PROTOCOLO NEGOCIAL
ENTRE:
PRIMEIRO: ANTRAM – Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias, neste ato representado pelo Presidente da Direção Nacional, Gustavo Paulo Duarte;
A ANTRAM (Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários e Mercadorias) foi uma das signatárias do contrato coletivo em setembro de 2018, estando a FECTRANS (federação dos sindicatos do setor, afeta à CGTP) do outro lado. A ANTRAM é a associação que representa a maioria dos patrões no setor dos transportes de mercadorias, tendo assumido desde o início uma indisponibilidade para negociar sob aquilo que diz ser a pressão de uma greve -- uma "greve liderada por lunáticos". Agora, a associação patronal já admite partir para uma negociação que respeite a "racionalidade económica" do ponto de vista de todas as partes.
SEGUNDO: Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas neste ato representado pelo Presidente Francisco São Bento.
Paulo Pardal Henriques, advogado do sindicato, ironizou esta quinta-feira, após o acordo, que inicialmente esta união de trabalhadores foi retratada como um "sindicato bebé" que "não sabia o que estava a fazer". Mas foi este sindicato que obteve o que considera ter sido um "acordo histórico". Ao Observador, Francisco São Bento, presidente do sindicato, recordou: "Em 2017 formámos a Associação Nacional de Motoristas de Mercadorias Perigosas, onde se começou a falar de formar um sindicato para reivindicar as nossas posições”, nomeadamente de distinguir estes profissionais dos camionistas de mercadorias normais.O sindicato nasceu em 2018, mas, ao contrário da FECTRANS (Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações), que é afeta à central sindical CGTP, este é um sindicato que “sempre quis ser independente”.
CONSIDERANDO QUE:
A) O Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas apresentou, recentemente, no passado dia 28 de março, um pré-aviso de greve, pelo qual enunciou um conjunto de reivindicações perante a ANTRAM;
O tal "sindicato bebé" garante que, apesar de a sua criação ter sido devidamente publicitada junto dos responsáveis do setor, nunca foi chamado para a mesa das negociações do contrato coletivo de trabalho que viria a ser aprovado no ano passado. “Não tivemos qualquer intervenção”, disse ao Observador, Francisco São Bento, estranhando o "timing" da assinatura do acordo — isto é, sugerindo que foi a criação do sindicato que apressou as negociações para se concluir esses trabalhos rapidamente, antes de o sindicato ganhar maior expressão. Daí até ao pré-aviso de greve foi um curto passo.
B) A greve em apreço, que teve início no passado dia 15 de abril, tem causado prejuízos muito significativos à economia nacional, a todos os agentes do setor e, acima de tudo, à população em geral, pondo em causa a respetiva mobilidade, razão pela qual o Governo emitiu uma Declaração da Situação de Alerta de Crise Energética;
A greve teve início à meia-noite de segunda-feira e afetou vários setores um pouco por todo o país. O efeito mais visível deu-se no abastecimento aos aeroportos de Lisboa e Faro e às bombas de gasolina, muitas delas tendo mesmo que encerrar devido à falta de combustível. Nas que ainda tinham gasóleo e gasolina, as filas eram intermináveis. Por muito que a polícia, serviços de emergência médica, proteção e socorro tivessem sido abrangidos pela Declaração de Situação de Alerta — que garante o abastecimento mínimo dos postos de combustível afetos a estas unidades de emergência — e vários serviços como hospitais e aeroportos fossem abastecidos, muitas outras áreas ficaram sem combustível. No caso dos transportes públicos, várias empresas mostraram a sua preocupação e anunciaram cortes, supressões de carreiras e alterações de horários devido à falta de combustível. Também no turismo houve transtornos: vários clientes de empresas associadas ao setor do aluguer de carros (rent a car) cancelaram as suas reservas por causa da paralisação. Ainda neste setor, os próprios hotéis começaram a ter dificuldades em assegurar o abastecimento de produtos essenciais e sobretudo de gás (GPL) para aquecimento. Na indústria farmacêutica, alguns distribuidores começaram a limitar os circuitos de distribuição de medicamentos às farmácias e chegou a exigir-se que estes distribuidores fossem incluídos nos serviços mínimos. A greve afetou também a recolha e tratamento de resíduos nas cidades, o que levou a uma preocupação com a própria saúde pública. Já na indústria agroalimentar, chegaram a estar em causa possíveis rupturas no abastecimento do setor, quer em entregas de produtos ou na receção das matérias-primas. Faltavam outras matérias perigosas como o metanol ou a soda cáustica que são usadas na indústria agroalimentar ou para a limpeza de equipamentos. A greve afetou também o setor das funerárias, onde a escassez de combustíveis podia dar origem a recusas de transladações. No vestuário, a paralisação poderia ter bloqueado os transportes dos trabalhadores e das suas famílias, bem como o cumprimento dos prazos de entrega de encomendas. Por fim, também no desporto a Federação Portuguesa de Motociclismo anunciou o adiamento da quarta etapa do campeonato nacional de enduro, que estava marcada para a próxima sexta e sábado, na Lousã, por “escassez de combustível”.
