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Militares, empresários e um advogado DJ. Quem é quem na teia do tráfico de diamantes

Juiz Carlos Alexandre ouviu 11 arguidos, mas o despacho de indiciação no processo revela mais de duas dezenas de nomes numa teia de negócios ilícitos cujos lucros circularam entre dezenas de contas.

A meses de partir para a República Centro Africana (RCA) para uma missão em 2020, o capitão dos Comandos do Exército, Nuno Loureiro, combinou vários encontros com o antigo militar Paulo Nazaré — agora considerado suspeito de liderar uma rede criminosa que se dedicava a trazer diamantes do país onde também ele tinha estado em missão dois anos antes.

Segundo as autoridades, nessa missão Paulo Nazaré estabeleceu vários contactos com militares das Forças Armadas para garantir que o negócio que ali experimentou continuava. Desde o seu regresso a Portugal, em março de 2018, até esta semana, em que ficou preso preventivamente, Nazaré deixou a vida militar e não tem qualquer atividade profissional declarada. No entanto, a Polícia Judiciária descobriu várias movimentações financeiras por diversas contas que o terão beneficiado. Por detrás desses negócios alegadamente ilícitos estão suspeitas de contrafação e utilização fraudulenta de cartões de débito e crédito, contrafação e passagem de moeda falsa, tráfico de estupefacientes, contrabando de diamantes e ouro, phishing, transferências e pagamentos fictícios, transações de bitcoins, acessos ilegítimos e burlas informáticas para branquear dinheiro.

Desta rede, onze arguidos foram presentes ao juiz de instrução Carlos Alexandre, mas há mais nomes no despacho de indiciação a que o Observador teve acesso que foram apanhados na teia e que ainda podem vir a ser constituídos arguidos.

Segundo as escutas telefónicas de que estavam a ser alvo desde o início desse ano de 2020, quando a Covid-19 foi considerada uma pandemia em Portugal, um desses nomes é o do capitão Nuno Loureiro, que  telefonou a Paulo Nazaré para se encontrarem a 12 de maio de 2020, depois de um compromisso que tinha no Hospital das Forças Armadas. Estava a meses de partir para a RCA.

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Desta rede, onze arguidos foram presentes ao juiz de instrução Carlos Alexandre, mas há mais nomes no despacho de indiciação a que o Observador teve acesso que foram apanhados na teia e que ainda podem vir a ser constituídos arguidos

Nesse dia, Nazaré usou o telemóvel de uma das suas namoradas para telefonar a Nazar Stasho, seu antigo colega nos comandos, que tem dupla nacionalidade (portuguesa e ucraniana) e que era agora cabo dos Comandos do Exército, a perguntar quem era o primeiro sargento que tinha as “contas”. Nazaré, que tinha estado na RCA em 2018, perguntou-lhe se dava para receber “9 milhões e reenviar”, ao que o militar lhe respondeu que só recebia até um milhão. Nazar contactou então Tiago Gaspar, o tal militar das “contas”, para saber pormenores sobre uma conta que alegadamente usavam para receber estas transferências. Gaspar lembrou que era preciso saber a origem do dinheiro e recomendou usarem aplicações como o WhatsApp, o Signal ou o Telegram, para falarem sobre esse assunto. Os três acabaram a encontrar-se pessoalmente no Regimento de Comandos para discutir os detalhes da transferência.

Nuno Loureiro sugeriu então ao grupo que falassem com o seu sogro, que é advogado, para os ajudar. Acabaram por encontrar-se com ele junto do centro comercial Central Park, em Linda-a-Velha. A 13 de maio de 2020 Paulo Nazaré acabaria a telefonar a Wilker Rodrigues, cidadão brasileiro que a par de Paulo Nazaré ficou em prisão preventiva na Operação Miríade, a dizer que o sogro de Nuno Loureiro era “um gajo esperto”. E que lhe tinha perguntado que tipo de empresa estava em causa. O agora arguido respondeu-lhe que era uma empresa de obras públicas.

Operação Miríade. Militares suspeitos de tráfico de diamantes e droga tinham cúmplices em Portugal, também detidos: o caso em 10 pontos

Paulo Nazaré e os militares voltariam a encontrar-se nos dias seguintes. Loureiro chegou mesmo a perguntar pela minuta de um contrato, que aparentemente justificaria a transferência. Já em outubro de 2020, estava Nuno Loureiro na RCA, Paulo Nazaré foi escutado a falar sobre um negócio que iria acontecer naquele país. Falou também sobre os voos de sustentação semanais, porque seria “uma logística muito mais fácil de trabalhar” e que iria falar com alguém destacado daquele país, lê-se no despacho de indiciação.

As oito pedras preciosas que Nazaré comprou

Segundo o Ministério Público, este grupo de militares colabora na rede criminosa alegadamente liderada por Paulo Nazaré e denunciada por Samuel Ben Wada, um intérprete da Minusca, que chegou a ser intermediário num negócio de compra e venda de diamantes, mas que acabou sem receber os 20% que o próprio Paulo Nazaré lhe prometeu, quando estava em missão na RCA. Nessa altura o agora arguido comprou oito pedras preciosas do tipo diamante a comerciantes locais. Depois de terminar a missão, ainda deu o contacto de Samuel Ben Wada a outro militar, o capitão Ricardo Marçal, para que ele adquirisse mais diamantes.

