive boas notas.
Como vai parar à televisão em 2006?
Uma produtora de televisão conhecia-me desde pequena, os nossos pais eram amigos, estava a trabalhar no projeto do Porto Canal, que estava a começar, lembrou-se de mim para ir fazer um casting. Nessa altura, estava agenciada na Best Models e nem eles me tinham chamado para o casting, por isso foi um acaso puro. Fui sem dizer nada a ninguém e sem qualquer tipo de esperança ou de expectativa, lembro-me que me testaram a fazer uma entrevista e a dar uma notícia. Ainda tive uns meses à espera da resposta e depois aconteceu.
Sentiu-se confortável nesse papel, de microfone na mão e em frente a uma câmara?
Sim, sou mais tímida e reservada em frente às pessoas, com a câmara de filmar sinto-me muito bem desde o início. Quando recebi a notícia de que tinha ficado foi espetacular, primeiro porque não tínhamos a noção do que iríamos fazer e, olhando para trás, percebo a sorte que tive ao estar presente no arranque de um projeto que diz tanto à cidade e à região. Fiz grandes amigos e tornei-me a profissional que sou hoje no Porto Canal, vejo-o como uma grande escola, mas também como um privilégio que pouca gente tem: ter a oportunidade de aprender a fazer televisão no ar. Falhei muito, se tivesse começado na TVI, ou em qualquer outro canal, não teria tido a oportunidade de errar tanto e de experimentar tanto.
Foi apresentadora no mesmo canal durante 12 anos, o que a motivava?
Era ter a oportunidade de fazer tudo aquilo que sempre quis fazer. No Porto Canal fiz projetos à minha imagem, como o “Olá, Maria”, apresentei tudo o que queria apresentar, tinha a capacidade de fazer coisas diferentes, novas e sem aquele peso das audiências. Fui uma privilegiada porque consegui fazer tudo. O “Olá, Maria”, por exemplo, era um programa feito à minha imagem com uma equipa de três pessoas, que estava uma hora e meia no ar. A verdadeira alegria de fazer televisão sem qualquer tipo de peso sei que a tive no Porto Canal e isso ninguém me tira. Lá soube o que era o trabalho de equipa, não tínhamos dinheiro, eu não ganhava dinheiro no Porto Canal, tínhamo-nos a nós e isso é só o mais importante. Tive muita sorte, trabalhei com pessoas espetaculares e num ambiente maravilhoso. Fui mesmo muito feliz no Porto Canal.
Em novembro de 2018 tudo muda…
Sim, tudo muda quando já não tinha perspetiva que mudasse. Sempre achei que isso iria acontecer. Porquê? Não sei, sentia. Havia uma paz que não me deixava viver ansiosa porque sabia que ia acontecer.
Era um objetivo, uma meta por cumprir?
Era, mas deixou de ser, não condicionava a minha vida. Tinha um filho com um ano e meio e ninguém na sua perfeita consciência, tendo isso como sua principal motivação de vida, ignora essa circunstância. Sabia que aquilo iria acontecer, não sabia quando, em que estação, em que moldes, em que programa ou em que projeto, mas havia qualquer coisa que me trazia tranquilidade e me dizia que um dia iria ter a capacidade de experimentar a televisão generalista. É mentira se alguém disser que trabalha 12 anos no Porto Canal e depois não quer experimentar uma generalista, eu queria saber como era possível fazer aquilo com os meios certos e com um equipa diferente.
A oportunidade chegou na altura certa ou nem por isso?
Isto é quase como as mulheres que perguntam quando é altura certa para terem filhos. Não há, engravidam e seja o que Deus quiser. Se era a altura que teria escolhido? Não. Se era a altura certa em termos da minha maturidade enquanto profissional e mulher? Sem dúvida. Não teria aguentado um quarto se tivesse menos cinco anos, menos experiência e menos estrutura emocional. Portanto, sim, foi a altura certa.
Sentiu-se numa posição frágil quando se torna uma das grandes apostas do canal, substitui a Cristina Ferreira e ao mesmo tempo é obrigada a mudar de cidade?
Há uma posição não confortável que não é imediata. Perante o momento da decisão, não pensas como vais ficar, pensas como é que vais fazer em termos logísticos. Eu sou muito prática, por isso não havia tempo para pensar na posição frágil em que iria ficar, tinha era que organizar a minha vida e os meus filhos, eram estas as minhas preocupações. Isso fez com que eu não me apercebesse logo desde o início dessa posição de fragilidade e até foi bom.
