Agora que se acabaram as correntes de água quente na praia de São Torpes, em Sines, é preciso viajar mais para sul ou atravessar o Atlântico à procura de praias que não nos congelem os pés ao primeiro toque. O sotavento algarvio, com a influência das correntes vindas do norte de África e do mar Mediterrâneo, consegue ser mais convidativo a banhos, mas nada como as praias para lá de Ceuta e Gibraltar.
Por esta altura, a temperatura do mar Mediterrâneo assemelha-se mais a uma piscina aquecida, com os termómetros a registarem em alguns locais mais de 30º C e com muitos a ultrapassarem em seis graus Celsius as temperaturas médias para esta altura do ano. Se já está a esfregar as mãos de contente, chegou a vez do balde de água fria: não há razões para celebrar, muito pelo contrário.
A temperatura aumenta e morre-se em terra e no mar
O verão de 2003 foi um dos mais quentes de que há memória. A Amareleja, em Portugal, chegou aos 47,3º C e a vaga de calor na Europa terá provocado a morte de mais de 70 mil pessoas em 16 países, de acordo com uma estimativa da União Europeia. No Mediterrâneo não foi melhor: durante 30 dias, a temperatura da água esteve 4º C acima da temperatura média para a altura do ano — a mais longa de que há registo no Mediterrâneo, segundo o grupo internacional que se dedica ao estudo destes fenómenos.
As ondas de calor a que assistimos na Europa (em 2003, 2022 e em tantos outros anos) são um dos responsáveis pelo aumento da mortalidade entre humanos. Mas não só. As ondas de calor atmosféricas influenciam as ondas de calor marinhas, nomeadamente no mar Mediterrâneo, levando a uma mortalidade em larga escala de plantas e animais invertebrados, como corais. Assim como vemos as ondas de calor alimentar grandes incêndios na Península Ibérica e Europa ocidental, também as ondas de calor no Mediterrâneo parecem grandes incêndios subaquáticos que deixam os corais completamente queimados ou tão frágeis que, se não foram imediatamente destruídos por esses fenómenos, ficam de tal forma fragilizados que acabam por morrer com o tempo.
O que é uma onda de calor marinha?
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As ondas de calor marinhas têm uma definição semelhante à das ondas de calor atmosféricas: durante cinco dias consecutivos, pelo menos, a temperatura está tão ou mais alta do que 10% das temperaturas mais elevadas registadas.
No mar, se esta vaga for quebrada por um ou dois dias — em que não se verificam estas condições, mas depois se retomam —, continua a dizer respeito à mesma onda de calor.
Os anos de 1999 (o mais quente do último milénio) e de 2003 registaram dois dos piores anos para as espécies do mar Mediterrâneo: só no noroeste da bacia foram afetadas mais de 40 espécies ao longo de vários milhares de quilómetros da zona costeira. Mas, depois disso, o período entre 2015 e 2019 tornou-se o mais quente para o Mediterrâneo desde que os satélites começaram a registar estes dados em 1982.
A temperatura do mar Mediterrâneo entre 2015-2019 foi, em média, 1,2º C mais alta do que no período 1982-1986 (em alguns locais mais 1º Celsius, mas noutros chegou a 1,4º C) — mais de três vezes o aumento da temperatura média dos oceanos de todo o mundo. A temperatura média dos oceanos está a aumentar em todo o globo, mas no Mediterrâneo está a aumentar 20% mais rápido do que a média global, segundo um relatório do World Wide Fundo for Nature (WWF), de 2021. E está a aumentar mais rápido do que a da atmosfera, que está cerca de 1,1º C acima dos valores da era pré-industrial (antes de 1750).
Have you ever wondered how the Sea Surface Temperature (SST) Anomaly has changed in the northern hemisphere since the beginning of the summer?
