Atualizado às 10h50 de segunda-feira com resposta da Galp. 

As importações da Rússia quase duplicaram em valor no primeiro mês da guerra da Ucrânia, apesar das sanções internacionais, dos boicotes empresariais e de eventuais dificuldades financeiras em fechar negócios, passando de 77,5 milhões de euros em março de 2021 para 153 milhões de euros em março de 2022. Grande parte deste salto tem como explicação a energia, mais concretamente um produto que se tornou famoso nesta crise e que é comprado por uma única empresa portuguesa. A escalada dos preços verificada desde o início da guerra explica em parte este crescimento, mas os dados facultados pelo INE mostram que houve também aumento de quantidades compradas. E a energia não foi o único caso.

Já as vendas de bens portugueses com destino à Rússia sofreram o efeito contrário. Estavam a crescer em janeiro e fevereiro, face ao mesmo período do ano passado, mas em março, travaram a fundo com uma queda de 78,6% face a ao mesmo mês de 2021. Os dados mais recentes do comércio internacional mostram um impacto relevante nas exportações para aquele destino no mês a seguir ao início da invasão da Ucrânia que ocorreu a 24 de fevereiro. Olhando para os valores acumulados do primeiro trimestre, a quebra é mais ligeira, na casa dos 26%, o que corresponde a 29 milhões de euros.

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Mas se as vendas com destino à Rússia têm um peso relativamente modesto no total das exportações portuguesas — já o mesmo não se pode dizer das importações, que cresceram 66% em valor no primeiro trimestre deste ano, de 250 milhões de euros para 415 milhões de euros. O principal responsável por este pulo foram os produtos energéticos, cujas importações em valor quase duplicaram nos primeiros três meses, saltando de 168 milhões de euros para pouco mais de 315 milhões de euros.

As relações comerciais entre os dois países são altamente assimétricas, com Portugal ser importador líquido por causa da energia. Mas há pelo menos um outro produto cuja importação está a subir de forma consistente desde o início do ano, num crescimento que não foi para já interrompido pela guerra, segundo revelam os dados de março.

O produto são na verdade vários: bacalhau do Atlântico da Gronelândia e do Pacífico, Filetes de bacalhau, bacalhaus secos e salgados mas não fumados, bacalhaus apenas salgados ou em salmoura. Estes bacalhaus constituem a categoria peixes e crustáceos, que tem sido das que mais tem crescido em valor desde o início do ano, face aos mesmos meses do ano passado. Março não foi exceção. No primeiro trimestre, as quantidades importadas subiram 95% para 3,4 mil toneladas, o que correspondeu a compras de 17,3 milhões de euros. Só em março, a categoria dos peixes e crustáceos, onde o bacalhau tem o maior peso, gerou compras de oito milhões de euros. Um valor só ultrapassado pelos combustíveis e por produtos químicos orgânicos.

Em explicações ao Observador, o secretário-geral da Associação dos Industriais do Bacalhau (AIB) explicita o papel da Rússia no abastecimento de bacalhau. O país gere em conjunto com a Noruega o mar de Barents, onde se localizam os maiores recursos pesqueiros desta espécie. Por essa razão, sublinha Paulo Mónica, “são os mais importantes abastecedores mundiais desta matéria-prima, sendo que, no que diz respeito à indústria portuguesa, é a Noruega o principal abastecedor”.

Efeito pandemia e preço explicam subida das importações em 2022

Os dados avançados por Paulo Mónica ao Observador confirmam que se verificou uma subida nos valores das importações de bacalhau russo face aos primeiros trimestres dos últimos três anos. Mas atribui esta evolução ao efeito de comparação com os anos “atípicos” da pandemia que afetaram as compras de 2020 e 2021. Em 2019, as importações russas foram de 12,9 milhões de euros, mais que os 10,8 milhões de euros registados até março. Sem ter as quantidades (o Observador só as pediu para o ano de 2021), o secretário-geral destaca o efeito do preço nesta subida das importações e sublinha que as importações não estão sequer ao nível das de 2019.

Paulo Mónica admite ainda que existe alguma pressão por parte do retalho para com a origem Rússia e lembra que as compras de matérias-primas são feitas com antecedência “pelo que uma boa parte destas deverão ter sido realizadas entre dezembro, janeiro e fevereiro”.

Já o caviar, um produto de luxo com origem no mar muito conotado com a Rússia, nem vê-lo. As estatísticas do comércio internacional não registam nos primeiros três meses do ano importações de caviar russo pelo menos com origem na Rússia, esclareceu o INE em resposta ao Observador.

É nos combustíveis que o valor das importações é mais expressivo e cresceu todos os meses, com um especial destaque para março — o primeiro mês completo da guerra e da imposição das primeiras sanções económicas à Rússia — no qual as compras cresceram 200% para 119 milhões de euros.

