Os Ensaios do Observador juntam artigos de análise sobre as áreas mais importantes da sociedade portuguesa. O objetivo é debater — com factos e com números e sem complexos — qual a melhor forma de resolver alguns dos problemas que ameaçam o nosso desenvolvimento.
Há imagens que ficam na memória colectiva. Dia 8 de Março de 2008, mais de 80 mil professores saíram à rua em protesto, pintando a Avenida da Liberdade e a baixa lisboeta de negro. Em causa estava um conflito entre esta classe profissional e a então ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, nomeadamente à volta do proposto modelo de avaliação de desempenho dos professores. E, como se costuma dizer, o resto é história: a ministra terminou o seu mandato (apesar dos pedidos de demissão) e o modelo de avaliação do desempenho docente foi engavetado (discretamente). Desde então, sentaram-se na cadeira de ministro da Educação Isabel Alçada, Nuno Crato e Tiago Brandão Rodrigues. E muita coisa mudou no sistema educativo, geralmente para melhor, apesar dos desafios que não deixaram de surgir – por exemplo, com a crise económica ou por via da demografia, com a diminuição do número de alunos e de professores.
Onde estávamos em 2008 e onde chegámos no final de 2018 e no início de 2019? Esta é uma pergunta cuja resposta vai muito além da mera curiosidade: compreender o que mudou nos últimos 10 anos é fundamental para entender e avaliar os recentes desenvolvimentos nas políticas públicas de educação. É esse #10YearChallenge que este ensaio faz à Educação em Portugal, em modo de raio-x ao estado da Educação, olhando aos grandes indicadores e identificando as principais tendências da sua evolução.
A escolaridade da população
No período da transição democrática, o maior desafio do sistema educativo português foi escolarizar uma grande parte da população que, até então, estava excluída do ensino desde muito jovem idade. Esse desafio foi superado, tanto em termos de acesso como em termos de aposta num ensino de melhor qualidade. E, portanto, a fotografia da população jovem de hoje já não tem semelhanças com a dos anos 80, em termos de qualificações. Mas os sinais desse atraso inicial continuam visíveis na população adulta, assim como agora se tornaram evidentes as dificuldades que a queda demográfica está a colocar sobre a organização do sistema educativo, nomeadamente em termos de oferta e de gestão dos seus recursos. O que mudou, nos últimos 10 anos, nos números do acesso à escola e na escolaridade da população?
1. A taxa de escolarização real (gráfico 1) corresponde à percentagem da população residente que está na escola a frequentar o ciclo de estudo correspondente à sua idade. Os dados mostram que a escola tem sido capaz de segurar cada vez mais jovens em idade escolar, sendo essa tendência positiva particularmente acentuada nos últimos 10 anos, i.e. a partir de 2007. Esta evolução positiva nota-se, sobretudo, no Pré-Escolar e no Ensino Secundário, níveis de ensino fora da escolaridade obrigatória nesse período – sendo que, entretanto, esta foi estendida até aos 18 anos, englobando o secundário. Este facto também ajudará a explicar a espectacular recuperação nesse nível de ensino que, apesar disso, continua a ser aquele que mantém uma taxa de escolarização real mais baixa. O balanço dos últimos 10 anos é, inquestionavelmente, muito positivo.
2. Já não é segredo para ninguém que Portugal enfrenta um grande desafio demográfico, face às taxas de natalidade baixas e ao crescente envelhecimento da sua população. Isso tem forçosamente consequências nas políticas públicas, em particular nas áreas sociais. Por um lado, o envelhecimento da população sobrecarrega os serviços de saúde e de pensões. Por outro lado, gera escassez na educação, por via da diminuição do número de alunos. No gráfico 2, é bem visível o impacto que isso teve no número de alunos matriculados no ensino básico, que tem caído a pique nos últimos 20 anos e que só nos últimos 10 implicou uma perda de 150 mil alunos. Como se percebe no gráfico 3, esses efeitos demográficos ainda não atingiram o ensino secundário que, desde 2008, ganhou 50 mil alunos. Como acima se mencionou, isso terá certamente a ver (também) com o alargamento da escolaridade obrigatória até aos 18 anos, forçando muitos jovens a permanecer no sistema educativo até aos 18 anos. Isso beneficiou, concretamente, o ensino profissional, que desde 2008 aumentou em cerca de 50% o seu número de alunos – nas vias gerais do ensino secundário, o número de alunos permaneceu relativamente estável.
