Em espera. Mesmo depois de Rui Rio ter anunciado a vontade de deixar a presidência do PSD até julho, continua o jogo de sombras entre os candidatos a candidatos à liderança do PSD. Luís Montenegro está a amealhar apoios no aparelho partidário, a tentar impor um ritmo próprio e conta com a bênção crescente do rioísmo. Pinto Luz está tentado a ir a jogo para ser alternativa. Paulo Rangel e Jorge Moreira da Silva têm tudo ainda em aberto, sabendo que as hipóteses não são as ideais. Mas os calendários – interno e externo – continuam a ser os grandes receios na corrida à sucessão de Rio.
Entre os apoiantes de Luís Montenegro, sabe o Observador, a vontade é resolver a coisa depressa. Existem dois cenários preferenciais: eleições a 2 e 9 de abril (primeira e segunda volta) com congresso a 30 de abril; ou eleições no final de abril, com congresso em maio. No limite, a situação tem de estar resolvida até ao fim da primeira quinzena de maio.
De fora da equação está a realização de um congresso de reflexão ou estatuário para dar tempo ao partido de decidir o próximo líder social-democrata. Os mais próximos de Luís Montenegro entendem que atirar a decisão para as calendas seria um erro estratégico: numa altura em que o país vai estar a discutir o Orçamento do Estado e a discutir outras questões relevantes, com dois concorrentes à direita no Parlamento, seria impensável fechar o PSD numa sala a olhar para o umbigo.
Rio encontrou-se com Montenegro para discutir futuro
Depois, existe o aparente conforto do aparelho social-democrata. A aproximação de Montenegro ao rioísmo, que começou nas últimas diretas e que se confirmou na campanha para as legislativas, dá motivação ao antigo líder parlamentar para querer arrumar a questão rapidamente. O vínculo a Salvador Malheiro, o grande responsável pela vitória de Rio nas três eleições diretas, há muito discutido nos bastidores do PSD e cada vez mais evidente, aumenta as hipóteses de vitória de Luís Montenegro.
Essa locomotiva, de resto, segue a todo a vapor: Emídio Sousa, presidente da Câmara de Santa Maria da Feira, vai ser candidato à distrital de Aveiro com a bênção de Salvador Malheiro, até aqui dono e senhor do aparelho local, agora impossibilitado de se recandidatar à liderança. Os dois estiveram sempre em barricadas diferentes — Emídio com Montenegro e Malheiro com Rio — e eram rivais na região. O clima agora é outro e Montenegro, de resto, vai estar ao lado de Emídio Sousa nesse anúncio da candidatura.
Mais: o Observador sabe que Rui Rio e Luís Montenegro tiveram um encontro num hotel da cidade do Porto, onde discutiram o resultado das eleições legislativas, o calendário interno e o futuro do partido. No núcleo duro do ainda líder social-democrata a ordem é para retirar qualquer significado político ao encontro: Rio, garantem os mais próximos, vai falar com todos os potenciais candidatos que o procurem. Subtexto: Montenegro procurou Rui Rio.
Com o distrito de Aveiro blindado, com forte presença em Braga e boa aceitação no aparelho do Porto, Luís Montenegro tem três das quatros principais estruturas do partido bem encaminhadas para vencer as eleições diretas.
Ainda assim, em cenário algum Luís Montenegro herdará toda a base de apoio de Rui Rio — o antigo líder parlamentar tem muitos anticorpos entre os apoiantes do ainda líder do PSD e dificilmente convencerá os mais céticos.
Tudo somado, só um candidato igualmente forte poderia fazer sombra ao antigo parlamentar e disputar essa base de apoio que ficou órfã de Rio. Mas a divisão entre os que não morrem de amores por Montenegro parece travar qualquer coligação de interesses.
Uma aliança que se perdeu
As outras placas tectónicas continuam a mexer. As forças afetas a Paulo Rangel e a Miguel Pinto Luz prefeririam um calendário mais distendido no tempo e que houvesse, eventualmente, um congresso extraordinário para discutir o partido antes de fulanizar a discussão em torno do sucessor de Rui Rio. No entanto, sem um entendimento entre os dois, será mais difícil derrotar Luís Montenegro.
Nas últimas diretas, Miguel Pinto Luz, vice-presidente da Câmara de Cascais, foi instrumental no arranque da candidatura de Paulo Rangel. Terceiro nas eleições internas de 2020, com uma base de apoio consolidada nas estruturas de Lisboa, Setúbal, Madeira, Coimbra e Porto, ajudou a criar a vaga de fundo em torno do eurodeputado.
À equipa de Rangel juntaram-se depois várias estruturas que tinham estado na origem da candidatura de Luís Montenegro, que se afastou da corrida quando percebeu que não tinha espaço. E foi aí que os problemas começaram: os homens de Montenegro conseguiram influência, outras figuras do passismo (Miguel Morgado, Sofia Galvão, António Leitão Amaro…) ganharam ascendência e Pinto Luz perdeu protagonismo. Os laços de confiança, já de si frágeis, tornaram-se ainda mais precários.