C) A ANTRAM, por sua vez, é a mais representativa Associação Patronal de Transporte público Rodoviário de Mercadorias, tendo celebrado, recentemente, um Acordo Coletivo de Trabalho (“ACT”) publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.° 34, de 15 de setembro de 2018;
D) A ANTRAM e o Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas admitem iniciar um procedimento negocial tendo em vista a boa regulação das relações laborais entre os empregadores representados pela ANTRAM e os trabalhadores representados pelo Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas;
O sindicato consegue assim aquilo que reclamava: ser ouvido nas negociações. “Os motoristas fizeram-se ouvir, conseguiram que se inicie um processo negocial com a ANTRAM, que permitirá garantir valorização do seu trabalho, da profissão”, afirmou esta quinta-feira o ministro Pedro Nuno Santos.
E) O Governo, por sua vez, tendo em conta o interesse coletivo e a necessidade de garantir a satisfação das necessidades coletivas, admite acompanhar o referido procedimento negocial e criar as condições necessárias para que as partes possam, em paz social e na sequência do cancelamento da greve em vigor, atingir os resultados pretendidos. celebrado o presente Protocolo de Negociação que as partes se comprometem a cumprir e respeitar, nos termos gerais do princípio da boa fé, e que se rege nos seguintes termos:
O acordo limita-se a dizer que o Governo apenas se compromete a "acompanhar" a negociação e "criar condições" para que a negociação seja bem sucedida. Mas, na manhã de quinta-feira o advogado do sindicato, Pedro Pardal Henriques, foi um pouco mais longe, revelando aos jornalistas que uma das principais razões que levaram o sindicato a desconvocar a greve foi o facto de o Governo ter aceitado assumir uma "importância acrescida" : "O Governo não será de um simples mediador mas de um mediador muito ativo" da negociação com a ANTRAM. Com a "garantia do Governo, em quem nós ainda confiamos, porque estamos num Estado de Direito", não faz sentido acreditar noutra coisa que não seja que o Governo mantenha um nível elevado de empenho neste tema, referiu o advogado. O sindicato diz estar confiante de que, com essa mediação ativa do Governo, as negociações com a ANTRAM vão correr "com tranquilidade".
1. OBJETO
1.1. Pelo presente Protocolo, as partes outorgantes comprometem-se, com efeitos a partir da presente data e até 31 de dezembro de 2019, a encetar um processo de negociação coletiva, que promova e dignifique a atividade de motorista de mercadorias perigosas, tendo por base o ACT mencionado no considerando C).
1.2. A negociação coletiva deverá assentar nos seguintes princípios de valorização:
i. Individualização da atividade no âmbito da tabela salarial;
Não são mais do que cerca de 800 camionistas habilitados a transportar mercadorias perigosas, tais como matérias explosivas, inflamáveis (combustíveis), químicos, radioativos, mas também oxigénio ou materiais criogénicos. Estes motoristas têm uma certificação ADR (um acrónimo que ficou do tratado europeu sobre transporte de materiais perigosos por estrada), uma licença que tem de ser renovada a cada cinco anos. A principal reivindicação com que o sindicato parte para esta negociação passa pela exigência de uma remuneração base mínima correspondente a dois salários mínimos (ou seja, duas vezes 600 euros). No atual contrato coletivo (assinado em setembro de 2018), só existe a categoria “Motorista de Pesados”, que tem uma remuneração base de 630 euros. Não há categoria própria para quem transporta materiais perigosos, pelo que o primeiro "princípio de valorização" é essa "individualização da atividade no âmbito da tabela salarial", isto é, a criação de uma categoria própria.
