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Mais dois bancos passam a cobrar (muito) pelo MB Way, um dos "camarõezinhos" que a banca deixou de dar à borla
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Mais dois bancos passam a cobrar (muito) pelo MB Way, um dos "camarõezinhos" que a banca deixou de dar à borla

Leonel de Castro/Global Imagens

Mais dois bancos passam a cobrar (muito) pelo MB Way, um dos "camarõezinhos" que a banca deixou de dar à borla

Leonel de Castro/Global Imagens

MB Way. Porque é que os bancos já não dão este "camarãozinho" à borla

BCP passa a cobrar 1,25 euros por transferências. Crédito Agrícola também cobra. Não são os primeiros, nem serão os últimos. Bancos usam MB Way como trunfo para levar clientes para contas-pacote.

Hoje é administrador de um dos principais bancos portugueses. Quando era miúdo, recorda, passava férias no Algarve, na zona de Portimão: “Muitas vezes, ia com o meu pai a uma cervejaria (que ainda hoje existe, no mesmo local) e ele pedia uma imperial. E, ao lado da cerveja — não me esqueço disto — era colocado um pires de camarõezinhos. Ele pagava a imperial, os camarõezinhos eram oferecidos”. Havia ali tanto camarão que, com a margem que se aplicava na venda da cerveja, isso permitia fazer aquela “atenção” ao cliente, dar um pratinho de camarões. Agora já não é bem assim: “Hoje em dia, o cliente paga os camarõezinhos“.

Na banca, que vive com taxas de juro baixas ou negativas há quase uma década, aplica-se esta mesma lógica. “Nós já não temos capacidade para dar camarõezinhos”, defende este banqueiro, em conversa com o Observador. É verdade que os bancos voltaram aos lucros, mas “esses lucros têm de ser vistos à luz da imensa quantidade de capital que um banco tem de ter, sobretudo depois da crise — tem de se olhar é para a rentabilidade do capital, que é baixa”, defende. Muitos créditos aos clientes têm taxas de juro negativas e até “estacionar” liquidez no BCE de um dia para o outro (algo que antes “dava uma renda”), hoje tem um custo para os bancos.

MB Way na mão de mais de 1,5 milhões

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Depois de ter superado o milhão de utilizadores em novembro, o MB Way já conta com mais de 1,5 milhões de utilizadores que realizam, mensalmente, mais de cinco milhões de operações — um valor que tem registado um crescimento médio de 10%, assinala a SIBS.

Os dados partilhados pela empresa com o Observador indicam, também, que o número de compras com MB Way – com NFC, QR Code, online com número de telemóvel ou MB NET –  também estão a crescer (sobretudo as compras com QR Code e NFC, que têm tido um crescimento médio de 25% por mês). Estão a registar-se, mensalmente, mais de dois milhões de transações.

Do lado dos comerciantes, existem 100 mil comerciantes que aceitam pagamentos com MB Way e mais de 160 mil terminais de pagamento habilitados a pagamentos com MB Way.

Neste contexto, um dos “camarõezinhos” que os bancos estão a deixar de oferecer aos clientes é o MB Way, a plataforma criada pela SIBS que tem como face mais visível uma app que, segundo dados atualizados transmitidos ao Observador pela SIBS, acaba de superar o milhão e meio de utilizadores. E que deixa esta segunda-feira de ser gratuita em mais dois bancos — o Millennium BCP e o Crédito Agrícola. Mas o enredo em torno do MB Way é muito mais complexo do que apenas uma questão de custos.

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Foi esta app que fez uma administradora de um banco português levar as mãos à cabeça quando percebeu que mais de 20% das transferências efetuadas pelos clientes estavam a ser feitas através do MB Way, ou seja, “fintando” os canais do próprio banco, como o homebanking ou a app móvel (canais onde os bancos querem que as pessoas estejam, desde logo para lhes vender produtos financeiros). Daí até ao fim da isenção de comissões foi um pequeno passo, uma decisão que surge — e este é um ponto importante — numa altura em que os bancos já estão a modernizar e a lançar novas versões das suas apps (o que não estava a acontecer em 2015/2016, quando a SIBS lançou o MB Way).

