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[Este é o 5.º de 14 artigos sobre a história da nomenclatura automóvel ao longo de 135 anos e três continentes. As partes anteriores podem ser lidas aqui:]

De onde vêm os nomes das marcas de automóveis? Parte 1: Rodagem

De onde vêm os nomes das marcas de automóveis? Parte 2: Alemanha

De onde vêm os nomes das marcas de automóveis? Parte 3: Itália

De onde vêm os nomes das marcas de automóveis? Parte 4: França

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Austin

O primeiro grande contributo de Herbert Austin para a história da tecnologia foi uma máquina de tosquiar ovelhas. Pode parecer um triunfo menor, mas as ovelhas e a sua lã eram o sustentáculo da economia do país para onde Austin emigrara aos 18 anos: a Austrália. Austin trabalhava então para a Wolseley Sheep Shearing Machine Company, em Sydney, e os aperfeiçoamentos trazidos à máquina de tosquiar ovelhas valeram-lhe uma participação nas acções da empresa.

Tosquia de ovelhas com máquinas, Jimbour Station, Austrália, c.1895

As dificuldades em obter peças na Austrália levaram a que, em 1893, Frederick Wolseley e Austin deslocassem a produção da máquina para Londres. Wolseley deixou a firma no ano seguinte e Austin, percebendo que as vendas de máquinas de tosquiar ovelhas tinham sazonalidade muito marcada, decidiu diversificar o negócio com o fabrico de bicicletas – e daí aos automóveis foi um pequeno passo (até porque na época os automóveis eram ainda quadriciclos com um pequeno motor).

Herbert Austin (1866-1941)

Em 1905, Herbert Austin fundou a sua própria empresa automóvel, a Austin Motor Company, que, nove anos depois, já tinha 2300 funcionários e produzia 1500 carros por ano.

Em 1922, lançou o Austin Seven, um carro fiável e muito barato, que foi para a indústria automóvel britânica o que o Ford Model T fora para a americana. Manteve-se em produção até 1939 e serviu de base à construção de modelos económicos por outros fabricante um pouco por todo o mundo (como o Dixi. que foi o primeiro modelo produzido pela BMW).

Austin Seven de 1922

O Austin Seven teve, a partir de 1928, de enfrentar a concorrência do Minor, fabricado pela Morris Motors Limited, que se tornou na rival da Austin no segmento dos carros pequenos e económicos. Quando, em 1948, a Morris lançou um novo Minor, a Austin respondeu, em 1952, como o A30, similar na dimensões e desempenhos e que custava menos 62 libras.

Austin A30 de 1956

Mas a disputa entre a Austin e a Morris acabou por perder sentido nesse mesmo ano de 1952, quando as duas empresas se fundiram na British Motor Corporation (BMC), embora mantendo designações autónomas para as duas marcas.

Morris

Quando William Morris tinha 16 anos, o patrão da loja de reparações de bicicletas onde trabalhava como aprendiz lhe recusou um aumento, o rapaz despediu-se e instalou-se por conta própria num barracão no quintal da casa paterna, em Oxford. Não tardou que Morris começasse a fabricar os seus próprios velocípedes, expandindo-se para as motocicletas em 1901.

William Morris (1877-1963), num retrato realizado em 1935 por Henry L. Gates

Em 1912, surgiu o seu primeiro automóvel: o Morris Oxford, conhecido como “Bullnose”, pela semelhança da sua dianteira com um focinho de boi. Na verdade, todos os Morris ostentam um boi no seu “focinho”, uma vez que o logótipo da marca representa um boi atravessando um rio, numa alusão ao brasão de Oxford: o nome da cidade, situada na confluência dos rios Cherwell e Tamisa, provém da junção de “ox” (boi) e “ford” (vau), por aí ter existido um vau que dava passagem ao gado bovino.

Morris Oxford de 1913

Durante a I Guerra Mundial a produção da Morris foi, como a dos restantes fabricantes de automóveis, desviada para fins bélicos, mas em 1925 já atingia 25.000 carros por ano. Em 1928, a Morris lançou um carro pequeno e de preço muito acessível, que era um desafio ao popular Austin Seven: o Minor.

