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Octavio Passos/Observador

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Molhe do porto de Leixões: 6 pontos para compreender a polémica à volta dos 300 metros por construir

Prolongamento do quebra-mar integra um conjunto de melhorias no porto de Leixões. A Câmara de Matosinhos pediu mais estudos e, contra a obra, há já uma petição pública e uma manifestação no domingo.

Em fevereiro, a ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, anunciou um investimento de cerca de 217 milhões de euros, dos quais 147 são investimento público, até 2023, no porto de Leixões. O objetivo é melhorar as acessibilidades marítimas e aumentar a competitividade portuária. As empreitadas envolvem o prolongamento do quebra-mar exterior em 300 metros, o aprofundamento do canal de entrada e da bacia de rotação, a criação do novo terminal de contentores no molhe sul e a requalificação do porto de pesca. Contudo, o projeto levado a cabo pela Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL) está a suscitar várias críticas e muitas dúvidas entre partidos políticos, autarcas, surfistas, proprietários de restaurantes e habitantes do concelho.

No início de março foi criado o movimento “Diz Não ao Paredão”, a partir do qual, além de uma página no Facebook, foi lançada também uma petição pública a pedir a suspensão da obra. A iniciativa já conta com mais de seis mil assinaturas e será levada “em breve” à Assembleia da República. Este mês, o mesmo movimento pediu à Procuradoria-Geral da República que pondere uma ação popular, “com vista à defesa do ambiente, através do Ministério Público”, e convocou uma manifestação na praia de Matosinhos para este domingo.

Com o concurso público a decorrer desde o dia 22 de fevereiro, a Câmara Municipal de Matosinhos aprovou um documento com 26 medidas, onde defende, entre outras coisas, que as obras no Porto de Leixões não devem ser adjudicadas enquanto não forem apresentados o projeto global e a avaliação de impacte ambiental do novo terminal de contentores.

Para a APDL, que se tem desdobrado em reuniões de esclarecimento, as obras são “indispensáveis” para a modernização do porto e a não construção do prolongamento de 300 metros do quebra-mar “põe em causa a sua viabilidade, uma vez que está a recusar cada vez mais navios por falta de condições”. A estrutura atual tem 600 metros e foi construída em duas fases, uma no início do século XX e outra na década de 60, resultando na configuração que hoje conhecemos. A APDL estima que no início de 2020 os trabalhos já possam começar e o tempo previsto para a construção é de dois anos e meio.

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Em cinco pontos, explicamos de onde nasceu a polémica, quais os argumentos de cada um dos lados e que impacto pode ter a construção.

A necessidade

“A necessidade do prolongamento do quebra-mar já tem cerca dez anos e começou a ser discutida em 2000/2001”, explica Nuno Araújo, administrador da APDL, em entrevista ao Observador. “A frota mundial de navios cresce todos os anos e isso coloca exigências às nossas infraestruturas, ou seja, quanto maior é o navio, mais dificuldades se colocam ao Porto de Leixões para o receber. Ao longo do tempo fomo-nos apercebendo que algumas empresas iam adquirindo navios de maior dimensão, conseguimos dar repostas a essas necessidades, mas chegámos a uma fase em que tal já não é possível. Essas empresas deixaram de escalar aqui e foram-se deslocalizando para outros portos do nosso país, como é o caso de Lisboa ou Sines, ou até mesmo Vigo.”

O Porto de Leixões em números: 

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Serve uma euroregião de 14 milhões de habitantes

Representa aproximadamente 17% do PIB da região norte, 6% do PIB português e 20% do comércio português por via marítima

É sinónimo de 18% do emprego da região norte e 7% do total do emprego nacional

Anualmente passam pelo Porto de Leixões 2700 navios, movimentando cerca 19,5 mil toneladas de mercadorias para mais de 180 países

