900kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

i

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

ModaLisboa. O que acontece a um jovem designer depois de vencer o Sangue Novo?

Vencedoras na edição de março, Bárbara e Isza responderam ao desafio do Observador: registar mês após mês meio ano de conquistas e solavancos, no rescaldo do triunfo na ModaLisboa.

No grande carrossel da Moda, é muito raro conseguir acompanhar os passos que antecedem e sucedem esse momento-clarão do desfile, um ápice que dura minutos, a montra mais visível de um trabalho de longos meses de euforia e caos. Para não falar que o lastro que deixa no interesse e memória não é igual para todos — para quem quer começar a partir pedra na indústria, pode ser especialmente incerto. E passar praticamente despercebido se nem tiver nome na praça.

Em março deste ano, o concurso Sangue Novo da ModaLisboa premiou mais dois novos talentos. E deu razões adicionais para tentar desafiar esse ritmo louco que tão rapidamente promove anónimos a heróis como os condena ao esquecimento. Bárbara Atanásio saiu do certame com um estágio de três meses na RDD Textiles, e este domingo, a partir das 14h00, volta a levar o seu trabalho multidisciplinar de upcycling à passerelle. Quanto a Isza, ou Ana Luísa Marinho, foi premiada com um Master em Fashion Brand Management no IED – Istituto Europeo di Design.

Da esquerda para a direita, Bárbara e uma das suas criações, e Isza e um dos looks que fez desfilar em março último

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

No rescaldo das respetivas apresentações, nos bastidores do Pátio da Galé, disparámos perguntas à queima roupa e lançámos um desafio às duas jovens designers, para podermos voltar a este lugar com tempo, e perceber o que acontece na vida de um jovem criador depois de uma distinção como estas: que cada uma redigisse um diário ilustrado dos seis meses meses seguintes. No final de setembro, como prometido, a nossa caixa do correio recebia o produto de meio ano de trabalho.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Abril. Longa se torna a espera // E ainda o entusiasmo de março

Ao cair de setembro, o texto introdutório no email de Bárbara deixa tudo em pratos limpos. “A vida de artista é uma vida instável, emocionante e de muito trabalho.” Conta como todos os meses, semanas e dias surgem novos desafios e sobretudo recorda-nos como não tinha quaisquer planos pós-Sangue Novo. Aliás, não é bem assim. O plano, confessa, era arranjar um trabalho, ganhar dinheiro, sair de casa e fazer-se à vida. O momento em que chamaram o seu nome para o prémio ModaLisboa x RDD Textiles, marcou o ponto de partida para o que se seguiu. Consiste num estágio de três meses para desenvolvimento de coleção, na RDD Textiles, em Barcelos. Depois da edição de março da ModaLisboa, também Ana Luísa se sentia livre “para fazer ainda não sei o quê.” Trabalhar na indústria era então o maior objetivo.

"O mês de abril ficou cheio de restos. Foi o terminar de um processo e com ele rematar todas as pontas soltas. Entre fazer peças para as fábricas que tinham patrocinado a coleção, a perceber como fazer a comunicação de uma marca e uma coleção. E esperar. Uma espera em movimento e trabalho, mas esperei quase um mês até saber quando é que iria para Barcelos e como seria. E surgiram coisas interessantes e conversas das quais não esperava, entrevistas de trabalho e pensar no a seguir. Foi também um mês pontuado com idas a Lisboa fazer entregas de peças para emprestar, o que é emocionante, mas também se percebe facilmente que o que vemos na televisão e nas redes sociais é muito pouco verdadeiro. As roupas são emprestadas, à espera de que não venham demasiado mal, e em troca de uma fotografia que por vezes nem chega. É muito frustrante esta parte, porque é preciso aparecer e ser visto, mas parece que todos ganham dinheiro menos os criadores."
Bárbara Atanásio

"Estabeleci novos contactos e amizades como consequência da minha participação no Sangue Novo. Pessoas como fotógrafos, modelos, designers, maquilhadoras, com quem fui desenvolvendo pequenos projetos. Comecei a trabalhar na Anglotex, empresa que me apoiou na realização da última coleção e que teve um papel imprescindível na mesma. Ainda com o entusiasmo todo do mês anterior, comecei a ponderar participar na edição de outubro do ModaLisboa e apresentar uma nova coleção, e fazer inclusive em formato de colaboração com outra designer. Surge numa conversa com colegas, a ideia de realizar um evento/exposição focado na minha última coleção, de modo a permitir que o público se aproxime dela e absorva com atenção os detalhes dos materiais."
Isza

