A ordem é para proteger e evitar mais tropeções — até porque começam a faltar vidas úteis para gastar. Depois de uma sucessão de erros de comunicação e de embaraços políticos, a equipa de Luís Montenegro deu ordens para blindar a ministra da Saúde e, em particular, a da Administração Interna. Os gabinetes de Ana Paula Martins e de Margarida Blasco estão a ser reorientados e reforçados, as ministras vão ter um acompanhamento especial — e a forma como são expostas à comunicação social e à oposição será repensada.
O caso mais complicado é mesmo o de Margarida Blasco. As declarações da ministra da Administração Interna sobre o direito à greve na PSP deixaram a equipa do primeiro-ministro à beira de um ataque de nervos. Já depois de a obrigar a retractar-se publicamente, e apesar de ter segurado Blasco, quando desafiado a responder à pergunta sobre se mantinha ou não a confiança na governante, Luís Montenegro não conseguiu responder mais do que com um lacónico e seco “mantenho“. A irritação do primeiro-ministro era indisfarçável.
Mas os problemas de comunicação da ministra vinham de trás e, sabe o Observador, já tinham obrigado à intervenção de António Cunha Vaz, o especialista em comunicação que colaborou com Luís Montenegro durante a campanha para as eleições legislativas. Por iniciativa da equipa de coordenação política do primeiro-ministro, foi pedido a Cunha Vaz que ajudasse a repensar a equipa da ministra, embrulhada em ineficiências orgânicas e conflitos entre pessoal — falta de assessores de imprensa, um chefe de gabinete, José Cal Gonçalves, “homem muito próximo de Carmona Rodrigues”, descrito como “excessivamente centralizador“, falta de confiança entre todos e uma ineficaz partilha de informação no gabinete.
Informalmente, até porque não tem nenhuma relação contratual com o Ministério da Administração Interna, Cunha Vaz terá sugerido, entre outras coisas, que Margarida Blasco tem de ter uma equipa de assessores de imprensa em permanência a cada deslocação ao terreno, que é preciso uma equipa que misture experiência e disponibilidade de agenda para acompanhar a governante e que o lugar do chefe de gabinete é, precisamente, no gabinete. A equipa de coordenação política do Governo espera agora conseguir reforçar o gabinete de Blasco e seguir em frente, sabendo que a margem para erros é nula ou muito perto disso.
Prova de que algo de errado se vai passando no gabinete da ministra da Administração Interna foi a forma como, depois do comunicado em que a governante recuou face àquilo que tinha dito sobre o direito à greve na PSP, que fontes do Governo garantem ter sido articulado entre a Administração Interna e o Ministério da Presidência, o Diário de Notícias tenha escrito que a ministra tinha sido apanhada de surpresa e que se sentia “desautorizada” pelo primeiro-ministro. Num Governo em início de ciclo, não é normal passarem-se recados entre ministérios, de baixo para cima e contra as ordens de um primeiro-ministro cuja autoridade não é questionada pelos pares.
Quanto à desautorização ou não de Margarida Blasco, e à surpresa que daí pode ou não ter resultado, fontes do Governo continuam a jurar que o comunicado foi articulado entre a ministra e o gabinete de António Leitão Amaro, ministro da Presidência, e que portanto é impossível que a governante tenha sido apanhada de surpresa pelo teor do mesmo comunicado. O certo é que alguém no gabinete de Margarida Blasco não gostou da forma como tudo foi processado e fez saber disso mesmo pela comunicação social.
Mas os problemas — e isso é reconhecido dentro e fora do Governo — não se resumem às deficiências que podiam existir no gabinete da ministra da Administração Interna; Margarida Blasco tem efetivas fragilidades políticas. Como explicava aqui o Observador, existe quem reconheça que Blasco dá alguns sinais de “desgaste” depois de sete primeiros meses de grande intensidade, numa pasta historicamente muito difícil para todos os que a lideram, e que se torna ainda mais pesada para quem não tem experiência política, como é o caso de Margarida Blasco. “É evidente que há um problema de comunicação. Não existe isso de ser ministro e não saber comunicar”, concedia um elemento da equipa de Luís Montenegro ainda na terça-feira.
Nos últimos dias, a ministra já tem tido um acompanhamento especial no sentido de perceber que tem de transmitir a informação com mais calma e segurança e que deve estar devidamente preparada para uma comunicação social e uma oposição que já percebeu que é ali, no Ministério da Administração Interna, que está um dos elos mais fracos deste Governo — mesmo que todos os elementos do Executivo ouvidos pelo Observador reconheçam a Blasco grande competência para liderar a pasta.
Na segunda-feira, a ministra da Administração Interna será ouvida no Parlamento, no âmbito da discussão do Orçamento do Estado para 2025. A audição está a ser preparada com especial cautela pela equipa de Blasco, no sentido de evitar mais um golpe auto-infligido e sabendo que terá de enfrentar uma oposição no Parlamento que já pediu a cabeça da ministra. “Tem de se preparar devidamente”, vai-se aconselhando a partir do Governo. Não é um conselho qualquer.