Questionado sobre a quantidade de navios que o porto teve de recusar nos últimos anos devido às suas limitações, Nuno Araújo diz que não foi feita essa contabilização, apenas nomeia três dos maiores clientes – MSC, Hapag-Loyd e NileDutch —que deixaram de escalar em Leixões. “Atualmente, podemos receber cerca de 50% da frota mundial, há 10 anos, quando concluímos as obras no alargamento do canal, no aprofundamento da bacia e construímos a nova ponte sobre o rio Leça, a chamada ponte móvel, podíamos receber 70%. Com o tempo, essa capacidade diminui, até porque há um conjunto de navios que são obsoletos, deixam de existir, e as empresas por questões operacionais, de rentabilidade ou até ambientais, compram ou fretem navios maiores.” Para o responsável, o Porto de Leixões “deixou de responder a uma parte da indústria da região norte e da economia nacional”, existindo “empresas se viram obrigadas a enviar os seus produtos para outros portos, de forma a poderem exportá-los”. “Podíamos estar a crescer muito mais e a ter resultados completamente diferentes daquilo que temos hoje. Não é que isso seja o mais importante para nós, o que importa é que, por força da nossa incapacidade, estamos a aumentar os custos associados à indústria portuguesa, que é altamente exportadora.”

Segundo o comandante Rui Cunha, também diretor das operações portuárias e de segurança da APDL, Leixões cresceu na última década cerca de 70%, com um decréscimo do número de navios, passando de 3000 para 2700. Hoje recebe barcos maiores e com mais carga, uma situação “decretada pela operação mundial”. Sobre a importância geoestratégica, o especialista afirma que o Porto de Leixões permite que os exportadores “transportem para 184 países”, faltando pouco “para fazer o pleno do mundo”. “Se Leixões parar, começa a falar o petróleo”, alerta, acrescentando que o porto “deve fazer alguma coisa, olhando para o espaço que tem disponível”.

Apresentação do aumento do tamanho dos navios ao longo das últimas décadas (Foto: Octávio Passos)

Octavio Passos/Observador

Perante este cenário, a APDL, “dentro das suas limitações”, começou por fazer estudos prévios com o objetivo de perceber que tipo de navios conseguia vir a receber para responder ao tecido industrial da região norte. “Hoje podemos receber navios até 215 metros, mas chegámos à conclusão que precisávamos de receber navios com 300 metros de comprimento, que transportam em média 5 mil TEUs [capacidade de carga].”

Os estudos

“Desde o primeiro minuto, houve a preocupação de conhecer as interferências do projeto antes de avaliar a sua pertinência. Foi dito à equipa para perceber as consequências da operação na cidade, na pesca, na agitação marítima e o seu impacte ambiental”, explica o diretor de operações portuárias, Rui Cunha. Através de simuladores, modelos matemáticos e estudos físicos, a APDL contratou, em julho de 2010, a empresa francesa Egis Beceom, que, com um simulador de duas dimensões, estudou um molhe de 100 a 300 metros e navios entre 220 e 330 metros. Foi possível concluir que “era essencial aumentar a dimensão da zona abrigada”, revela o comandante. Temos claramente a perceção que cada metro de molhe são milhares de euros e tentamos reduzir o mínimo possível o seu alongamento. Insistimos muito nos 200 metros, mas veio a verificar-se que as condições de segurança tinham poucos ganhos e que, em muitos dias de mau tempo, deixaríamos, da mesma maneira, navios de fora.”

Não satisfeita com este primeiro estudo, a APDL encomendou, em outubro de 2012, um outro ensaio, desta vez a três dimensões, onde as variações do vento e do mar são “muito mais próximas da realidade”. As possibilidades de alongamento do molhe entre 200 a 300 metros, com e sem ângulos de abertura, foram alguns dos cenários analisados em manobras realizadas no simulador, metade das quais efetuadas por pilotos da APDL e a outra metade por técnicos e pilotos de Barcelona. Cada um teve direito a uma ficha, uma espécie de relatório, onde puderam avaliar cada manobra e cada cenário. Desta forma, o Centro Jovellanos, responsável por este segundo estudo, analisou os cenários com uma maior taxa de sucesso. “Foi assim que chegámos aos 300 metros com a rotação para fora de 20 graus, um quadro que garante taxas de sucesso nas escalas dos navios muito perto da sua plenitude”, garante Rui Cunha.