A partir de agora, é a pagar. Em maio, o BPI foi primeiro a dar esse passo, uma notícia que gerou grande celeuma e levou, mais tarde, o próprio banco a reconhecer que não foi adequadamente “comunicado” que as transferências MB Way iriam passar a ser cobradas. E não seriam baratas: tendo em conta que a maioria das transferências são de montantes de valor baixo (uma divisão da conta de um almoço com amigos, por exemplo), uma comissão de 1,20 euros (mais imposto de selo, ou seja, cerca de 1,25 euros) torna proibitivo usar esta opção, que ganhou popularidade sobretudo por ser gratuita.

Em teoria, porém, ela nunca foi gratuita. Os vários bancos sempre tiveram nos seus preçários um custo associado a estas operações, mas havia um acordo tácito para que não se cobrasse qualquer comissão. Porque não? Porque se queria estimular a utilização deste serviço numa altura em que fintechs como o Revolut já começavam a atrair alguns milhares de pessoas em Portugal, em parte pelo serviço de transferências instantâneas que proporcionam.

Naqueles anos de 2015 e 2016, os bancos — que nessa altura viviam grandes dificuldades a outros níveis — não tinham condições para, rapidamente, criar soluções tecnológicas que ajudassem a combater a concorrência das fintechs. Os bancos não podiam, mas podia a SIBS. Avançou-se, portanto. E os bancos — que são os donos da SIBS — não terão, na altura, compreendido totalmente o que essa decisão iria significar, a prazo.

Criou-se um problema: hoje, com o MB Way, uma boa parte da “vida financeira” das pessoas está a ser feita de forma alheia aos canais dos bancos. Cada vez mais pessoas usam uma app de uma empresa (a SIBS) que, em teoria, nem sequer deveria estar a servir consumidores finais desta forma — é como um grossista: os seus clientes são os bancos. É, um pouco, como passar a lidar diretamente com a REN para fazer contas sobre a eletricidade que compramos à EDP, por exemplo. A comparação não é perfeita mas, de certo modo, ajuda a perceber o que está em causa.

“Não vai querer pagar? Temos as soluções!”

O BPI foi o primeiro banco a anunciar comissões nas transferências MB Way, a partir de 1 de maio. Paga-se 1,248 euros, incluindo imposto de selo, se for utilizada a app desenvolvida pela SIBS. Através da app do banco, não é cobrada qualquer comissão — pelo menos, para já. Daí que o presidente-executivo do BPI, Pablo Forero, tenha dito que só por “engano” é que algum cliente do BPI iria utilizar a app do MB Way em vez de usar a mesma funcionalidade na aplicação do banco. E daí, também, que Forero tenha indicado que esta subida de comissões (na prática) iria render ao banco… “nada”.

Quanto se paga em cada banco?

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Na app do BPI não se paga nada, para já. Mas quem tem um cartão do BPI na app da SIBS passou a pagar 1,20 euros, mais imposto de selo (4%). No BCP, o valor será o mesmo — 1,20 euros usando a app da SIBS, a menos que seja um cliente com uma das isenções disponíveis. Mas, mesmo na app do Millennium, sem isenções existe um custo de 50 cêntimos nas transferências MB Way.

Já o Crédito Agrícola anunciou no último preçário que a partir desta segunda-feira, 17 de junho, as transferências MB Way vão passar a ser cobradas — 25 cêntimos mais imposto de selo, por cada operação.

Além do BPI, do BCP e do Crédito Agrícola, o Santander Portugal já indicou que o MB Way irá passar a ser cobrado, mas só em julho haverá mais detalhes. Entre os outros principais bancos, o Novo Banco também já incluiu as funcionalidades MB Way na sua app mas ainda não indicou se (e quando) começará a cobrar pela utilização do serviço na app da SIBS. No preçário está um custo de 15 cêntimos (mais imposto de selo).