A versão mais barata do Morris Minor, posta à venda em 1930, tinha dois lugares, em vez dos quatro usuais, e custava apenas 100 libras

O carro foi um sucesso, justificando que a designação Morris Minor fosse recuperada em 1948 para um carro igualmente minúsculo e económico, desenhado por Alex Issigonis e que se manteria em produção, através de três séries, até 1972, vendendo 1.6 milhões de unidades.

Morris Minor de 1948

Em 1952, como se viu acima, Morris e Austin foram fundidas na British Motor Corporation (BMC) e em 1956 a Crise do Canal do Suez, ao fazer regressar, temporariamente, o racionamento de combustíveis à Europa, aguçou a consciência de que a abundância de petróleo barato não era um dado adquirido, levando ao surgimento do Fiat 500 em Itália e de vários “carros-bolha” na Alemanha. A resposta da BMC veio em 1959 com um veículo revolucionário desenhado por Alex Issigonis.

Morris Mini-Minor de 1959

O carro foi comercializado pela Austin e pela Morris com designações que evocavam os seus anteriores sucessos no domínio dos carros pequenos: Austin Seven (Austin Mini a partir de 1962) e Morris Mini-Minor (um pleonasmo, é verdade, mas que permitia distingui-lo do Morris Minor, que continuou a ser fabricado até 1972). O Mini esteve em produção até ao ano 2000 (no final já sob a égide da Rover), vendendo quase 5.4 milhões de unidades, repartidas por uma infinidade de versões, incluindo uma pickup, um 4×4, baptizado como Mini-Moke, e os carros de competição baptizados como Mini Cooper (a partir do nome de John Cooper, um fabricante de carros de competição que chegou a participar nos Grand Prix de Fórmula 1 e que converteu os Minis em formidáveis carros de rally).

A longevidade da produção explica-se também pela multiplicação de “edições especiais”, algumas delas com características desportivas e/ou acabamentos de luxo que visavam uma clientela que nada tinha a ver com a que comprou os singelos Mini de 1959.

Terá sido o culto devotado ao Mini pelos clientes endinheirados e com apetite por brinquedos desportivos que terá levado a BMW a comprar os direitos sobre os nomes “Mini” e “Mini Cooper”, que, a partir do final do ano 2000, passou a usar para designar vários carros cujo visual pisca o olho ao clássico design de Issigonis, mas que, em tudo o mais, são completamente diversos do velho Mini. É, aliás, particularmente irónico que as versões de topo de gama do Mini do século XXI debitem 300 HP, quando a ideia por trás do Mini de há 60 anos era enfrentar um mundo em que o petróleo era um bem escasso.

O Mini John Cooper Works GP Concept, equipado com o motor de 300 HP do BMW X2

Rolls-Royce

Tal como “Ferrari” se tornou sinónimo de “carro desportivo de topo de gama”, “Rolls-Royce” também é frequentemente usado para designar genericamente um carro luxuoso e imponente. As origens da marca fora, porém, modestas: Henry Royce construiu o seu primeiro automóvel, o Royce 10, em 1904, na oficina onde produzia material eléctrico, em Manchester.

Henry Royce (1863-1933)

O talento de Royce para conceber automóveis não era correspondido pela sua capacidade em vendê-los, mas teve a fortuna de ser visitado, nesse mesmo ano, por Charles Stewart Rolls, o filho mais novo de Lord Llangattock, que geria uma empresa de comércio automóvel em Fulham e ouvira gabar o apuro do trabalho de Royce.

O par entendeu-se de imediato e ficou acordado que Rolls passaria a ter o exclusivo da comercialização dos carros fabricados por Royce, sob a marca Rolls-Royce – a Rolls-Royce Limited nasceria formalmente dois anos depois e uma nova fábrica entrou em produção em 1908, em Derby.

O primeiro veículo com o nome Rolls-Royce: o 10 HP de 1904

Rolls, que era um balonista experimentado (170 subidas), ficou ainda mais fascinado pela aeronáutica com as possibilidades abertas pelos feitos dos irmãos Wright e outros pioneiros dos engenhos “mais-pesados-do-que-o-ar” e tentou – sem sucesso – persuadir Royce a desenvolver motores para aviões. O papel de Rolls na marca que leva o seu nome acabou por ser efémero, já que, além de ter sido o segundo britânico a voar num avião (pilotado por um dos irmãos Wright) e o primeiro piloto a fazer uma dupla travessia do Canal da Mancha, Rolls foi também o primeiro britânico a perecer num desastre de avião, quando o seu avião se despenhou em Birmingham, em 1910.