Find out with the #OpenData from our @CMEMS_EU
⬇️The #SST Anomaly between June and July 2022 visualised in the #MyOceanViewer pic.twitter.com/7fYNlLXSyl
— Copernicus EU (@CopernicusEU) July 26, 2022
Este ano, os registos de temperaturas mostram já zonas da bacia que atingiram 6º C acima da média. “O mar tem aquecido gradualmente como uma panela porque houve um episódio de calor muito forte em maio, uma onda poderosa e prematura em junho e agora [em julho] a mais intensa”, disse Marc Santandreu, meteorologista da TVE, citado pelo jornal El País. O que acontece é que as massas de água até podem resistir durante algum tempo ao aumento da temperatura, mas uma vez quentes também têm mais dificuldade em voltar a arrefecer. As variações de temperatura na atmosfera na atmosfera — como 5 ou 10º C a menos de um dia para o outro — não acontecem à mesma velocidade no oceano.
O período de 2015 a 2019 foi o escolhido pela equipa que juntou 33 grupos de investigadores de 11 países diferentes. O objetivo era colmatar a falta de conhecimento e corrigir a fotografia de 2003, que estava muito enviesada — tinham sido recolhidos muito mais dados na região oeste da bacia do que na região este (que até está a aquecer mais depressa) e havia mais pontos de amostragem na costa europeia a norte do que na costa africana a sul, e a investigação estava mais focada nas espécies fixas (como corais e vegetação marinha) do que em outras espécies como moluscos ou ouriços-do-mar. Agora, a investigação coordenada pelo Instituto de Ciência do Mar de Barcelona (ICM-CSIC) tinha 142 áreas de monitorização, onde foi possível avaliar as temperaturas e o impacto nas espécies desde a superfície até à profundidade de 45 metros (com intervalos de cinco metros).
“Nunca antes a bacia do Mediterrâneo tido sido afetada por eventos de mortalidade em massa, com tal número e diversidade de grupos taxonómicos afetados, e em tão grandes escalas espaciais, durante cinco anos consecutivos”, verificaram os investigadores no artigo científico publicado na Global Change Biology. Esta mortalidade de muitas espécies em larga escala “não tem precedentes na bacia do Mediterrâneo nem a nível global”. Por comparação, a lixiviação (e morte) dos recifes de coral (como os da Austrália), entre 2014 e 2020, aconteceu várias vezes, mas não em cinco anos seguidos.
Os anos mais quentes no mar Mediterrâneo sobrepõem-se perfeitamente com os anos mais quentes em termos atmosféricos. Em 30 anos (de 1991 a 2020), os 10 anos mais quentes na Europa aconteceram todos depois da entrada do novo milénio e sete deles de 2014 a 2020 — de notar que nestas contas, e na análise da equipa internacional, ainda não entram 2021 e 2022, com os seus próprios recordes de temperaturas e de ondas de calor (em número e duração).
Um mar quente como o ar que nos envolve em terra é incapaz de funcionar como um sistema de arrefecimento da atmosfera. Mais, o aquecimento deste mar praticamente fechado, a uma velocidade muito superior à dos restantes oceanos, terá também reflexos em terra, como o aumento do risco das chuvas torrenciais a partir do final do verão e o potencial de se formarem furacões mediterrânicos (“medicane“) que, apesar de menos intensos do que os do oceano Atlântico, atingem zonas densamente povoadas que não estão preparadas para os enfrentar.
O cenário torna-se mais preocupante se considerarmos que o número e intensidade das ondas de calor atmosféricas (e, consequentemente, marinhas) terá tendência a aumentar. Até ao final do século, se nada fizermos para travar a emissão de gases com efeito de estufa e os efeitos das alterações climáticas, podemos estar a assistir a 10 ondas de calor por ano, conforme disse ao Observador (em julho) Pedro Matos Soares, especialista em modelação climática no Instituto Dom Luiz (IDL) da Universidade de Lisboa.