Também a Caixa Geral de Depósitos tem no preçário um custo de 15 cêntimos para as transferências através da própria app (e 20 cêntimos na app do MB Way). Mas ainda não está a cobrar, tal como acontece com o Montepio (20 cêntimos, isento até ao final do ano) e o Activobank (1,50 euros).

Seguiu-se, depois, o Millennium BCP, que a partir desta segunda-feira, 17 de junho, passa a cobrar os mesmos 1,248 euros por cada transferência na app MB Way. Mas, em contraste com o BPI, avança já, também, para a cobrança (de 52 cêntimos) caso se utilize o MB Way na app do Millennium BCP, cuja nova versão foi lançada há poucas semanas. O terceiro banco a dar o passo foi o Santander Portugal, que não esclareceu ainda quanto irá cobrar, mas deu a entender que a isenção de custos acaba em julho, altura em que será disponibilizada a nova versão da aplicação móvel do banco liderado por Pedro Castro e Almeida.

Uma exceção importante, do ponto de vista da estratégia dos bancos, é que os jovens (até 23 anos) vão continuar a beneficiar da isenção. A outra exceção é que também não irá pagar quem tenha as tais contas-pacote, as contas que normalmente envolvem um pagamento mensal ao banco e que, mediante isso, incluem uma série de “camarõezinhos”. Isto porque a verdadeira intenção dos bancos não é cobrar comissões avulso por operações como estas — é, na realidade, usar o MB Way como trunfo para levar os clientes para as suas apps ou, ainda melhor, do ponto de vista dos bancos, persuadi-los a subscrever “contas especiais”.

No site do Millennium BCP, por exemplo, pode ler-se, há várias semanas “Transferências MB Way. Não vai querer pagar? Temos as soluções!“. Clicar nesse campo leva-nos para uma curta mensagem onde se fala das “alterações” no preçário das transferências MB Way mas se dá uma “boa notícia”: além da isenção para os clientes com até 23 anos, todos os que têm (ou passarem a ter) uma “solução integrada” associada à conta à ordem “vão poder continuar a usufruir deste inovador serviço digital, isentos de custos”.

Entre essas soluções integradas estão produtos como o Programa Prestige e o Cliente Frequente (que custa entre 4,5 e 8 euros por mês, mais imposto de selo). Com estas isenções para jovens e para as “contas especiais”, o banco garante que “mais de metade dos clientes do banco está isenta da comissão” de utilização do MB Way.

Miguel Maya: o BCP passa esta segunda-feira a cobrar pelas transferências MB Way. Mesmo na app do banco, há um custo

Quando muitas pessoas já se habituaram a subscrever serviços de música em streaming (em vez de comprar CDs) ou a pagar mensalmente serviços de filmes e séries (em vez de alugar DVDs), os bancos estão a apostar em estratégias de fidelização que, além de lhes dar uma fonte constante e relativamente previsível de receita, os ajudem a consolidar a relação que têm com o cliente. Isto numa era em que, com a nova diretiva europeia dos serviços de pagamentos, os bancos se arriscam a tornar-se “marcas brancas”. Porque com esta diretiva, conhecida pela sigla PSD2, os bancos passam a ter de “abrir” os dados dos seus clientes, caso estes o autorizem, permitindo que qualquer empresa — que nem tem necessariamente de ser um banco — possa criar plataformas de interação direta com as pessoas, podendo os bancos passar apenas a ser cofres indiferenciados, commodities facilmente substituíveis.

A “nova” banca. O que quer em troca para dar acesso às suas contas?

“O MB Way fez o seu papel”. Porque não se mata a app?