Destroços do avião em que morreu Charles Rolls

Entretanto, outra figura ia ganhando preponderância na condução da empresa: o director comercial Claude Johnson, cujas intuições e decisões foram decisivas para construir o sucesso da Rolls-Royce: foi ele quem, em 1907, baptizou um dos novos Rolls-Royce 40/50 como Silver Ghost, numa referência ao prateado da carroceria e ao seu funcionamento ultra-silencioso (pelos ruidosos padrões da época, entenda-se). A designação “Silver Ghost” seria depois estendida a toda a série 40/50, primeiro informalmente, pelos seus proprietários, depois pelo fabricante, que usaria diferente combinações de “Silver”, “Ghost” e “Phantom” para baptizar os modelos que produziria nas décadas seguintes.

O Rolls-Royce Silver Ghost original

Em 1910, a Rolls-Royce ganharia um elemento fulcral para a imagem da marca: uma figura feminina, com roupas ondulando ao vento, empoleirada no topo do radiador e que, embora tivesse nascido de uma encomenda de um particular (Lord Montagu, editor da revista The Car Illustrated, que pretendia com ela homenagear a sua amante e secretária, Eleanor Velasco Thornton), acabaria por ficar indelevelmente associada à marca, com o nome, assaz pretensioso, de “Spirit of Ecstasy”. O volumoso ornamento tornou-se retráctil em 2003, já que se tornara alvo de furtos frequentes – mas pode perguntar-se de que serve um símbolo de prestígio que só é exibido intermitentemente…

“Spirit of Ecstasy”

Em 1914, a empresa acabou por aproximar-se da paixão do falecido Charles Rolls, ao fabricar o seu primeiro motor para avião, actividade em que teve um sucesso extraordinário – entre muitos outros aviões, os motores Rolls-Royce viriam a equipar o lendário caça britânico Spitfire. Entretanto, em 1931, aproveitando o facto de a sua rival no sector dos automóveis de luxo, a Bentley, estar a passar por dificuldades, devido à Grande Depressão, a Rolls-Royce adquiriu esta marca (e logo cessou a produção do Bentley 8 Litre, que concorria directamente com o seu Phantom). Em 1938, a marca abriu nova fábrica, em Crewe, para onde transferiu a produção automóvel oito anos depois.

Com a II Guerra Mundial, a Rolls-Royce não só intensificou a produção de motores para aeronáutica como começou também a motorizar carros de combate. No pós-guerra, a Rolls-Royce afirmaria a sua excelência também nas turbinas a jacto, que acabariam por tornar-se na sua actividade principal. Em 1971, a Rolls-Royce Limited foi liquidada, dando lugar a duas empresas distintas, a Rolls-Royce Motors, que foi nacionalizada e prosseguiu no ramo dos automóveis de luxo, e a Rolls-Royce plc, que fabrica motores para aviões (ocupa o 2.º lugar no ranking mundial nesta área) e navios e reactores nucleares.

Um Rolls-Royce Silver Cloud de 1959

Em 1980, a Rolls-Royce Motors foi adquirida pela Vickers, que a colocou à venda em 1998, com um resultado desconcertante: os dois principais candidatos eram a Volkswagen e a BMW e se a primeira conseguiu ficar com as instalações fabris e administrativas, os designs dos carros e o direito a usar os dois elementos distintivos da Rolls-Royce, o “Spirit of Ecstasy” e a típica grelha do radiador, a segunda comprou (por 40 milhões de libras) dois elementos puramente abstractos: o nome e o logótipo. Neste ponto pode perguntar-se, parafraseando o Romeu de Shakespeare, “what’s in a brand name?”. A Rolls Royce Motors (VW) ficou com o património material da lendária marca, mas como não pode usar o nome Rolls-Royce, resignou-se a comercializar os seus veículos sob a marca Bentley (a antiga rival, “engolida” em 1931) e vendeu os direitos sobre o “Spirit of Ecstasy” e a grelha do radiador à Rolls-Royce Motor Cars (BMW), que, embora tenha sido criada do zero em 1998, é, na prática, a fabricante dos Rolls-Royce de hoje.

