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Ministério fez propostas, mas greves e salas vazias vão continuar. Como os sindicatos de professores avaliam as propostas do Governo

Próximos tempos não serão fáceis nas escolas e os professores vão apresentar as suas contrapropostas ao Ministério da Educação. Saiba o que pode sair das negociações com João Costa.

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Não é tanto o que está na proposta, mas antes o que falta nela. Apesar de, à primeira vista, parecer que o Ministério da Educação tinha cedido às exigências dos professores, os sindicatos leram muito nas entrelinhas do documento que o Governo apresentou na quarta-feira e demonstram que, afinal, nem tudo são recuos. Por outro lado, leram muito pouco daquilo que queriam. Não encontraram nenhum parágrafo, por exemplo, sobre a recuperação do tempo em que as carreiras estiveram congeladas, uma das suas principais reivindicações. Regime especial de aposentação ou mobilidade por doença são outras grandes ausências.

“Aproximar, fixar, vincular.” Com que propostas vai o Governo negociar com os professores?

O ministro João Costa limitou-se a apresentar medidas sobre concursos e colocação de professores, acusam os sindicatos, frisando que este está longe de ser o único problema dos docentes. Assim, as greves e protestos não desaparecem. Pelo contrário, vão ser reforçados.

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A FNE, que ainda não tinha convocado nenhum protesto, juntou-se às greves distritais e à Marcha Nacional do próximo mês. A Fenprof, que convocou ambos os protestos aliada a mais sete sindicatos, pede que as paralisações tenham “ainda maior adesão”. O STOP, que convocou uma greve por tempo indeterminado, anunciou a data para uma nova manifestação — que quer que vá além da Educação — para 28 de janeiro.

Os próximos tempos não se preveem fáceis e, no imediato, os sindicatos vão apresentar as suas contrapropostas. A Fenprof entrega o seu parecer técnico ao Ministério da Educação já nesta quarta-feira e, ao Observador, Mário Nogueira está confiante de que a manifestação de 11 de fevereiro, que já conta com o apoio de nove estruturas, será “inesquecível”.

Ponto por ponto, saiba o que os sindicatos e federações representantes dos professores consideram da proposta de João Costa e como pensam mudá-la.

O coordenador do Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (STOP), André Pestana, durante a Passeata pela Escola Pública, em protesto, principalmente, pelo processo de seleção e recrutamento de professores, e a anteceder a reunião com a tutela, em direção ao Ministério da Educação, em Lisboa, 20 de janeiro de 2023. JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

André Pestana, coordenador do Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (STOP), durante a manifestação de sábado, 20 de janeiro

JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Colocação de professores: quadro de escola ou de zona pedagógica?

Proposta do Governo: professores a vincular preferencialmente em quadros de escola, deixando os quadros de zona pedagógica (QZP) para as necessidades não permanentes.

Nota: Considera-se que um professor entra na carreira quando deixa de ser contratado a termo e integra os quadros (vinculação). Isso pode acontecer numa escola (ou agrupamento) ou num QZP — neste caso o professor pode ter de dar aulas em qualquer escola dessa região.

Ter os professores a entrar preferencialmente para os quadros de escola é uma boa notícia para os sindicatos, se não houver nenhum “mas” a seguir. “Esse é o nosso objetivo e é uma mudança de paradigma importante. O que nós queremos são quadros de escola”, defende o líder da FNE, João Dias da Silva, falando ao Observador. No entanto, explica, há uma regra que surge no documento enviado aos sindicatos pelo Ministério da Educação que faz cair por terra a ideia de que esta medida é positiva.

“Há uma norma nova: se um professor do quadro da escola estiver sem componente letiva, que passa a ter um mínimo de 12 horas, pode ter de completar o seu horário noutra escola”, explica Dias da Silva, que acrescenta que professores de quadro a andar de escola em escola “é coisa nunca antes vista”.

A componente letiva é a parte do horário de um professor que corresponde a horas lecionadas e a trabalho desenvolvido com alunos. Até agora, recorda Dias da Silva, eram precisas um mínimo de seis horas para se considerar que um professor tinha componente letiva, valor que passa para 12, segundo o documento enviado pela tutela. “Não é compreensível que quadros de escolas tenham de dar aulas em estabelecimentos diferentes.”