Nuno Araújo, administrador da APDL, explica o ângulo de 20 graus no novo prolongamento do quebra-mar exterior (Foto: Octávio Passos)

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Segundo Hugo Lopes, engenheiro da divisão de obras e equipamentos da APDL, entre 2013 e 2017 “existiu uma ponderação interna para definir se o projeto teria condições para avançar”. Depois de estabelecidos os condicionamentos ao nível da navegabilidade, em 2017 arrancaram os ensaios no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), “envolvendo aquela que é a instituição mais relevante ao nível da engenharia do nosso país, que atua com total isenção e imparcialidade” Esta fase centrou-se no estudo da otimização da estrutura, as suas dimensões e segurança, a avaliação dos impactos do prolongamento do quebra-mar na praia de Matosinhos e no transporte de sedimentos. “Ao longo da nossa costa, há um conjunto de sedimentos que vão alimentado as nossas praias e queríamos perceber se com este prolongamento havia alguma alteração importante”, afirma o engenheiro, concluindo que esta questão não representa um problema de segurança, “uma vez que vão continuar a ser feitas as dragagens necessárias para redistribuir a areia”.

“Temos claramente a perceção de que cada metro de molhe são milhares de euros e tentamos reduzir o mínimo possível o seu alongamento. Insistimos muito nos 200 metros, mas veio a verificar-se que as condições de segurança tinham poucos ganhos e que, em muitos dias de mau tempo, deixaríamos, da mesma maneira, navios de fora.”
Rui Cunha, comandante e diretor de operações portuárias da APDL

Os estudos de estabilidade pelo LNEC realizaram-se em formato 2D e 3D, com simulações de ondas severas e tempestades “nos maiores tanques do país”, sendo possível “analisar a agitação e quantificar as condições de abrigo criadas com estes modelos”. Foi necessário ainda verificar os impactos da construção deste quebra-mar relativamente à agitação marítima e à qualidade da água. Após a solução mais vantajosa apresentada no estudo de 2012, foram testados mais seis cenários diferentes, extraindo três rumos de agitação: noroeste, oeste e sudoeste. A equipa dividiu, então, a praia de Matosinhos, com cerca de um quilómetro de extensão, em duas zonas: os 500 mais a norte, onde as ondas podem reduzir até 38%, passando de 1 metro para 62 centímetros, e os 500 metros mais a sul, onde as ondas podem reduzir até 45%, passando de 67 centímetros para 37. “As ondas hoje, quando encontram um obstáculo, rodam sobre a cabeça da estrutura e propagam-se depois em direção à praia de Matosinhos. Isso vai continuar a acontecer. O facto de a estrutura ser um pouco mais exposta, vai fazer com que a onda tenha menos energia na zona norte da praia, junto ao paredão, chegando com menos força.”

Apesar de assumir que a “agitação marítima irá diminuir”, Hugo Lopes afirma que isso “não implica uma estagnação das águas”. “Quando dizemos que vamos reduzir uma agitação de 30 centímetros para 20, não estamos a dizer que vai deixar de haver ondas, nem que a água vai deixar de se movimentar. Grande parte da dinâmica e da renovação da água nas praias tem a ver com as correntes de maré, que potenciam a movimentação. Ora as marés não vão ser impactadas com esta construção, a renovação da água vai acontecer na mesma. O que vai haver em menor grau é a turbulência associada às ondas e à sua rebentação. Essa sim vai ser reduzida.”

A ondulação atual na praia de Matosinhos (Foto: Octávio Passos)

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O impacto para a praia

Ao existir uma maior acumulação de areia a norte e uma maior erosão a sul, haverá uma rotação da praia, um cenário que o engenheiro diz já se verificar hoje. “Esta tendência não nos parece algo de muito gravoso porque, atualmente, já fazemos as ripagens das areias de norte para sul.” Sobre os possíveis efeitos desta obra nas praias do Porto e de Leça da Palmeira, o especialista garante que “não serão afetadas em nada”, pois estão fora da zona de abrigo, e salienta ainda que as condições balneares na praia de Matosinhos “até vão ficar melhores”. A APDL garante que o mar de Matosinhos não se vai tornar um lago sem ondas, com águas paradas ou estagnadas, e cheio de bactérias. “Vai haver, contudo, para algumas direções, ondas com menor altura, principalmente na zona norte. Essa situação vai promover um melhor, e mais seguro, aproveitamento balnear na praia.”

