No grande carrossel da Moda, é muito raro conseguir acompanhar os passos que antecedem e sucedem esse momento-clarão do desfile, um ápice que dura minutos, a montra mais visível de um trabalho de longos meses de euforia e caos. Para não falar que o lastro que deixa no interesse e memória não é igual para todos — para quem quer começar a partir pedra na indústria, pode ser especialmente incerto. E passar praticamente despercebido se nem tiver nome na praça.
Em março deste ano, o concurso Sangue Novo da ModaLisboa premiou mais dois novos talentos. E deu razões adicionais para tentar desafiar esse ritmo louco que tão rapidamente promove anónimos a heróis como os condena ao esquecimento. Bárbara Atanásio saiu do certame com um estágio de três meses na RDD Textiles, e este domingo, a partir das 14h00, volta a levar o seu trabalho multidisciplinar de upcycling à passerelle. Quanto a Isza, ou Ana Luísa Marinho, foi premiada com um Master em Fashion Brand Management no IED – Istituto Europeo di Design.
No rescaldo das respetivas apresentações, nos bastidores do Pátio da Galé, disparámos perguntas à queima roupa e lançámos um desafio às duas jovens designers, para podermos voltar a este lugar com tempo, e perceber o que acontece na vida de um jovem criador depois de uma distinção como estas: que cada uma redigisse um diário ilustrado dos seis meses meses seguintes. No final de setembro, como prometido, a nossa caixa do correio recebia o produto de meio ano de trabalho.
Abril. Longa se torna a espera // E ainda o entusiasmo de março
Ao cair de setembro, o texto introdutório no email de Bárbara deixa tudo em pratos limpos. “A vida de artista é uma vida instável, emocionante e de muito trabalho.” Conta como todos os meses, semanas e dias surgem novos desafios e sobretudo recorda-nos como não tinha quaisquer planos pós-Sangue Novo. Aliás, não é bem assim. O plano, confessa, era arranjar um trabalho, ganhar dinheiro, sair de casa e fazer-se à vida. O momento em que chamaram o seu nome para o prémio ModaLisboa x RDD Textiles, marcou o ponto de partida para o que se seguiu. Consiste num estágio de três meses para desenvolvimento de coleção, na RDD Textiles, em Barcelos. Depois da edição de março da ModaLisboa, também Ana Luísa se sentia livre “para fazer ainda não sei o quê.” Trabalhar na indústria era então o maior objetivo.
Maio. O começo do estágio// E os primeiros convites
Bárbara fez um desvio pela História antes de completar Design de Moda na Modatex, e depois de ter seguido Têxtil na António Arroio. Decisivos foram também os estágios, e não faltaram nomes de peso a orientar o caminho. Valentim Quaresma ajudou-a a libertar-se do molde e a investir na experimentação, ensinando-a ainda a reaproveitar materiais, sobretudo no que ao segmento da joalharia diz respeito. A este contributo juntaram-se os Marques’Almeida, que inspiraram a pôr a motivação a andar e como viver desta arte. Quanto a Isza, as artes sempre direcionaram o trajeto. Natural de Braga, depois do secundário sabia que queria trilhar Moda. Fez um curso de verão no Modatex, no Porto, e em 2019 ingressou no curso de Design e Moda naquela instituição. Conclui em abril de 2023. “É a única coisa que me faz sentido. Irá valer a pena de alguma forma.”, diz-nos, quando perguntamos sobre eventuais hesitações.
Junho. Vale a pena emprestar? // Que frutos dão as parcerias?
A coleção apresentada em março por Isza foi focada na investigação de tecnologias e impressão 3D. É essa aliás a via na moda que lhe dá mais prazer explorar e que pretende seguir. Pensemos por exemplo nos argumentos a favor, num meio em que tudo é muito mais que o design e a sustentabilidade tornou-se imperativo. Para Ana Luísa, com a impressão 3D há um vantajoso corte com o gasto de água. Não sendo alternativa única, defende que é um bom complemento para anular o desperdício. No caso de Bárbara, o essencial, diz-nos, é olhar para a coleção e sentir que ela a representa enquanto artista. Da execução aos materiais utilizados, sem esquecer o styling final, tudo englobou a sua visão enquanto artista.
Julho. Apagar fotos e zarpar // E um pouco de pós-punk
Talvez seja boa hora para lhe explicar que cada uma das imagens que acompanham este artigo foi criteriosamente escolhida pelas designers para ilustrar cada mês. Mais formais e trabalhadas, ou simples instantâneos saídos de uma viagem de metro, de um poster a um quarto em estado caótico, há espaço para tudo neste diário.
Agosto. Fazer de Marie Kondo // E preparar um evento para setembro
Pode ser um caminho tortuoso, aquele das parcerias, colaborações, cedências de peças, ligação com as estrelas e espera por um retorno que nem sempre chega na medida desejada. Curiosamente, mal ganharam o Sangue Novo, Bárbara e Isza tinham como plano de arranque trabalhar juntas, talvez aplicando a tecnologia a uma linha de acessórios. Acontecesse o que acontecesse, uma ideia era certa para ambas, a cooperação entre designers é determinante no setor. “Não me incomoda participar em projetos já existentes; dar a minha força a esse projetos. Talvez seja o mais importante. Perceber onde nos sentimos bem e onde somos precisos.”, admitia Bárbara. “É importante mostrar que não há rivalidade entre concorrentes, que as relações são saudáveis e que diferentes estética com a mesma vontade podem resultar em coisas fantásticas.”, completava Ana Luísa.
Setembro. A artista dos mil instrumentos // A primeira palestra
Pedimos-lhes para desconstruir o look que usavam nesse dia triunfante em março de 2024 (não podíamos ir embora sem uma daquelas perguntas perguntas cliché neste tipo de eventos). No caso de Bárbara, a saia que vestia já foram umas calças, aqui conjugada com acessórios seus, fiel à sua imagem de marca. Tudo super descontraído, já que numa jornada marcada pela estreia e pelos nervos, o essencial era estar confortável. A coroar a roupa escolhida, uma rija medalha ao pescoço, símbolo do prémio. Para Ana Luísa, uma receita semelhante: não se trata de Isza em versão passerelle mas de Isza a pessoa descontraída, meio trashy e grunge, sem grandes preocupações mas atenta à silhueta feminina, e a uma dose equilibrada de vaidade.