3. Se, como vimos, aumentou nestes anos a taxa de escolarização no Pré-Escolar, importa destacar que aumentou também a duração média de passagem dos alunos pelo Pré-Escolar (gráfico 4). Os níveis actuais são 40% superiores ao que eram em 1998 e cerca de 20% superiores ao que eram em 2008. Este indicador é muito mais do que uma mera curiosidade, na medida em que existe uma relação verificada pela investigação entre a frequência do ensino Pré-Escolar e o sucesso ao longo do percurso escolar de um aluno: quantos mais anos de Pré-Escolar um aluno tiver frequentado, maior a sua probabilidade de um percurso educativo de sucesso. Como tal, o progresso feito nesta área nos últimos 10 anos está alinhado com uma prioridade estratégica na educação: montar os alicerces para o combate ao insucesso escolar.
4. Com estas melhorias estruturais nos últimos 10 e 20 anos, não surpreende que a escolaridade média da população residente em Portugal tenha aumentado (gráfico 5). Por um lado, a população com baixa escolaridade tem vindo a diminuir de forma sustentada (em parte por via de demografia, tratando-se em média de uma população mais idosa). Em 2008, cerca de 1 milhão de portugueses não tinha qualquer escolaridade e, 10 anos depois, esse número está próximo da metade – 647 mil portugueses. Uma descida significativa também deve ser assinalada para a população que apenas tinha concluído o 1.º ciclo do Ensino Básico (equivalente à antiga 4.ª classe), que em 2008 era perto de 2,7 milhões de portugueses e, hoje, está já abaixo dos 2 milhões. Não pode deixar de ser motivo de inquietação constatar que cerca de 40% da população residente em Portugal (ou seja 3,5 milhões de pessoas) não tem mais do que o 6.º ano de escolaridade, sendo este um obstáculo estrutural ao desenvolvimento económico do país – e de difícil solução, tendo em conta que programas como o Novas Oportunidades, lançado há cerca de 10 anos, não foram capazes de qualificar de forma sustentada esta população adulta.
5. Ainda olhando à escolaridade da população, há que salientar o aumento da população com qualificações mais elevadas. O caso mais óbvio é o do ensino superior: em 2008, cerca de 950 mil residentes tinham este nível de qualificações, sendo que actualmente ronda 1,6 milhões de residentes. Trata-se de um acréscimo a todos os níveis extraordinário, sobretudo se se tiver em conta um intervalo temporal de 20 anos: em 1998, só 518 mil residentes tinham completado o ensino superior – portanto, hoje o valor é três vezes superior. As boas notícias estendem-se ao ensino secundário, que já ultrapassou em número o 3.º ciclo do ensino básico: desde 2017, há finalmente mais residentes com ensino secundário concluído do que residentes com apenas o 9.º ano de escolaridade concluído. A expectativa é de que esta tendência se mantenha ao longo da próxima década, sendo cada vez mais elevados os níveis de qualificação da população portuguesa residente (e activa no mercado de trabalho).