Questionado pelo Observador sobre a qualidade do mar, o engenheiro Hugo Lopes garante que “a zona de abrigo que esta estrutura vai criar não irá impactar a qualidade da água”, pois o quebra-mar “não vai potenciar um foco poluidor”. “Já hoje Matosinhos não é uma praia de bandeira azul e isso não deriva de existir ali um prolongamento, mas sim do facto de haver algumas contaminações que, ao longo dos anos, têm sido reduzidas.” Existe ainda a Ribeira de Riguinha, que desagua na praia com cargas clandestinas de esgotos domésticos, na qual, segundo o especialista, a APDL está a trabalhar, juntamente com as Águas do Porto e a Câmara Municipal de Matosinhos, para que essa ligação não aconteça.

A ideia de que o aumentado da estrutura portuária é sinónimo do aumento do número de navios, e, por consequência, mais poluição, também é rejeitada pelo responsável. “Navios maiores, significa menos escalas, ou seja, transportamos a mesma quantidade de carga com menos navios. Por outro lado, tecnologicamente, os navios hoje têm um controlo ambiental muito maior do que há 20 ou 30 anos. A questão que vamos ter mais navios e vamos poluir mais é um falso problema.” Também o comandante Rui Cunha descarta essa possibilidade. “Hoje cai um pingo de óleo e imediatamente o capitão informa, porque sabe que as penalizações são elevadíssimas”, sublinha, acrescentando que a APDL tem “estações de controlo da qualidade do ar, do ruído e da água”.

O engenheiro Hugo Lopes explica os estudos realizados no projeto de execução da obra prevista para 2020 (Foto: Octávio Passos)

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Em julho de 2018 a Agência Portuguesa do Ambiente emitiu um parecer “favorável condicionado” de Avaliação de Impacte Ambiental do projeto, onde foram analisados fatores ambientais como os recursos hídricos e marinhos, o uso do solo e ordenamento do território, o ambiente sonoro, o património cultural ou a paisagem. Foram ainda apresentadas medidas de minimização e monotorização. “Por indicação da declaração de impacte ambiental, a APDL tem um grupo de trabalho com a câmara e as associações de surf para que durante 5 anos consigamos monitorizar toda a envolvente ligada à socioeconomia do surf, de modo a perceber como é que ela evolui por efeito do prolongamento”, afirma o engenheiro Hugo Lopes.

"A APDL, juntamente com as autarquias do Porto e Matosinhos, juntas de freguesia, escolas de surf, restauração e clubes de vela, disponibilizou uma verba de 2 milhões de euros para construir infraestruturas que possam impulsionar a prática dos desportos de ondas”.
Nuno Araújo, administrador da APDL

Nuno Araújo, administrador da APDL, sublinha que o estudo será iniciado antes da obra e vai além da sua conclusão, tendo como, objetivo concreto, perceber os impactos da construção na economia ligada aos desportos de ondas “e, depois, aplicar medidas mitigadoras e compensatórias no sentido ajudar a que quem vive do surf possa continuar a operar no concelho de Matosinhos”. O administrador revela ainda que, para antecipar as conclusões deste estudo, a APDL, juntamente com as autarquias do Porto e Matosinhos, juntas de freguesia, escolas de surf, restauração e clubes de vela, disponibilizou uma verba de 2 milhões de euros para “construir infraestruturas que possam impulsionar a prática dos desportos de ondas”. “A nossa intenção é que o acordo esteja fechado o quanto antes para passar a fase de saber que tipo de equipamentos e infraestruturas devemos construir, mas isso é a comunidade que vai decidir.”

Questionado sobre o facto de o anúncio desta medida ser sinónimo de um assumir do impacto negativo da obra, Nuno Araújo reage dizendo que “a alternativa era esperar pela conclusão do estudo para depois se começar a fazer alguma coisa e isso era um risco que ninguém queria correr”. “Aquilo que a direção de impacto ambiental obriga é fazermos um estudo económico e, posteriormente, decidir que medidas mitigadoras a aplicar consoante os impactos que a obra possa a produzir”.  Ora, segundo o administrador, a APDL não pretender esperar pelas conclusões do estudo e, “numa atitude proativa”, irá “antecipar um possível cenário”.