Como se gere depois a grande expectativa que depositam em nós?
Aí torna-se tudo mais complicado. Como é que se consegue manter aquela forma de estar leve, descomprometida, que cativa as pessoas e fez com que a TVI me chamasse, com um turbilhão à nossa volta? E mais difícil ainda, como consegues isso tudo dividindo o palco com uma pessoa que é incontornável na televisão portuguesa e que está no programa dele, o Manuel Luís Goucha. Acaba por ser uma aprendizagem feita no ar, mas, ao contrário do que acontecia no Porto Canal, com muitas pessoas a ver e em cima de ti. Há uma pressão constante, e eu até lido bem com a pressão, mas há coisas que não se conseguem conquistar numa semana. Eu sabia que estava em contra relógio, que tinha de encontrar o meu espaço, a minha forma de estar, tendo, ao mesmo tempo, muitas pessoas em cima de mim a avaliarem-me constantemente. É difícil para qualquer um.
Perdeu parte da leveza e da liberdade que tinha no Porto Canal?
Houve dias para tudo, houve dias em que tive essa leveza e essa capacidade, outros dias em que não as tive. Olhando para trás, foram dois anos de crescimento muito grande. Na verdade, tinha dois tipos de telespectadores, os que já me conheciam do Porto Canal e aquelas pessoas que me estavam a ver pela primeira vez e pensavam que eu tinha chegado à televisão ontem. Tive que gerir duas expectativas. Não estava a aprender a fazer televisão, estava simplesmente a aprender a fazer televisão com uma pessoa ao lado, num canal diferente, com uma equipa que não era a minha família e a minha casa, e tudo isso foi complicado de gerir. O percurso acabou por ter vários lados, vários momentos, vários estados de alma e passei por todos. Não sei dizer se foi fácil ou difícil, houve dias em que foi muito fácil e corria bem, outros em que foi muito difícil, chegava a casa de rastos só queria um abraço dos meus filhos e não tinha. Passei por todos.
Tornou-se necessariamente uma apresentadora diferente?
A apresentadora não é diferente da do Porto Canal, acabei de passar por uma experiência que me marcou muito enquanto pessoa e isso traz-nos logo uma forma de estar diferente. Penso que ainda tenho aquele meu rasgo de espontaneidade, a capacidade de não pensar demasiado e de dizer o que vem à cabeça. Agora tenho é muitos formatos, todos eles muito diferentes, e custa-me adaptar a um e a outro. Há uma coisa que não quero perder, sei que no dia em que a perder, perderei aquilo que me diferencia dos outros, que é a minha forma de estar, a minha essência, o que eu trago para a televisão. Há muitos bons profissionais, cada um com as suas características, não quero perder as minhas, porque aí torno-me mais uma.
O que a distingue dos outros?
Acho que não sou complicada a fazer televisão, gosto de pensar que a televisão é quase uma extensão daquilo que somos fora dela. Não me parece que haja uma fórmula certa, como pessoas somos todos diferentes e é isso que temos de trazer para a televisão. Não quero que uma amiga minha me veja na televisão e diga: “bem, esta não é ela. O que se está a passar?” No dia em que isso acontecer acho que ficarei preocupada.
O que mais a surpreendeu numa televisão generalista?
A quantidade de pessoas, equipas e meios. Sabia que eram muitos, mas não sei se eram precisos tantos. Fazia tanto com tão pouco que aquilo quase que me chocou. Por vezes também me surpreende como é que se tem tudo e não se aproveita tanto ou não se é tão feliz, eu quero continuar a ser feliz a fazer televisão. Quando decidi não continuar nas manhãs era porque estava a fazer um esforço muito grande e não estava feliz, a partir do momento em que não estou feliz, não vejo motivos para continuar. O meu objetivo é trabalhar feliz, só isso é que se consegue chegar às pessoas. Sair das manhãs foi um passo difícil de dar, mas o mais honesto à minha essência e aos meus valores.
Ser mulher, ter uma pronúncia vincada e vir de um canal pequeno fez com que sofresse algum tipo de preconceito nesta mudança?
