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O ator Robert De Niro com a mulher, Tiffany Chen, circularam de carrinho de golfe no Hub Criativo do Beato, em Lisboa
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O ator Robert De Niro com a mulher, Tiffany Chen, circularam de carrinho de golfe no Hub Criativo do Beato, em Lisboa

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O ator Robert De Niro com a mulher, Tiffany Chen, circularam de carrinho de golfe no Hub Criativo do Beato, em Lisboa

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Muitas “talks”, poucos filmes e bilhetes “para respirar o mesmo ar de Robert De Niro”. Afinal, “o Tribeca não é um festival de cinema”

Sem números oficiais, festival no Beato recebeu figuras de Hollywood, estrelas da SIC e curiosos. Na euforia de "celebração do storytelling", o cinema está em segundo plano.

Há um estatuto que advém de ser uma das maiores estrelas globais do cinema. Inclui chegar uma hora depois do anunciado obrigando a um reajuste do programa, passear-se de carrinho de golfe entre declarações públicas (sem direito a perguntas ou interpelações de jornalistas) e receber aplausos numa sala de imprensa. O efeito Robert De Niro ficou provado esta sexta-feira, dia inaugural da primeira edição do Festival Tribeca Lisboa, mesmo antes de este encher a tenda montada no Hub Criativo do Beato, onde decorre até este sábado o evento-irmão do festival criado em Nova Iorque, EUA, em 2002.

“Comprei bilhete porque queria respirar o mesmo ar que o Robert de Niro, que é dos meus atores favoritos”, diz Ricardo Maria, 42 anos. O passe diário para o festival que lhe possibilitou estar a poucos metros do protagonista de Taxi Driver, Era uma Vez na América ou O Irlandês custou-lhe 75€ (o bilhete para os dois dias é 130€). Acompanhado com uma amiga, o editor de vídeo lisboeta admite: “É muito caro”. “Pelo menos deviam-nos dar um programa, mas nem um programinha nos deram. E a cerveja também é cara, custa quatro euros”, lamenta, de imperial na mão.

Acaba de sair de uma sessão do filme Anora, do norte-americano Sean Baker, que venceu a Palma de Ouro na última edição do Festival de Cinema de Cannes, em França. O filme, que conta a história de uma prostituta em Nova Iorque à procura do sonho, convenceu-o, ao contrário das condições do espaço de exibição. “A sala estava terrível, não havia lugar para me sentar, tive de me sentar lá numa caixa. Estava cheio. Mas o filme é muito bom. Tive a vantagem de, ao ver esse filme, não ver o filme do César Mourão”, diz em jeito de alfinetada.

Os convidados especiais do Tribeca em Lisboa, com o presidente da câmara, Carlos Moedas, e o CEO da Impresa, Francisco Pedro Balsemão

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É que à hora em que no palco World Stories se mostrava a longa-metragem norte-americana premiada em Cannes, no palco Made in Portugal mostrava-se Podia Ter Esperado por Agosto, comédia que junta Mourão e Júlia Palha. É uma das críticas que, de forma mais ou menos pública, tem sido feita ao festival: a de ter programado, no que à produção nacional diz respeito, cinema e séries televisivas essencialmente do catálogo SIC/Opto. Veja-se o filme realizado pelo ator e apresentador da estação acima mencionado, ou as séries George, de Sofia Pinto Coelho, e Azul, de Pedro Varela. “É um evento nosso, com dois dias, há um showcase de talento português e de conteúdos nacionais, não há muito mais tempo para ter conteúdos que gostaríamos de ter”, rebate Francisco Pedro Balsemão. Ao Observador, o CEO do grupo Impresa garante que há “conteúdos da Opto, também fora da Opto”, destacando a curta-metragem O Afinador de Silêncios, de Mário Patrocínio. “E temos outros filmes. Não sei de cor, mas há muitos conteúdos que não são da Opto. Acho que é normal tentarmos puxar para estes eventos conteúdos bons. A qualidade foi validada pelas pessoas do Tribeca. A programação e curadoria é de ambas as partes.”