O surf

Humberto Silva foi “nascido e criado” em Matosinhos, tem 32 anos e é surfista há 25. É nadador salvador de profissão e, no início do ano passado, reagiu “muito mal” ao anúncio da extensão do quebra-mar. “Toda a comunidade surfista vê com maus olhos esta obra porque traz resultados negativos irreversíveis”, diz em entrevista ao Observador. O nadador salvador critica o facto de esta temática “ter sido sempre associada exclusivamente à comunidade do surf”, o que acabou por “abafar um pouco os outros problemas que são ainda mais graves do que a falta de ondas.” No rol de preocupações do surfista constam a falta de informação vinculada pela APDL, a qualidade da água, a erosão costeira, o impacto paisagístico ou a desvalorização imobiliária. “Foi feito todo um trabalho para reabilitar esta zona, estamos a conseguir números interessantes de turismo na cidade e vamos dar um passo atrás.”

Não conformado com a situação, Humberto criou no início do mês de março a página “Diz Não ao Paredão” como forma de contestação à obra da APDL. “Este movimento não tem nenhuma ligação política, nem tenciona ter, é um movimento de cidadania totalmente a favor do desenvolvimento do Porto de Leixões, mas contra o aumento do paredão.” O comprimento de 300 metros é o motivo de maior revolta. Mesmo sem ter estudos específicos que o sustentem, a sua opinião é que não é preciso fazer um prolongamento tão grande. “Colocamos em causa a importância e a relevância destes 300 metros de prolongamento porque pensamos que não são necessários. Gostávamos de chegar a um acordo, o ideal seria não haver prolongamento, mas podemos pôr em cima da mesa propostas de números inferiores, pois acreditamos que, ao diminuir o comprimento do cais, iríamos também diminuir todos estes problemas.”

A imagem do movimento cívico seguido no Facebook por 5900 pessoas. (DR)

Sobre a monitorização dos impactos da obra nos próximos 5 anos, Humberto diz ser “bastante ridículo”. “E se os resultados forem positivos, vão deitar abaixo o paredão? É uma falsa questão.” Relativamente às condições da praia como zona balnear, o surfista afirma que “ninguém garante que, daqui a 50 anos, a praia não esteja completamente interdita e com níveis de poluição que nunca teve”. O movimento “Diz Não ao Paredão”, juntamente com a Surfrider Foundation Europe, lançou a 7 de março uma petição pública pedindo a suspensão das obras. A iniciativa já conta com mais de seis mil assinaturas e “será levada em breve à Assembleia da República”. Paralelamente, no início de abril, o mesmo movimento solicitou à Procuradoria – Geral da República que pondere instaurar uma ação popular “com vista à defesa do ambiente, através do Ministério Público”. “A concretização da obra põe não só em causa a saúde pública como também a própria Lei de Bases da Política de Ambiente (19/2014) onde se lê que todos têm direito ao ambiente e à qualidade de vida nos termos constitucional e internacionalmente estabelecidos”. O “Diz Não ao Paredão” tem ainda agendada uma manifestação na praia de Matosinhos no próximo domingo, a partir das 15h. “Não é uma manifestação apenas ligada ao surf, envolverá toda a gente”, sublinha Humberto.

Nuno Azevedo também faz parte do movimento, é surfista, professor de educação física e fundador da Linha de Onda – Surfing School. Foi ele que organizou o cordão humano com mais de mil pessoas realizado na praia de Matosinhos há um ano e meio, uma ação voluntária que teve como objetivo chamar a atenção para as empreitadas projetadas pela APDL. “Quando descobri o que se estava a pensar fazer, comecei a falar com várias pessoas e ninguém sabia de nada. Lembro-me que levei este assunto ao Dr. Pedro Sousa, que é o atual presidente das juntas de freguesias de Matosinhos e Leça da Palmeira, e ele próprio ficou surpreendido. Falámos com associações locais, inclusive com o Leixões Futebol de Clube, que ficou incrédulo”, conta em entrevista ao Observador.

