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Missão Europa Clipper, da NASA
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NASA quer saber se lua de Júpiter pode ter vida e missão espacial está quase a começar: “Há bons indícios de que os ingredientes estão lá”

Nave da NASA vai viajar através de uma das zonas com maior radiação do sistema solar para estudar a lua Europa, onde os cientistas acreditam que se esconde um oceano com os ingredientes para a vida.

Há sempre um momento de viragem na carreira de um cientista que vem agitar as águas. Para Haje Korth, esse momento chegou quando foi convidado a integrar a missão da NASA que vai explorar a lua gelada de Júpiter. Chama-se Europa e, acreditam os cientistas, é um dos candidatos mais promissores em todo o nosso sistema solar para que possam ser encontrados os ingredientes chave necessários à presença de vida.

“É um trabalho de sonho”, resume ao Observador o cientista da Universidade Johns Hopkins (EUA) a propósito da missão norte-americana que vai lançar em breve uma nave para voar à volta da lua. O objetivo, explica o físico, que é um dos responsáveis da equipa científica, é desfazer de uma vez por todas as dúvidas sobre se debaixo da superfície de gelo da Europa, onde se esconde um oceano com o dobro do tamanho de todos os da Terra juntos, há locais capazes de albergar formas de vida.

Eterno otimista, Haje Korth acredita que sim, ou não teria dedicado os últimos nove anos a trabalhar na Europa Clipper, missão que contou com a contribuição de mais de quatro mil pessoas. “Há bons indícios de que os ingredientes estão lá. Só é preciso ir testá-lo”, refere. E está para breve, já que a janela para o lançamento da nave começou a 10 de outubro.

Europa: a lua de Júpiter que esconde um oceano que terá mais de quatro mil milhões de anos

Descoberta por Galileu Galilei em 1610, com recurso a um telescópio que o próprio construiu, a lua Europa começou por passar despercebida num vasto universo com centenas de alvos a explorar. A explosão de interesse surgiu depois de as sondas Voyager 1 e 2, em missão há várias décadas, fazerem o reconhecimento da lua e fotografarem uma superfície esbranquiçada e gelada, repleta de fraturas, e alimentarem a ideia de que por baixo dessa primeira camada se escondia um vasto oceano que rompia em alguns locais a crosta de gelo.

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Lua de Júpiter Europa

As fotografias que nos chegam da Europa mostram uma superfície esbranquiçada e gelada, repleta de fraturas

NASA

A Europa, uma das maiores 95 luas de Júpiter e das mais próximas do planeta, fascina os cientistas desde então. A missão Galileu — que orbitou Júpiter entre 1995 e 2003 — trouxe fortes indícios de existência de água salgada no subsolo, assim como a Juno, que orbita o planeta desde 2016 e tem fotografado blocos de gelo, escarpas e cristas, um cenário que tem sido associado à hipótese de existência de um oceano em movimento.

A água, porém, é apenas um dos ingredientes necessários à vida. É também preciso uma fonte de energia e elementos químicos favoráveis — desde carbono, oxigénio, hidrogénio a nitrogénio. Há ainda um outro fator que os cientistas apontam como promissor: a estabilidade. É que é preciso tempo para a vida se desenvolver e há indícios de que o oceano da Europa existiu durante toda a história do nosso sistema solar, mais de quatro mil milhões de anos.

"Na Terra sabemos que onde há água há vida. Mas é preciso ter uma certa quantidade de sal. Tem que ser a medida simplesmente certa.”
Haje Korth, Universidade John Hopkins

Se as pistas são promissoras, Haje Korth lembra que ainda há muito que se desconhece sobre este mundo oceânico. “É um oceano gigantesco e uma das questões chave será descobrir quão salgado é. Na Terra, sabemos que onde há água há vida. Mas é preciso ter uma quantidade certa de sal. Tem que ser a medida simplesmente certa”, sublinha.

Para desvendar este e outros mistérios, a nave Europa Clipper vai aproximar-se da lua. Mas à sua estará um ambiente hostil. É que terá de voar através de uma das zonas com maior radiação do nosso sistema solar — perde apenas para o Sol. A culpa é de Júpiter, que tem um campo magnético 20 mil vezes mais forte que o da Terra.

Júpiter é, no fundo, um “acelerador de partículas gigante”, explica Haje Korth: “Tem eletrões a circular à sua volta. À medida que circulam, ganham energia. Cria-se, assim, uma zona de elevada radiação, altamente destrutiva para equipamentos eletrónicos”, refere. Previsões iniciais apontavam que, se a nave orbitasse a Europa, só teria meses de vida, pelo que a NASA decidiu orbitar Júpiter e aproximar-se da lua apenas quando necessário.

Estão previstos 49 voos próximos, em altitudes tão baixas que vão permitir à sonda posicionar-se apenas 25 quilómetros acima da superfície da lua. Em cada órbita, a nave vai passar menos de um dia na perigosa zona de radiação perto da Europa, antes de se afastar novamente. Duas ou três semanas depois, vai repetir o processo. Com cada voo, a nave verá o equivalente a um milhão de raios-x, e no final da missão a NASA espera ter um scan quase total da lua.

A maior nave da NASA alguma vez construída para uma missão planetária

A Europa Clipper vai viajar 2,9 milhões de quilómetros pelo espaço para chegar até Júpiter. Pesa mais de seis toneladas e com os seus enormes painéis solares abertos chega aos 30 metros de altura. Um exercício visual que pode ser útil: se uma das pontas dos painéis fosse colocada junto aos pés da famosa Estátua da Liberdade (Nova Iorque) a outra chegaria à zona da coroa. Isto faz da nave a maior alguma vez construída pela NASA para uma missão planetária.