A pronúncia aceita-se bem, vir de um canal mais pequeno fez-me perceber que o Porto Canal não existe para ninguém em Lisboa, parecia que eu não tinha tido aquele percurso, que os meus 12 anos em televisão não tinham assim tanto valor. Tenho uma forma de estar muito própria em que por vezes as pessoas acham que sou despassarada. Na verdade sou muito atenta, adoro observar e ouvir, adoro perceber como os outros estão. É engraçado porque neste meio quando não se tem uma postura vincada, opinativa e segura, muitas vezes faz com que as pessoas nos olhem de uma maneira diferente. Ao mesmo tempo, dá-nos uma vantagem, pois elas estão a pensar que somos uma coisa e no fundo é só uma forma de estar. Gosto de trabalhar feliz, com bom ambiente, com boa energia e em equipa, a minha postura profissional é sempre essa e não arranjo confusões em lado nenhum. Ora isso muitas vezes é visto como sendo um banana, mas é só a minha forma de estar. Não me torna uma profissional menor, simplesmente vou por outros caminhos que não o da força e da imposição.
Adotando essa postura, não corre o risco dos outros criaram uma imagem de si que não corresponde à realidade?
Há esse risco, mas quem pode criar essa imagem de mim não me vai condicionar em termos profissionais. Ter esta postura é a única forma de me terem profissionalmente, não estou na minha vida profissional para complicar a vida a ninguém, estou apenas para fazer um bom trabalho. Televisão é energia e quando não estás com a energia certa e a gastas em coisas desnecessárias não fazes um bom trabalho. Estou assim porque é assim que eu quero chegar ao público, é essa a minha verdade.
Em que contexto decide abandonar o programa das manhãs?
Essa decisão toma-se tendo em conta a verdade do que és e do que sentes. Na televisão acabamos por ter como função entreter os outros, ou tu és verdade, dentro dos limites que esta profissão te permite, ou então não faz sentido. Foi um risco, não sabia que caminho teria à minha frente, mas gosto de arriscar. Não sabia para onde é que isto me podia levar, mas o custo da minha insatisfação era um custo meu e da minha família. Tudo faz sentido quando tomamos decisões em que postas numa balança o saldo é positivo; quando o saldo deixa de ser positivo, deixa também de fazer sentido. Não sinto que defraudei ninguém, o projeto “Você na Tv”, na minha opinião, nunca deveria ter continuado. O nome não devia ter continuado, o programa em si não poderia ter continuado, não acho que tenha feito sentido. Estamos a falar provavelmente da dupla mais forte em televisão, era quase impossível vir alguém que conseguisse preencher na totalidade um buraco que foi deixado. Foi importante naquele momento, foi uma porta de entrada que me permitiu chegar aos telespectadores. Vejo o “Você na Tv” como uma porta de entrada na generalista, só.
Visto de fora, isto não pode ser encarado como uma desistência?
Não me parece, o programa já ia acabar. A partir do momento em que tenho noção de que em termos profissionais não estou a dar o meu melhor naquele formato, mudar a rota não me parece que seja visto como uma desistência. Pode ter sido, tudo é visto por vários prismas por todas as pessoas do mundo, em televisão não tenho outro remédio se não aceitar isso. Aliás, foi uma das coisas que aprendi, aceitar todo o tipo de opiniões, posturas, perspetivas e comentários, mas existem determinadas posições e decisões que quando são tomadas não podem ter em conta o resto do mundo.
Que peso tiveram as críticas nessa decisão?
Nenhuma. Há críticas todos os dias em televisão, ponto. Elas não podem condicionar a nossa vida e a nossa forma de estar. Podem-nos ajudar, agora não se desiste de um projeto porque alguém diz que o fazemos mal. Quem tem de decidir isso em última instância é a grande maioria do público e a pessoa que manda em nós. Trabalhando na TVI, sei muito bem quem manda em mim, portanto sigo as diretrizes daquilo que me pedem para fazer, sou funcionária de uma casa e é assim que acontece. É inevitável que as críticas existam, é inevitável que nos ajudem a construir, é inevitável que existam dias em que nos deitam mais abaixo e sintamos que não são justas nem chegam na altura certa, mas é assim. Todas as profissões têm estas coisas, podem não ser tão públicas e tão explicitas, mas há sempre alguma coisa que nos chateia na nossa profissão. Há dias em que as críticas me chateiam, há outros em que não e passo bem com isso.
Como foi lidar com a pressão das audiências pela primeira vez?