Pior: depois de contados os votos, ficou para todos evidente que as bolsas de voto teoricamente dominadas por Montenegro falharam a Rangel, que muitos desses supostos apoiantes tiraram o pé do acelerador durante a campanha interna e outros tantos foram premiados com lugares nas listas de candidatos a deputados. Os apoiantes de Rangel acabaram a queixar-se de “traição“; os homens de Pinto Luz a dizer ‘eu bem avisei’.
Agora, perante o favoritismo aparente de Luís Montenegro, os dois – Paulo Rangel e Miguel Pinto Luz – voltam, em teoria, a estar presos um ou outro e à ditadura da aritmética dos apoios partidários. Se repetissem a aliança, teriam mais hipóteses de derrotar Montenegro. Se dividirem o anti-montenegrismo, a missão torna-se mais difícil.
Paulo Rangel nunca descartou publicamente a hipótese de ir a votos novamente e teria legitimidade para entrar na corrida por ter sido o último a medir forças com Rui Rio. Tem notoriedade, mas ainda não tem tropas suficientes para se bater de frente com Montenegro. Miguel Pinto Luz tem tropas para fazer mossa, mas (ainda) não tem a notoriedade suficiente para correr para ganhar. E não estará disposto a voltar a aparecer ao lado de Rangel na fotografia.
No entanto, dada a aproximação mais do que evidente de Montenegro a uma parte do aparelho do rioísmo, Pinto Luz começa a acreditar que pode apresentar-se a votos como o candidato federador de todos os que não se reveem no antigo líder parlamentar — dificilmente daria para ganhar as eleições internas, mas ajudaria a consolidar a imagem de alternativa para futuro. À data de hoje, é seguro dizer que Pinto Luz está cada vez mais inclinado a entrar na corrida.
Jorge Moreira da Silva vai assistindo a tudo isto à distância e sem revelar o jogo. Se os dois – Paulo Rangel e Miguel Pinto Luz – faltarem à chamada, uma eventual corrida à liderança do PSD poderia permitir-lhe fazer um brilharete e marcar espaço para voos futuros.
Além disso, a relação com Salvador Malheiro (os dois são próximos há muitos anos, era Passos Coelho líder do partido) ser-lhe ia útil para neutralizar parte da força de Montenegro em Aveiro. Baralharia as contas, pelo menos. Mas a equação, para já, é muito complexa para o antigo ministro.
A ameaça das europeias e um ciclo infernal de diretas
Aconteça o que acontecer, a questão da liderança do PSD não vai ficar resolvida em 2022. Nem em 2024. Olhando para as perspetivas que se colocam à frente do partido e assumindo que nada de radicalmente diferente acontece, os sociais-democratas podem enfrentar três eleições diretas até 2026 e só aí escolher em definitivo o líder que vai disputar as próximas legislativas.
O mandato de presidente do PSD dura dois anos. Se o próximo líder for escolhido, por exemplo, em maio de 2022, terá de ir novamente a votos em 2024, depois das europeias desse ano. Ainda que não seja possível antecipar o que vai acontecer até lá, o ponto de partida não é animador: as eleições para o Parlamento Europeu tenderão a compensar os partidos de esquerda (muito prejudicados pelo voto útil nestas legislativas) e a facilitar a vida à IL e ao Chega.
Sem a pressão da escolha de um primeiro-ministro e sempre com altas taxas de abstenção, o voto nas eleições europeias é, por tradição, mais livre e mais criativo – quem votou IL e Chega nas legislativas, dificilmente vai sair de casa para votar no PSD. Os sociais-democratas, que já vêm do pior resultado de sempre, arriscam-se a ter outra derrota de proporções épicas. Estes cálculos vão-se fazendo nos bastidores do PSD e há quem conclua o óbvio: se o sucessor de Rui Rio se estatelar nas europeias, vai ter a cabeça a prémio. Não bastando o facto de o PSD estar condenado a fazer uma longa travessia no deserto da oposição, a ameaça de uma catástrofe nas europeias torna tudo ainda pior.
A convicção de que o próximo presidente do PSD vai ser um líder de transição, destinado a durar dois anos, está a condicionar a corrida eleitoral. Quem está em cima do muro, vai fazendo contas à vida – o cargo de líder social-democrata é, neste momento, o menos atrativo da política portuguesa. E mesmo entre os apoiantes de Luís Montenegro, que já decidiu de facto avançar, ninguém ignora que as dificuldades vão ser enormes. E as dores de cabeça nem sequer se esgotam aqui.
Depois das europeias, o partido terá de preparar eleições autárquicas (2025), mais um desafio difícil para o líder que estiver em funções. Mantendo o calendário natural, o presidente que for eleito em 2024 terá de enfrentar novas eleições em 2026, em vésperas de legislativas. E é previsível que o partido volte a entrar em ebulição — basta ver o que aconteceu nesta última disputa entre Rui Rio e Paulo Rangel.
Da última vez que o PSD esteve num cenário idêntico (maioria absoluta de José Sócrates, 2005-2009) queimou três presidentes em quatro anos. Nada garante que não venha a acontecer o mesmo num partido que, salvo a raríssima exceção de Rui Rio, se habituou a ser um máquina de triturar líderes. E se é verdade que há muita gente que alimenta o sonho de ser líder do PSD, há poucos dispostos a arriscar tudo para acabarem rapidamente a ser ex-líder do PSD.