História
O comboio já lhe tinha passado à frente, mas foi preciso vê-lo partir. Às vezes é assim mesmo. Até porque Pedro Abril estava nessa altura de mãos cheias na cozinha do Chapitô à Mesa e, nisto tudo, o mais inesperado filme de ficção científica tocou a vida de todos: um vírus que se espalhou pelo mundo. Não era altura para grandes viagens (para nenhumas, recorde-se) — e, por isso, o convite para colaborar com o coletivo Crack Kids, os “crescidos cool”, as pessoas que cresceu a “admirar”, teve de ser adiado.
Adiado, mas não recusado, precisamente porque Pedro Abril acaba de embarcar na desejada carruagem. E vai bem acompanhado: na viagem segue também Margarida Roseiro, parceira de vida e de trabalho. Juntos acabam de lançar o Crack Kids Club, sítio para se “comer bem, beber bem” — suculentas sanduíches e bebidas perigosas, mas já lá vamos —, inserido na Crack Kids, coletivo, loja e galeria que se “especializa em cultura de rua” — “meeting point” entre a comunidade ligada à “arte urbana, às artes plásticas, ao graffiti puro e duro”. A cafetaria e restaurante esteve, primeiro, com a Montana, depois nas mãos do Pistola y Corazón e, mais recentemente, do Ordinário, projeto do grupo Coma.
Era um namoro antigo. “Sempre tive uma ambição de trabalhar com eles”, confessa Pedro Abril ao Observador. Com o novo lançamento, passa a repartir o tempo entre este seu “playground” — afinal, poucos são os que têm privilégio reunir no local de trabalho os maiores interesses, desde a comida, à música, design e arte — e o universo Musa, para onde seguiu depois do Chapitô à Mesa, tornando-se responsável pelas suas cozinhas. Continua a ser para si uma “parceria importante”, “um projeto que ainda tem muito para dar” e “que está longe de estar acabado”.
O Crack Kids Club é, aliás, uma espécie de extensão do posicionamento que veio a consolidar como chef na conhecida fábrica de cerveja artesanal, pelo menos no que se refere ao universo gastronómico. Pedro Abril mantém no Crack Kids Club o registo descontraído, afasta-se da formalidade “dos sítios que se levam demasiado a sério” e demonstra até alguma alergia face ao termo “cozinha de autor”.
Espaço
Era erguer uma estátua ao senhor Eduardo, mesmo ali, à beira-rio. O pai de Miguel Negretti (mais conhecido por DJ Glue, dos Da Weasel, dono da Crack Kids em conjunto com Diana Sousa) foi peça fundamental na difícil ginástica de criar um restaurante em pouco mais de uma semana. Aparecia de serras e rebarbadoras, cortou tampos, envernizou, pintou. Trabalhou às escondidas, quando todos estavam de folga. E no início de abril, tudo em ordem para uma abertura discreta.
Com o hip hop, jazz e outras sonoridades ligadas à cultura urbana a invadir o ouvido de quem entra, o Crack Kids Club insere-se na galeria e loja, na barricada menos explorada do Cais Sodré, a poucos metros do metro e do comboio. A esplanada, a dois passos do Tejo, emoldura a Margem Sul, e troca agora os amarelos que ali estavam pelas madeiras e tons neutros, os mesmos que caracterizam o interior da loja.
Esta ligação entre os dois projetos que coabitam no mesmo espaço foi princípio orientador: “A primeira premissa foi: isto tem de ser coerente”, explicam Pedro Abril e Margarida Roseiro. Com duas entradas opostas — uma que dá acesso à galeria e loja; outra que dá acesso à esplanada — a vontade é de que quem entre num sítio saiba que o outro existe.
Até porque o ritmo será igual nos dois lados. “Se a loja está aberta, o restaurante tem de estar aberto. A piada disto é estar tudo a funcionar.” Tudo significa a galeria (com exposições mensais rotativas, agora da assinatura de Pedro Podre), a loja de roupa da marca Crack Kids, a loja de arte e o restaurante. O espírito integrado é visível do nome ao logótipo, da assinatura do designer Phomer, inspirado no imaginário “retro-japonês”. Bate tudo certo.
Comida
“É que fica bem com tudo. Diz-me uma coisa que não fique bem dentro do pão?”, questiona Pedro Abril. Couve flor frita, sweet chilli, maionese vegan, pickle? Confere. Frango frito, mel picante, slaw de couve? Também.
Estamos perante duas das seis propostas do descomplicado e vencedor “conceito no pão”, aqui inspirado nas katsu sando, sanduíches popularizadas na street food japonesa, que juntam a um recheio substancial e vistoso o meticuloso corte da côdea, processo que é aqui posto de parte.”A única coisa que fizemos diferente face à sandes japonesas é que não aparamos o pão. Não faz sentido o desperdício, não nos fez sentido mandar dez porcento do pão fora em cada prato”.
Às já suprarreferidas sandos, as estrelas da casa, juntam-se ainda a de ovo, a de presa de porco, a de cogumelos ou a de cheeseburguer (valores entre 6,5€ e 10€), todas entre duas fatias de brioche vegano da Slow Sourdough & Co Bakery, opção pensada agradar toda e qualquer preferência alimentar. E se a refeição, tantas vezes preparada por Daniela Tralhão, pedir ainda mais consistência, saiba que as já populares batatas fritas (5€) de Pedro Abril estão também no menu.
Importante referir ainda que o Crack Kids Club “não discrimina horas do dia” e, aberto das 10h às 21h, de segunda-feira a sábado, criou uma carta que responde a diferentes contextos. Posto isto, 1) para quem tem dente mais doce, há rabanadas (5€), brownies (3,5€), scones (5€) ou bolo do dia (3,5€) — se no dia em questão houver o pudim de pão de assinatura de Pedro Abril, feito com as pontas dos brioches utilizados nas sanduíches, atire-se; 2) para quem procura a bebida que desperta, é ficar ao cuidado de Theo Canto, o “boss do café”, capaz de fazer arte em cappuccinos, aqui com torrões da marca Buraca Coffee Roasters; 3) para quem quer momentos bem regados, há seleção de vinho e cerveja — incluindo opções artesanais da marca Musa. Cuidado com a nova Mango Lingo.