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Thierry Roge

Thierry Roge

Moedas em Bruxelas. 100 dias a investigar

No momento em que cumpre três meses como comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação, Carlos Moedas recebe o Observador em Bruxelas.

São 15 minutos de casa ao gabinete. O dia de trabalho começa pelas 8h00 da manhã no 11º andar do edifício Berlaymont, a sede da Comissão Europeia (CE) na capital belga, regra geral, por uma reunião ou pequeno-almoço de trabalho. “Os dias são pesados”, desabafa Carlos Moedas. A agenda diária segue ao ritmo de uma sucessão de reuniões, breves e pontuais, com membros do gabinete, colaboradores próximos, membros da direção geral da Investigação e Inovação da CE, ou com o pessoal da Agência Europeia para a Investigação ou do Conselho Europeu da Investigação, os três departamentos que tem sob tutela e onde trabalham cerca de 1.900 pessoas.

Depois, o comissário europeu responsável pelo programa de ciência mais importante do mundo, o Horizonte 2020 dotado de um orçamento de 80 mil milhões de euros para o período 2014-2020, recebe inevitavelmente uma série de personalidades ilustres, cientistas, académicos, prémios Nobel mas também reitores, ministros, organizações profissionais, deputados, CEOs.

“É a fase de arranque da Comissão e toda a gente pede encontros com o comissário”, diz um colaborador de Carlos Moedas.

Há ainda que gerir visitas, convites para seminários, encontros com think tanks, conselhos de ministros da UE, deslocações a Estrasburgo nas semanas de plenário do Parlamento Europeu, conferências de imprensa. E as viagens oficiais: Carlos Moedas já representou a CE em Davos, Genebra, Lisboa, Cidade do Cabo, Berlim, Porto, Vilnius, Luxemburgo (onde os membros da Comissão prestam juramento de independência no Tribunal de Justiça da UE).

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Há dias de trabalho que se prolongam até às 21h, 21h30, e depois, para casa, ainda leva um dossiê para preparar o dia seguinte. Pouco tempo lhe sobra para conhecer a cidade, vai “às vezes a um restaurante” ou dá um passeio pelo Cinquentenário, um dos parques emblemáticos de Bruxelas próximo da sede da Comissão.

E, finalmente, há o regresso a Portugal aos fins de semana “sempre que pode” para juntar-se à família. Estar longe da mulher e dos três filhos “é a parte mais complicada”, confessa, sobretudo “quando se tem filhos pequenos”. Espera por isso reunir todos em Bruxelas no início do próximo ano lectivo.

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Vacina contra o ébola em 2015?

Nestes primeiros três meses non-stop à frente da pasta da Investigação, Ciência e Inovação que o presidente do executivo comunitário, Jean-Caude Junker, lhe confiou, o comissário português elegeu a área da saúde como uma das prioridades. Aliás, a sua principal ação (em valor monetário) foi o relançamento de uma parceria de 2 mil milhões de euros entre a Comissão, estados europeus e africanos, a Fundação Bill Gates, entre outros, para desenvolver melhores medicamentos de combate a doenças que devastam países sub-saharianos como a sida, a tuberculose, a malária e o ébola.

A CE coparticipa em 620 milhões de euros com verbas do programa Horizonte 2020. E, em dezembro, por ocasião do Dia Mundial contra a Sida, Carlos Moedas deslocou-se à África do Sul para relançar este “projeto extraordinário”, encontrar-se com as autoridades do país e visitar um centro de saúde apoiado por esta parceria – onde teve a oportunidade de ver médicos a tratarem doentes –, bem como a Fundação Desmond Tutu.

Esta parceria internacional conta também com a participação da Fundação Calouste Gulbenkian. Em representação da Comissão, Carlos Moedas esteve em Lisboa em dezembro para assinar a adesão da Fundação ao programa, o que significa que haverá portugueses na investigação de soluções clínicas para a sida, a malária, a tuberculose e doenças tropicais negligenciadas.

De resto, o combate ao vírus do ébola marcou o início do mandato da nova Comissão em novembro, já que naquela altura, a Europa vivia com preocupação a situação de uma enfermeira espanhola infetada pelo vírus ao tratar um doente repatriado de África. A auxiliar de enfermagem viria a sobreviver mas o caso provocou alarme.

A luta contra o ébola e a investigação de uma vacina levou assim a uma das primeiras iniciativas do comissário português. A 6 de novembro, a Comissão lançou um concurso que prevê 280 milhões de euros no sentido de estimular a pesquisa nesta área, juntamente com a indústria farmacêutica.

“Os projetos já estão a avançar e tenho esperança num resultado visível ainda este ano”. Uma vacina contra o ébola em 2015? “Não posso especular. Nunca temos a certeza do que a ciência vai conseguir. Seria extraordinário. O trabalho está a ser feito nesse sentido. Vamos ver”, afirma prudente.

O assunto levou-o a encontrar-se recentemente em Davos com um dos investigadores que descobriu o vírus do ébola, o belga Peter Piot. Ainda à Suíça voltou dias depois para visitar em Genebra o CERN (Organização Europeia para a Investigação Nuclear), e encontrar-se com a Diretora Geral da Organização Mundial de Saúde.

