Nasceu em Cascais, quis ser professora de história e em casa era obrigada a ouvir as músicas que soavam dos discos dos irmãos. Viu o seu primeiro espetáculo de dança com 15 anos por iniciativa própria e descobriu, assim, o poder das apresentações ao vivo e gosto pelas artes. Passou pela redação da revista Blitz, onde escreveu sobre música, dança, teatro, exposições e festivais, mas nunca ponderou subir a um palco.
Trabalhou de 12 anos na Direção Geral das Artes e, em 2015, foi convidada para ser diretora municipal da cultura e da ciência no Porto, logo após a morte do vereador Paulo Cunha e Silva. Aceitou o desafio sem pestanejar e acabou por ganhar raízes numa cidade que não era a sua: “Aqui a escala mudou, passei de trabalhar de um país para uma cidade, mas a proximidade fez com tudo fosse mais intenso. Foram anos de trabalho entusiasmantes.”
Em março de 2020, Mónica Guerreiro é nomeada para presidir o Coliseu do Porto, numa altura em que a pandemia explodiu em Portugal e motivou o fecho de todas as salas de espetáculos. Foram muitos os desafios, as preocupações, os anseios e os receios que se seguiram, mas a gestora preferiu dar prioridade a conhecer melhor a história, a tradição e o significado daquela que é a maior sala de espetáculos da região norte. Conheceu a equipa de máscara, recebeu “uma chuva” de e-mails e telefonemas a solicitarem reagendamentos e os eventos que conseguiu erguer no primeiro desconfinamento tinham limitações e restrições que não a deixavam completamente satisfeita.
Vê com bons olhos o papel do Estado nos apoios à cultura nesta fase, admite que as medidas foram mais reativas do que preventivas e aguarda indicações da tutela para descongelar o processo de concessão do Coliseu, que irá permitir a realização das obras de restauro “urgentes” no edifício.
Mónica Guerreiro critica a gratuitidade no consumo de bens culturais, defende mais coesão no setor e pretende lutar por um Coliseu acessível a todos. No ano em que a sala emblemática do Porto comemora 80 anos de vida, a programação inclui o regresso da ópera, espetáculos de cinco festivais da cidade e um fim de semana de aniversário repleto de iniciativas pensadas em conjunto com outras entidades artísticas.
Foi jornalista no então jornal Blitz, trabalhou 12 anos na Direção Geral das Artes, em 2015 muda-se para o Porto para ser diretora municipal da cultura e mais tarde abraça a presidência do Coliseu. Trabalhar nesta área foi óbvio para si?
Não foi nada óbvio. Quando era nova tinha um grande fascínio pelos professores, sempre os achei uma espécie de deuses, verdadeiras fontes de conhecimento, eram motivo de grande fascínio e almejava ser assim. Na realidade, tinha a ideia de ser professora de história ou historiadora, gostava muito de ler, de aprender e de transmitir conhecimento, por isso era nessa área que me imaginava. O meu conhecimento no setor cultural era muito pequeno, nasci e vivi em Cascais, que à data era uma vila onde não existiam debates e eventos culturais que me tivessem revelado um mundo que mais tarde vim a descobrir, especialmente quando me aproximo mais de Lisboa e, a partir dos 15 anos, quando vou trabalhar para o Blitz. A partir daí, passei a ser mais próxima da área cultural porque a experiência das artes ao vivo se tornou o meu quotidiano, escrevendo sobre concertos, espetáculos de teatro, de dança, festivais, exposições e isso revelou de forma muito orgânica algo de que já gostava muito, mas que ainda não sabia. Comecei por ouvir muita música, foi essa a minha primeira abertura para as artes. Os meus irmãos tinham muitos discos em casa e não tinha outro remédio se não ouvi-los, então criei o meu próprio gosto e isso levou-me à dança, depois ao teatro, depois à performance, às artes visuais, às instalações e por aí fora. O primeiro espetáculo de dança vi-o aos 15 anos porque li algures numa revista e quis ir ver, ninguém me levou. Era uma coisa que me preenchia como até ali nada ainda o tinha feito.
Nunca pensou ser artista?
Não, não tenho absolutamente talento nenhum para estar em cima de um palco. O máximo que faço é uma canção no karaoke e é o bastante para alimentar esta pequena via narcísica que todos temos um pouco. Sempre adorei observar aquilo que pessoas talentosas conseguem fazer, transmitir e a maneira como nos fazem sentir. Profissionalmente, vim cá parar um pouco por acaso, tive um convite para trabalhar num jornal, depois convidaram para trabalhar na Direção Geral das Artes, depois para a Câmara Municipal do Porto e, no ano passado, um convite para estar à frente do Coliseu.