6. Um dos indicadores mais importantes para documentar a melhoria de Portugal na educação é a taxa de abandono escolar precoce (gráfico 6). Em 2008, este indicador estava nos 35%, uma autêntica sangria no sistema educativo. O valor mais recente, referente a 2017, coloca o abandono escolar nos 12,6% – é, portanto, uma melhoria extremamente positiva e da qual Portugal se deve orgulhar. Dito isto, vale a pena acrescentar duas notas. A primeira é que a média esconde uma relevante disparidade entre alunos rapazes e alunos raparigas: os rapazes têm níveis de abandono mais elevado (15%) do que as raparigas (10%), sendo a diferença particularmente acentuada. A segunda é que, apesar da melhoria de Portugal no combate ao abandono escolar, numa perspectiva comparada o país continua nos piores lugares europeus – é o 23.º país com maiores níveis de abandono escolar.
Escolas e rede de oferta
Quantas escolas existem na rede de oferta pública e como evoluiu a rede nos últimos 10 anos? A resposta mais óbvia seria dizer que, por via da demografia, a rede de oferta pública está a sofrer uma profunda transformação. Ora, na realidade, como se observa nos gráficos abaixo e se descreve nos pontos seguintes, isso acontece apenas em alguns dos níveis de ensino. Mais inesperado poderá ser, também, a falta de oscilações significativas na frequência do ensino privado, nos últimos 10 anos, tendo em conta os custos associados com as propinas e Portugal ter conhecido neste período uma profunda crise económica. Afinal, o que mudou na rede nos últimos 10 anos?
1. Sabendo-se que há menos alunos no sistema educativo, a expectativa seria a de que, nos últimos 10 anos, tivesse também diminuído o número de escolas na rede de oferta. Ora, na verdade, nesse período, houve uma certa estabilidade no número de escolas nos vários níveis de ensino. As excepções estão no 1.º ciclo do ensino básico e no Pré-Escolar (gráfico 7). No 1.º Ciclo do Ensino Básico, desde 2008, desapareceram cerca de 2 mil escolas: eram 6259 escolas, hoje são 4209. Este número torna-se ainda mais impressionante se se comparar com a realidade da rede de oferta em 1998, quando eram 9701 escolas (ou seja, mais do dobro do que actualmente). Quem pensar que a principal explicação está na demografia, não estará inteiramente correcto: sim, a demografia conta, mas houve sobretudo um esforço do Estado em concentrar recursos e encerrar as escolas de 1.º ciclo mais interiores e com menos alunos – uma decisão por vezes polémica mas tudo indica que acertada, na medida em que essas escolas ofereciam menores garantias de qualidade formativa. Em relação ao Pré-Escolar, os números mostram um impacto mais significativo da demografia: aumentou entre 1998 e 2008 (porque havia mais procura) e entretanto diminuiu até 2017 (porque há menos crianças). Aqui, a expectativa é de que, mantendo-se a rede de oferta mais ou menos estabilizada, este número de estabelecimentos de Pré-Escolar possa cobrir uma percentagem crescente de crianças e abranger integralmente idades cada vez mais precoces.
2. Uma das grandes apostas das políticas públicas na educação foi a criação de uma rede de bibliotecas escolares. Essa aposta tinha tudo de estratégico: não era viável incentivar os alunos a ler sem lhes garantir condições e uma oferta diversificada de livros – isto, claro, tendo em conta que uma parte muito grande dos alunos não tem livros em casa. Nos últimos 10 anos, a rede continuou a crescer (de 2077 para 2480 bibliotecas). Mas verdadeiramente notável é comparar esse número com a realidade de há 20 anos, quando apenas existiam 328 bibliotecas à disposição dos alunos (gráfico 8).
3. Em Portugal, uma parte muito significativa dos alunos frequenta o ensino privado, com as suas famílias a pagar os custos associados (propinas) – no contexto da União Europeia, por exemplo, não há nenhum país onde tantos alunos do secundário estejam a pagar propinas para frequentar o ensino privado. Uma das perguntas óbvias em relação aos últimos 10 anos, que foram marcados por uma crise económica e um programa de assistência financeira, é qual terá sido o impacto na frequência desses alunos no ensino privado – recorde-se que, há alguns anos, discutia-se a potencial falência de vários colégios. Ora, os dados (gráfico 9) mostram que a percentagem de alunos matriculados no ensino privado manteve-se estável, sem oscilações relevantes (excepto em 2009-2010). Em 2017, 20% dos alunos fazem o seu percurso escolar em estabelecimentos do ensino particular e cooperativo (em 2008, era 18%). Ou seja, o ensino privado não foi particularmente atingido pelos anos de crise económica, tendo conseguido as famílias (algumas com grande esforço) manter os seus filhos matriculados nos colégios.