“O mais importante, para nós, é a transparência. Queremos ser transparentes com os clientes, com preços que sejam fáceis de perceber, que sejam fáceis de comparar e que o cliente sinta que tem valor nessa relação. Essas contas — chamou-lhes contas-pacotes, os diversos produtos que nós disponibilizamos de forma mais integrada — vamos continuar a tê-los e vamos continuar a desenvolver numa lógica de banca de relação”. Este é, em linguagem banqueirês, o raciocínio dos líderes do bancos, segundo a resposta dada por Miguel Maya ao Observador, na conferência de imprensa de apresentação dos resultados do primeiro trimestre do Millennium BCP.

Mais concretamente, sobre o MB Way, disse Miguel Maya, essa é uma “marca muito importante porque dá notoriedade e abrangência”. “Mas queremos que [os clientes] utilizem o serviço na [app do] Millennium BCP, dentro da nossa MWallet, que tem um conjunto mais vasto de facilidades que os clientes podem utilizar, além do MB Way”, acrescentou. Uma mensagem complementar foi passada por Pedro Castro e Almeida, do Santander: “O MB Way fez o seu papel. Queremos privilegiar as transações feitas na aplicação do Santander”, comentou, acrescentando que se “for um cliente que trabalhe com o Santander e que tenha uma conta que consideramos minimamente ativa, esse cliente não vai pagar”.

O dilema que os bancos têm no MB Way ficou, também, ilustrado no desabafo de Pablo Forero, do BPI, no último encontro com jornalistas. “A SIBS é uma empresa dos bancos. Não está pensada para ser um concorrente dos bancos. Está pensada para ajudar os clientes e os bancos”, comentou o presidente-executivo, ao que José Pena do Amaral, administrador, acrescentou: “Os bancos contribuíram para o desenvolvimento da plataforma SIBS, desde logo porque são acionistas. Os bancos, ao estimularem os pagamentos MB Way através das suas aplicações, estão a gerar tráfego na plataforma MB Way. O custo da transferência é suportado pelos bancos e não pela SIBS”.

Pablo Forero, banking summit, fevereiro, 2018

Pablo Forero: o BPI foi o primeiro banco a avançar para a cobrança. Mais tarde, admitiu um “problema de comunicação” na forma como foi anunciado

É por ver um banqueiro a dizer que “o MB Way fez o seu papel” — e logo o presidente do único grande banco que se opôs frontalmente à venda de parte da SIBS — que alguns perguntam: “Então, porque é que não se acaba com a app do MB Way?“. Esta é a questão deixada por Sebastião Lancastre, CEO da Easypay, que diz ao Observador não compreender “porque é que, se os bancos optaram por lançar comissões proibitivas para desincentivar o uso da app MB Way, porque é que não decidem, de uma vez por todas, definir um prazo de seis meses para que cada banco transponha para as suas apps as funcionalidades do MB Way e, depois, a aplicação da SIBS? Provavelmente, era isso que devia ter sido feito originalmente, e agora não tinham este problema”.

Sebastião Lancastre diz concordar com o princípio do utilizador-pagador, mas “não faz sentido cobrar mais do que meia dúzia de cêntimos por estas operações, isso já seria próximo do custo real que é suportado pelos bancos”. Cobrar mais de 1,20 euros (ou, mesmo, 50 cêntimos na app) é um “erro tremendo na estratégia dos bancos, que só mostra que as pessoas que lideram estas organizações andam muito distraídas, porque isto só abre a oportunidade para que apareçam outras empresas a tentar tirar-lhe clientes”. Foi o caso da Paypal, por exemplo, que aproveitou o auge da polémica com o MB Way para lançar um serviço gratuito de transferências imediatas.

Cobrar comissões elevadas é um "erro tremendo na estratégia dos bancos, que só mostra que as pessoas que lideram estas organizações andam muito distraídas".
Sebastião Lancastre, CEO da Easypay

Comissões? Banco de Portugal tem outras preocupações

A Deco também veio criticar as comissões “desproporcionais” que estão a ser definidas por alguns bancos e pediu a intervenção do Banco de Portugal para limitar a cobrança. Mas, sabe o Observador, não há grande margem para esperar do Banco de Portugal uma atuação nesta matéria.