“Não esperem que o Porto volte a ter grandes campeões de surf ou de bodyboard como houve no passado, porque, se aquela praia deixa de funcionar como funciona, é algo que vai desaparecer.”
Nuno Azevedo, professor de surf

Para Nuno, a extensão do quebra-mar exterior vai “destruir a natureza em prol de algo que não é garantido”, realçando que, naquela que é a sua convicção, não se trata apenas de “destruir uma onda, mas uma praia inteira”. Embora admita que no inverno a praia possa tonar-se “ligeiramente mais segura”, sem ondulações grandes, o professor acredita que os efeitos negativos da obra serão a longo prazo e vão “contaminar” várias gerações. “Os governantes olham para uma coisa instantânea, mas não conseguem ver mais à frente. Isso é que me revolta. É destruir algo que pode ter consequências gravíssimas e que, depois de construir, já não há nada a fazer.” “Atentado” e “crime” ambientais são expressões utilizadas pelo professor, que conhece bem o circuito de surf instalado naquela zona e impulsionado pelas 17 escolas licenciadas, pelos turistas e alunos do programa Erasmus ou pelos campeonatos que ali se realizam. “Matosinhos é das melhores praias na Europa para o ensino e para aperfeiçoamento de desportos ligados às ondas. Obviamente que, quando a pessoa chega a um certo patamar, procura outro tipo de praias.” Nuno Azevedo refere que o futuro de uma geração ligada a este desporto pode estar em causa. “Não esperem que o Porto volte a ter grandes campeões de surf ou de bodyboard, como houve no passado, porque, se aquela praia deixa de funcionar como funciona, é algo que vai desaparecer”, diz.

Depois das reuniões que tem presenciado, Nuno adianta que “todas as escolas estão contra o prolongamento do quebra-mar, algumas ponderam mesmo fechar as portas e ninguém quer assinar o protocolo que a APDL propõe.” O professor não tem dúvidas que “não há nenhum equipamento que consiga colmatar a falta de ondas”. Construir recifes artificiais é uma das alternativas apontadas, mas, para Nuno, “é um tiro nos pés”, pois “no mundo inteiro todas as tentativas deste tipo de construção não deram em nada”. A criação de uma onda artificial é outra das hipóteses em cima da mesa, embora considere “algo irreal”. “A obra ronda os 15 e os 30 milhões de euros, a APDL dispõe 2 milhões, duvido que tenham o dinheiro necessário.”

A praia de Matosinhos é fundamentalmente procurada para quem inicia a prática de desportos de ondas. (Foto: Manuel Fernando Araújo/Lusa)

MANUEL FERNANDO ARAÚJO/LUSA

Confrontado com as preocupações da comunidade surfista, o engenheiro Hugo Lopes explica que “a agitação vai reduzir em média 30%” e que essa percentagem “não coloca em risco a prática do surf”. “A indústria do surf que existe em Matosinhos está essencialmente ligada às escolas e essas não estão preocupadas com ondas muitos grandes, mas com uma gama de ondas compatível com a iniciação, entre meio metro a um metro. Essas, à partida estão asseguradas”, acrescenta. Já Nuno Araújo, administrador da APDL, salienta a “boa relação” que sempre mantiveram com a comunidade surfista, admite que a diminuição da ondulação “pode alterar dinâmicas”, mas que a intenção é que o desporto continue presente, “e inclusive que novas práticas desportivas ou outro tipo de negócios venham a surgir”. “Vai ficar tudo igual? Não vai. Aqueles que têm um nível mais avançado, não irão tendencialmente procurar a praia de Matosinhos”, admite.

A pesca, os restaurantes e o mercado imobiliário

Rui Sousa Dias trocou a indústria têxtil pela restauração, abrindo, em 2004, o restaurante Valentim e, em 2011, o Dom Peixe. Fundou a Associação de Restaurantes de Matosinhos há 9 anos, com o objetivo de “ajudar a satisfazer as necessidades dos proprietários dos restaurantes de peixe e marisco” daquela zona. Atualmente, conta com 40 associados que beneficiam de um conjunto de valências, da medicina do trabalho ao apoio jurídico. “A partir do momento em que nos organizamos como uma associação, a relação com a autarquia começou a ser mais próxima”, afirma em entrevista ao Observador.