Maio. O começo do estágio// E os primeiros convites

Bárbara fez um desvio pela História antes de completar Design de Moda na Modatex, e depois de ter seguido Têxtil na António Arroio. Decisivos foram também os estágios, e não faltaram nomes de peso a orientar o caminho. Valentim Quaresma ajudou-a a libertar-se do molde e a investir na experimentação, ensinando-a ainda a reaproveitar materiais, sobretudo no que ao segmento da joalharia diz respeito. A este contributo juntaram-se os Marques’Almeida, que inspiraram a pôr a motivação a andar e como viver desta arte. Quanto a Isza, as artes sempre direcionaram o trajeto. Natural de Braga, depois do secundário sabia que queria trilhar Moda. Fez um curso de verão no Modatex, no Porto, e em 2019 ingressou no curso de Design e Moda naquela instituição. Conclui em abril de 2023. “É a única coisa que me faz sentido. Irá valer a pena de alguma forma.”, diz-nos, quando perguntamos sobre eventuais hesitações.

"Um novo começo, o estágio! O plano era dar o melhor de mim e superar mais um desafio. É sempre muito emocionante um novo mundo, novas pessoas e muito muito para aprender. Na primeira semana coube mês e meio de trabalho, desenvolver uma coleção o mais depressa possível para poder entrar em produção rapidamente. Foi um primeiro contacto com a indústria, e acho sempre que se aprende com os estágios quase que por osmose, por estarmos a viver o ambiente e o conhecimento."
Bárbara Atanásio

"Chego à conclusão que será mais vantajoso para mim adiar a ideia de participar no ModaLisboa e fazê-lo quando regressar de Itália, numa fase mais calma. Ainda estava a viver muito a coleção anterior. Estudo a possibilidade de desdobrar as peças que apresentei em desfile e desenvolver peças numa vertente mais comercial e usável, especialmente as de impressão 3D, com o objetivo de vender. Fui convidada a desenvolver uma máscara em impressão 3D para a capa do novo álbum“Lado Mau" da banda bracarense Quadra. A máscara de hemiface encarrega-se de comunicar a temática do novo álbum dos Quadra, focada na exploração da complexidade das personalidades e nos contrastes e polarizações emocionais da vivência individual. Fui ainda convidada a expor o meu trabalho na primeira edição do Clube de Rua, em Esposende. Um evento desenhado para ocupar uma rua da cidade durante um dia inteiro, que viria a celebrar a música e a intervenção artística através de exposições, concertos e workshops na cidade."
Isza

Junho. Vale a pena emprestar? // Que frutos dão as parcerias?

A coleção apresentada em março por Isza foi focada na investigação de tecnologias e impressão 3D. É essa aliás a via na moda que lhe dá mais prazer explorar e que pretende seguir. Pensemos por exemplo nos argumentos a favor, num meio em que tudo é muito mais que o design e a sustentabilidade tornou-se imperativo. Para Ana Luísa, com a impressão 3D há um vantajoso corte com o gasto de água. Não sendo alternativa única, defende que é um bom complemento para anular o desperdício. No caso de Bárbara, o essencial, diz-nos, é olhar para a coleção e sentir que ela a representa enquanto artista. Da execução aos materiais utilizados, sem esquecer o styling final, tudo englobou a sua visão enquanto artista.