Nascendo e crescendo em Cascais, que relação tinha com o Porto?
A minha relação com a cidade começou desde cedo porque profissionalmente, quando trabalhava na redação do Blitz, sempre fiz questão de não ter uma abordagem apenas ao que me estava mais próximo, por isso vim cá muitas vezes ver espetáculos de artes performativas que eram apresentados em Serralves ou cobertura de alguma peça no Teatro Nacional São João. Existiam sempre motivos que me traziam ao Porto do ponto de vista profissional, depois cá tenho amigos e a vivência da cidade é como é hoje, muito cativante e com muitos pontos de interesse. Claro que culturalmente agora é muito mais rica relativamente ao tipo de experiência que se pode ter.
A mudança para o Porto, em 2015, foi um convite fácil de aceitar?
Ponderei muito pouco, o desafio era bastante irrecusável. Propuseram-me vir fazer parte da equipa que teria como missão dar continuidade ao legado programático do antigo vereador Paulo Cunha e Silva, num momento difícil porque nos estávamos a deparar com uma perda precoce e repentina, mas a minha vinda não tinha de todo o objetivo de o substituir. Era mesmo irrecusável na medida em que a quantidade de projetos concetuais e materiais que se começaram a desenhar e implementar nos primeiros tempos de governação daquele executivo traziam uma expectativa de um futuro excitante. Esse sentido de concretização e de realização de medidas diferenciadoras na vida das pessoas era algo muito entusiasmante para alguém que, como eu, tinha estado a trabalhar na administração pública a nível nacional, muito recuado relativamente ao fazer e com um lado muito administrativo. Aqui a escala mudou, passei de trabalhar de um país para uma cidade, mas a proximidade fez com tudo fosse mais intenso. Foram anos de trabalho entusiasmantes.
Lembra-se da primeira vez que visitou o Coliseu?
Sim, a primeira vez que cá entrei foi em dezembro de 2015 e coincidiu com o dia em que o Coliseu prestou homenagem ao Paulo Cunha e Silva, esse foi o meu primeiro evento enquanto diretora municipal de cultura. O primeiro espetáculo que assisti aqui ao vivo foi o Circo de Natal nesse mesmo ano.
A 13 março de 2020 assume a presidência desta sala. Como a encontrou?
É difícil voltarmos a esse tempo, estávamos a passar por algo novo, diferente e completamente inexplicável. Nunca imaginávamos que isto pudesse acontecer e aqui no Coliseu o desafio imediato foi perceber como é que uma casa com este gigantismo, habituada a lidar com multidões, se depara com um encerramento imediato e com uma quantidade enorme de compromissos que é preciso gerir e saber o que lhes vai acontecer. Nos primeiros dias não havia legislação de enquadramento e reinava a confusão. Havia um desconcerto total em todas as cabeças da equipa, que se manteve a mesma até hoje. A dificuldade foi um pouco maior no meu caso porque tinha acabado de chegar, conheci as pessoas todas de máscara, os eventos que realizámos foram sempre neste contexto e com bastantes limitações. Isto faz com que exista um esforço acrescido de me dar a conhecer e de construir uma relação de confiança que noutras circunstância seria mais amenizada e mais orgânica. Adoraria poder dizer que vim trabalhar para o Coliseu e começámos a fazer eventos com multidões, com plateia em pé, mas ainda não tive essa experiência, ainda não pude fazer um espetáculo em condições normais. Tenho esperança que esses tempos chegarão.
Nas muitas preocupações e desafios que sentiu, a qual deu prioridade?
Em aprender. Primeiramente tive que tentar perceber onde tinha entrado, além do que se conhece do Coliseu enquanto espectadora, era necessário conhecer a estrutura interna, a forma como a casa se organiza e quais os serviços que presta. Nessa altura, tinha deixado de prestar esses mesmo serviços, mas precisava de manter a sua sustentabilidade financeira, simbólica e até comunicativa, ou seja, tivemos que continuar a dar sinais de que estávamos vivos e prontos para trabalhar, assim que fosse possível. Os primeiros embates foram mesmo as chuvas de telefonemas e de e-mails com pedidos de reagendamentos, estive durante algum tempo sem conseguir dar resposta porque precisava de saber em que contexto estávamos para poder ajuizar melhor as decisões a tomar e ainda bem que o fiz. O Coliseu tem muitos anos de história e tenho muita vontade de dar seguimento a isso com um dinamismo renovado que em 2020 não foi possível. Espero que em 2021 já seja um pouco mais.