Pior, a implementação das medidas do Acordo de Paris, que pretendem limitar o aquecimento global a um máximo de 2º C acima da média do período pré-industrial, não parecem ser suficientes. Os oceanos — e, em particular, o mar Mediterrâneo — terão mais dificuldade em recuperar, porque a regeneração dos ambientes marinhos é muito mais lenta. “Em 2050 será tarde demais para os ambientes marinhos”, anunciou desanimado Jean-Baptiste Ledoux, que participou na equipa internacional a partir de Portugal.
“Nos últimos 20 anos, as ondas de calor marinhas duplicaram em frequência, em termos globais, e tornaram-se mais longas, mais intensas e estenderam-se por áreas maiores”, escreveram os autores do artigo na Global Change Biology. “O aumento na frequência destas ondas de calor foi associado ao rápido crescimento de eventos de mortalidade em massa em todo o mundo.”
A escassez de dados de períodos longos — séries com 30 ou mais anos — em muitas destas localizações, a análise de grandes áreas da bacia (em vez de olhares mais aproximados) e a falta de conhecimento sobre o impacto das temperaturas nas reações biológicas das espécies podem fazer com que os investigadores tenham uma imagem mais benigna do estado do Mediterrâneo do que a realidade. “É provável que muitos eventos de mortalidade em massa continuem por detetar, em particular nas ecorregiões e áreas com menor intensidade de investigação”, concluíram.
As ondas de calor provocam “incêndios subaquáticos”
No mar como em terra, existem florestas e pradarias que dão proteção e alimento a uma grande diversidade de organismos. Mas tal como vemos acontecer na terra, as temperaturas elevadas podem proporcionar as condições ideais para os incêndios. É certo que as florestas marinhas não são feitas de árvores e não ardem, mas “os eventos de mortalidade em massa são os fogos destas comunidades”, contou ao Observador Jean-Baptiste Ledoux, investigador do CIIMAR (Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental) na Universidade do Porto.
Ao fim de vários dias acima dos 25º C — o limite máximo de temperatura para muitas espécies do Mediterrâneo —, o calor acaba por provocar a morte das células de animais e plantas — as tais queimaduras que se assemelham à passagem de um fogo. Este “incêndio subaquático” destrói os prados marinhos com as ervas-de-Neptuno (Posidonia oceanica), uma espécie que só existe na bacia do Mediterrâneo, e os jardins de coral de formas e cores diversas, perdendo-se os berçários e zonas de proteção de peixes e outras espécies de valor comercial para o homem.
Os indivíduos que não morreram como resultado de uma onda de calor não estão livres de perigo. A energia que o organismo gasta só para combater o stress térmico é de tal ordem que são incapazes de se reproduzir quando chega o outono — o organismo já não dispõe de energia suficiente para produzir os gâmetas (células sexuais que se fundem na fecundação). E quando chega a próxima vaga de calor (que agora acontece todos os anos), os organismos ainda não conseguiram recuperar do impacto da anterior e acabam por morrer. “O coral vermelho tem uma taxa de crescimento de alguns milímetros por ano”, ilustrou Jean-Baptiste Ledoux.
As gorgónias (ou leques-do-mar) e os corais são da família das medusas e anémonas, e, tal como as segundas, estão fixos a um substrato. As anémonas fixam-se nas rochas, mas as gorgónias e corais, depois de um primeiro ponto de fixação, fazem construções incríveis com os materiais que produzem (em alguns deles, estruturas rígidas ramificadas de carbonato de cálcio). Apesar da semelhança dos tentáculos ao sabor da corrente para filtrar os alimentos para o interior do organismo, os pólipos que originam gorgónias e corais são muito mais pequenos (e frágeis).
Ondas de calor marinhas provocaram “mortalidade em massa” no mar Mediterrâneo
Depois do dito “incêndio subaquático”, os ramos das gorgónias e corais (o esqueleto que por vezes se usa na decoração ou peças de joalharia) ficam expostos e são ocupados por epifítas (nas árvores, são as plantas que se fixam nos ramos sem precisar de estar na terra). O peso das epífitas sobre o organismo que está total ou parcialmente morto faz com que os ramos se partam, contribuindo para a destruição dos jardins de coral.