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A construção da nave Europa Clipper

AFP via Getty Images

O tamanho da nave é dominado pelos painéis solares, que a NASA descreve como “verdadeiras maravilhas tecnológicas”. Foram pensados não só para suportar o desgastante ambiente de radiação, mas também para recolher luz suficiente para manter os instrumentos a bordo da nave a funcionar, já que Júpiter fica cinco vezes mais longe do Sol do que a Terra.

“Temos 10 painéis solares, cada um com 10 metros quadrados de células solares, que nos dão energia para operar um secador de cabelo“, diz Haje Korth. O físico da Universidade de Johns Hopkins explica que esta é a quantidade necessária para operar os nove instrumentos da NASA que vão seguir na Europa Clipper.

Os instrumentos vão ser usados para estudar a natureza da superfície gelada da lua e o oceano por baixo, a composição química da lua e a sua geologia. Vão seguir dentro de um cofre, feito de alumínio e titânio, cujas paredes vão atuar como um escudo contra a elevada radiação e trabalhar em simultâneo. “Uma vez que só temos 49 voos, precisamos de operá-los todos ao mesmo tempo. Os painéis solares foram pensados para fazer isso mesmo e garantir que temos bons resultados em cada voo”, nota Haje Korth.

No total, a NASA gastou mais de cinco mil milhões de dólares para construir a Europa Clipper. Uma missão que se fez de avanços e recuos e alguns imprevistos na reta final. Um dos mais recentes, e que deixou os cientistas da NASA a questionar se a missão estaria condenada, foi um problema com os transístores — pequenos interruptores, do tamanho de borrachas de um lápis, utilizados para fazer circular ou amplificar a energia.

Em maio deste ano, quando a Europa Clipper estava prestes a ser enviada para a Florida, de onde será lançada, o fabricante dos transístores informou a NASA de que, afinal, as peças podiam não ser tão resistentes à radiação como se acreditava. Um verdadeiro problema, já que estes estavam espalhados por toda a nave e ninguém sabia bem onde, com a agravante de ajudarem a controlar praticamente todos os sistemas críticos e instrumentos científicos na nave.

"Depois de um trabalho de análises e testes durante todo o verão estamos convencidos de que esta questão não vai afetar os objetivos da missão.”
Haje Korth, Universidade John Hopkins

A descoberta levou os cientistas da NASA a lançar uma caça para descobrir quantos transístores existiam. Uma estimativa inicial dava conta de 900, mas o número rapidamente cresceu para pelo menos 1.500. Substitui-los a todos, explicaram elementos da agência norte-americana ao New York Times, poderia custar milhões de dólares que o congresso dos EUA poderia não estar disposto a libertar.

A solução para o problema acabou por ser mais simples do que se poderia pensar: aquecer os transístores, algo que permite que os seus átomos se reorganizem e redistribuam numa condição restaurada. “Os próprios transístores iriam regenerar-se até certo ponto”, explicou o engenheiro sénior Joseph Stehly ao New York Times. Esta regeneração não é infinita, mas só precisa de durar quatro anos, o tempo previsto para a realização da missão.

A NASA tem-se mostrado confiante na solução. “Depois de um trabalho de análises e testes durante todo o verão, estamos convencidos de que esta questão não vai afetar os objetivos da missão”, sublinhou Haje Korth ao Observador.

Uma viagem de 2,9 milhões de quilómetros pelo espaço para chegar a Júpiter

A Europa Clipper já está no Centro Espacial Kennedy, na Florida. Tudo estava a postos para um lançamento já nesta quinta-feira, 10 de outubro, mas a partida teve de ser adiada devido ao furacão Milton, que depois de provocar cinco mortos, ter deixado três milhões de pessoas sem eletricidade e um rasto de destruição para trás, atingiu nessa madrugada a Florida.

Ultrapassado o furacão, Haje Korth antecipa um lançamento da nave sem percalços, a bordo de um foguetão da SpaceX. “O período de lançamento começa a 10 de outubro e temos uma janela com cerca de 15 segundos de duração todos os dias [até ao final do mês]”, explica. É pouco tempo, mas isso não o preocupa: “Estamos prontos.”

A Europa Clipper vai demorar quase seis anos a chegar à orbita de Júpiter e, antes disso, ainda vai circular à volta de Marte e da Terra numa viagem para ganhar impulso. Ainda assim, deverá ultrapassar o satélite Juice, da Agência Espacial Europeia (ESA), que foi lançado no ano passado para estudar Júpiter e três das suas maiores luas, incluindo a Europa, com chegada prevista para 2031.

"A parte mais difícil para nós será ter de esperar os próximos cinco anos e meio até chegar a Júpiter."
Haje Korth, Universidade John Hopkins

Na NASA, o ambiente é de grande expectativa, diz o físico ao Observador. “A parte mais difícil será ter de esperar os próximos cinco anos e meio até chegar a Júpiter”, reconhece. Ainda assim, a equipa terá muito com o que se ocupar e vai planear com mais detalhe as observações que se pretende obter de cada um dos 49 voos junto da Europa. Isso, salienta o físico, é uma fase posterior. Antes de se dedicar a 100% à tarefa, Haje Korth ainda tem um outro ponto na agenda: “Não tenho dormido muito. Já disse às pessoas que depois do lançamento vou fazer uma longa sesta.”

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