Portugal importou mais de 100 milhões de euros em fuelóleo da Rússia depois da invasão da Ucrânia

Uma análise mais fina aos dados disponibilizados pelo INE permite concluir que este aumento das importações de energia é explicado por um só produto que aparece na categoria de fuelóleo, conforme foi noticiado já esta semana, mas que corresponde ao já famoso VGO (sigla inglesa para gasóleo de vácuo), o único produto que a Galp adquiria à Rússia, compras que a empresa anunciou, poucos dias depois do início da invasão da Ucrânia, que iria suspender.

Galp confirma ter recebido quatro cargas de VGO russo em março

O gasóleo de vácuo é um subproduto do petróleo que é utilizado pela unidade de hydrocacker (unidade de hidrocraqueamento de gasóleo pesado) da refinaria de Sines para produzir gasóleo. A Galp comunicou a intenção de parar as compras à Rússia — que fornece metade do VGO consumido no mercado global — a 2 de março, mas os dados relativos a este mês mostram uma subida dos valores importados face aos meses anteriores, pouco mais de 100 milhões de euros. No entanto, quando se olha para as quantidades, verificamos que as compras de VGO estiveram ao nível das de janeiro e até caíram face a fevereiro, pelo que o valor em euros das importações reflete a subida do preço deste produto que, tal como o resto da energia, se valorizou substancialmente após o início da guerra.

Já em relação ao primeiro trimestre de 2022, que inclui dois meses não afetados pela guerra (que começou a 24 de fevereiro), as importações de VGO russo quase duplicaram face a a igual período do ano passado em quantidade. E quando olhamos para o valor ele triplica, atingindo os 190 milhões de euros, incorporando aqui o efeito preço.

Considerando as sanções políticas da União Europeia e as represálias anunciadas por grandes empresas clientes da energia russa, os números podem surpreender pela sua expressão, mas existe uma explicação.

A Galp confirmou ao Observador já depois deste artigo publico que recebeu cinco cargas de VGO em Março (totalizando cerca de 175 ktons), “das quais quatro tiveram ainda origem na Rússia, em resultado de compromissos contratuais assumidos antes do início da guerra, conforme foi sublinhado quando a Galp tomou a decisão de suspender a compra de produtos petrolíferos de origem russa. Em Abril e Maio, a Galp tem continuado a adquirir cargas de VGO de forma regular, com origem não-russa, em consonância com a decisão tomada.”

Quando revelou que ia suspender as compras, a Galp acrescentou que o boicote só teria efeito para novos contratos. Mercadorias já contratadas e a caminho de Portugal (por barco estas viagens demoram várias semanas) seriam ainda recebidas.

Se não conseguir VGO de fontes alternativas, a Galp admite que a produção de diesel será afetada com impacto negativo nas importações, mas garante que tem condições para abastecer o mercado nacional.

No que toca ao combustível que mais associamos à Rússia — o gás natural — as chegadas de GNL (gás natural liquefeito) baixaram de forma substancial nos primeiros três meses do ano. Em quantidades, a queda foi de 74% e em valor fica-se pelos 54%, refletindo uma vez mais o efeito preço. Na evolução mensal constata-se que as importações de GNL russo já estavam a cair face a igual período de 2021 antes da guerra na Ucrânia. Mas existem valores reportados pelo INE para cada mês, o que não bate certo com as estatísticas reveladas pela Direção Geral de Energia e Geologia, que só revelam compras de GNL russo em março.

No que toca às vendas, só nove categorias de produtos ultrapassaram, nos primeiros três meses do ano, valores superiores a um milhão de euros. A maquinaria industrial lidera este ranking — uma categoria que inclui caldeiras, aparelhos e instrumentos mecânicos e…. reatores nucleares  — , seguido da cortiça e suas obras, mobiliário (médico-cirurgíco, colchões e almofadas), calçado, preparados de produtos hortícolas e de produtos animais, plásticos, bebidas (onde se inclui o vinho) obras de pedra e gesso. Logo a seguir, para completar os 10 produtos mais exportados para a Rússia, está o café (e o chá).

E ao contrário do que sucedeu com as principais importações, as quantidades vendidas registaram quedas acentuadas no mês de março. Esta queda pode ser genericamente atribuída ao efeito da guerra e às dificuldades que as empresas sentiram em fechar contratos de venda com as sanções impostas ao sistema financeiro russo, mas a verdade é que, em alguns produtos, já era possível verificar uma diminuição das exportações para a Rússia desde o início do ano. Em alguns casos, como no das máquinas industriais, houve uma inversão da tendência de crescimento, que neste caso até poderá ser explicada pelo efeito das sucessivas ondas de sanções que afetaram transferências de tecnologia para a Rússia.

Para além desta categoria, as maiores quedas nas exportações para o mercado russo aconteceram nos setores do mobiliário, plásticos, produtos de origem animal e produtos ligados a hortícolas.