Sobre a obra no Porto de Leixões, Rui não tem ainda “uma opinião formada” devido à “ausência de informação concreta”, apesar de, há mais de um ano, a associação a que preside ter sido convocada pela APDL para várias reuniões de esclarecimento. “Não fiquei esclarecido, muito sinceramente. Percebo que aqui há uma motivação muito forte da APDL de efetivamente de conseguir rentabilizar o Porto de Leixões. Isso é reconhecido por toda a gente. Agora, a APDL tem de perceber que os seus interesses também não podem chocar frontalmente com outras atividades económicas do concelho e com os moradores.”

“Sou daquelas pessoas que, durante todo o ano, vou dar um mergulho ao mar quando está bom tempo. Se me disserem que a praia de Matosinhos vai perder as suas características balneares e vai ficar mais poluída, não posso estar a favor disso.”
Rui Sousa Dias, presidente da Associação de Restaurantes de Matosinhos

Rui recusa, para já, fazer “juízos precipitados” ou pensar na falta de clientes, caso a zona da praia seja prejudicada, mas recorda uma promessa ainda não cumprida pela APDL. “Disseram que iria ser criado um canal de permanente funcionamento para dar informação o mais atualizada possível. Se isso só acontecer quando a obra começar, peca por tardia porque as pessoas não terão informação suficiente para decidir”. Além de comerciante, Rui vive há 5 anos em Matosinhos, “mesmo em frente à praia”, e, por essa razão, pensa também na sua “qualidade de vida”. “Sou daquelas pessoas que, durante todo o ano, vou dar um mergulho ao mar quando está bom tempo. Se me disserem que a praia de Matosinhos vai perder as suas características balneares e vai ficar mais poluída, não posso estar a favor disso.”

Outra das preocupações do empresário é a desvalorização imobiliária em Matosinhos Sul. “Comprei um edifício na Rua Brito Capelo, quando ainda era razoável comprar, que está em obras de requalificação neste momento. A minha ideia era fazer uma surf house, o local tinha condições para isso, mas já não vai ser devido a esta questão. Claro que, na dúvida, não corro riscos. Reconverti o projeto todo e desisti da ideia do hostel.” Rui Sousa Dias defende que quem faz investimentos na cidade deverá ter alguma garantia por parte da autarquia de que isso é uma aposta ganha. “Como empresário, sou a favor do crescimento, gosto de empreender e de pensar no futuro, mas aqui temos de pesar bem os prós e os contras porque, no fundo, tudo isto mexe com a qualidade de vida de uma comunidade.”

Rui Sousa Pinto, presidente da Associação de Restaurantes de Matosinhos, queixa-se da falta de informação sobre este projeto. (Foto: Octávio Passos)

Octavio Passos/Observador

Consciente do “enorme poder” da APDL, que tem “capacidade de jurisdição em toda a orla costeira”, o presidente da Associação de Restaurantes de Matosinhos tem a certeza de que, “a partir do momento em que a obra for adjudicada, já não há nada a fazer”. “Há um concurso público a decorrer, há uma intenção clara e objetiva, tanto do Ministério do Mar como do Governo, para levar esta obra a avente”. “As previsões são negras e, se acontecer em Matosinhos aquilo que eu já ouvi dizer, a primeira coisa que eu quero é ir viver para outro sítio.” Relativamente às alterações anunciadas no porto de pesca, Rui Sousa Dias acredita que “não irão mexer na qualidade do peixe”. “Pelo que percebi, a obra não irá dificultar o acesso dos barcos, pelo contrario, é feita no sentido de melhorar as condições de entrada.”