E porquê? Porque, apesar de o supervisor ter responsabilidades em matéria de controlo de comissões, os pressupostos aqui são um pouco discutíveis: a SIBS não é um banco, nem tão-pouco é a SIBS que cobra esta comissão — são os bancos que cobram uma comissão se forem envolvidos numa transação feita numa app que não é a sua. Ou seja, as instituições financeiras podem sempre argumentar que, se o cliente usar a app do banco, não tem custos (ou tem custos mais baixos, que até podem ser isentos com as contas-pacote).

Quando se fala em MB Way, o que preocupa mais o Banco de Portugal, apurou o Observador, é outra coisa: é que a SIBS esteja a atrasar-se na migração do MB Way de uma plataforma baseada em cartões Multibanco para o novo esquema europeu de transferências conta-a-conta. Porque é que isto é importante? Porque tudo o que envolve cartão envolve comissões e todo um modelo de negócios com vários intermediários e, designadamente, rentáveis taxas de serviço cobradas ao comerciante. “O cartão é a fonte de receita principal de uma série de entidades aí pelo meio. A SIBS montou uma estratégia baseada no cartão, porque há todo um modelo de negócio com rendibilidades para o emissor do cartão, para o banco que coloca lá o terminal, para a SIBS que processa a transação”, ouviu o Observador num dos vários contactos que fez nas últimas semanas.

"O cartão é a fonte de receita principal de uma série de entidades aí pelo meio. A SIBS montou uma estratégia baseada no cartão, porque há todo um modelo de negócio com rendibilidades para o emissor do cartão, para o banco que coloca lá o terminal, para a SIBS que processa a transação..."
Especialista no setor dos pagamentos ouvido pelo Observador

O Observador sabe que o Banco de Portugal tem vindo a pressionar a SIBS para fazer a migração para uma solução entre contas. Voltou a fazê-lo há poucos dias, na reunião do Fórum para os Sistemas de Pagamentos de 7 de junho — no final, saiu no site do Banco de Portugal um comunicado onde se lia que o debate tido na manhã dessa sexta-feira resultou num compromisso no sentido de desenvolver “iniciativas concretas para incentivar a utilização mais generalizada dos débitos diretos e da tecnologia contactless, criar condições de utilização das transferências imediatas no ponto de venda e reduzir o uso do cheque”.

Contactada, a SIBS comentou oficialmente que “sempre foi definido para a SIBS que os instant payments fossem integrados na plataforma do MB Way”. Mas “ainda não há data prevista para essa integração nesta fase, enquanto se avalia a adoção deste serviço pelos utilizadores”, explica fonte oficial da empresa liderada por Madalena Cascais Tomé.

Parece ter batido contra uma parede a trajetória de adoção das transferências imediatas, lançadas em setembro de 2018, e o Banco de Portugal tem pressionado os bancos a baixar as comissões cobradas pelos bancos nestas operações. Num artigo de opinião publicado no Jornal de Negócios, Hélder Rosalino, administrador do Banco de Portugal, diz que foi “com surpresa e preocupação que se observou, recentemente, um decréscimo do volume de transferências imediatas, após um crescimento inicial muito significativo e promissor”. Para “esta inversão muito contribuiu o facto de os bancos terem passado a aplicar preçários mais elevados nas transferências imediatas (de certa forma, desproporcionados face a outros instrumentos)”, escreveu Hélder Rosalino.

Transferências imediatas. O seu ordenado vai passar a chegar à conta um dia mais cedo

O “puxão de orelhas” que o BCE veio dar a Lisboa

Esta é uma questão intimamente relacionada com a preocupação do Banco de Portugal com o facto de a SIBS continuar a usar uma plataforma assente no cartão bancário plástico, algo que as autoridades europeias querem combater (até para colocar um freio no domínio de “gigantes” como a Visa e a Mastercard). Com a tecnologia existente hoje, não faz sentido continuar a depender de cartões bancários, defendem autoridades europeias como o próprio Banco Central Europeu (BCE), que em maio de 2018 veio a Lisboa dar um “puxão de orelhas”.