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Quem é escolhido primeiro: o mais graduado ou o que tem melhor perfil?

Proposta do Governo: nas explicações dadas aos jornalistas, ministro garantiu que colocação será “sempre” feita através da lista de graduação.

Nota: A lista de graduação ordena os professores tendo em conta vários fatores, como o tempo de serviço ou a avaliação de desempenho, determinando quem deve entrar primeiro nos concursos de colocação.

A proposta dos concursos é “inaceitável”. O motivo? “Não tem a graduação como critério único”, diz Mário Nogueira. A afirmação contraria diretamente o que o ministro João Costa explicou aos jornalistas, mas o líder da Fenprof argumenta que é mesmo assim.

“No documento que recebemos, está prevista mobilidade para projetos. Isto é uma forma encapotada de deixar ficar uma das propostas mais contestadas que era o recrutamento por perfil de competência”, explica ao Observador. Há ainda outra questão que a Fenprof repudia e que se prende com o ponto anterior (quadro de escola ou de zona pedagógica?): “São criados conselhos locais de diretores” que podem distribuir os horários de professores dentro das suas áreas geográficas.

O que isto quer dizer, na opinião de Mário Nogueira, é que “estas novas zonas geográficas, estes QZP são na verdade mega, mega agrupamentos”, já que, como disse Dias da Silva, os 63 conselhos de diretores poderão colocar um professor de quadro a dar aulas em escolas diferentes.

O ministro da Educação sublinhou, na conversa com os jornalistas, que estes diretores não terão poder nem para recrutar nem para contratar.

As ocorrências criminais nas escolas aumentaram cerca de 9% no último ano letivo, totalizando 3.824
“Há uma norma nova: se um professor do quadro da escola estiver sem componente letiva, que passa a ter um mínimo de 12 horas, pode ter de completar o seu horário noutra escola.”
João Dias da Silva, secretário-geral da FNE

Quadros de Zona Pedagógica ficam mais pequenos

Proposta do Governo: reduzir os quadros de zona pedagógica (QZP) em tamanho, aumentando em número. Passariam de 10 para 63 (proposta anterior era de 23).

Nota: Quando é colocado num quadro de QZP, o professor pode ter de dar aulas em qualquer escola dentro desses limites. Na versão atual, o Algarve é todo ele um único QZP. Na nova versão, fica dividido em 5.

Era o que a FNE pretendia e foi isso que apresentou como proposta ao Governo: Quadros de Zona Pedagógica com um máximo de 50 quilómetros. Assim, e apesar de João Dias da Silva dizer ao Observador que ainda têm de medir bem cada um dos novos QZP, admite que “tendo 50 quilómetros dentro de cada um deles” é um passo em frente.

Mário Nogueira também considera ser positiva a redução dos QZP e o facto de as novas áreas geográficas não estarem coladas aos quadros das comunidades intermunicipais (CIM), que são associações voluntárias de municípios. “Neste momento, são as CIM e áreas metropolitanas que concorrem a fundos europeus através de projetos”, alertava Nogueira em novembro, na segunda ronda negocial. “Os conselhos de diretores vão escolher os professores em função de perfis adequados a esses projetos. Logo, os seus salários podem passar a ser elegíveis para serem pagos pelos fundos”, dizia o líder da Fenprof.

No entanto, como explicado no ponto anterior, esta medida, que parecia ter caído, não caiu. Mário Nogueira considera que, ao serem criados conselhos de diretores nos novos QZP, estes acabam por se transformar em agrupamentos gigantes.

Professores concentraram-se durante a greve nacional de professores por distritos sob o lema "Todos ao Centro" desfilando até à Câmara Municipal de Braga, 19 de janeiro de 2023. A greve teve início a 03 de janeiro e decorre até dia 31 de janeiro ao primeiro tempo de aulas de cada docente. No dia 16, ao longo de 18 dias úteis, terminando em 08 de fevereiro, arrancou ainda uma greve por distritos, não se cumprindo greve ao primeiro tempo no distrito em causa. HUGO DELGADO/LUSA

Marcha em Braga, a 19 de janeiro. "Todos ao Centro" foi o slogan do desfile até à Câmara Municipal

HUGO DELGADO/LUSA

Direito ao quadro depois de acumular três anos, sim, se cair a exigência de horário completo

Proposta do Governo: vincular este ano mais 10 mil professores. Permitir a entrada para o quadro de quem acumula 1.095 dias de serviço e tem horário completo.