O que foi mais difícil?
Penso que nos conseguimos reinventar e adaptar o suficiente para que haja uma leitura exterior do nosso trabalho condizente com os desafios e exigências de trabalhar neste contexto. Do ponto de vista mais pessoal, obviamente que tenho muita pena de ter começado uma nova função com esta responsabilidade e o teletrabalho ser a regra, o que impede uma revelação de personalidades e uma troca de afetos na equipa. As instituições fazem-se de pessoas e as pessoas precisam de se relacionar umas com as outras, é isso que faz uma casa.
Há diferenças na gestão cultural que se faz no Porto e em Lisboa? Ou de uma gestão mais abrangente e de uma sala como o Coliseu?
Não tive a experiência de trabalhar em Lisboa no âmbito regional ou municipal, trabalhei num serviço nacional e a distância entre o que fazia e o resultado daquilo que fazia era muito grande. Aqui há uma proximidade extraordinária e isso não tem mesmo comparação. Quando se trabalha na administração pública, colabora-se com entidades do setor e não há uma relação com as estruturas que permita alimentar um sentido de maior vivência da cidade, isso devia acontecer. Aqui, talvez por estar numa cidade onde não cresci, a vontade de descoberta é maior. Um órgão de gestão mais próximo da sociedade tem a possibilidade de executar medidas diferenciadoras relativamente à inclusão, ao combate à discriminação e à pobreza. Nessa perspetiva, toda a gestão é mais recompensadora, pois conseguimos ter um feedback direto do que fazemos.
Que projeto artístico tem para o Coliseu?
O Coliseu que eu imagino é que aquele em que todas as pessoas podem entrar e querem fazê-lo porque a programação as chama. Que o facto de a sala ter um carisma muito próprio não conduza a uma inibição e a um sentimento de não pertença, pelo contrário. A história do Coliseu e a forma como ele foi adquirido pela cidade para estar ao serviço da comunidade exige que programaticamente se luta por essa universalidade no acesso. Tenho muita vontade de continuar a construir para o Coliseu esse sentimento de pertença, essa ideia de que todos podem entrar. Não falo apenas das pessoas dos municípios do Porto, o Coliseu trabalha além das fronteiras do concelho, trabalha para toda a região norte. Faz sentido para esta casa criar cada vez mais projetos e programas que sejam acessíveis na forma como são comunicados ou postos à venda e falo precisamente em venda porque todas as pessoas têm o direito de incluir na sua vida consumo cultural, é um direito pelo qual não me cansarei de lutar. Que todos encontram aqui uma oferta condigna para o seu poder de compra e para isso acho interessante trabalhar políticas ativas de descontos que privilegiem famílias e estudantes. Estes são princípios e ideias que me acompanham, mas a pandemia veio intensificar ainda mais esta minha preocupação.
Além da pandemia e de todos os efeitos económicos que ela trouxe, há uma ideia de que a cultura pode ser gratuita. Como se combate isto?
Este é um erro tremendo. Se damos valor a determinadas coisas, elas têm que ter o seu preço, tudo tem o seu custo, mas na área cultural, por razões até civilizacionais, há uma mentalidade que desvaloriza quem se dedica à cultura e às artes. Habituámo-nos a não dar valor à entrada de um espetáculo ou de uma exposição, habituámo-nos a ler um livro ou um filme que tirámos da internet. A dignificação do trabalho em cultura depende do facto de cada um de nós não deixar de lhe atribuir valor através de um pagamento e, claro, esse pagamento deve ser adaptado ao que cada um pode pagar. Existe uma tendência para se pedirem reduções, convites e borlas, mas quando isso se massifica é um tiro no pé gigante na tentativa de dignificação e estruturação de todo um setor.
O antigo presidente do Coliseu, Eduardo Paz Barroso, defendia que o Coliseu não poderia ser apenas uma “barriga de aluguer”, mas teria que implementar uma imagem e uma programação próprias. Concorda com esta ideia?
Considero que isso faz diferença, a programação própria pode e deve ser complementar à programação que é garantida por quem aluga a sala e deve ter a preocupação de acrescentar valor, diversidade, práticas e estéticas que fujam à lógica de que um evento tem que ser rentável para as partes que o realizam. Concordo com a perspetiva de o Coliseu se dinamizar para assegurar uma produção própria, sendo que no atual contexto isso seja mais difícil, uma vez que o formato de cedência de sala está altamente comprometido pela pandemia.
