Um ex-presidente, um ex-candidato presidencial, um ex-candidato a presidente e um ex-candidato a líder do núcleo do Porto entram num bar de um hotel em Lisboa para discutir política (apenas) interna: os novos estatutos da Iniciativa Liberal. Encabeçam um movimento chamado “Estatutos + Liberais” e acreditam que a próxima convenção estatutária do partido é o momento certo para “pensar fora da caixa” e alcançar uns estatutos que reflitam os ideais do partido: “Queremos os estatutos mais liberais de Portugal.”

Ainda não há uma proposta de estatutos fechada, nem estão definidos alguns dos pontos fundamentais sobre os quais a IL terá de se debruçar — desde a convenção plenária num partido que conta quase com sete mil membros, às inerências no Conselho Nacional até à autoridade política local dos núcleos —, mas os quatro reconhecem que podem não estar 100% alinhados na totalidade das premissas, uma circunstância que desvalorizam: é o liberalismo a funcionar. Seja como for, este é apenas o primeiro passo para a existência de uma alternativa na convenção estatutária, que contará pelo menos com a proposta do grupo de trabalho que foi aprovado no Conselho Nacional e que está a recolher sugestões de membros.

É a “fase zero” de um processo que tem como objetivo alargar a discussão aos membros de base da IL. Numa conversa informal exclusivamente com jornalistas, José Cardoso, ex-candidato à presidência da IL, admite que esta é “oportunidade única para pensar fora da caixa” e que deve ser assumir-se como a busca por uma dinâmica que mantenha os liberais num caminho diferente dos outros partidos políticos.

“Somos o partido liberal de Portugal, mas se queremos ser o partido mais liberal de Portugal só o podemos ser refletindo isso nos nossos estatutos: queremos os estatutos mais liberais de Portugal.” Tiago Mayan Gonçalves, o primeiro candidato da IL a Belém, que chegou a sugerir que a Comissão Executiva funcionava como um comité central, numa altura em que se apresentou como apoiante de Carla Castro, é um dos porta-vozes do movimento que conta também com Miguel Ferreira da Silva, primeiro presidente da IL e deputado municipal, e com Hugo Condesa, ex-candidato à coordenação do núcleo do Porto.

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O “Estatutos + Liberais” assenta em seis princípios fundamentais que devem reger toda a proposta: “O membro no centro da ação partidária; A separação de poderes como pilar da democracia; O poder perto dos membros e dos eleitores; A transparência e a eficiência como bandeiras liberais; O mérito como referência para os métodos eletivos; O conhecimento como ativo partilhado.”

Conscientes de que o partido cresceu e de que os novos estatutos têm de resolver os desafios dessa nova realidade — aliás, Tiago Mayan Gonçalves e Miguel Ferreira da Silva sabem-no bem porque fizeram parte da equipa que escreveu os primeiros estatutos — o movimento pretende fugir do método em que apenas é possível participar com sugestões de alterações a artigos e “desligar da discussão da vírgula” (sim, chegou a haver discussões no Conselho Nacional devido a vírgulas).

Do “um membro, um voto” ao “menos trabalho” para a direção

A discussão estendeu-se ao tema da convenção plenária que faz parte dos estatutos do partido e que permite que qualquer membro possa participar nas reuniões magnas. “Um membro, um voto”, atira de imediato Hugo Condesa, que ouve Tiago Mayan Gonçalves a acrescentar que “é um modelo que se deve manter num partido liberal”. É um tema que não está fechado, “se calhar aqui há quatro opiniões” na sala, mas a questão do espaço não é tema e são até dados exemplos de clubes de futebol em momentos de atos eleitorais pela dimensão do número de sócios. As eleições diretas são um “porque não?”, mas os “não sei” multiplicam-se, com certezas de que o tema tem de ser discutido.

Para Miguel Ferreira da Silva, uma coisa é certa: “Num partido liberal é impossível termos um qualquer regime de convenção que seja menos liberal do que qualquer outro partido português. Se há mais do que um partido, até de esquerda, onde a liderança é escolhida por todos os membros, no nosso caso não pode ser menos do que isso e temos a obrigação de que seja mais do que isso.” E acrescenta: “Defendo uma convenção universal sempre, são os custos da democracia liberal.”

Questionados sobre se a Comissão Executiva perde poderes com a proposta que irá estar em cima da mesa, a resposta é unânime e perentória: menos poder, não; “menos trabalho”, sim. “No início da IL a CE tinha de fazer muita coisa ou quase tudo porque éramos 90, hoje temos seis ou sete mil membros capazes de ajudar e, se calhar, a CE fica até com mais poder de coordenação, mas escusa de fazer ela própria as pequenas coisas”, defende o ex-presidente da IL, com Mayan Gonçalves a acrescentar que o importante é que “a CE tenha a possibilidade de exercer as competências e atribuições” e que não vê “necessidade de mudança de nenhuma das competências atribuídas pelos estatutos atuais”.

Entre as questões imperiais para serem tidas em conta nos novos estatutos, os porta-vozes destacam o caso dos núcleos, com prioridade para regras que permitam que essas equipas com “recursos financeiros, autoridade política, know how e escrutínio para fazerem ação política”. No mesmo sentido, Miguel Ferreira da Silva argumenta que é preciso que núcleos diferentes, com realidades e necessidades diferentes, tenham a sua própria autonomia para tomar decisões. E todos concordam que a questão dos núcleos não está na falta de recursos humanos e sim na organização.

No mesmo sentido, o movimento quer resolver o poder que os núcleos têm na escolha de candidatos a eleições de âmbito nacional, regional ou local. Mayan Gonçalves recorda que nos estatutos está prevista uma competência do Conselho Nacional de aprovação das listas de candidatos e “está zero previsto sobre o papel dos núcleos territoriais no processo”. “Já esteve”, corrige Miguel Ferreira da Silva, com José Cardoso a confirmar que foi retirado com a revisão do regulamento e com todos certos de que esta é uma prioridade a ter em conta no momento de fazer a proposta. “Este é um processo crítico em qualquer partido e que tem de ter uma previsão estatutária no papel de cada órgão”, realça Mayan, deixando certezas de que não abdica de apresentar uma proposta sobre o tema.

O movimento “Estatutos + Liberais” quer ouvir os membros base, prepara-se para receber e discutir propostas e irá realizar um debate para chegar a um documento final. No entanto, os princípios não são abdicáveis — “Não somos uma esponja destinada a absorver todo e qualquer contributo”, sublinha Tiago Mayan.

São precisos 150 membros para apresentar uma proposta à convenção estatutária e para já o movimento conta com 44 subscritores iniciais (que não estão obrigados a assinar o documento final), onde além dos porta-vozes se destacam membros como Cristiano Santos (cabeça de lista ao Conselho Nacional e conselheiro), Diogo Prates e Diogo Saramago (ambos ex-conselheiros nacionais e dos rostos mais críticos à liderança do partido), João Leitão, candidato a tesoureiro na lista de Carla Castro, Rafael Corte Real (ex-membro da Comissão Executiva e conselheiro nacional), Rui Malheiro (eleito após ser cabeça de lista ao Conselho Nacional) e conselheiros nacionais como Paulo Gonçalves Silva e Pedro Janeiro.