4. Os contratos de associação são um daqueles temas habitualmente polémicos no debate sobre Educação. Olhando, no gráfico 10, ao peso que tinham em 2008 e ao que valem agora, em 2019, é possível afirmar que deixarão de ser tema muito em breve – porque estão em vias de extinção. Em 2008, havia 57 mil alunos em escolas com contrato de associação. Em 2019, esse número (estimado) está reduzido cerca de 15 mil alunos – uma redução de quase 75%. A mesma tendência se observa em relação ao financiamento a estas escolas, naturalmente: foi reduzido a 52 milhões de euros, quando há 10 anos estava em 227 milhões. Mesmo que sobrevivam numa forma minimalista, a expectativa é que nos próximos anos estes contratos sejam quase todos extintos.
Os professores
Os professores são o elemento-chave de um sistema educativo que prepare bem os seus jovens para o futuro: é uma das evidências mais fortes da investigação na área que, dentro da escola, nada tem maior impacto no desempenho dos alunos do que o professor. Os números sobre o que mudou entre os professores nestes últimos 10 anos sublinham dois aspectos: o decréscimo no número de professores, que representa maior pressão sobre estes profissionais em alguns níveis de ensino; e o acentuadíssimo envelhecimento desta classe profissional, com óbvias consequências para os índices de desgaste profissional e capacidade de renovação de práticas pedagógicas.
1. Desde 2008, há menos 30 mil docentes no activo – uma redução de 17% (gráfico 11). A associação dessa redução à demografia pode parecer evidente, mas é só em parte verdadeira. De facto, a diminuição do número de alunos no ensino básico foi acentuada e é expectável que isso se reflicta no número de docentes pelos ciclos do Ensino Básico – por exemplo, cerca de 15 mil dos professores a menos saíram do 1.º e do 2.º ciclos. Mas é igualmente importante assinalar que a redução de professores do 3.º ciclo e no ensino secundário acontece apesar de aí o número de alunos se manter mais ou menos estabilizado – no ensino secundário até aumentou em 50 mil o número de alunos. Ou seja, isto significa que a redução do número de professores no sistema educativo não esteve apenas relacionada com o número de alunos matriculados, mas também com opções políticas de organização dos recursos humanos. Inevitavelmente, em alguns níveis de ensino, nomeadamente no nível secundário, esta redução causa uma pressão muito grande sobre os professores, acelerando o seu desgaste e, consequentemente, prejudicando o seu desempenho.
2. A profissão docente continua a ser maioritariamente escolhida por mulheres (78%), não se tendo essa tendência alterado nos últimos 10 anos – aliás, nas últimas décadas (gráfico 12). Essa realidade é muito acentuada nos primeiros níveis (Pré-Escolar tem 99% de mulheres; 1.º Ciclo tem 87%), atenuando-se até ao ensino secundário, onde 72% dos docentes são mulheres e 28% são homens. Nada de novo, portanto, mas um indicador relevante e a ter em conta nas métricas do desgaste profissional e na avaliação de soluções para o envelhecimento desta classe profissional.