Segundo a APDL, a requalificação no porto de pesca “só fará sentido após o prolongamento do quebra-mar e o aprofundamento da bacia de rotação”, pois apenas com as melhorias de acessibilidade ao porto será viabilizada a construção de um novo terminal junto ao molhe sul, com uma área de terraplano superior a 16 hectares e capacidade para 435 mil TEUs. “O layout ficou fechado há cerca de dois meses com a Docapesca e já foi avançado um estudo de impacte ambiental”, adianta Nuno Araújo, administrador da APDL. A construção deste terminal permite efetuar alterações no porto de pesca, “melhorando as suas condições de operação”.

Construir um novo terminal de contentores é outra das obras previstas pela APDL. (Foto: Octávio Passos)

Octavio Passos/Observador

Um novo interposto frigorífico, uma nova fábrica de gelo e uma nova linha de cais com 360 metros, criando, assim, uma nova zona de abrigo para navios com 300 metros de comprimento, são as modificações propostas pela APDL para este ponto estratégico. “Esta será uma obra mais rápida”, garante Nuno Araújo. Contactada pelo Observador, a Docapesca – Portos e Lotas diz que tomou conhecimento do projeto e, no que respeita ao setor da pesca, considera que o mesmo “mantém os serviços no porto, valorizando a sua prestação e contribuindo para a melhoria das condições de segurança no acesso das embarcações ao porto de pescas e das infraestruturas de apoio ao setor”.

As 26 exigências da Câmara Municipal de Matosinhos

No passado dia 26 de março, a autarquia liderada por Luísa Salgueiro (PS) aprovou um documento com 26 medidas, distribuídas pelas fases anterior, durante e posterior à construção da obra, “com o objetivo de acautelar e trazer todas as garantias” relativas a esta matéria. Numa lista de exigências que espera ver esclarecidas pela APDL para se poder manifestar, a autarquia aprovou, com apenas um voto contra do PSD, um parecer que defende a suspensão do concurso público. Entre outras coisas, a câmara defende que a obra da extensão do quebra-mar no Porto de Leixões não deve ser adjudicada enquanto não forem apresentados o projeto global e a o estudo de impacte ambiental para a construção do novo terminal de contentores.

“A Câmara Municipal de Matosinhos não pode deixar de manifestar a sua profunda preocupação face aos diversos impactos urbanísticos, ambientais e ecológicos e à possibilidade de deterioração da qualidade de água e ar, ruído, alteração morfológica da praia, das ondas e excessiva contentorização” após a realização dos investimentos. Solicita também “a elaboração de um estudo externo e independente que avalie o impacto ambiental do conjunto de investimentos referidos e que complemente o Estudo de Impacto Ambiental do Prolongamento do Quebra-Mar Exterior do Porto de Leixões”, defendendo que “a obra não se inicie sem que o Governo/ Ministério do Mar assegure o cumprimento de um conjunto de garantias caso a Câmara Municipal considere que existem condições para a realização destes investimentos”. Numa Assembleia Municipal extraordinária, marcada para o mesmo dia, a proposta de suspender o concurso público, iniciado a 27 de fevereiro, foi rejeitada com os votos contra do PS e PCP.

As obras no Porto de Leixões mereceram uma reunião e uma assembleia municipal extraordinárias na câmara de Matosinhos. (Foto: APDL)

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Contactada pelo Observador após a reação da câmara de Matosinhos, a APDL afirma que “tem estado, e continuará a estar, disponível para esclarecer todas as dúvidas que o processo de melhorias no Porto de Leixões venham a suscitar junto da população e organismo locais”, acrescentando que “está determinada em levar a obra a bom termo, avaliando e mitigando todos os impactos que ela possa vir a originar”. Questionada sobre a possibilidade de não avançar com a obra, caso os novos estudos ambientais considerem negativos os efeitos e as consequências do prolongamento, a APDL diz que não pondera tal cenário, “uma vez que os estudos contemplados no plano das obras já foram devidamente submetidos, tendo a Agência Portuguesa do Ambiente emitido as respetivas declarações de impacto ambiental com um despacho favorável”.

Sobre a obra do novo terminal de contentores junto ao molhe sul, a APDL revela que esta se encontra numa fase de desenvolvimento prévio e de estudo de impacte ambiental, prevendo que o lançamento do concurso para esta concessão “ocorra no início do segundo semestre de 2020”.

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