Num primeiro encontro que o militar manteve com o intérprete e com o vendedor, em agosto de 2019, não houve acordo. Num segundo, acompanhado a partir de Portugal por Paulo Nazaré em videochamada, foi realizada a pesagem dos diamantes que foram pagos em euros e dólares americanos no equivalente a 10 mil euros

Num primeiro encontro que o militar manteve com o intérprete e com o vendedor em agosto de 2019 não houve acordo. Num segundo, acompanhado a partir de Portugal por Paulo Nazaré por videochamada, foi realizada a pesagem dos diamantes que foram pagos em euros e dólares americanos no equivalente a 10 mil euros. Estes diamantes foram trazidos para Portugal num voo de sustentação militar que não terá sido fiscalizado. Como Samuel Ben Wada não recebeu qualquer comissão, denunciou-o.

Se não fosse por ele, seria pelo major Sérgio Marques, que meses depois acabaria mesmo por entregar um saco diamantes à Polícia Judiciária Militar. Marques tinha sido apresentado pelo capitão Gabriel Pestana dos Santos a um cidadão local de nome “Brice”. Seria uma pessoa de confiança que trabalhava numa organização não governamental do país. Um dia o capitão avisou Marques que Brice lhe iria entregar uma caixa com uma “peça de artesanato local”. O artesanato eram afinal as tais pedras preciosas.

Mas afinal quem são e qual o papel dos envolvidos nesta teia?

Paulo Nazaré, o líder

Prestou serviço na 2° Força Nacional Destacada (FND) das Forças Armadas Portuguesas na República Centro Africana como soldado, de outubro de 2017 a março de 2018. Depois da Missão Integrada Multidimensional das Nações Unidas para a Estabilização da República Centro Africana regressou a Portugal e nunca mais declarou qualquer atividade profissional.

O arguido, que agora se encontra em prisão preventiva, foi apanhado em escutas onde revela por mais do que uma vez a existência de uma estrutura montada com o único objetivo de receber transferências avultadas e encobrir a transação que estava por detrás. Segundo o despacho de indiciação a que o Observador teve acesso, Paulo Nazaré é o elo de ligação entre os seus elementos “arrogando para si um papel de liderança”. Nazaré viajava por Angola, Guiné, África do Sul, Reino Unido. As autoridades suspeitam mesmo que faça branqueamento de capitais a empresários, oficiais militares e diplomatas.

Wilker Rodrigues também está no topo da organização

Para o Ministério Público, o brasileiro Wilker Rodrigues relacionava-se com uma série de pessoas que dão nomes a contas bancárias para permitirem a passagem de quantias avultadas em dinheiro. Receberiam uma comissão por isso. Parte do dinheiro destas transferências têm origem em negócios ilícitos, acredita a polícia.

Daiane Nascimento

É a namorada de Wilker.

George Franco

Conhecido por Ceará, George Franco é um dos colaboradores de Wilker, é a “conta-mula”, como denomina o Ministério Público.

Fernando Delfino

Colabora com Paulo Nazaré. A Polícia Judiciária suspeita que seja responsável pela aquisição e venda de notas falsas.

Emanuel Marques

É outro dos colaboradores de Wilker. Pela sua conta terão passado milhares de euros. Uma vez a sua conta foi mesmo bloqueada pelo banco por causa de uma transferência suspeita no valor de 80 mil euros.

Natália Vásquez

Segundo o despacho de indiciação, dedicar-se-ia à criação de contas bancárias por ela tituladas no ABanca e no Openbank. As instruções de movimentações seriam dadas por Paulo Nazaré.

Ricardo Marçal

Capitão de infantaria dos Comandos do Exército e empresário em nome individual, terá recebido de Paulo Nazaré o contacto de um artesão na RCA a quem pagou dez mil euros em troca de diamantes que acabaram por ser entregues à Polícia Judicária Militar por um oficial superior.

Michael Oliveira

Frequentou o curso de agentes da PSP e terminou o curso em outubro de 2021 para ser colocado no Comando da PSP de Lisboa. Antes, em 2019, apresentou nas suas contas bancárias elevadas transações, não compatíveis com a sua remuneração oficial, segundo o Ministério Público. Em 2019 houve registo de transferências com origem desconhecida no valor de €36.826,32 e transferências com destino desconhecido no valor de  €21.315,11. Em 2020, os valores com origem desconhecida aumentaram e foram superiores, na ordem dos €47.498,45 e €52.981,11.

Sidney Lomba

Ex-cabo dos Comandos do Exército e atualmente vigilante numa empresa de segurança, na área de transporte de valores. Seria um dos membros diretos da rede de Paulo Nazaré nos negócios do ouro, dos diamantes, bitcoin e transferências bancárias.

