Esteve há poucos dias em Cannes, há umas semanas no palco em Paris e está agora em Lisboa a promover um novo filme. Maria de Medeiros, 57 anos, figura singular da cultura portuguesa, vive em roda viva. Não é mera indecisão: “Todas as facetas, todas as atividades se alimentam umas às outras. Há muita coisa que tiro do teatro para levar para o cinema, muita coisa do cinema que tiro para levar para o teatro”.
A mais recente incursão de Maria de Medeiros na realização é “Aos Nossos Filhos”, uma adaptação de uma peça teatral de Laura Castro (que no filme também integra o elenco), que se estreia esta quinta-feira. “Filho que teve um nascimento complicado”, admite a realizadora sobre a obra com um percurso sinuoso à conta da pandemia e da ascensão ao poder de Jair Bolsonaro. O título, roubado à música de Ivan Lins, “Aos Nossos Filhos”, mensagem dos brasileiros marcados pela luta pela liberdade nos anos 1960 e 1970 a uma nova geração, é uma pista para descobrir uma história de um conflito geracional entre mãe e filha, onde se fala de homossexualidade, preconceito e as feridas profundas da ditadura brasileira.
[o trailer de “Aos Nossos Filhos”:]
O filme é de 2019 e só se estreia em Portugal agora, quatro anos depois. A relação de uma realizadora com os seus filmes muda com o tempo?
Sem dúvida. Este filme veio ao mundo em condições muito difíceis, para já porque tínhamos um orçamento muito apertado, mas sobretudo porque saiu em era de pandemia e em era de eleição de Bolsonaro. Acabámos de filmar entre os dois turnos dessa eleição. Como vários outros filmes de cunho bastante político, foi um filme que ficou ali um bocadinho atrapalhado, bloqueado, juntamente com filmes como “Medida Provisória” (filme de Lázaro Ramos) ou o “Marighella” (realizador por Wagner Moura). Houve ali uns bloqueios administrativos, pandemia pelo meio… Perdemos praticamente dois anos.
Entretanto estreou primeiro em França, depois saiu no Brasil, agora saiu em Espanha e Portugal. Digamos que esses anos foram complicados e atrasaram. Estamos muito felizes de apoiar este filho que teve um nascimento um bocadinho complicado, mas que agora está aqui e vai encontrando o seu público nos diversos países. Na verdade todas as temáticas abordadas no filme continuam a ter atualidade: a transmissão entre gerações, entre mães e filhas. São temas bastante universais. E depois há a história do Brasil. Continua a ser muito importante fazer esse trabalho de memória em relação à ditadura militar.
Estar a filmar entre as duas voltas das eleições presidenciais do Brasil, em 2018, que levaram ao poder Jair Bolsonaro. Esse contexto teve impacto na forma como estava a fazer o filme?
Teve muito impacto na escrita do filme. O filme vem de uma peça de teatro que é escrita pela atriz Laura Castro e que ela me propôs fazer com ela. Aceitei com muito gosto. Durante três anos fizemos a peça e descobri realmente todo um mundo, o que é que significa querer ter filhos num casal homossexual. Sempre achei muito interessante o lugar de fala da peça, porque sentia que vinha realmente de uma experiência, de uma verdade, porque a Laura e a Marta têm três filhos juntas. Essa relação com a realidade quisemos manter no filme. Propus-lhe fazer o filme rapidamente.
Porque é que identificou tão rapidamente que queria fazer desta história um filme?
Eu vi o filme. Vi as outras personagens, o contexto.
Na peça só existem duas personagens, mãe e filha?
Sim, é uma noite de conversa entre mãe e filha. Mas fala-se de muitas outras personagens, do pai, da companheira, dos amigos, enfim, e tudo isso foi integrado no filme. A situação do Brasil, entre os momentos em que fizemos a peça e começámos a preparar o filme, mudou muito. Houve uma situação que se tornou muito mais sombria e um retrocesso muito forte nas mentalidades. Isso repercutiu-se com certeza na escrita do filme. Ouviam-se discursos a enaltecer a ditadura militar no Brasil, discursos terríveis sobre a apologia da tortura… Isso de alguma forma teve impacto na escrita do filme, em que entraram todos os terrores e as angústias dessa época.
O documentário “Repare Bem” (2013), em que já explora as consequências da ditadura brasileira, foi uma espécie de preparação para este filme?