Nunca tinha visto uma audiência na vida, nem sabia ler audiência. Nunca soube quem me via no Porto Canal, daí a minha leveza também. Na TVI, quase que entrei no mundo dos grandes, com todas as vantagens e desvantagens que isso tem. O peso das audiências foi algo que tive que me habituar a ver e a perceber, é complicado porque não sabia qual é a verdadeira implicação daquilo e aprendi a ver a reação dos outros, sim, eu vinha mesmo nesse grau de inocência. Isto é um negócio, uma empresa, tem de apresentar resultados, é normal, mas não sabia disso, foi mais uma novidade.
Acha impossível ser apresentadora de um canal generalista a viver 100% fora do Porto?
Não é impossível, poderia viver fora do Porto se esse fosse o meu desejo. Na verdade, são muito raras as apresentadoras que estão todos os dias no ar, há poucas que fazem programas todos os dias e alguns programas que até são de curta duração. Comecei a pensar na minha vida e a tentar perceber se podia ter uma presença na TVI sem que isso exigisse uma presença diária e acho que depois de tantos meses tão difíceis e com algum azar, a verdade é que tomei uma decisão difícil, tendo esperança de que aquilo que neste momento me está a acontecer acontecesse. Arrisquei, mas estou a conseguir conciliar tudo, vou duas vezes por semana a Lisboa, faço muitos quilómetros e sou muito mais feliz. Preciso de estar aqui, preciso de sentir esta paz, a televisão é um setor muito intenso e consigo perspetivar muito melhor todo esse universo com uns quilómetros de distância. Quando estamos ali mergulhados quase que perdemos o discernimento do que é a realidade, do que é realmente importante, do que nos move. Encontro isso muito bem aqui e consigo conciliar as duas coisas, claro que têm sido meses duros fisicamente, mas que estou muito mais feliz do que se estivesse lá.
Esta distância não faz com que não se sinta parte do circuito competitivo e exigente da televisão?
Não é por estar afastada 300 quilómetros que não estou presente ou que não colaboro. Principalmente agora nesta altura de pandemia, temos muitas reuniões pelo Zoom e vou à TVI duas vezes por semana. Acho que estou tão presente quanto possível e se estivesse em Lisboa não estaria mais presente do que estou agora.
Em janeiro passou a apresentar o programa de entrevistas “Conta-me”. Como tem sido a experiência?
Aquilo que se procura numa conversa neste programa não é tanto a carreira, é o lado mais emocional, é contar aquilo que as pessoas não partilham com tanta frequência, é dar a conhecer um lado das pessoas que elas por norma não mostram. Isso é o meu maior desafio, principalmente porque estamos a falar de pessoas com uma grande experiência em comunicar, muitas delas sabem exatamente aquilo que querem dizer e dificilmente serão apanhadas na curva. Tenho uma forma de estar muito honesta no sentido em que não gosto de pisar em campos que sei que as pessoas não se sentem tão confortáveis, por isso acaba por ser uma conquista sincera e imediata tentar retirar o melhor da experiência e história de vida do entrevistado. Por exemplo, hoje estou há cinco horas agarrada à minha próxima conversa e gosto deste trabalho de casa, de mergulhar na internet e ver tudo o que há para ver, perceber como posso chegar a um sítio que quero que a conversa chegue. Isto dá-me um prazer em termos profissionais muito grande, considero que é um luxo.
É esse registo que quer explorar?
Gosto de fazer tudo, sou feliz aqui como sou verdadeiramente feliz a fazer um “Somos Portugal”. No último domingo estava desfeita, cheguei ao Porto às 23h30, mas dei gargalhadas a tarde toda. Levo-me muito pouco a sério, no dia em que me levar a sério deem-me dois pares de estalos porque há coisas que não suporto e há tanto em televisão. Para mim, conta muito mais a energia das pessoas que trabalham comigo do que o formato em si, posso ter o melhor formato do mundo, mas se tiver uma equipa desmotivada e com má energia não vou a lado nenhum. Prefiro ter um programa que à partida as pessoas digam que não é nada o meu género, mas se estiver com a equipa certa, tudo bem. Antes de escolher o formato escolhia as pessoas, acho tão mais importante. Juro pelos meus filhos, prefiro ter o formato errado com a equipa certa, do que o formato certo com a equipa errada.
Por falar em equipas, é fácil fazer amigos na televisão?