O Rolls-Royce Phantom VIII, lançado em 2017, é o modelo mais recente da marca – o preço-base é de 400.000 euros

Bentley

A Bentley começou a germinar em 1912, quando Walter Owen Bentley (1888-1971), insatisfeito com o desempenho dos automóveis franceses DFP de que era representante na Grã-Bretanha, começou a modificá-los de acordo com as suas próprias especificações.

Em 1919 nascia a Bentley Motors, vocacionada para o fabrico de carros desportivos e que conseguiu um notável palmarés, nomeadamente vencendo as 24 Horas de Le Mans em 1924, 1927, 1928, 1929 e 1930. A série terminou aqui porque em 1931 a Rolls-Royce, alarmada com este temível rival, o adquiriu, aproveitando as dificuldades financeiras da empresa, cujo modelo 8 Litre (motor de 7.983 cm3, 260 HP de potência, 2.5 toneladas de peso, velocidade máxima de 200 Km/h), apresentado no final de 1930, tivera vendas decepcionantes (mas não inesperadas, dado que se estava no auge da Grande Depressão e o carro custava 1.850 libras, algo como 328.000 euros a preços de hoje).

O canto de cisne da Bentley enquanto marca independente: O 8 Litre

O resto da história da marca Bentley, incluindo a forma como, em 1998 foi adquirida pelo grupo Volkswagen (desde 1998) e a sua bizarra troca de identidade com a sua antiga rival Rolls Royce, foi narrada na entrada sobre a Rolls-Royce. A marca Bentley continua a ser usada para baptizar veículos de invulgar luxo e imponência como a Bentley State Limousin, de que só foram fabricados dois exemplares, ambos destinados ao uso da rainha Isabel II (o modelo foi criado para assinalar o Golden Jubilee da monarca, em 2002).

A Bentley State Limousine

Nem sempre se percebem as fortunas gastas a comprar direitos de marcas (ou a disputá-los em tribunal), quando é frequente que se escolham, por vezes após longos e tempestuosos brainstormings entre marqueteiros e directores comerciais, nomes tão desajeitados quanto o aliterativo e cacofónico Bentley Bentayga, que junta as quatro primeiras letras da marca às florestas geladas da Ásia setentrional (taiga), ao mesmo tempo que alude a Roque Bentayga, um pico rochoso de origem vulcânica na Gran Canaria. A ideia de juntar florestas cobertas de neve a uma rocha numa ilha sub-tropical árida e de vegetação rala já de si é infeliz, mas julgar que o resultado soa muito bem só é possível após muitas horas sem dormir, doses cavalares de cafeína e algumas linhas de cocaína.

Bentley Bentayga

Aston Martin

Se a Bentley providencia as limusines para a rainha Isabel II, a Aston Martin detém o privilégio de ser o fornecedor oficial do Príncipe de Gales. A empresa foi fundada em 1913 por Lionel Martin e Robert Bamford e começou por chamar-se Bamforf & Marion, mas o grupo de investidores que tomou conta da empresa em 1925 rebaptizou-a como Aston Martin, com o Aston a vir do nome da rampa de Aston Hill, onde na época se organizavam competições automóveis. Este vínculo à competição inspiraria toda a história da marca, que sempre se pautou por veículos potentes, com acabamentos luxuosos e produzidos em tiragem limitada.

Lionel Martin (1878-1945)