Com certeza. Inconsciente, porque não fazia ideia de que ia fazer isto. Mas estava completamente já dentro impregnada nessas temáticas justamente também de mãe e filha, na herança traumática que se transmite de uma geração para a outra.
De resto, é pouco comum ver filmografia sobre o impacto da ditadura militar brasileira e os seus efeitos a longo prazo nas mulheres. A visão masculina está mais retratada.
É verdade. Já vinha bastante documentada, mas ainda me documentei bastante mais para este filme. Todos os relatórios, tudo o que a personagem da mãe conta, da experiência na prisão e das torturas, não inventei nada. É palavra por palavra o que li. Nomeadamente os delírios no tratamento das mulheres, a utilização dos animais para aterrorizar as mulheres, a questão do crocodilo [com que a protagonista sonha], as baratas.
Tudo isso é histórico?
Absolutamente. Existem livros dedicados às experiências das mulheres precisamente nas prisões da ditadura militar. Depois havia uma questão que queria muito abordar que havia em todos os testemunhos: uma constante em dizer que talvez o pior do sofrimento seja o desaparecimento das pessoas queridas. Há um sofrimento que se estende ao longo dos anos, de que as pessoas que perderam alguém desaparecido vivem com essa ficção, de uma pessoa que esperam sempre ver a voltar uma esquina. Constroem essa ficção que os acompanha até ao momento em que são as próprias vítimas que têm de pôr termo a essa ficção e decidir a morte dessa pessoa. Isso foram relatórios que me impactaram muito. Quis integrar justamente essa relação ao desaparecido na escrita do filme.
Quase como que desaparecer seja pior do que morrer.
Exatamente. Porque aí ficam as pessoas com essa responsabilidade de pôr fim à esperança. É tremendo e estende-se ao longo de décadas, às vezes.
O papel da atriz Marieta Severo é Vera, uma coordenadora de uma organização não governamental que cuida de crianças seropositivas, e que é mãe de Tânia, que está a tentar conceber. Tendo já interpretado a personagem na peça, sabia o que queria da personagem agora do outro lado, enquanto criadora?
Sim. A Laura escreveu a peça a pensar na Marieta e a Marieta, que é super ocupada, uma grande star, não podia fazer. Ela chegou a mim sem atriz, foi toda uma coisa um bocadinho milagrosa. A Laura estava em casa de uns familiares e de repente ouviu a minha voz a cantar “Aos Nossos Filhos”, a canção [de Ivan Lins] sobre a qual ela tinha escrito a peça, e que eu cantei a pensar no “Repare Bem”, nas personagens do filme. É curioso que tenha sido essa canção que deu origem a tudo, a todo o projeto, que nos uniu. No entanto, quando se tratou de fazer o filme pareceu-me evidente que o papel tinha de voltar para a Marieta.
Voltar onde na verdade nunca chegou.
Sim, mas tinha sido feito a pensar nela. Em França o filme saiu no cinema e uns tempos depois fizeram um DVD que é um duplo DVD no qual está a peça e o filme. É muito interessante. São duas mães, duas atrizes, duas Veras completamente diferentes. O mais curioso ainda é que é a mesma atriz que faz a filha, a Tânia, que é sempre a Laura Castro, e no entanto são duas Tânias completamente diferentes.
Ver uma atriz a fazer o mesmo papel fê-la pensar sobre a forma como fez a mesma personagem?
Sim. Há também o contexto em que foram feitas cada uma das obras. A peça sai de um contexto em que o Brasil estava muito confiante ainda na sua democracia. Estava até muito adiantado nas questões LGBT em relação a outros países da Europa, sobretudo nas famílias homoafetivas. Nessa altura, nos passaportes dos filhos das duas, da Laura e da Marta, já apareciam os nomes das duas mães, era uma coisa que não existia ainda na Europa. Portanto havia um lado comédia, mais solar…
Só possível num país que se mostrava progressista à época.
Exatamente. A mãe tinha passado por traumas e tal, mas era uma mãe apesar de tudo mais excêntrica, mais cómica. Mais extravagante. E a Marieta não foi nada pelo lado da extravagância no filme. Porque o contexto era todo diferente. Já havia uma enorme angústia da extrema-direita ali a bater à porta e a Marieta, claro, viveu tudo isso, é de outra geração. Ela trouxe uma paleta de emoções muito diferente.
Há um momento no filme em que o marido a quem Vera pede o divórcio lhe diz: “Porquê essa revolução agora?”. E ela responde: “Eu faço a revolução onde eu posso”.