Nota: O horário completo pode ser de 22 horas semanais ou de 25 horas (educadores e 1.º ciclo) e considera apenas o tempo consagrado à componete letiva (trabalho direto com alunos).

“Dez mil professores a vincular é melhor do que 9.999.” Foi Mário Nogueira quem o disse, a 18 de janeiro, logo depois de ter conhecido as propostas de João Costa. Porém, discorda da proposta de vinculação apresentada, que implica ter, no atual ano letivo, horário completo.

A Fenprof prefere, como explicou ao Observador, outra solução: dois concursos extraordinários que comecem por vincular todos os contratados com 10 ou mais anos de serviço, número que o líder da Fenprof calcula que andará à volta de 11 mil. “No próximo ano haveria um novo concurso extraordinário com todos os contratados com cinco ou mais anos de serviço, que serão mais 5 ou 6 mil professores”, detalhou Mário Nogueira. Daí para a frente, com a casa “limpa”, passaria a vigorar a regra dos três anos.

A obrigatoriedade de ter este ano um horário completo poderá causar novos problemas de ultrapassagens, considerou o professor: “Podemos ter um professor contratado com três anos de serviço que vincule e um que fique por vincular com 20 anos de serviço porque teve o azar de não ter um horário completo.”

É por isso que a proposta da Fenprof é a de que o Ministério da Educação realizasse os dois concursos extraordinários. Este ano letivo, os professores que vincularam tinha 16 anos de tempo médio de serviço e a média de idade foi superior a 46 anos, relembra o sindicalista. Assim, a Fenprof concorda com a regra dos três anos, mas só depois de vincularem todos os outros.

Ultrapassagens: quando os mais novos passam os mais velhos

Proposta do Governo: eliminar “os fatores de injustiça, designadamente, ultrapassagens nas preferências por lugares de colocação”.

Nota: Quando se fala de ultrapassagens, os sindicatos referem-se a casos em que um professor com menos tempo de profissão ultrapassa outro que ensina há mais tempo. 

É exatamente o contrário do que o Ministério da Educação diz, apontam os professores. As ultrapassagens não ficam resolvidas e até se criam novas formas de elas poderem acontecer.

João Dias da Silva dá o exemplo da vinculação para quem tenha 1.095 dias de serviço acumulado. “Como há uma referência a ter horário completo este ano letivo, há colegas com mais anos de serviço que podem ficar para trás se tiverem o azar de, este ano, ter um horário incompleto”, explica ao Observador. Se essa referência desaparecer, o problema, desse caso concreto, fica resolvido.

Mário Nogueira, secretário-geral da Federação Nacional de Professores (FENPROF), fala aos jornalistas durante uma conferência de imprensa para fazer uma avaliação do ano letivo que terminou e divulgar as expetativas em relação ao próximo, Lisboa, 26 de julho de 2022. ANTÓNIO COTRIM/LUSA
“Se a vinculação for nos termos que aqui nos apresentam, podemos ter um professor contratado com três anos de serviço que vincule e um que fique por vincular com 20 anos de serviço porque teve o azar de não ter um horário completo.”
Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof

Novas regras para o 5.º e o 7.º escalão são “ilusionismo”

Proposta do Governo: fixação, durante a legislatura, de condições que permitam o acesso anual aos 5.º e 7.º escalões num total de 75% e 58%, respetivamente (quotas e vagas).

Nota: Quando um professor tem avaliação Bom pode subir ao 5.º e ao 7.º escalão se houver vagas disponíveis (atualmente são de 50% e de 33%). Quem tem Muito Bom ou Excelente entra diretamente. Para estas classificações há quotas. Só 25% de todos os professores avaliados (independentemente do escalão) podem tê-las.

A situação melhora, mas não se resolve. “Se mudarmos a percentagem para 100% estamos de acordo”, defende João Dias da Silva.