A marca tem passado por sucessivas crises financeiras e mudado de mãos várias vezes. A mais inesperada dessas transacções deu-se em 1947, quando a aristocrática Aston Martin foi comprada pela muito plebeia David Brown Ltd., um fabricante de maquinaria e alfaias agrícolas cuja origem remontava a 1860. A David Brown Ltd. teve um desenvolvimento pujante no pós-II Guerra Mundial sob a dinâmica direcção de David Brown (o neto, homónimo, do fundador), tonando-se num dos maiores fabricantes de tractores da Europa e adquirindo, além da Aston Martin, outro marca britânica de automóveis de luxo, a Lagonda. A Lagonda tinha sido fundada em 1906 no Middlesex por Wilbur Gunn, um cantor de ópera americano que se retirara dos palcos para se dedicar ao fabrico de motociclos e automóveis – para baptizar a sua empresa escolheu o nome de um topónimo do seu país natal: um vale glaciar associado aos índios Shawnee, perto de Springfield, no Ohio (claro que, por esta altura, há muito que não havia um único Shawnee no Ohio). A David Brown juntou as suas duas marcas de luxo na Aston Martin Lagonda, mas a primeira tem sido dominante e apenas muito esporadicamente têm sido lançados modelos sob o nome da segunda.

Um dos modelos mais famosos da Aston Martin é o DB5, de 1963, que foi usado por James Bond no filme Goldfinger (1964). A versão à venda nos stands não incluía, helás!, os engenhosos gadgets do carro conduzido por Bond.

Um dos DB5 usados no filme Goldfinger

No início de 2021 foi anunciado, com pompa e circunstância, “o regresso da Aston Martin à Fórmula 1”, mas há que estabelecer distâncias entre os press-releases reproduzidos pelos media e a realidade. Por um lado, não há nenhum passado glorioso a que regressar, pois a presença da Aston Martin na Fórmula 1 resumiu-se a 1959-60 e foi um fiasco. Por outro lado, o actual Aston Martin F1 Team não é mais do que o rebaptismo de uma equipa já existente, o Racing Point F1 Team, que já se chamou Force India, Spyker e Midland F1, numa longa linha de “metamorfoses” que remonta à equipa Jordan, fundada em 1991. Ou seja: não há engenharia, componentes ou know how da Aston Martin nos “Aston Martin” que competem no campeonato de Fórmula 1, cujo único vínculo com a marca britânica de luxo é a “icónica cor verde”. Este “regresso” não é mais do que uma operação de marketing concebida pelo bilionário canadiano Lawrence Stroll, que é pai do piloto de Fórmula 1 Lance Stroll – Stroll pai comprou 25% da Aston Martin em 2020 e decidiu converter a Racing Point, de que o seu filho era piloto, na Aston Martin F1 Team.

Jaguar

A Jaguar nasceu como Swallow Sidecar Company, em 1922, e, como o nome indica, fabricava sidecars. A empresa fora fundada por William Walmsley e William Lyons e foi sob a orientação do segundo que foi reorientando-se para o fabrico de automóveis, com o nome S.S. Cars – apesar de a II Guerra Mundial ter tornado esta designação pouco atraente, a marca só assumiu o nome Jaguar em 1945. A Jaguar passou por uma série de aquisições, fusões e desmembramentos (e também por uma nacionalização, quando fazia parte da British Leyland) que desembocou, em 2008, na aquisição deste símbolo da excelência britânica pela indiana Tata Motors (não confundir com a checa Tatra), que a fundiu com a Land Rover. A Jaguar Land Rover continua a fazer parte do grupo Tata, mas tem autonomia no desenvolvimento, fabrico e comercialização dos seus veículos.

O XK120, um dos mais famosos modelos da Jaguar, surgido em 1948, coleccionou recordes de velocidade e vitórias em circuitos e rallies

Rover

A Rover começou com um triciclo em 1883, lançou-se nas bicicletas em 1885, estreou-se nos motociclos em 1904 e apresentou o primeiro carro, o Rover Eight, em 1905. A Rover Safety Bicycle foi pioneira, ao apresentar duas rodas de tamanho idêntico e um perfil similar ao das bicicletas de hoje, e foi tão marcante que as palavras polaca e bielo-russa para “bicicleta” são, respectivamente, “rower” e “rovar”. Nos automóveis, a Rover teve desempenho periclitante e só começou a afirmar-se junto das classes possidentes quando, em 1930, um Rover Light Six venceu uma corrida de 1210 Km contra Le Train Bleu, o expresso de luxo que ligava Calais à Riviera.

O Rover Light Six de 1929 que correu contra Le Train Bleu

“Rover” designa alguém que leva uma vida errante e o logótipo particulariza essa errância ao representar um navio viking. Errante, ou melhor, errática tem sido a vida da Rover: embora tivesse criado uma imagem de fabricante de carros de luxo, em 1948 apresentou o Land Rover, um todo-o-terreno robusto e “quadrado” destituído de luxos e confortos, que se tornou no seu modelo mais popular de sempre.