Não haverá um risco de overbooking no futuro?
Essa é mais uma questão que vamos ter que saber gerir, não apenas o Coliseu, mas todas as salas em conjunto.
As salas de espetáculo da cidade uniram-se na dificuldade?
Sim, estão muito unidas. Sinto muita vontade de tentar revolver problemas entre todas, diferindo programação e ajustando medidas. Temos todas dimensões e características diferentes, devemos trabalhar em rede e isso é cada vez mais uma realidade.
Em janeiro de 2020 foi decidido que o Coliseu iria ser concessionado a uma entidade privada para garantir as obras de restauro, avaliadas em 8,5 milhões de euros. Em que fase está o processo?
É um processo que ficou pendente devido à pandemia, tivemos de dar atenção a tudo o que foi preciso reestruturar e adaptar e à nossa própria sobrevivência. O problema de não se ter avançado com a decisão que foi anunciada relativamente à concessão é que a necessidade de reabilitar o Coliseu continua a ser urgente. O edifício está em muito bom estado para os 80 anos que tem, houve um pequena intervenção parcial na altura da Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura, mas mais no sentido de dar novas valências e não de reabilitar o que já cá estava.
Considera o modelo de concessão a solução ideal?
Estou disponível para ponderar e aceitar aquilo que for a melhor solução para dar uma vida longa para o Coliseu. Acredito que há formatos de concessão interessantes como o que assistimos recentemente no Pavilhão Rosa Mota, não tenho nada contra a esse caminho, mas ao contrário do Rosa Mota, o Coliseu não está encerrado. Acho que faz sentido ponderar um formato de concessão, mas também perceber se a Associação Amigos do Coliseu, que está a fazer um trabalho muito meritório, pode ou não continuar a geri-lo. Gostaria de ver a associação poder dar seguimento à sua história, que tivesse oportunidade de mais uma vez ser a direta promotora das vontades dos associados que a fundaram, mas se isso não for possível para termos um Coliseu apto para os tempos que se aproximam, então vamos por outro caminho. Estou aberta a todos eles.
Há alguma previsão por parte da tutela ou da autarquia relativamente ao futuro?
As coisas não estão paradas e têm existido muitas conversas no sentido de tomar o pulso às diferentes soluções. Uma das coisas que foi feita quando esta direção chegou foi perceber o que estava implicado no processo de reabilitação, uma vez que fomos mandatados para desenhar um caderno de encargos inspirado no estudo diagnóstico que o professor Vasco Freitas realizou, a pedido da antiga direção. Foi também solicitado um parecer ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil que logo após o desconfinamento, em junho do ano passado, fez uma visita técnica ao Coliseu para se pronunciar relativamente às patologias que são visíveis e ao estado geral de conservação do edifício. No seguimento desse parecer, todas as conclusões do estudo diagnóstico foram confirmadas. Existe a possibilidade de haver um faseamento, ou seja, dar prioridade a algumas intervenções e menos a outras, até para se evitar o fecho total da sala. O Ministério da Cultura e a autarquia do Porto estão atentas à evolução que este processo está a ter para quando houver uma reabertura e o mercado voltar a funcionar possa ser tomada uma decisão relativamente a esta matéria que nos indique qual o caminho.
Como avalia a gestão política cultural durante a pandemia?
Por um lado, temos de falar dos profissionais independentes, cujo grau de desproteção é muito acentuado há muito tempo e, lamentavelmente, esta tragédia deixou esta comunidade ainda mais desprotegida. Depois há muitos profissionais que se dedicam à cultura, como empresas de audiovisual ou de catering, mas não são considerados como tal. É importante termos a noção de que o meio cultural é muito mais do que quem faz arte, existe uma economia a circular em torno deste universo. Quando o Coliseu faz um espetáculo, não é apenas o Coliseu, a produtora ou os artistas que pisam o palco que estão a trabalhar, são também os restaurantes, os cafés, os parques de estacionamento e os meios de transporte. Tudo isto é cultura, temos que ter essa leitura. Existe uma quantidade enorme de recursos que são utilizados porque há um evento cultural, mas apesar de não serem qualificados enquanto cultura, em termos de categoria económica, estão também a ser altamente prejudicados e isso não pode ser assacado ao Ministério da Cultura. A pandemia trouxe um problema económico para o qual o Estado tentou corresponder com as múltiplas medidas de apoio. Aliás, o Governo ainda está a fazer esse caminho, estão agora a fechar os diplomas para o reconhecimento de um estatuto para o profissional da cultura. Vejo esse esforço como algo positivo e reativo, claro que podiam ter sido antecipadas algumas necessidades e carências, mas ser reativo e responsivo já é muito bom. Se virmos a sucessão de medidas que foram alargadas, incrementadas e prolongadas, percebe-se que o Ministério da Cultura esteve de ouvidos bem abertos às reivindicações do setor e procurou dar-lhes correspondência, mas este é um problema que está na base de um estado social que desprotegeu uma grande fatia dos trabalhadores da cultura.