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Mas alguém quer saber dos filmes? A verdade é que o Tribeca que arrancou esta sexta-feira no Beato Innovation District é bem distinto daquele que Robert De Niro, Jane Rosenthal e Craig Hatkoff criaram há 22 anos em Nova Iorque. O Tribeca Festival Lisboa, a primeira extensão europeia do projeto, acontece quando o próprio evento mudou, deixando cair o “Film” do nome original, e mudando a sua missão, para “celebrar o storytelling”. O cinema tornou-se apenas mais um tópico neste evento cultural onde as talks (ou “conversas”) assumem o grosso da programação.

Aliás, é o próprio produtor executivo do festival que o diz ao Observador: “O Tribeca não é um festival de cinema”. “É um festival Tribeca. Foi criado como um festival de cinema, mas transformou-se num festival de cultura e de conteúdo. Acho que é o que estamos a ver aqui atualmente: cinema, longas e curtas, podcasts, música. É esse o objetivo”, diz Tony Gonçalves, antigo executivo da Warner Media, que emigrou em criança para os Estados Unidos, onde vive.

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Mesmo em relação às salas de cinema, improvisadas em espaços como uma antiga fábrica do pão, Gonçalves ressalva: “Não são salas de cinema, são screening rooms. Nunca vai ser um [Cinema] São Jorge. É um overlap de tecnologia, inovação e experimentações. Hoje pessoas comunicaram-me que foi bom, mas na realidade não é uma sala de cinema”. Quando o festival foi anunciado, em abril, esteve em cima da mesa passar filmes em salas de cinema da cidade, como noticiou o Observador, mas a ideia acabaria por não vingar. “Não expandiu porque não houve essa necessidade, conseguimos transformar espaços, como a fábrica do pão”, justifica.

[Já saiu o terceiro episódio de “A Grande Provocadora”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de Vera Lagoa, a mulher que afrontou Salazar, desafiou os militares de Abril e ridicularizou os que se achavam donos do país. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no Youtube. E pode ouvir aqui o primeiro episódio e aqui o segundo.]

O ambiente industrial monumental contrasta com uma afluência que aparenta ser reduzida, mas que se torna visível quando enche o palco principal. Não é possível quantificar pois a organização não revela números — e desmente os avançados pela comunicação social esta quinta-feira, falando numa estimativa de 1.500 pessoas por dia. “Não sei quem é que deu essa informação. Fui surpreendido pela notícia”, contesta ao Observador o CEO da Impresa. “Perguntei à minha equipa quem é que tinha passado essa informação, ninguém me sabe responder. Estou confiante de que vai ser um sucesso, agora número de pessoas não fomos nós que pusemos cá fora”. Francisco Pedro Balsemão é cauteloso na confirmação de uma segunda edição, mas tem “muita vontade que aconteça”. “Depende dos números, dos resultados no final disto tudo. Ainda é cedo para fazer um balanço, mas ao fim do primeiro dia vejo que há vontade de parte a parte para fazer uma segunda edição”, comenta. Balsemão recusa revelar o custo da edição do festival.

Tony Gonçalves é o produtor executivo do Festival Tribeca Lisboa. Antigo executivo da WarnerMedia, o português emigrou em criança para os Estados Unidos

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Para Robert De Niro, a ficção tem mais verdade do que alguma política

Foi a Robert De Niro e Jane Rosenthal, fundadores do Tribeca, que coube inaugurar o palco principal da edição do festival em Lisboa. Ora, no palco principal, com o olhar atento de uma sala cheia, De Niro começou por responder de forma sucinta até se insurgir contra o trumpismo. O cinema, ao contrário da realidade, defende, “não inventa factos alternativos, mas sim cenários alternativos”. “Hoje em dia o que é verdade é a grande questão, não devia ser. Trump está a destruí-la. Está a torcê-la e isso é assustador. Mas há sempre uma altura em que vemos um ponto de viragem onde se diz chega. No final de contas, a empatia é que tem de ganhar. Espero que aconteça agora já em novembro”, afirmou, referindo-se às eleições presidenciais norte-americanas que podem voltar a colocar Trump de novo na Casa Branca já no próximo dia cinco. Afinal, a conversa tinha como mote como o storytelling pode inspirar o mundo e o cinema propiciar as conversas que não estão a acontecer debaixo de outros holofotes.