Essa frase por acaso fui eu que trouxe, porque acredito muito nisso. Acho que a revolução é também o dia a dia, é uma coisa íntima. É uma disciplina pessoal também.
Qual é a sua revolução pessoal?
Suponho que são muitas. É o estar atento. É o não banalizar a violência. Não banalizar a indiferença de alguma forma. Que dito assim parece fácil, mas na verdade… É importante mantermos essa capacidade de nos indignarmos.
Há um confronto geracional: a mãe é progressista, mas não consegue perceber que a filha, homossexual, queira conceber um filho por inseminação artificial. A filha, apesar de tudo, também tem os seus preconceitos…
Exato. A filha em alguns aspetos é mais conservadora do que a mãe porque onde a mãe fez tudo para a libertação das mulheres, da vida sexual, a filha aspira no fundo a uma família tradicional. São essas contradições de cada geração que nos interessou e que já vêm da peça. Ambas as gerações têm muito bons argumentos e bem defendidos, e ambas têm os seus preconceitos.
É uma relação quase de espelho. A mãe tinha sido revolucionária na época, e agora a filha tenta sê-lo.
Exatamente, e tudo foi pensado de forma espelhada entre mãe e filha, o mais possível. Mesmo em relação ao desaparecimento [do filho de Vera]. Há um filho que está ali como um ser virtual porque claro, quando uma mãe espera um filho que está na barriga de outra mulher, há ali uma relação virtual que é curiosa.
Ao quinto filme já se pode falar de uma cinematografia de Maria de Medeiros?
Não sei, na verdade, espero que sim, mas os próprios filmes têm formas bastante diferentes. Mas acho que a diferença faz parte da minha vida de alguma forma.
Procura uma identidade, um estilo, ou acha que naturalmente vai imprimindo…
Acho que é uma coisa que nos escapa um pouco.
A democracia parece ser um tema recorrente no seu trabalho.
Há temas que voltam! Eu própria me surpreendo porque realmente há temas que voltam, que são temas históricos. A relação justamente do privado e do político e como o privado é político. Acho que basta haver duas pessoas para a possibilidade do abuso e para a injustiça política já se instalar. Isso são temáticas que voltam. Mas não é completamente consciente. É um bocadinho retrospetivamente que me dou conta que como cineastas estamos muitas vezes a retratar os mesmos temas.
Mais que um rótulo de fazer cinema militante, é uma militância enquanto cidadã?
Provavelmente. Acho que tem mais a ver com isso. O próprio 25 de abril, um dos aspetos que sempre me fascinou foi essa indignação cidadã que houve nos Capitães de Abril, nesses jovens militares. Há alguma coisa muito genuína neles. Acho que é essa indignação pessoal que me interessa sempre.
Todos os seus filmes partem de uma certa indignação?
Sim, mas a indignação vem de uma certa atenção. Acho que o lado positivo é estar atento. E quando se está ou se tenta estar atento ao mundo há sempre a possibilidade de indignação, mas também há a possibilidade de ficar maravilhado.
O cinema deve ser mais atento ao mundo ou pode ser só maravilha e contemplação?
Não há maravilha sem atenção ao mundo de alguma forma. Tenho um maravilhar materialista (risos).
Rita Blanco: “Fui muitas vezes fanfarrona, a querer dizer a verdade. Qual verdade? Há mil verdades”
A sua atenção ao mundo enquanto artista ou pessoalmente também? Ouvi há dias uma entrevista do ator Miguel Guilherme ao Expresso em que dizia que era pouco curioso na sua vida pessoal, e era no trabalho que se transformava enquanto ser curioso. Tem essa dualidade?
Acho que não. Justamente é a atenção geral e os momentos de contacto inesperado que me provocam as ideias e a vontade de criação.
O seu percurso eclético é feito desses contactos inesperados?
Todo.
Nunca pensou na construção de uma carreira?
Nunca. É todo feito de contactos inesperados. É o caso com a Laura, em que entre peça e filme já vão dez anos de colaboração e intercâmbio de ideias. Foi totalmente inesperado. E como ela muitos outros.
O Miguel Esteves Cardoso escreveu sobre si nos anos 90, na extinta revista K: “Maria é uma atriz absoluta e natural. Vive num mundo que é bom porque lhe pertence. Não tem medo de se tornar uma estrela do cinema americano. Se for preciso mudar-se para Los Angeles, muda-se. Mas do que ela gosta é o que ela está a fazer agora, que se resume em quatro palavras: tudo ao mesmo tempo.” Sente-se a fazer tudo ao mesmo tempo?