Estamos em ano de eleições autárquicas, o que é necessário mudar no Porto a nível cultural?
Considero que a governação dos últimos oito anos trouxe uma lufada de ar fresco e uma capacidade de atenção e acolhimento aos artistas e à cultura muito diferentes do que se tinha passado na década anterior. É fácil, para quem não vivia cá como é o meu caso, negligenciar isso, não o faço porque conheci bem o contexto. Houve uma mudança radical, quase do dia para a noite, na possibilidade de viver, consumir e frequentar cultura, porque existe uma oferta exponencial, que não é garantida apenas pela câmara municipal, mas que é facilitada e acolhida por ela. Se há algo que pode ser desenvolvido para permitir um terreno ainda mais fértil para a cultura e os seus profissionais é a atenção que deve ser dada aos públicos de todas as faixas etárias e às suas vivências culturais. É necessária uma atenção e um esforço acrescido para que a programação não chegue apenas aos públicos privilegiados, é preciso defender uma lógica de acessibilidade que garanta que as crianças tenham acesso à programação, que nas escolas se valorize devidamente as experiências artísticas, que a faixa dos adolescentes e jovens tenha propostas que lhes façam sentido, que o público sénior tenha também uma oferta relevante. Tudo isto passa por ter uma preocupação com o poder de compra, com os horários dos transportes públicos e com a comunicação. A maneira como fazemos chegar informação às comunidades de públicos que já estão fidelizadas às instituições é uma, mas se queremos trabalhar para a cidade e para o público que normalmente não tem facilidade em chegar a estes templos de cultura há um trabalho formativo a fazer por todos.
Segunda-feira [dia 19 de abril] vão reabrir portas e em dezembro o Coliseu comemora 80 anos. O que nos pode revelar da programação?
De 19 a 25 de abril teremos o “Próspero”, um espetáculo da companhia Ensemble que no fundo é um anúncio daquilo que desejamos no futuro: voltar a congregar públicos e artistas numa experiência comum ao vivo. Vamos retomar a produção de ópera, algo que é intrínseco à génese do Coliseu e se há instituição na região norte que o pode e deve fazer somos nós. Vamos produzir duas óperas de épocas diferentes, uma a 9 de junho e outra a 4 de setembro. Outro momento forte que se vai multiplicar todos os meses, de maio a dezembro, é o regresso dos Concertos Promenade, temos uma história ligada à introdução deste conceito em Portugal, que tem vindo a ser replicado noutros teatros. É um conceito que vem de Inglaterra e consiste num formato de música clássica lúdica, alegre e aberta, com comentadores, realizado em formato arena e pensado para toda a família, combatendo precisamente a sisudez que normalmente associamos ao espetáculos de música erudita. Iremos colaborar ainda com cinco festivais da cidade – o Festival Dias da Dança, o Festival Internacional de Expressão Ibérica, o Porto Post Doc, o Festival Internacional de Marionetas do Porto e o Family Film Project – e estamos prontos para voltar a fazer um grandioso Circo de Natal. O aniversário será assinalado no fim de semana de 18 e 19 de dezembro com programação de manhã à noite em todos os espaços do Coliseu, cujo alinhamento será feito em parceria com alguns dos nossos projetos vizinhos, como os Maus Hábitos, o Cinema Passos Manuel ou o Ateneu Comercial do Porto.
A componente digital também estará presente?
Vamos inevitavelmente ter que passar a ter essa dualidade na experiência. Acredito na experiência ao vivo, mas cada vez mais vamos ter que ponderar esse caminho, não no sentido de transmitir apenas o que está a acontecer, isso é redutor, mas criando formatos de raiz para o digital.
Quem ainda gostaria de ver no palco do Coliseu?
O Harry Styles [risos].