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A ciência na Europa: em forma, com um problema

Carlos Moedas garante que a ciência pura, do conhecimento, da curiosidade, a pura invenção “está em grande forma na Europa” onde se produz 1/3 do conhecimento fundamental. “Foi aqui na Europa que se fizeram algumas das descobertas fundamentais, às vezes esquecemo-nos disso”. Na Europa descobriu-se a internet (um cientista do CERN inventou o world wide web), a cloud computing, desenvolveu-se o grafeno (composto muito resistente de átomos de carbono), o mp3, entre outros.

A ciência é uma das áreas onde faz todo o sentido a UE. “Todos juntos produzimos mais do que cada um no seu canto”. E mesmo os antieuropeus não criticam o facto de haver uma política europeia da ciência na Europa, faz questão de sublinhar.

Mas a Europa tem um problema: a dificuldade em transformar ideias e conhecimento de excelência em produtos acessíveis no mercado. Ou seja, os europeus são bons a encontrar, a descobrir, mas depois têm dificuldades em levar a ideia até ao mercado. Entre a fase de descoberta e a sua transformação em produto no mercado é necessário ter capacidade, investimento, fábricas, recursos humanos que permitam executar a tarefa.

É este bloqueio que o comissário pretende quebrar por forma a permitir aumentar a competitividade da UE. “Não quero ser mal entendido. As pessoas podem entender que eu não me interesso pela ciência fundamental. Mas não é verdade. Sou o maior defensor da ciência fundamental como uma bandeira da Europa. Mas temos que melhorar noutros pontos e um deles é a transformação para o produto. Temos que conseguir fazer esse avanço”. Isto é aliás a principal marca que pretende deixar no final do seu mandato: a de que ajudou a Europa a conseguir ultrapassar o desafio de transformar as ideias em produtos.

Nesse sentido, a Comissão decidiu há dias apoiar 59 investigadores europeus a transformarem as suas invenções em produtos comercialmente viáveis, atribuindo um montante que pode chegar aos 150 mil euros por projeto.

O investimento em projetos científicos e inovadores é outro dos desafios que a Europa enfrenta. O plano de investimento da UE de 315 mil milhões de euros é a iniciativa mais emblemática e a principal prioridade do executivo comunitário e foi apresentado três semanas após a entrada em funções da Comissão Junker.

Em consequência da crise económica e financeira, o nível de investimento na União registou uma quebra de 15 % desde o pico atingido em 2007.

O plano pretende contribuir para relançar o investimento nas áreas da investigação e desenvolvimento, inovação, energia, infraestruturas digitais, entre outras.

Carlos Moedas diz que estará operacional em meados de 2015, altura em que serão lançados os primeiros projetos. E deixa a indicação sobre as áreas em que o país se deve concentrar para beneficiar da iniciativa: “Seria excelente se Portugal conseguisse focalizar os seus projetos nas áreas que constituem o objetivo do fundo: as áreas de alto risco e de alto retorno como a ciência, a inovação, o digital, e a ciência do conhecimento”. “É a economia do conhecimento que nos pode trazer mais crescimento sustentado. É essa que nos faz subir na escala da qualidade e na capacidade de ter melhores empresas, produtos, condições de trabalho e criação de emprego”.

Carlos Moedas definiu outro desafio a concretizar durante o mandato: fazer da ciência um instrumento ao serviço da cooperação e da paz, utilizá-la como diplomacia para aproximar povos e países em guerra. A ciência pode funcionar como uma língua comum e, nesse sentido, o comissário vai à Jordânia, em abril, visitar o projeto Sesame (um acelerador de partículas) apoiado pela CE e que junta cientistas israelitas, palestinianos, iranianos, paquistaneses e jordanos, entre outros. Com o mesmo propósito, deverá deslocar-se a Kiev em março para assinar um contrato de associação com a Ucrânia.

Os comissários da Geração Erasmus

Nas reuniões semanais do colégio de comissários, às quartas-feiras, Moedas senta-se no lugar que ocupava o ex-presidente Durão Barroso. O atual líder do executivo europeu, Jean Claude Junker, optou por outra disposição, cabendo a Moedas o lugar à volta da mesa do ex-primeiro-ministro português. Senta-se entre as comissárias Margrethe Vestager (dinamarquesa, tem a pasta da Concorrência) e Corina Cretu (da Roménia, Política Regional).

Em três meses, e muito por força das pastas que ocupam, forjou laços diretos com dois comissários: os vice-presidentes Jyrki Katainen (Emprego, Crescimento, Investimento e Competitividade), e Frans Timmermans (Legislar melhor, Relações Interinstitucionais, Estado de Direito e Carta dos Direitos Fundamentais).