3. O envelhecimento dos professores é hoje uma característica assente do sistema educativo português e, possivelmente, o indicador estatístico no qual a evolução foi a mais acentuada. O rácio de envelhecimento no gráfico 13 regista o número de professores com 50 ou mais anos por cada 100 professores com menos de 35 anos nos vários níveis de ensino. O seu crescimento realça a percentagem crescente de professores com 50 ou mais anos de idade e, simultaneamente, a incapacidade de o sistema se renovar contratando professores com menos de 35 anos de idade. Consequentemente, este rácio subiu em flecha nos últimos 10 anos, sendo 7 a 10 vezes superior, consoante o nível de ensino. No caso dos professores dos 2.º Ciclo, 3.º Ciclo e Ensino Secundário, o rácio ronda os 1200% – ou seja, para cada professor “júnior” há cerca de 120 professor “seniores”. Esta realidade do sistema educativo representa um desafio de difícil resolução para as políticas públicas de educação – com a queda demográfica e a menor necessidade de contratação de professores, a renovação dos quadros de professores torna-se cada vez mais improvável.
Desempenhos escolares e retenções
A educação é muito mais do que notas e resultados em exames ou outro tipo de avaliações externas estandardizadas. No entanto, este permanece como um indicador muito fiável sobre o estado das aprendizagens médias dos alunos por ciclo de estudo. Daí que haja motivos de satisfação quando estes indicadores melhoram, e motivos de preocupação quando pioram. Como mostram os dados, as boas notícias vêm mais de fora do que de dentro. Nos últimos 10 anos, a melhoria do desempenho dos alunos portugueses nas avaliações internacionais motivou um optimismo crescente na Educação em Portugal e mudou a forma como se olha e se discute o sector no país. Não significa que não haja ainda muito por melhorar, porque há. Mas o caminho feito foi extraordinário e merece ser destacado.
1. Olhando à evolução nas avaliações internas, seja nos exames do secundário ou nas provas do 9.º ano, é praticamente impossível retirar conclusões. A prova desta impossibilidade é que o gráfico 14, que representa a percentagem de notas positivas nas avaliações externas de cada disciplina, mais parece um monte de rabiscos. Ou seja, não parece haver uma evolução definida, e as percentagens de positivas sobem e descem ao longo dos anos sem uma tendência específica – facto que mostra bem que estas avaliações não servem propriamente de referência, possivelmente porque aplicam critérios diferentes entre anos. Apesar disso, alguns comentários são possíveis. No ensino básico (9.º ano), os resultados em Português são constantemente superiores aos resultados em Matemática e, geralmente, sobem ou descem nos mesmos anos – no entanto, a diferença entre estas disciplinas nem sempre se mantém estável e, de 2014 para a frente, acentuou-se bastante. Em relação ao ensino secundário, as disciplinas tradicionalmente mais difíceis (e com menos notas positivas) mantêm-se as mesmas, com destaque para Física e Química A, Biologia e Matemática aplicada às Ciências Sociais. Ou seja, as áreas científicas continuam a ser aquelas onde, tradicionalmente, há menos notas positivas – facto que não é específico a Portugal.
2. Nas avaliações internacionais, em particular no PISA (gráfico 15), os desempenhos dos alunos portugueses melhoraram de forma sustentada entre os ciclos avaliativos de 2006 e 2015 (o mais recente). Na prática, Portugal passou de uma situação onde estava abaixo da média da OCDE para se colocar igual ou ligeiramente acima da média, ultrapassando até países tidos como referências internacionais. Os ciclos de 2009 e 2015 foram aqueles nos quais a subida de desempenhos mais se verificou, coincidindo com os mandatos dos ministros Maria de Lurdes Rodrigues e Nuno Crato. Outras avaliações internacionais, como o TIMSS e o PIRLS, confirmaram a melhoria estrutural dos desempenhos. Assim, estes resultados nas avaliações internacionais foram extraordinariamente importantes, não só por validarem reformas nas políticas públicas, mas também porque alteraram o debate sobre a Educação em Portugal – antes de 2009, sobretudo, a percepção geral sobre o sistema educativo era negativa, algo que hoje já não se verifica.