É isso mesmo. Esse texto é dos textos mais bonitos. O tempo passa e eu tenho uma gratidão e um reconhecimento incrível à sensibilidade do Miguel Esteves Cardoso ao escrever isso. Parece que ele leu no fundo da minha alma, continua a ser isso. É tudo ao mesmo tempo que me interessa, que me diverte, que suscita o pensamento.
O “Pulp Fiction” [1994] foi um marco na sua carreira. Já escrevera o MEC: “Não tem medo de se tomar uma estrela do cinema americano”.
E quando ele escreveu isso eu ainda não tinha feito o “Pulp Fiction”!
Há aqui um carácter premonitório.
É verdade. Mas já tinha feito o “Henry & June” [1990], já tinha feito um grande filme americano.
Passou-lhe pela cabeça ficar por Hollywood?
Não, não passou nada. Eu destinava-me às Belas Artes. Foi o João César Monteiro que me trouxe para o cinema e a partir daí foi só surpresas. Mantive isso porque não creio muito justamente nas teorias anglo-saxónicas de que é preciso ter um objetivo e persegui-lo toda a vida. Acho a coisa mais chata do mundo. Parece-me que isso é criar uma desatenção geral a tudo o resto.
E muitas vezes condena-nos ao fracasso.
Também! A grandes desilusões desnecessárias.
Teve poucas desilusões, então.
Sim, tive mais surpresas. Obviamente que tive desilusões, mas pelo menos não as construí eu [risos].
Nunca foi obstinada em querer fazer um papel ou trabalhar com um realizador?
Não, e assim apareceram realizadores absolutamente surpreendentes que tive a sorte de conhecer. Não vou dizer os portugueses porque já os conhecia, mas penso em alguém como o Guy Maddin, do Canadá, Antonietta de Lillo, na Itália, enfim, tantos outros. O Didier Le Pêcheur… Pessoas que se tornaram assim bastante de culto. Trabalhar recentemente com o Mário Barroso… Foram tantas gratas surpresas.
Sobre o filme do Mário Barroso, “Ordem Moral” (2020), quando ganhou o prémio da Fundação Gestão dos Direitos dos Artistas pela sua interpretação disse ao Diário de Notícias: “Sinto que Ordem Moral poderia ainda ter tido muito maior atenção. O Mário Barroso fez um filme muito sofisticado… Talvez com o tempo ainda venha a ser mais valorizado.”
Sim.
Porque acha que o filme não foi mais valorizado?
Não faço a menor ideia. Mas acho que é um belíssimo filme e acho que o Mário merecia mais reconhecimento por esse filme, com certeza.
Como é a sua relação com o público, com a crítica?
Então, eu fiz um filme sobre a relação entre artistas e críticos. Era um documentário numa perspetiva muito lúdica. Toda a gente entrou nesse jogo com grande honestidade e com grande sentido de humor porque na verdade é uma não-relação, é uma relação também de projeção, de vaidades pelos dois lados. Tem aspetos muito cómicos. Vi essa relação como uma história. Chama-se “Je t’aime… moi non plus: Artistes et critiques” [2004]. É uma história de amor impossível, mas há ali alguma forma de amor difícil.
Para si é um amor difícil?
Entrevistei tanta gente, é um mosaico tão grande, justamente porque acho que não há uma resposta. São muitas respostas e é a multiplicidade de respostas que trata talvez a questão. O filme começa com o Ken Loach a dizer: “A relação entre um artista e um crítico é a relação entre um poste de eletricidade e um cão” [risos]. E acaba com o Caetano Veloso dizendo que acha que é muito importante haver crítica e que também é muito importante brigar com a crítica. Faz parte do jogo. Também há o Manoel de Oliveira a dizer que uma boa crítica, uma crítica inteligente, pertinente, é algo que completa o filme. E é, sem dúvida. Voltei agora do festival de Cannes onde estive pela terceira vez num júri. Foi muito interessante porque éramos todos muito cinéfilos e foi realmente um comprovar que parte do amor pelo cinema passa pela discussão depois.
Enquanto realizadora, criadora, não é difícil expor-se, deixar que a sua obra seja criticada?
Com certeza. É um bocadinho um circo romano, é um jogo perigoso, mas faz parte.
Consegue discutir uma obra sua abertamente? Não tem esse pudor?
Discutir com quem?
Com alguém a quem reconheça essa capacidade de crítica.