Estes incêndios subaquáticos acontecem um pouco por toda a bacia do Mediterrâneo com algumas áreas a serem mais afetadas do que outras. E nem as áreas marinhas protegidas estão a salvo do aumento global da temperatura, avisou o investigador do CIIMAR. “As áreas marinhas protegidas da Córsega [ilha francesa] tinham populações modelo há 20 anos — e deviam ter-se mantido saudáveis. Mas, nos últimos 10 anos, perderam mais de 90% da densidade de biomassa.” Como se não bastasse, as águas na costa leste da Córsega atingiram um recorde de 30,7º C no final de julho — sendo que, no mar das Caraíbas, as temperaturas da água rondam os 27 a 32º no período mais quente.
La température de la mer est en passe d'atteindre les 30°C (comme le 22/7) à la bouée au large de la côte orientale de la #Corse (Alistro).
L’anomalie thermique de la Méditerranée occidentale est exceptionnelle, parfois > à 5°C au large de la Provence. #canicule pic.twitter.com/DJ6YvplzNa— Keraunos (@KeraunosObs) July 24, 2022
Quanto mais calor, mais intensa a atividade microbiana nas águas, que aumenta a digestão de matéria orgânica. Esta atividade, por si, não seria um problema não fosse os microorganismos consumirem oxigénio no processo, reduzindo a quantidade de oxigénio na água até um ponto em que os outros organismos não conseguem aguentar e acabam por fugir ou morrer, destacou Fernando Valladares, especialista em alterações climáticas e professor no Conselho Superior de Investigações Científicas espanhol (CSIC), citado pelo El Espanol.
Pai do canal do Suez deu nome à invasão do Mediterrâneo
A introdução de espécies de uma região numa outra onde nunca tinham existido não é um fenómeno novo: é graças a isso que temos laranjeiras e tantas outras plantas de cultivo, mas também foi assim que os lagostins-vermelhos-do-Louisiana, originários dos Estados Unidos, invadiram os arrozais da Península Ibérica, prejudicando a produção de arroz e levando à extinção do lagostim-de-patas-brancas (o único lagostim português de água doce). Também no caso do mar Mediterrâneo é preciso recuar na história, até ao século XIX, e perceber o que afetou a biodiversidade (variabilidade de seres vivos), como destacou Bayram Öztürk, professor na Universidade de Istambul, em conversa com o Observador.
Ferdinand Marie, visconde de Lesseps, nascido no império de Napoleão Bonaparte, foi responsável por terminar uma obra começada por um dos engenheiros do imperador francês: a abertura do canal do Suez, no Egito, que ligou artificialmente o mar Mediterrâneo ao mar Vermelho, dois ecossistemas marinhos que não se haviam tocado antes. O diplomata também foi responsável pela construção do canal do Panamá, onde fracassou e se viu envolvido no escandâlo do Panamá, divulgado por jornais franceses no final do século — mas isso é uma outra história.
A abertura do canal do Suez, completada em 1869, permitiu que as espécies do norte do oceano Índico e do mar Vermelho migrassem para o Mediterrâneo, introduzindo espécies tropicais (peixes, crustáceos, moluscos e outros animais e plantas marinhas) num ecossistema onde não tinham predadores. A invasão das espécies foi de tal dimensão e em tão curto espaço de tempo que ganhou um nome próprio: migração Lessepsiana, graças à obra do diplomata francês. Outras migrações ou invasões de espécies exóticas em larga escala também tomam, por vezes, este nome.
É preciso dizer que estas espécies vindas de outros mares tiveram a vida facilitada. Primeiro, a sobreexploração dos recursos pesqueiros no Mediterrâneo eliminou os predadores que lá viviam — como as garoupas, atum-rabilho ou espadartes —, deixando a invasão das espécies exóticas sem qualquer controlo natural. Depois, o aumento global da temperatura, que também atinge as massas de água, facilita a entrada e expansão destas espécies tropicais que gostam de águas quentes. Só o Mediterrâneo tem mais de 900 espécies não-nativas e o mar Negro cerca de 300.