3. Apesar da melhoria nos desempenhos, Portugal continua a ser um dos países da OCDE onde mais alunos são reprovados ao longo do seu percurso escolar – praticamente um terço dos alunos com 15 anos já reprovou pelo menos uma vez ao longo da sua escolaridade. As elevadas taxas de reprovação em Portugal são, portanto, uma das fragilidades do sistema educativo e enfrentar esse desafio ascendeu sucessivamente a uma das prioridades estratégicas dos ministros da Educação – a investigação da área mostra que a reprovação não é uma medida eficaz no combate ao insucesso escolar. Ora, olhando aos indicadores das reprovações por níveis e ciclos de ensino (gráfico 16), sobressai o facto de a percentagem de alunos reprovados aumentar à medida que se avança na escolaridade: é muito baixa no 1.º ciclo e aumenta gradualmente até ficar muito alta no ensino secundário. Contudo, importa assinalar que em todos os níveis se observam melhorias nos últimos 10 anos, tendo as taxas de reprovação baixado sustentadamente – excepção para os 2.º e 3.º ciclos do Ensino Básico entre 2011/2012 e 2013/2014, quando as reprovações aumentaram.
Acção Social e Orçamento da educação
O volume de investimento na educação é um dos indicadores mais politizados no debate do sector. Por um lado, é inevitável que assim seja, pois o volume orçamental define as condições para o trabalho nas escolas. Por outro lado, sempre se alimentou a ideia (desmentida pela investigação internacional na área) de que mais investimento traz melhores resultados – o que não é forçoso acontecer. Seja como for, olhando ao orçamento da educação nos últimos 10 anos, durante os quais o país passou por uma grave crise económica, o que não faltam são altos e baixos. Apesar disso, na Acção Social Escolar, as oscilações são mais ténues (embora também existam).
1. Comece-se pelo número de beneficiários de Acção Social Escolar (gráfico 17). Se se olhar para o ponto de partida em 1998 e o de chegada, hoje, as diferenças são poucas nas refeições subsidiadas e no leite escolar. Mas, nos apoios socioeconómicos, a diferença existe e é relevante: mais 50 mil beneficiários. E é também nesses apoios onde a evolução ao longo dos anos conheceu maiores oscilações. Entre 2008 e 2009, o número de beneficiários aumentou súbita e espectacularmente, de 192 mil para 301 mil, chegando aos 341 mil em 2011. Depois, em 2012, uma quebra forte, regressando aos 280 mil beneficiários – valor que, até hoje, tem oscilado suavemente (para cima e para baixo). Olhando ainda às oscilações nos últimos anos, destaque para o leite escolar, que em 2016 perdeu 56 mil beneficiários.
2. É útil cruzar estes números dos beneficiários com a verba orçamental que foi alocada ao longo dos anos a estes apoios (gráfico 18). E, aí, a análise aponta para dois focos de interesse em particular. Primeiro, o ano de 2009 tem um explosivo aumento de verba alocada aos apoios socioeconómicos, que coincide com o aumento de número de beneficiários nesse ano. No entanto, curiosamente, nos anos seguintes a verba orçamental volta aos valores pré-2009, embora o número de beneficiários se mantenha superior – o que sugere que, apesar de aumentar o número de beneficiários, o valor médio investido em cada um diminuiu bastante. Segundo, a partir de 2016, observam-se alterações importantes na distribuição dos apoios: reforço nas verbas alocadas à alimentação (até 182 milhões de euros) e diminuição do investimento nos apoios socioeconómicos (que cai para os 18 milhões de euros) – curiosamente, nesse mesmo período, aumentam em número de beneficiários, mais uma vez sugerindo que o valor médio por beneficiário tem decrescido.