Já Mário Nogueira diz que “dois é melhor que um, cinco é melhor que quatro, e 58 é melhor que 57, ou, neste caso, 33”. No entanto, não basta. À primeira vista, o líder da Fenprof acreditou que havia uma melhoria, já que assumiu que as percentagens de vagas eram para os professores classificados com “Bom”. “No 5.º escalão, aparecem vagas para 75% dos professores, valor que atualmente é de 50%. Para o 7.º escalão, são 58% e, atualmente, são 33%.”

Uma segunda análise pô-lo a falar de um “truque de ilusionismo” e, ao Observador, depois de voltar a olhar para os números e de confrontar o ministro, fala em “aldrabice” do Governo. E porquê? “Aqueles valores são a soma das vagas mais as quotas”, explica. As vagas são os lugares que abrem todos os anos para os professores subirem de escalão. As quotas dizem respeito ao número de notas altas — “Muito Bom” e “Excelente” — que podem ser atribuídas aos professores.

O exemplo é o do 7.º escalão. “Havia 33% de vagas para os professores poderem progredir e o ministério somou-lhe os 25% de quotas”, explica Nogueira. O problema? Não pode haver mais de 25% de professores com “Muito Bom” ou “Excelente” em todo o país. “Portanto, os 25% de quotas não são só para os do 7.º escalão. Se assim fosse, já não sobrava nenhum ‘Muito Bom’ nem ‘Excelente’ para os colegas dos outros escalões todos.” Ou seja, argumenta, os valores apontados pelo ministro são impossíveis de atingir.

Outro problema é que as regras são diferentes no continente e nas regiões autónomas, algo que a Fenprof e os demais sindicatos se recusam a aceitar. “Nos Açores, não há vagas para acesso ao escalão. Na Madeira existem, mas foram sempre em número igual ao dos colegas que estavam em condições para progredir”, esclarece Mário Nogueira.

Assim, com a manutenção de vagas e percentagens abaixo dos 100%, significa que continuará a haver “colegas retidos no 4.º e no 6.º escalão com o tempo de serviço congelado, não podendo progredir no momento em que têm direito”. Resumindo, a Fenprof “não está de acordo”.

Professores contratados: mais índices remuneratórios, mas discriminação continua

Proposta do Governo: São introduzidos mais dois índices remuneratórios para professores contratados (no total passam a ser três) até ao limite do índice 250 (equivalente ao 3.º escalão).

Nota: As diretivas comunitárias impedem que haja discriminação salarial entre professores de quadro e professores contratados.

O argumento da FNE é a lei: o Governo não faz mais do que aquilo a que está obrigado pelas diretivas da União Europeia, recorda João Dias da Silva. “O Ministério da Educação limita-se a cumprir a orientação do Tribunal Europeu”, sublinha o líder da FNE.

Já Mário Nogueira recorda que a proposta do Governo é que o índice remuneratório dos professores contratados vá até ao limite 250, que corresponde ao 3.º escalão. “Não percebemos o limite. Há uma diretiva comunitária que impõe que os professores a termo têm de ter salário igual aos que estão no quadro. Não se percebe como é que vai haver contratados com 20 anos de serviço que fiquem no 3.º escalão.”

Ou seja, o líder da Fenprof diz que a discriminação vai continuar, contrariando as orientações europeias. Ainda sobre os índices, Mário Nogueira diz que eles serão para os quatro, oito e 12 anos de tempo de serviço. “Acontece que temos cerca de 7 mil professores com mais de 12 anos. O que lhes acontece? Ou vinculam todos ou continuam a ser discriminados”, conclui.

A burocracia vai acabar. Falta saber como

Proposta do Governo: Apresentar uma metodologia para o mapeamento exaustivo das tarefas burocráticas em cada escola, visando a eliminação de documentos e plataformas.

Nota: Há vários anos que os professores se queixam de perderem demasiado tempo a preencher formulários em plataformas que, muitas vezes, pedem exatamente a mesma informação.

“No abstrato, estamos de acordo”, diz Mário Nogueira, que se queixa de o Governo não ter medidas concretas para eliminar a burocracia. “Diz que vai mapear, vai eliminar, vai simplificar, vai trabalhar com as direções… Só falta dizer que vai criar uma comissão de trabalho”, ironiza o líder da Fenprof.

João Dias da Silva, que também concorda com o geral desta proposta, lembra uma outra burocracia que devia terminar: “Há uma profusão de reuniões inúteis.”

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