Com o holandês Timmermans tem uma “excelente relação” e admira a sua capacidade poliglota já que fala seis línguas “sem sotaque”. O próprio Moedas fala fluentemente três (para além da língua materna): inglês, francês e espanhol. Trabalham juntos num dos dossiês que a nova Comissão pretende erguer como bandeira, a “better regulation”, o que em europês significa legislar menos mas melhor, com o objetivo de melhorar a qualidade legislativa da UE focada apenas nas áreas em que pode fazer a diferença.

Já com o finlandês Katainen, Moedas tem em comum o facto de serem ambos ex-estudantes Erasmus, juntamente com a vice-presidente e alta representante para a política externa, a italiana Federica Mogherini. Com idades próximas, explica um colaborador, os três estão entre os mais jovens do atual Executivo e são conhecidos como os comissários da geração Erasmus, o popular programa europeu de intercâmbio de estudantes e professores, de que tiveram a oportunidade de beneficiar durante os estudos.

O português também se sente próximo do comissário irlandês Phil Hogan (Agricultura e Desenvolvimento Rural). Mas quem mais elogia é Jean-Claude Junker, o presidente, “um homem que tem uma experiência política extraordinária”, qualidades políticas invulgares como “já não há muitos”, garante.

Nos contactos do dia a dia com o pessoal da Comissão procura manter a postura de humildade que o caracteriza.

“Na vida devemos ser aquilo que somos. Não tentar imitar os outros nem construir uma imagem que não é a nossa”.

Por isso, diz que faz questão de falar com todas as pessoas de igual para igual. “Gosto de falar com os outros, gosto de os ouvir”. Inaugurou, aliás, um estilo com o pessoal dos serviços que tutela com quem se encontrou assim que iniciou funções e que faz questão de encontrar quando pode.

Tece rasgados elogios aos funcionários da Comissão. Diz-se surpreendido pela positiva pela qualidade do serviço público que prestam. “É uma administração pública com uma preparação acima do normal e com pessoas de grande qualidade, é uma das melhores do mundo”, garante. Ilustra com o exemplo da sua direção geral da Investigação, Ciência e Inovação onde mais de 50% das pessoas tem doutoramento.

Um gabinete multinacional e com portugueses

Uma das vertentes importantes do trabalho diário de um comissário é realizada no gabinete em conjunto com a equipa. No gabinete de Carlos Moedas trabalham 16 pessoas, entre conselheiros, assistentes e administrativos. É um gabinete multinacional, como mandam as regras, com cidadãos de França, Lituânia, Itália, Reino Unido. Sete são portugueses.

Para além do chefe de gabinete, António Vicente, que também exerceu estas funções com Moedas quando este foi secretário de Estado Adjunto de Passos Coelho, há ainda dois nomes conhecidos da política: Maria da Graça Carvalho e José Mendes Bota. A ex-eurodeputada e ex-ministra da Ciência, Inovação e Ensino Superior dos governos de Durão Barroso e Santana Lopes segue as pastas relacionados com o Horizonte 2020, o Espaço Europeu de Investigação, a inovação, a energia e o ambiente. Já o ex-deputado, ex-eurodeputado e ex-autarca de Loulé é responsável pelas relações com o Comité das Regiões, o Comité Económico e Social da UE, os parlamentos nacionais, e pelas áreas da justiça, consumidores, igualdade de género, educação, cultura, agricultura e pescas.

Nestes três primeiros meses, o comissário não perdeu o contacto com o país e fez várias visitas oficiais a Lisboa mas também ao Porto onde visitou o centro de excelência em investigação, ciência e inovação da Universidade. Na capital, participou ainda na assinatura de um acordo, apoiado pela CE, entre o BPI e o Fundo Europeu de Investimento para fomentar o crédito a pequenas e médias empresas portuguesas inovadoras.

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Recebeu várias visitas portuguesas em Bruxelas, como o ministro do Ambiente e da Energia e amigo, Jorge Moreira da Silva, o presidente do governo regional dos Açores, Vasco Cordeiro, a ministra da Agricultura e do Mar, Assunção Cristas, ou os dirigentes da Confederação dos Agricultores de Portugal.

Neste percurso pelos primeiros meses é inevitável falar da questão da segurança e da luta contra o terrorismo, dentro e fora das fronteiras da UE. Os dias de terror em Paris chocaram a Europa. O comissário português mostra grande preocupação. “O mundo está cada vez mais perigoso”, afirma. “O que se passou em Paris, os ataques anti-semitas, devem fazer-nos pensar seriamente sobre o futuro”. “Devemos pensar na melhor maneira de lidar com este problema”.

Apesar dos serviços de segurança na Comissão terem elevado o nível de alerta e reforçado a segurança, o comissário português não se viu obrigado a mudar de hábitos.

Carlos Moedas é um comissário entusiasmado com o que faz. “Ser comissário é um trabalho muito interessante e que tem um impacto no dia-a-dia das pessoas”, afirma. Olha para a experiência que teve no Governo português como uma mais-valia para as atuais funções. “O meu passado era muito de gestão horizontal no Governo. Aqui também faço uma gestão horizontal” porque a minha pasta abrange outros portfólios. “Aqui a capacidade de gestão de processos ainda é mais importante”.

 
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