Land Rover de 1948

O sucesso do Land Rover não impediu que em 1967 a empresa acabasse por ser absorvida pela Leyland e passasse os anos seguintes num carrossel de fusões e desmembramentos, que resultou, em 2008, na aquisição da empresa Jaguar Land Rover pela Tata Motors – que tem mantido a marca Rover adormecida (o último modelo a ostentar a marca Rover surgiu em 2005), embora continue a lançar novos modelos de SUV sob a marca Range Rover.

MG

A MG nasceu no início da década de 1920, nas Morris Garages, o concessionário em Oxford dos Morris fabricados por William Morris, e os primeiros veículos com a marca MG não eram mais do que Morris Oxford com carroçarias modificadas sob a supervisão de Cecil Kimber.

As Morris Garages, em Oxford, onde nasceu a MG

Em 1927, a MG começou a produzir carros desportivos de concepção própria – o primeiro foi o MG 14/40 –, em 1928 a empresa autonomizou-se das Morris Garages, sob o nome MG Car Company (que era propriedade de William Morris), e no ano seguinte fez surgir um dos seus carros mais famosos, o MG Midget (ou Type M), um dos primeiros carros desportivos de preço acessível.

MG Midget de 1929

A MG teve uma história conturbada, passando pelas mãos de vários proprietários: teve algum sucesso enquanto fez parte do grupo British Motor Corporation (que juntou a Morris e a Austin) e entrou em declínio quando foi integrada, em 1968, na British Leyland (BL), período em que não foi mais do que um emblema aposto a modelos do Grupo BL. A marca MG andou aos trambolhões entre grupos empresariais (Rover Group, British Aerospace, BMW, MG Rover Group) até ser comprada em 2005 pelo Nanjing Automobile Group, depois convertido em Shanghai Automobile Industry Corporation (SAIC), e só 2011 voltou a surgir no mercado um MG. É um enredo que leva a que se questione o que é afinal uma marca…

O modelo mais recente da MG, a versão de 2019 do SUV MG ZS (lançado em 2017): o que une este carro ao MG Midget de há 90 anos, para lá do emblema na grelha dianteira?

Vauxhall

As origens da Vauxhall remontam a uma fábrica de motores a vapor fundado em 1857 pelo engenheiro naval Alexander Wilson. A fábrica situava-se em Vauxhall, que hoje faz parte da área metropolitana de Londres. O topónimo Vauxhall tem origem em Falkes (ou Fawkes) de Breauté (?-1226), um mercenário anglo-normando cujos serviços prestados a João Sem Terra lhe valeram um domínio em Luton, a que, por casamento com Isabella de Fortibus, se juntou uma propriedade perto de Londres, nas margens do Tamisa – a casa senhorial que fez construir nesta última ficou conhecida como Falkes’ Hall, que, com o tempo, se converteu em Foxhall e Vauxhall. O logótipo da Vauxhall, com um grifo em pose combativa, foi pedido emprestado ao brasão de Falkes de Breauté.

Vauxhall Bridge, c.1829

Em 1894, o fundador deixou a empresa e pouco depois, a Alex Wilson & Co. foi à falência. Renasceu em 1897 como Vauxhall Ironworks, com a direcção “criativa” confiada a Fred Hodges, que redireccionou a empresa para o motor de combustão interna e para o automóvel: o primeiro carro Vauxhall surgiu em 1903 e tinha um aspecto onde podem adivinhar-se os vestígios da vocação naval inicial da empresa.

O primeiro carro Vauxhall

Em 1907, os automóveis tinham-se tornado no eixo do negócio da empresa, pelo que esta foi rebaptizada como Vauxhall Motors. No início do século XX, os automóveis não eram ainda acessíveis às massas, pelo que a Vauxhall se especializou no fabrico de carros velozes e luxuosos para as elites. Para dilatar o prestígio da Vauxhall foi decisivo o desempenho do seu modelo C-10 no Prinz-Heinrich-Fahrt de 1910, uma espécie de Grande Prémio cujo padrinho era o príncipe Heinrich da Prússia (irmão do Kaiser Guilherme II), o que levou a que o modelo fosse rebaptizado como “Prince Henry”.