"O trabalho continua, mas é pausado por férias, essenciais para descansar a cabeça. Fica é mais difícil quando a cabeça está 24h por dia a pensar em soluções para os fechos/pespontos/materiais/styling/outros tantos, mas realmente é essencial tentar parar e afastarmo-nos um bocadinho do trabalho, nem que seja para depois o conseguirmos ver com mais clareza. Junho ficou marcado pelos festivais e os empréstimos começam a ter os seus frutos, pelo menos a nível da comunicação. A melhor parte é que a última coleção já entrou na agência, por isso esse trabalho passa a ser feito por terceiros, nem sei o que fazer quando não os tiver. E foi também em junho que abriu o P’la Arte Creative Room, o espaço que concilia diversos designers que são já uma comunidade, e é muito bonito ser comunidade!"
Bárbara Atanásio

"Estando a trabalhar na Anglotex, tive a facilidade de recolher contatos mais diretos com fornecedores e conhecer o que cada um oferecia, dando seguimento à ideia de desenvolver novas peças. Faço recolha de alguns materiais mas acabo por não prosseguir porque não encontrei o que procurava. Com isto, apercebi-me também que não estava numa fase frutífera para criar e que não valeria a pena estar a forçar a criação. Começo a planear mais a fundo a estrutura do evento com a equipa do Adversa Studio. Procura por parcerias e artistas a convidar, uma delas sendo a designer de acessórios Íris Ossos. Sou convidada a desenvolver o design de uma outra máscara, também esta em impressão 3D para um artista de música, Chaylan."
Isza

Julho. Apagar fotos e zarpar // E um pouco de pós-punk

Talvez seja boa hora para lhe explicar que cada uma das imagens que acompanham este artigo foi criteriosamente escolhida pelas designers para ilustrar cada mês. Mais formais e trabalhadas, ou simples instantâneos saídos de uma viagem de metro, de um poster a um quarto em estado caótico, há espaço para tudo neste diário.

"A coleção começa a produção de modo mais oficial, todos os dias há pequenos fogos para apagar, mas é muito bom trabalhar com quem sabe. Pela primeira vez estou a ser só designer, não estou a modelar, a cortar, a confecionar, a tingir e a passar a ferro, e está a ser muito bom. O mais desafiante é quando a comunicação funciona mal, ou quando há pouca disponibilidade para ensinar, mas como digo, nem que seja por osmose vamos lá! Julho foi muito bonito e muito feliz, viver longe é sempre diferente, mas poder criar uma rotina e conhecer um novo lugar é muito bonito. E o Norte é encantador, e mais encantador pelos amigos que fiz, primeiro colegas, e depois guias turísticos e risos infinitos. Foi também mês de despedidas, porque dia 31 de julho arrumei a trouxa (mais concretamente, implorei à minha mãe para me vir buscar as tralhas, a coleção e mil coisas mais, e atestei-lhe o carro e a paciência) e zarpei."
Bárbara Atanásio

"Colaboro com os Semivitae, uma banda bracarense de post-punk para uma sessão fotográfica de apresentação do novo merchandise da banda. Contribuo com algumas das minhas peças para completar os looks e assumo ainda papel de fotógrafa da sessão. Submeti um editorial realizado em colaboração com o fotógrafo Jorge Pinheiro, para a Vogue Portugal à iniciativa do Open Call. Acabou por ser selecionado e publicado pela mesma. Este foi um editorial que surgiu em volta da minha coleção e que partilha do mesmo nome- Shades of Doubt."
Isza

Agosto. Fazer de Marie Kondo // E preparar um evento para setembro

Pode ser um caminho tortuoso, aquele das parcerias, colaborações, cedências de peças, ligação com as estrelas e espera por um retorno que nem sempre chega na medida desejada. Curiosamente, mal ganharam o Sangue Novo, Bárbara e Isza tinham como plano de arranque trabalhar juntas, talvez aplicando a tecnologia a uma linha de acessórios. Acontecesse o que acontecesse, uma ideia era certa para ambas, a cooperação entre designers é determinante no setor. “Não me incomoda participar em projetos já existentes; dar a minha força a esse projetos. Talvez seja o mais importante. Perceber onde nos sentimos bem e onde somos precisos.”, admitia Bárbara. “É importante mostrar que não há rivalidade entre concorrentes, que as relações são saudáveis e que diferentes estética com a mesma vontade podem resultar em coisas fantásticas.”, completava Ana Luísa.