Claro! É algo que fazemos em debates. Acho que é muito interessante para uma realizadora ou realizador receber pontos de vista.
Mas é preciso afastar o ego para receber isso, ou não?
Com certeza. Mas os debates ajudam-nos muitíssimo a compreender o que fazemos. Acredito que há sempre uma grande parte de inconsciência no que fazemos. Isso é muito interessante na arte. Não pretendo dominar tudo o que digo. Sei que há coisas que me escapam. Tanto como intérprete como como criadora e realizadora. Há algo que escapa e que leva tempo a entender e que às vezes entendemos através dos outros.
A experiência da criação legitima a posição de crítica?
Certamente. Convém conhecer o outro lado. Depois de dirigir um filme, quando volto a ser atriz, é maravilhoso. Nem pio [risos]. É muito agradável estar nas mãos de outra pessoa e não pretendo nunca estar no lugar dela. Embora às vezes tenha visões e até saiba como se resolvem os problemas, fico só caladinha porque sei o que é estar do outro lado e quais são os conselhos pertinentes e não pertinentes. Em geral, sim, é o conhecer os dois lados que faz com que possamos usufruir plenamente da nossa posição de cada vez.
Realizar dá-lhe mais vontade de permanecer atrás da câmara?
Gosto da ida e volta. Gosto desse ping-pong. Todas as facetas, todas as atividades se alimentam umas às outras. Há muita coisa que tiro do teatro para levar para o cinema, muita coisa do cinema que tiro do cinema para levar para o teatro, ou da música, ou da dança.
O rótulo atriz ou realizadora é desnecessário?
Sim, é tudo ao mesmo tempo, como dizia.
A propósito do teatro, esteve ainda agora em cena em Paris numa adaptação da peça de Jean Cocteau, “Les Parents Terribles”, com encenação de Christophe Perton. Que papel tem o teatro na sua vida?
O teatro é realmente a grande escola, onde aprendemos a trabalhar com todo o nosso instrumento, que é o corpo inteiro. Não há nada mais difícil do que o teatro. É imprescindível passar por aí. Certamente como atriz, mas como realizadora também é muito importante.
A encenação é algo que lhe falta explorar?
Sim, gostaria de explorar mais, na verdade, fiz muito pouco. Fiz uma coisa aqui no [Teatro] São Luiz, com um texto do António Lobo Antunes, com um cavalo em cena [“Que cavalos são aqueles que fazem sobra no mar?”, 2011]. Mas fiz relativamente pouco e gostava de fazer mais.
Não teve vontade na altura de continuar?
Tive, tive. Mas o teatro… O cinema é longo também, mas o teatro é preciso projetar-se com muita disponibilidade a muito longo prazo. E isso na minha vida é um bocadinho complicado.
Na noite de 6 de junho de 2001, a Rádio Renascença apontava-a como a próxima diretora do Teatro Nacional D. Maria II. Não chegou a acontecer.
Houve uma mudança de Governo na altura e não chegou a acontecer.
Foi convidada pelo então ministro da Cultura, José Sasportes.
Sim.
O que imaginava na época para o Teatro Nacional?
Foi há bastante tempo. Hoje em dia acho que temos um dos maiores encenadores de teatro do mundo, o Tiago Rodrigues. O que teria gostado de fazer é o que ele fez provavelmente mil vezes melhor do que eu teria feito. Mas é isso: ter essa atenção justamente. Todo o trabalho dele é um trabalho de extrema sensibilidade de atenção ao mundo e às pessoas. Ele consegue uma universalidade absolutamente extraordinária que poucos conseguem. Não o conheço pessoalmente, estou super à vontade para o dizer porque não o conheço, mas tenho um imenso orgulho no trabalho dele.
Desafiada dedicar-se-ia de uma forma tão preponderante ao teatro?
Com certeza teria mudado um bocadinho a minha vida. Mas lá está, houve alguma estrela ali que não quis.
Está agora trabalhar numa longa-metragem, que mistura a história de Portugal e Cuba…
Sim, não posso adiantar muito mais, mas é um destino feminino e uma perspetiva feminina sobre a revolução cubana.
O que, por acaso ou oportunidade, ainda não conseguiu fazer e espera conseguir?
Tenho um sonho, sim. Como me destinava às Belas-Artes, gostava de voltar às artes plásticas de alguma forma. Mas o tempo passa e não vou fazendo, e vou perdendo habilidade. Tenho esse sonho, de que as coisas que me vão na cabeça e na mão adquiram alguma forma concreta.