A abertura do canal do Suez permitiu e facilitou a circulação de mercadorias entre a Ásia e a Europa que, de outra forma, teriam de circular por terra, como na antiga Rota da Seda, ou por mar, dando a volta a África, como a descoberta do caminho marítimo para a Índia permitiu. O Mediterrâneo é assim uma das mais importantes e mais movimentadas rotas comerciais marítimas. E foram precisamente os navios que originaram a introdução de outras espécies estranhas àquele ambiente.
À medida que os navios se deslocam de um ponto do planeta para outro consomem o combustível que carregam, diminuindo o peso bruto. Como resultado, o navio fica menos afundado na água e torna-se mais difícil de manobrar. A solução é encher tanques com água do mar e compensar o peso perdido. O problema é que não é só a água salgada que enche os tanques, estes ficam carregados de pequenos organismos. Ao chegar ao porto de destino, o navio larga a água dos tanques, para facilitar as manobras de atracagem e também as cargas e descargas, mas também larga inúmeros organismos que podem crescer e estabelecer-se num local onde antes não existiam. O reconhecimento desde problema já nos anos 1990 levou à adoção da Convenção Internacional para o Controlo e Gestão das Águas de Lastro e Sedimentos dos Navios, que entrou em vigor em setembro de 2017.
Não é preciso dentes de tubarão para haver mortes
“Nadadores, mergulhadores e pescadores amadores e profissionais devem ser cuidadosos e evitar o contacto com a medusa.” O aviso poderia surgir em qualquer praia, quando as águas aquecem excecionalmente e estes animais invadem as zonas costeiras. Mas, neste caso, refere-se especificamente a uma espécie de água-viva do oceano Índico (Rhopilema nomadica) que entrou no Mediterrâneo pelo canal do Suez na década de 1970 e pode provocar, nos casos mais graves, falta de ar, inchaço e choque anafilático.
O chapéu quase esférico desta medusa pode chegar aos 60 centímetros de diâmetro e o animal pode pesar um total de 10 quilos. Como se reproduz facilmente e encontrou boas condições para o fazer no Mediterrâneo, a probabilidade de se cruzarem com banhistas e outras pessoas que desenvolvam atividades no mar é cada vez maior — uma colónia pode estender-se por 100 quilómetros. Pelos riscos que traz para as populações e atividades humanas, a Fundação de Investigação Marinha Turca (TÜDAV) tem um programa de vigilância desta espécie.
Uma outra espécie de animal gelatinoso, a Mnemiopsis leidyi, também teve um grande impacto na região, desta vez afetando mais as pescas do que a segurança das pessoas — no mar Negro dizimou os stocks pesqueiros, deixando os pescadores sem recursos alternativos. A Mnemiopsis leidyi, de 2,5 centímetros de diâmetro e de menos de 15 centímetros de comprimento, é originária do Atlântico oeste, junto à costa da América do Norte, mas foi espalhada um pouco por todo o mundo pelas descargas das águas de lastre. Ao contrário das medusas (que pertencem a outro grupo), não tem os pequenos arpões que injetam o líquido urticante. Mas é uma ávida predadora, comendo os peixes de interesse comercial e as larvas desses peixes — no mar Negro e no mar Marmara arruinou a pesca da anchova.
As medusas têm um impacto em vários serviços humanos, como destaca o Fundo Mundial para a Natureza (WWF). Podem invadir as aquaculturas e predar os peixes que lá se encontram, bloquear a entrada de água de arrefecimento nas centrais elétricas, afastar os turistas de determinadas zonas (com o impacto económico que isso representa para as populações) ou picar os pescadores que tentam livrar as artes de pesca destes animais.