"As tralhas já mencionadas estavam à minha espera no meu pequeno quarto-atelier. Quando eu digo pequeno, não é exagero. No meu beliche caibo eu no andar de baixo e todo um enxoval de tecidos e malhas no andar de cima. Como debaixo da cama ainda tenho caixas com as coleções passadas a minha mãe diz que eu durmo literalmente sobre e sob o assunto. Enfim, quando voltei tive de pôr mãos à obra e arrumar tudo. Dei numa de Marie Kondo e dei outro destino a tudo aquilo que já não tinha espaço nem na vida nem no quarto. Isto de ser um pequeno designer tem destas coisas, trabalhar a partir do quarto e fazer uma rotação do trabalho entre chão e cama para poder passar. Depois de orientar esta parte, foi momento de começar a acabar a coleção. As peças feitas na fábrica foram apenas as de malha, por isso todas as peças de tecido ficaram para fazer após."
Bárbara Atanásio

"Este mês foi essencialmente dedicado à organização do evento a acontecer em setembro Isza x Adversa Studio x Canal 180. Estabeleceu-se parceria com a Vintu Wine Bar e contamos com o apoio do ModaLisboa para este evento que batizamos de “SIMULACRA”. Define-se também que o editorial da autoria de Jorge Pinheiro, publicado pela Vogue Portugal será exposto no evento."
Isza
 

Setembro. A artista dos mil instrumentos // A primeira palestra

Pedimos-lhes para desconstruir o look que usavam nesse dia triunfante em março de 2024 (não podíamos ir embora sem uma daquelas perguntas perguntas cliché neste tipo de eventos). No caso de Bárbara, a saia que vestia já foram umas calças, aqui conjugada com acessórios seus, fiel à sua imagem de marca. Tudo super descontraído, já que numa jornada marcada pela estreia e pelos nervos, o essencial era estar confortável. A coroar a roupa escolhida, uma rija medalha ao pescoço, símbolo do prémio. Para Ana Luísa, uma receita semelhante: não se trata de Isza em versão passerelle mas de Isza a pessoa descontraída, meio trashy e grunge, sem grandes preocupações mas atenta à silhueta feminina, e a uma dose equilibrada de vaidade.

"Acho que foi a altura em que mais senti que o designer é trinta pessoas ao mesmo tempo, é um daqueles músicos com mil instrumentos. Entre acabar peças, fazer styling, pensar na maquilhagem, ir buscar materiais, publicar nas redes sociais, ir a eventos, etc., o sono é sempre pouco e as noites são muito compridas. Quem corre por gosto não cansa, mas é muito cansativo na mesma! Por isso o que quero dizer, é que os planos vão sendo feitos com o tempo, mas o objetivo destes meses foi criar uma nova coleção com um desafio diferente num sítio diferente. O sonho é poder viver desta área sem ter de abdicar de mim, sem ter que abdicar dos outros sonhos. A maior dificuldade é saber como monetizar o trabalho e não estar só a trabalhar para aquecer. As concretizações são todas, todos os dias acontece alguma coisa que é uma pequena vitória. E quanto aos fracassos, só posso considerar os tingimentos que deviam ser verdes e acabam cor de burro quando foge."
Bárbara Atanásio

"Fui convidada por investigadoras da área do Design no IPCA a partilhar a minha experiência no programa ID + Research Talks IPCA com alunos e investigadores da instituição. O objetivo era falar do meu percurso na moda até então e sobretudo sobre o meu contacto com a impressão 3D. Foi uma experiência bastante única, não só por ter sido a primeira palestra que dei sobre o meu trabalho como fiquei a conhecer o trabalho feito nas restantes áreas de investigação, sempre com ligação à indústria têxtil. Dia 28 de setembro, na galeria do Canal180 no Porto concretizou-se finalmente o evento “SIMULACRA” -um palco coletivo de exposição e pensamento sobre a materialidade, a humanidade e a tecnologia. A minha coleção “Shades of Doubt” , marcada pela exploração da impressão 3D, entrou em contacto com o trabalho artesanal de Íris Ossos, num contraste dicotômico entre a tecnologia e a criação manual e juntos integraram a instalação artística “OASIS” do Adversa Studio. O público teve o primeiro contacto com a coleção logo à entrada através da exposição fotográfica de Jorge Pinheiro, e à medida que iam caminhando em direção à sala da exposição foram mergulhando na versão viva de um universo distópico e futurístico, podendo observar as peças em primeira mão."
Isza

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.