Num momento que provocou um celeuma inesperado numa conferência organizada pelo Banco de Portugal, no Museu do Dinheiro, Marc Bayle de Jessé elogiou o sucesso do MB Way (que, entretanto, já duplicou o número de utilizadores em relação ao que tinha então) mas criticou o facto de o MB Way ser uma plataforma desenvolvida internamente, para servir apenas clientes de bancos portugueses, quando “deveríamos focar todos os nossos esforços na criação de soluções pan-europeias“.

O ponto criticado pelo representante do BCE em relação ao MBWay é que se trata de um serviço que se baseia num cartão bancário associado a uma conta de um banco português. O que contrasta com o novo modelo que, entretanto, já foi lançado a nível europeu, chamado TIPS (TARGET instant payment settlement). Um esquema em que são possíveis transferências de dinheiro entre contas bancárias em poucos segundos, 24 horas por dia e 365 dias por ano, como explicou Marc Bayle na sua apresentação, sem associação a qualquer cartão bancário (e sem fronteiras, dentro da união monetária).

Marc Bayle de Jessé não ficou sem resposta e a presidente da SIBS acusou o toque. Madalena Cascais Tomé garantiu que para os utilizadores do MB Way “é exatamente igual” se o serviço se baseia no seu cartão ou noutra coisa qualquer — “as pessoas querem é poder fazer as transferências e os pagamentos de forma imediata e segura”.

O apontamento causou polémica: no painel de debate seguinte, um administrador do BCP, Rui Teixeira, considerou o comentário de Marc Bayle de Jessé “antipático“, uma linguagem pouco habitual naquele tipo de conferências. Maria João Carioca, administradora da Caixa Geral de Depósitos que participou na mesma mesa-redonda, também criticou o representante do BCE, defendendo que a SIBS fez bem em avançar com este serviço em Portugal “porque se cada vez que quiséssemos lançar alguma coisa tivéssemos de esperar até conseguir envolver todos os bancos europeus ainda hoje não tínhamos um serviço” (o MB Way).

BCE veio a Lisboa dar “puxão de orelhas” por causa do MBWay

Na altura, os bancos defendiam o MB Way contra este tipo de críticas — e, hoje, continuam a dizer que é uma “marca muito importante”. Mas, com o sucesso da aplicação, fica claro que há uma mudança de atitude, em que os bancos se sentem reféns de uma marca cuja criação eles próprios patrocinaram e que, agora, poderá estar a prejudicar o seu negócio. Depois do BPI, do BCP e, em breve, do Santander Portugal, a expectativa no setor é que, mais tarde ou mais cedo, todos os bancos irão passar a cobrar pelas transferências com a app do MB Way — até quando a app vai continuar a existir, depois disso, é uma incógnita.

A perceção dos consumidores, porém, é que mesmo sendo o MB Way gratuito uma “conquista” recente, aplicar comissões deste calibre “não soa a comissão, soa a confisco”, critica Sebastião Lancastre, da Easypay. A cobrança não foi uma “boa notícia” para os consumidores, mesmo reconhecendo que o grau de habituação não será o mesmo que é, há várias décadas, a utilização gratuita das caixas Multibanco — outro “camarãozinho” que os banqueiros dão a entender que só não passam, também, a cobrar, porque está legislado que não o podem fazer.

Mas a cobrança de comissões que chegam a 1,50 euros (por uma transação que terá um custo real de poucos cêntimos) “deixa os bancos com muito má imagem”, defende o CEO da Easypay. “E, assim, os clientes mais facilmente decidirão mudar, à primeira oportunidade que tiverem. Nestas coisas, como aconteceu com os táxis [com a chegada de empresas como a Uber], há o risco de que um dia as pessoas decidam experimentar uma coisa nova, uma alternativa aos bancos tradicionais — como as várias que vêm aí. E a tendência tem sido que, depois de se mudar, não se volta mais“.

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