O ator foi mais longe do que na apresentação à imprensa, sem direito a perguntas, e moderada pela apresentadora da SIC, Carolina Patrocínio, que bem tentou sacar de De Niro uma história engraçada (“fun fact”) do tempo passado em Portugal, mas o ator acabaria por ser salvo por Francisco Pedro Balsemão, que logo diria: “O que acontece em Portugal fica em Portugal”.

A organização não avançou números de bilhetes vendidos ou afluência no primeiro dia de Festival Tribeca Lisboa. À direita: a entrada do palco "World Stories", onde se exibem filmes internacionais

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Whoopi Goldberg, RAP e flatulência

“Olhando para ti, não pareces um comediante. Pareces o gestor de uma empresa. Mas dizem-me que és engraçado como o raio”, disse Whoopi Goldberg a Ricardo Araújo Pereira, já a noite caía, na última das conversas do Tribeca Festival Lisboa. As palmas efusivas do público abafaram qualquer resposta possível do humorista, até que RAP disse, por fim: “Estou sempre disfarçado de CEO. Acho que é mais engraçado quando dizemos coisas engraçadas vestidos como uma pessoa séria do que quando dizemos piadas usando roupas tontas. É a minha estratégia.”

Sob o pretexto de falar sobre saúde mental, o riso e as lágrimas, a tragédia e a comédia, Whoopi Goldberg e Ricardo Araújo Pereira protagonizaram uma hora de conversa, denunciando o à vontade conquistado quando se conheceram “naquela coisa com o Papa”, expressão utilizada para se referirem ao encontro que o Papa Francisco promoveu com um grupo de humoristas de todo o mundo no Vaticano.

Whoopi Goldberg ao lado de Ricardo Araújo Pereira num dos pontos altos do primeiro dia do Tribeca Festival Lisboa

Tribeca Festival Lisboa

O comediante começou por questionar a atriz essencialmente com passagens do livro de memórias recentemente editado, Bits and Pieces: My Mother, My Brother and Me (ainda sem edição em português), no qual Goldberg discorre sobre a morte da mãe e do irmão. “O riso é a única coisa universal e mesmo quando a nossa mãe estava zangada connosco, havia sempre um sorriso”, disse Goldberg. “A melhor forma de respirar [após uma morte] é rir”.

E o público riu e muito quando o humorista revelou a origem do nome artístico da norte-americana. Vem do brinquedo conhecido nos EUA como “whoopee cushion”, que imita o som do flato. A atriz anuiu e explicou como o fazia repetidamente nos bastidores no início da carreira, levando à alcunha que nunca mais largou. “Acontece a toda a gente”, disse. “Por isso nos rimos, porque podíamos ser nós. E podemos magoar-nos se o impedirmos”. A plateia de centenas de pessoas riu e deu-lhe razão.

Já antes, tinha sido a vez da realizadora Patty Jenkins protagonizar uma conversa em que assumira que gostaria de filmar em Portugal, mas que o financiamento entre nós não funciona da melhor forma face ao cinema que assina: “Portugal tem um bom tax credit, mas não tem dinheiro suficiente a financiá-lo. Só há cerca de 10 milhões por ano para qualquer filme [referindo-se ao programa de cash rebate]. Um filme como Mulher-Maravilha não pode vir [para cá], não é suficiente. Se o governo português percebesse, poderia haver aqui uma indústria de cinema fulgurante, mas é preciso financiá-la”.

O Tribeca Festival Lisboa continua este sábado com filmes, séries, podcasts e mais conversas.

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