Tiago Gaspar

Primeiro sargento do Exército, ao serviço do Regimento de Comandos da Carregueira, namora com Mónica Lopes, que também colaborará com alguns negócios. Ele e a namorada, segundo o MP, abririam contas para receber transferências bancárias, dividindo depois o dinheiro pelos ordenantes e ficando com uma comissão. Dedicar-se-ia igualmente ao comércio de Bitcoin, realizando investimentos próprios e em nome de terceiros (como é o caso de Nazar Stashko). É também suspeito de vender ouro, droga e moeda falsa.

Nuno Loureiro

Capitão dos comandos do Exército, presta serviço no Regimento de Comandos da Carregueira e com o apoio do seu sogro, Jorge Magalhães (advogado), colaboraria na rede criminosa liderada por Paulo Nazaré, segundo o Ministério Público. É amigo de Ricardo Marçal e de Nazar Stashko.

Nazar Stashko

É cabo dos Comandos do Exército e tem dupla nacionalidade: portuguesa e ucraniana. Frequentou o curso dos comandos com Paulo Nazaré. Teria por função arranjar clientes para os diamantes. Estava no curso da GNR na Figueira da Foz quando se deu a operação.

Francisco Ricardo Manuel

Conhecido por Kiko, é militar da GNR, responsável pela empresa de construção civil Facility Services Lda. e teria uma participação na empresa Larfi Consulting Lda. Fala habitualmente com Paulo Nazaré.

Jorge Silveira

Ex-militar dos Comandos do Exército é atualmente mediador na imobiliária ERA – Expo/ Olivais. Este arguido também estaria envolvido nos negócios paralelos de intermediação de ouro, diamantes, bitcoin, transferências e pagamentos/transferências através de cartões bancários e máquinas de pagamento (POS). Foi apanhado nas escutas a discutir vários detalhes de negócios com Nazaré.

Luís Chantre

Luís Chantre é ex-comando e colega de Jorge Silveira e alegadamente colaboraria com Nazaré nos negócios de ouro e de diamantes.

Ricardo Veludo

Dedica-se à importação de automóveis e é funcionário/ detentor de um stand automóvel denominado XS CARS, localizado em Santa Iria da Azóia. É suspeito de receber alguns pagamentos, simulando que vendeu um carro.

Nuno Bolorico

Nuno Belorico é referido no despacho de indicação juntamente com Bruno Fernandes e Fátima Pirocas, tendo o primeiro dito para angariarem clientes do Millennium BCP que estivessem dispostos a receber transferências bancárias, ficando a pessoa com 50% do montante transferido e os restantes 50% seriam devolvidos. Estes três suspeitos estão também envolvidos em contrafação e/ou passagem de moeda falsa, juntamente com Paulo Nazaré, lê-se no despacho.

Belorico é também apontado como um possível testa-de-ferro de Alan Borges através de uma empresa de estudos e projetos em Cascais. Alan Borges já tinha gerado um alerta do banco à Unidade de Informação Financeira da PJ por parte do Santander, o banco onde tentou abrir uma conta em nome da tal empresa, que tem dois sócios que lhe dariam poder para movimentar a conta.

Jair Cirilo

Atua como comercial de empresas de importação e exportação de bens e produtos do Brasil, obtendo comissões pelos negócios que consegue concretizar (vendas). O grosso destes negócios incide sobre a compra e venda de ouro proveniente da América do Sul, mas Jair Cirilo também lida com outros metais preciosos, diamantes e mercadorias consumíveis.

Artur Amorim

É um advogado e empresário de origem angolana e também DJ no Kristal Grand Club, em Alcântara, onde é igualmente gerente. O Ministério Público também registou transferências suspeitas que entraram na sua conta em 2019 e 2020. Primeiro num total de mais de 47 mil euros e depois de quase 100 mil. Para o Ministério Público esteve advogado elaboraria contratos fictícios para justificar os avultados valores transferidos entre contas.

Eduardo Almeida

Será, segundo o MP, sócio de Paulo Nazaré na aquisição dos diamantes na RCA e também suspeito de participar na rede pela disponibilização de terminais de pagamento cartões.

Thiago Oliveira

“Thiago Olivié” é sócio-gerente da empresa Arabesque Elegance, Unipessoal LDA., que detém o restaurante Saudi Sushi Lounge, localizado em Santa Iria da Azóia. Suspeita-se que participaria com Paulo Nazaré e Ricardo Veludo nas operações de transferências, bitcoin, ouro e diamantes.

Apesar de serem 22 os nomes de suspeitos referidos no despacho de indiciação da operação Míriade, apenas 11 pessoas foram constituídas arguidas e ouvidas pelo juiz Carlos Alexandre. Os líderes da alegada organização ficaram em prisão preventiva, enquanto os restantes nove ficaram obrigados a apresentarem-se semanalmente às autoridades enquanto a investigação prossegue — nas próximas semanas poderá haver mais arguidos e até detenções. Além destas medidas, o juiz de instrução determinou a suspensão de funções de quatro arguidos e oito foram proibidos de contactarem entre si e de se ausentarem do país.

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