O Banco Central Europeu (BCE) irá anunciar esta quinta-feira uma nova subida das taxas de juro que todos os analistas preveem que seja de mais 50 pontos-base, ou meio ponto percentual. É mais uma dose agressiva de aperto monetário que surge apesar de a inflação na zona euro ter baixado pelo terceiro mês consecutivo – porém, ainda está em 8,5%, mais de quatro vezes o objetivo, um nível que Christine Lagarde, a presidente do BCE, já várias vezes disse ser “inaceitavelmente elevado”. Tão “elevado” que é praticamente uma certeza que este aumento dos juros não será o último.
A confirmar-se a subida de 50 pontos nas taxas de juro, isso significa que irá subir para 3% a taxa dos refinanciamentos do BCE (aquilo que, em termos simples, os bancos pagam pelo financiamento do banco central) e irá passar para 2,5% a taxa dos depósitos, ou seja, aquilo que os bancos recebem pelos seus depósitos no BCE. Num contexto em que ainda existe ampla liquidez disponível no mercado monetário, os analistas têm explicado que a taxa de depósitos continua a ser a principal ferramenta de política monetária que o BCE está a empregar neste momento.
“Um aumento de 50 pontos parece ser um dado adquirido“, dizem os analistas do Morgan Stanley em antecipação à reunião do Conselho do BCE desta quinta-feira. Christine Lagarde já deu a entender, em dezembro, que esse seria o caminho a seguir na primeira reunião de 2023 – “e nenhum dos governadores, nas semanas posteriores, veio lançar dúvidas sobre se a decisão seria mesmo essa”, acrescenta o Morgan Stanley. É por isso que a primeira pergunta que a fazer à presidente do BCE será acerca do que vai acontecer na próxima reunião, em março, e até que níveis é que o BCE antecipa que as taxas de juro poderão subir nos próximos meses.
Holger Schmieding, economista-chefe do Berenberg Bank, antecipa que “o BCE deverá, provavelmente, tentar fugir a dar uma resposta clara a esta questão, esta quinta-feira”. Mas “depois desta subida de 50 pontos-base este mês, [Lagarde] deverá confirmar a orientação que foi dada anteriormente de que a 16 de março virá um novo aumento de 50 pontos – e o aperto monetário deverá continuar depois disso, no segundo trimestre“, antecipa o especialista.
A expectativa do economista do Berenberg é que, depois destes dois aumentos de 50 pontos (esta quinta-feira e, possivelmente, na reunião de março), ainda irá surgir mais um aumento de 25 pontos-base na primavera – o que levaria a taxa dos depósitos para 3,25% (e a taxa dos refinanciamentos para 3,75%). Porém, como reconhece o próprio Holger Schmieding, é maior o risco de esta previsão pecar por carência do que por excesso.
Mercados antecipam Euribor nos 3,6% em agosto
A previsão do Berenberg aponta para mais 125 pontos-base de aumento dos juros mas o consenso dos mercados tem vindo a mover-se no sentido de mais 150 pontos-base de aumento, isto é, 50 pontos esta quinta-feira, 50 pontos em março e 50 pontos na primavera (possivelmente desdobrados em dois aumentos de 25 pontos). Ou seja, as taxas de juro podem subir para 3,5% e 4%, respetivamente.
Estas são previsões que, caso se confirmem, devem significar mais aumentos para as Euribor, os indexantes que definem as prestações da maior parte das famílias portuguesas com crédito à habitação, que são mais de um milhão. Neste momento, os mercados de futuros de taxas de juro estão apontar para um “pico” das taxas Euribor no início de agosto, com o indexante mais usado em Portugal – a Euribor a seis meses – a superar os 3,6%.
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O indexante a 6 meses superou esta quarta-feira os 3% pela primeira vez em 14 anos e a Euribor a 12 meses já superou os 3,4%, um intervalo que, a manter-se, poderá significar que a Euribor a 12 meses poderá aproximar-se dos 4% no verão – embora os mercados de futuros de taxas de juro não estejam a antecipar, neste momento, um aumento para um nível tão elevado.
As taxas Euribor superaram os 5% em 2008 mas, para já, não há perspetivas de que possam regressar a esses valores. Tudo irá depender, contudo, da forma como evoluir a taxa de inflação – se não abrandar de forma tão rápida quanto o BCE espera, o remédio poderá ser um aperto monetário mais forte, através dos juros. Esta quarta-feira o Eurostat apontou para uma descida da inflação de 9,2% para 8,5% na zona euro mas os analistas continuam pouco convencidos.
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“A descida no valor da inflação foi surpreendentemente significativa e poderá alimentar as expectativas de alguns investidores de que o BCE não irá subir as taxas de juro tanto quanto se temia”, reconhece Christopher Weil, analista do Commerzbank em nota de análise. “Porém”, defende o especialista, “não há justificação para se achar que o BCE vai tirar o pé do acelerador, porque as pressões inflacionistas subjacentes continuam a não baixar e a taxa de inflação subjacente [que exclui os preços da energia] continua num nível elevado de 5,2%”.
Também Robert Lind, economista do Capital Group, diz ver com “ceticismo que a inflação possa aproximar-se rapidamente do objetivo”, que é de 2%, um nível que a generalidade dos economistas acredita que pode ser atingido em 2024. Mas Robert Lind não está tão otimista: “em primeiro lugar, prevejo uma pressão (altista) mais persistente nos preços da energia“, à medida que a guerra se arrasta e a Europa tenta diversificar as suas fontes de fornecimento para substituir a Rússia.
“Além disso, acredito que os responsáveis políticos vão tolerar níveis de inflação mais elevados à medida que a economia se ajusta após este aumento brusco dos rendimentos reais”, isto é, os rendimentos ajustados à inflação, diz Robert Lind. O analista diz que “a alternativa a tolerar níveis de inflação um pouco mais elevados é forçar mais aumentos de juros que poderão gerar uma recessão mais profunda” e “tendo em conta as pressões socio-económicas que isso poderia criar, julgo que é mais provável que os governos europeus mantenham políticas orçamentais mais generosas para apoiar as suas economias“.
E como é que bancos centrais como o BCE e, também, a Reserva Federal vão reagir perante essa postura por parte dos governos? Publicamente, Christine Lagarde tem pedido aos governos que façam a sua parte e não alimentem mais pressões inflacionistas. Mas Robert Lind acredita que “os bancos centrais acabarão por permitir isso aos governos, ou seja, vão aceitar níveis de inflação elevados por mais tempo”.
Esta é a convicção do economista do Capital Group, porém, é uma convicção que o próprio diz que “parte do pressuposto de que não surgem sinais de que a inflação está a desancorar-se e a tornar-se indomável, como aconteceu nos anos 70″.