Em 1925, a General Motors, que pretendia expandir-se na Europa, adquiriu a Vauxhall, que foi redireccionada para a gama média, cuja procura conhecia um incremento explosivo, mas mantendo a autonomia da marca. Após o interregno da II Guerra Mundial, a Vauxhall floresceria na década de 1950, sobretudo com os modelos Cresta e Victor – o segundo somaria, entre 1957 e 1976, 1.3 milhões de unidade vendidas.

Vauxhall Victor de 1958

Ao longo dos anos 60 o fulgor da Vauxhall foi declinando e, num esforço de racionalização e contenção de custos, os modelos começaram a não ser mais do que variantes fabricadas (e comercializadas) na Grã-Bretanha de modelos da Opel e de outras marcas da General Motors, tendência que foi acentuando-se na década de 80 (o Vauxhall Nova, por exemplo, era uma versão do Opel Corsa, o Vauxhall Carlton era, basicamente, um Opel Omega). Em 2009, a General Motors estava à beira da insolvência e equacionou a venda da Opel e Vauxhall (cujos prejuízos se acumulavam implacavelmente) mas acabou por mudar de ideias à última hora – porém, em 2017, com a Vauxhall a perder quota de mercado na Grã-Bretanha e os prejuízos a rondar um milhão de libras por dia, a GM acabou por vender as suas duas marcas europeias ao grupo francês PSA. Presentemente, a Vauxhall pouco mais é do que o nome da Opel no mercado britânico.

Triumph

O destino das glórias da indústria automóvel britânica deveria abrir os olhos aos britânicos que ainda julgam viver no reinado da rainha Vitória, quando Londres governava um império onde o sol nunca se punha e em que a aparição de um cruzador da Royal Navy fazia tremer potentados e governantes e os predispunha a firmar acordos comerciais leoninos com a Grã-Bretanha. Um dos principais slogans da campanha a favor do Brexit foi “let’s take back control”, mas quando se olha para as mais prestigiadas marcas automóveis britânicas, pode perguntar-se: “reassumir o controlo sobre quê?”. A Austin e a Morris desapareceram há muito e o filho dilecto de ambas, o Mini, é hoje apenas uma marca nas mãos da alemã BMW, que detém também a Rolls-Royce; a Bentley pertence à alemã Volkswagen; a Jaguar e a Rover à indiana Tata; a MG à chinesa SAIC; a Vauxhall ao grupo francês PSA; e a Triumph extinguiu-se em 1984.

A Triumph começou em 1885 como negócio de importação de bicicletas gerido por um alemão radicado em Londres e em 1889 lançou-se também na sua produção, com uma fábrica em Coventry. Iniciou-se no fabrico de motociclos em 1902, actividade que correu tão favoravelmente que em 1918 a Triumph era a n.º 1 no ramo na Grã-Bretanha.

Triumph Model H de 1922. Entre 1915 1 1923 fabricaram-se 57.000 Model H

O primeiro automóvel Triumph, o relativamente modesto 10/20, surgiu em 1923, mas a partir de 1930, a Triumph Motor Company focou-se na produção de carros desportivos – o que até era consentâneo com o seu nome e o seu logótipo (uma coroa de louros), mas os tempos não estavam favoráveis a carros dispendiosos e a companhia passou por sérias dificuldades, agravadas por a sua fábrica ter sido obliterada pelas bombas alemãs durante a II Guerra Mundial. Foi à II Guerra Mundial que a Triumph (cujos “destroços” tinham sido adquiridos em 1944 pela Standard) foi buscar inspiração para baptizar o Spitfire, apresentado em 1962 e que se tornaria num dos modelos mais famosos da marca e conheceria cinco séries, até cessar produção em 1980.

Triumph Spitfire Mark II de 1965

Por essa altura, a Triumph, após sucessivas aquisições, fusões e acumulações de prejuízos, era uma marca exangue e o seu último modelo, o Acclaim, de 1981, não passava de um Honda Ballade ornamentado com o outrora prestigiado logótipo da coroa de louros.