3. A evolução dos últimos 10 anos no investimento em educação, conforme aparece no gráfico 19, não apresenta surpresas para ninguém. Em 2009 e 2010, observam-se reforços orçamentais muito elevados (e insustentáveis) que estão parcialmente ligados à iniciativa Novas Oportunidades, seguindo-se um período de cortes orçamentais até 2015, sendo que a partir de 2016 o orçamento da educação tem aumentado a uma velocidade moderada. O ano de 2012 é aquele que apresenta o valor mais baixo durante o período da crise (6,6 mil milhões de euros), facto que se explica pelo não pagamento dos subsídios de férias e natal aos recursos humanos do ministério da educação. A execução orçamental de 2017 mantém-se, contudo, abaixo dos valores de 2008, sinal de que a recuperação do investimento ainda não foi alcançada – mas também que as necessidades de financiamento do sistema educativo já são outras, nomeadamente por via do menor número de professores no activo.
4. Quanto vale a educação em percentagem do PIB? Esta é a pergunta que se aplica nas avaliações internacionais, procurando avaliar qual é a prioridade estratégica atribuída à educação nos orçamentos de cada país. Ora, em Portugal, este indicador conta uma história muito diferente da do ponto acima, onde se olhou aos valores absolutos em milhões de euros. Se, então, se olhar à Educação em percentagem do PIB, observa-se uma queda constante e ininterrupta a partir de 2013. O que esta queda significa é simples de explicar: o reforço orçamental na educação dos últimos anos não tem acompanhado o crescimento económico que o país tem conhecido. Ou seja, apesar de haver aumentos em milhões de euros, esses aumentos estão abaixo do potencial face ao crescimento económico. O investimento na educação vale actualmente 3,7% do PIB – o valor mais baixo dos últimos 10 anos.
So what? Muito melhorou e muito falta melhorar
A história dos últimos 10 anos na Educação é, sem margem para dúvidas, uma história de sucessos. Não faltam indicadores para o confirmar: a taxa real de escolarização aumentou, a escolaridade da população jovem é muitíssimo superior ao que era, a pré-escolarização alargou-se, o abandono escolar precoce caiu a pique, a rede de escolas ajustou-se às necessidades do país, os desempenhos dos alunos portugueses nas avaliações internacionais melhoraram sistematicamente e as taxas de retenção estão mais baixas.
Quando se atingem melhorias e bons resultados, a tarefa seguinte é mantê-los. Em algumas áreas, como as da qualificação da população, parece mais ou menos estabilizado que o tempo se encarregará de garantir que a população activa ficará melhor preparada para os desafios da economia. Noutras áreas não será tão fácil e alguma prudência é aconselhada. Por exemplo, na redução das reprovações, desafio exigente quando não imposto de forma administrativa. Ou, por exemplo, no que diz respeito aos desempenhos dos alunos portugueses, onde há o risco de as alterações recentes poderem arrastar um impacto negativo – espera-se que não, mas só se saberá ao certo em Dezembro deste ano, quando for publicada pela OCDE a avaliação do PISA 2018.
A outra face desta história de sucessos é a quantidade de desafios de resposta cada vez mais urgente que se vão amontoando. Não são poucos: fazer face à evolução demográfica na composição da rede de oferta formativa, introduzir crescente autonomia nas escolas, alargar a pré-escolarização a mais crianças e durante mais tempo, prosseguir na redução do abandono escolar, salvaguardar a qualidade das aprendizagens e gerir os recursos humanos (escassos) para todos estes desafios. A ter de destacar um, talvez o maior desafio de todos seja o do envelhecimento dos professores, não só por se ter acentuado tanto nos últimos anos, mas também porque não tem uma resposta fácil. Os professores estão no centro do sistema educativo e são a peça central para o sucesso das reformas educativas em curso. Isso é particularmente evidente no que respeita ao reforço da autonomia das escolas, que exige tempo de planeamento aos professores e que dificilmente poderá ser bem-sucedida com profissionais cansados e sobrecarregados. Há, portanto, que atenuar a pressão de que são alvo e preparar a sucessão (pois uma parte significativa irá em breve para a reforma): nos próximos 10 anos, o que de bom e mau acontecer na educação terá muito a ver com a forma encontrada pelo Estado para lidar com as necessidades profissionais dos professores.