O envenenamento de pescadores e populações que dependem da pesca não resulta só do contacto com as medusas; também os peixes exóticos que se foram tornando dominantes no Mediterrâneo podem ter um impacto equivalente. Um dos exemplos vem da família dos peixes-balão, em particular o peixe-sapo-de-bochecha-prateada (Lagocephalus sceleratus), que possui um dos venenos mais potentes conhecidos. A ingestão destes peixes pode provocar náuseas e vómitos, tonturas, dor de cabeça, dor abdominal e paralisia muscular progressiva, causando eventualmente a morte devido a paralisia respiratória, conforme alerta o TÜDAV, presidido por Bayram Öztürk.
O peixe-leão (Pterois miles), os peixes-coelho (Siganus rivulatus e Siganus luridus) e o peixe-gato-enguia-listado (Plotosus lineatus) também podem injetar veneno na pele de quem lhes toca nos espinhos causando dor intensa, mas normalmente sem risco de morte para as pessoas adultas. Aqui, o manuseamento cuidadoso destes peixes traz vantagens porque são comestíveis e podem ser comercializados pelos pescadores. No caso dos peixes-coelho até se agradece que sejam apanhados porque são conhecidos por terem um apetite voraz e comerem sem reservas as plantas e algas marinhas, destruindo os habitats naturais do Mediterrâneo.
Proteger 30% das áreas marinhas para salvar a biodiversidade e as atividades humanas
Se o aquecimento global dos oceanos é, como o aquecimento da atmosfera, resultado das alterações climáticas causadas pelo homem, então seria lógico pensar que a redução dos gases com efeito de estufa poderia travar ambos os fenómenos. Porém, a água não reage como o ar. Se precisamos de reduzir drasticamente as emissões a partir de 2025 para conseguirmos estabilizar a temperatura por volta de meados do século, será preciso muito mais tempo para que os oceanos consigam encontrar um ponto de equilíbrio.
Sem medidas que reduzam imediatamente a emissão de gases com efeito de estufa ou o aumento global da temperatura (da atmosfera e dos oceanos), é preciso preservar e restaurar alguns dos ecossistemas marinhos, defende a WWF no relatório de 2021, apelando à criação de áreas marinhas protegidas em, pelo menos, 30% do Mediterrâneo. “O que podemos e devemos fazer é reduzir a pressão humana e construir resiliência — ecossistemas saudáveis e uma biodiversidade próspera são as nossas melhores defesas naturais num mundo em aquecimento.”
As populações que vivem junto ao Mediterrâneo dependem destes ecossistemas saudáveis e prósperos para as suas atividades económicas, como pesca, aquacultura, turismo e outras atividades recreacionais. Estas populações são assim prejudicadas pelo aparecimento de espécies invasoras que atacam aquaculturas, comem as espécies de valor comercial e as suas larvas, afligem turistas e podem até matar pescadores. A solução passa por pescar as espécies invasoras que possam ser vendidas para alimentação e promover a recuperação de espécies predadoras que possam caçar estas invasoras, como as garoupas, defende a organização de defesa do ambiente.
Para começar, é preciso mapear e contabilizar as espécies indígenas, as exóticas e os impactos em cada área do Mediterrâneo, assim como uniformizar as bases de dados para que sejam fáceis de consultar e comparar. “Existem programas de monitorização, mas não estão interligados, os dados têm de ser partilhados”, diz Bayram Öztürk. Para isso, é necessária a colaboração de várias equipas e dos vários países (mais de 20) que circundam a bacia. Outra opção, é procurar espécies que resistam aos impactos do aquecimento global e da invasão de espécies para promover o restauro dos ecossistemas naturais com espécies mais resilientes.
Jean-BaptisteLedoux, apesar de continuar a dedicar-se à investigação, mostra pouca esperança. “As soluções não são muitas e estão dependentes dos decisores políticos. Nós, os cientistas, estamos a produzir os relatórios [com informação baseada no que é possível observar]”, diz. “Mas não dá para voltar atrás, o estado das comunidades do mar Mediterrâneo não vai recuar 100 anos.”