Ana Paula Martins acertou o passo, mas continua sobre gelo fino
De resto, ainda antes da formação do Governo, o mesmo Cunha Vaz tinha, em conjunto com elementos da equipa de coordenação política, sinalizado as pastas da Administração Interna e da Saúde como aquelas que teriam de receber especial atenção por parte do Executivo. Não é preciso muito para perceber porquê: basta pensar o que tiveram de enfrentar Constança Urbano de Sousa e Eduardo Cabrita (na Administração Interna) ou Adalberto Campos Fernandes e Marta Temido (na Saúde) até finalmente caírem. É quase sempre por ali que os problemas se vão acumulando em qualquer governo.
Na Saúde, e depois de um arranque algo trémulo, que chegou a envolver um puxão de orelhas em público do Presidente da República no verão, em plena crise das urgências, Ana Paula Martins foi conseguindo afinar parte da mensagem e arrepiar caminho — também com media training, à semelhança do que aconteceu com outros ministros, como Rosário da Palma Ramalho, do Trabalho e da Segurança Social. Mas a ministra da Saúde continua a caminhar sobre gelo fino e o estado de graça (se existiu) está muito perto de se esgotar.
Na sexta-feira, o Expresso acrescentou mais um problema à lista: afinal, de acordo com o semanário, a ministra da Saúde, que se tinha dito surpreendida pela greve dos técnicos do INEM, recebeu um pré-aviso com 10 dias de antecedência e ignorou os constrangimentos que uma greve desta natureza poderia causar no atendimento de doentes. Entretanto, e depois de uma reunião de emergência com os sindicatos, Ana Paula Martins conseguiu travar a greve e em breve será colocado em prática um plano de contingência para tentar resolver os problemas identificados.
Numa semana em que terão morrido pelo menos nove pessoas por atrasos na prestação de socorro por parte do INEM (a associação entre estes incidentes e a greve não está ainda comprovada), o dano político já estava causado. Sobretudo porque é mais uma dor de cabeça numa área que está a dar problemas desde o início da legislatura e que portanto já deveria ter merecido outra atenção. Primeiro, o Governo tinha afastado Luís Meira. Depois, escolheu Vítor Almeida, que ficou no cargo uma semana até bater com a porta. Por fim, Sérgio Dias Janeiro assumiu a presidência do INEM em regime de substituição por dois meses e esteve 52 dias em funções para lá do prazo previsto.
Tal como aconteceu com Blasco, a oposição, da esquerda à direita, vai pressionando Montenegro a perceber se a ministra tem ou não condições para continuar. Na sexta-feira, no mesmo dia em que o Expresso fez chamada de capa com a história da greve do INEM, a ministra cancelou toda a sua agenda alegando uma indisposição. Marcelo Rebelo de Sousa apareceu mais uma vez a exigir soluções imediatas. E o primeiro-ministro, por sua vez, foi recorrendo ao velho chavão de que os problemas não se resolvem com demissões — frase batida e dita por todos os chefes de Governo antes dele até varrerem efetivamente ministros problemáticos.
No entanto, e ao contrário do caso que envolveu a ministra da Administração Interna, que deu efetivamente um tiro no próprio pé, desta vez, o primeiro-ministro tentou contextualizar a questão e foi mais longe na defesa da sua ministra (pelo menos, foi mais palavroso). Mesmo dizendo não ter tido conhecimento do pré-aviso de greve às horas extraordinárias dos técnicos de emergência (que a ministra recebeu e que pelos vistos não partilhou com o chefe de Governo), Montenegro rejeitou a ideia de que se tenha perdido tempo para desmobilizar o protesto.
“Não se andou a perder tempo. Estamos em diálogo permanente com todas as áreas e profissionais da administração pública, [mas] evidentemente que não podemos andar todos os dias atrás de pré-avisos à greve e a fazer reuniões de emergência”, referiu o primeiro-ministro, antes de segurar, mais uma vez, a sua ministra. “A consequência política não é mudar pessoas para o problema continuar. É o contrário, é resolver o problema para que nós possamos continuar cada vez mais a prestar bom serviço.”
Seja como for, há muito que vai correndo nos bastidores a hipótese de haver uma remodelação governamental depois de aprovado o Orçamento do Estado para 2025 e que implique as saídas de, pelo menos, Margarida Blasco e Ana Paula Martins. Até ver, essa hipótese é completamente descartada pela equipa mais próxima de Montenegro. “Qualquer conversa sobre remodelação é intrigalhada. Não está nos planos, nem vai acontecer”, dizia há dias um influente social-democrata ao Observador. A menos que aconteça algo de extraordinariamente grave que obrigue a revisitar os planos.
Montenegro segura Margarida Blasco. Remodelação não está em cima da mesa