Fiz dois ou três amigos que sei que levarei para a vida, mas tenho muita sorte de ter os mesmos amigos desde pequenina. Agora sinto-me mais em casa, demorei muito tempo a sentir-me em casa, vinha muito avisada dos problemas da generalista no que diz respeito a relações pessoais, foi uma das coisas mais difíceis que tive de aprender a lidar. Demorei dois anos para dizer: ‘sinto-me em casa na TVI’. Nesses dois anos observei muito, ouvi muito e falei muito pouco, hoje consigo saber exatamente as pessoas com quem posso falar e confiar e, de facto, não sou muitas. Esta é a maior aprendizagem, mas também a maior tristeza.
Uma das últimas polémicas está relacionada com a escolha da sua filha Francisca, de 18 anos, para ser a protagonista da próxima novela da TVI, algo que mereceu algumas críticas por parte de várias pessoas do meio. Como reage a isso?
Não posso reagir. É o meio a funcionar. Estamos numa sociedade livre.
Faz sentido ela ser selecionada para fazer um papel sem ter formação na área?
Não me cabe avaliar se faz sentido. Eu quando comecei no Porto Canal em 2006 não tinha formação na área e com muito trabalho e dedicação cheguei até aqui. A minha posição é ingrata e não foi promovida por mim. Ela está numa agência [de modelos] que faz o trabalho de dar a conhecer os agenciados que representa. Claro que o nome dela chamou à atenção… ela tem 18 anos e quem decide é ela. A mim resta-me apoiar. Ela sabe o caminho que tem pela frente.
É um caminho que lhe agrada, enquanto mãe?
É o caminho da minha filha, eu como mãe só tenho que o apoiar.
O que ambiciona conquistar no futuro a nível profissional?
Ui, é impossível responder. Vivo um dia de cada vez, foco-me no que tenho neste momento em mãos, tento dar sempre o meu melhor e aproveitar ao máximo. Nestes dois anos que estou a trabalhar em Lisboa já tudo aconteceu, não dá mesmo para prever, é impossível.
Agrada-lhe o eco e a influência que tem através das redes sociais?
Não [risos]. Não sou super participativa nas redes sociais, não coloco um post todos os dias e não vivo agarrada às redes. É parte do meu trabalho, uma ferramenta que tenho e ninguém manda nela, portanto há aqui um livre arbítrio que me parece importante nos dias que correm, mas acho que temos de ser equilibrados. Tem de existir uma parte da nossa vida que é só nossa. Por vezes tenho muito prazer em comunicar, mas há dias em que simplesmente não apetece, é preciso ter muito equilíbrio e não passar determinadas barreiras e fronteiras. Confesso que tenho uma relação de amor/ódio com as redes sociais.
Não a vemos a partilhar posicionamentos políticos, culturais ou sociais. É uma estratégia?
Tenho muitas posições e posturas relativamente a vários assuntos, mas há momentos para tudo. Estes dois anos foram tão atribulados que ainda estou num processo em que as pessoas têm que me conhecer, vou apresentando os meus filhos com calma, a minha forma de estar, a minha casa, aquilo que gosto. Ainda estou nessa fase de namoro, vai haver tempo para tudo, não pode ser tudo de uma vez.
Está ainda a construir o seu perfil mediático, é isso?
Não gosto muito dessas palavras. O que mostro é aquilo que sou e se não mostro mais é porque acho que ainda não chegou a altura certa. Todos nós temos opiniões e batalhas que podemos trabalhar e penso que nos próximos tempos essas coisas vão começar a a surgir naturalmente. Ainda não me sinto que exista uma preparação, tanto minha como das pessoas que me seguem, para que me conheçam dessa maneira. Há tempo para isso, neste momento ainda me estou a apresentar enquanto Maria.
Como tem lidado com a pandemia?
De uma forma muito tranquila, adoro estar em casa e a única coisa que me dificulta a vida é mesmo conseguir trabalhar em casa com o meu filho de três anos. Aqueles dois anos fora de casa deixaram-me uma ressaca muito grande dos meus filhos e os meus filhos de mim, então o tempo que estou em casa é abençoado. Tento aceitar esta realidade, neste confinamento houve dias em que acordei mais angustiada porque não vejo o fim à vista e isso faz-me confusão.
Qual será a primeira coisa que vai fazer quanto isto acabar?
Já amava viajar e agora sonho com viagens todos os dias. Ia já amanhã para o Rio de Janeiro outra vez, aliás, vivia lá se pudesse.