ii. Subsídio de risco;
Além do salário base mais alto do que os motoristas sem certificação de matérias perigosas, o sindicato pede um aumento do subsídio de risco, que atualmente é de 7,5 euros por dia. Isto por estarem numa classe de risco à parte dos restantes. Os patrões sublinham que este valor já faz com que cada camionista receba, adicionalmente, 165 euros num mês com 22 dias de trabalho. Para que a negociação chegue a bom porto, este é um valor que os camionistas vão exigir que seja revisto. O sindicato também pretende mudanças nas regras do contrato coletivo de trabalho relativamente às horas extraordinárias e às horas de serviço realizadas à noite. Este é um ponto onde existe alguma confusão sobre as posições dos camionistas e dos patrões. O que está dito no contrato coletivo (geral) é que “os trabalhadores móveis afetos ao transporte internacional, ibérico e nacional [sem contar com os que conduzem veículos com menos de 7,5 toneladas] terão obrigatoriamente o direito a receber o correspondente a duas horas de trabalho suplementar” por dia, com a primeira hora extra a ser remunerada a multiplicar por 50% e a segunda a multiplicar por 75%. Esta situação é uma "barbaridade", disse ao Observador Francisco São Bento, presidente do sindicato, porque “este tipo de remuneração significa que um motorista que faça 11 horas de trabalho recebe o mesmo que um que faz 14 horas de trabalho”. Isto porque o novo contrato coletivo, aprovado no ano passado, diz que ao valor apurado para as horas extra “será retirado o valor correspondente ao subsídio de trabalho noturno”. O advogado do sindicato alertou que há motoristas a trabalharem mais de 16 horas por dia e que não recebem mais por isso. Denunciou, também, situações de fraude fiscal por algumas empresas. Mas, no auge do conflito, a ANTRAM divulgou valores salariais médios que não aplicavam esse desconto. Num caso típico usado pela ANTRAM, um motorista ganha 1.294 euros brutos, que depois de impostos e contribuições para a segurança social ficam em 1.057 euros. Um valor ao qual se juntam ajudas de custo (não tributáveis) estimadas em 359 euros mensais, ou seja, um total de cerca de 1.415 euros.
iii. Formação especial;
Os camionistas vão, também, fazer mais exigências na área da formação profissional, pedindo uma formação especial para os trabalhadores. Isto apesar de o novo contrato coletivo obrigar, de facto, a que as entidades empregadoras paguem os custos de formação obrigatória para que os motoristas obtenham (e renovem) as suas certificações legais – CQM (para a generalidade dos motoristas) e, também, ADR, no caso dos motoristas de matérias perigosas. Para salvaguardar o empregador, ficou, também estabelecido na lei que, no caso da obtenção do CQM e CAM, existe um período mínimo de permanência do trabalhador na entidade empregadora de cinco anos. Ou seja, se o contrato de trabalho cessar antes do período de permanência obrigatório, o trabalhador terá de devolver o valor proporcional ao período em falta.
iv. Seguros de vida específicos; e
v. Exames médicos específicos.
A todas estas reivindicações, o sindicato juntou, também, o pedido de um seguro de vida específico para quem transporta substâncias consideradas perigosas. E será discutida, também, a possibilidade de os trabalhadores serem sujeitos a exames médicos mais específicos dados os perigos a que a profissão os expõe. Custeados pelas entidades patronais, é claro. "Nós não podemos continuar a suportar salários miseráveis atendendo às responsabilidades que temos e ao risco que corremos todos os dias, ao transportar matérias perigosas que muitas das vezes põem em risco a nossa saúde" afirmou um dos camionistas em greve, João Ramos.
1.3. De forma a garantir o início das negociações o Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas cessa, com efeitos imediatos, a greve geral dos Motoristas, atualmente em curso, que teve início no dia 15 de abril de 2019.
De facto, a greve terminou esta quinta-feira. A ANTRAM diz que serão feitos esforços para repor a normalidade até segunda ou terça-feira, o sindicato antecipa para 48 horas, mas a APETRO, que integra as principais petrolíferas, refere um período de três a cinco dias, mas com prioridade para postos com maior procura.
NEGOCIAÇÕES
2.1. As negociações serão conduzidas:
i. Em representação do Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas por representantes seus, credenciados para o efeito; e
ii. Em representação da Associação de empregadores, por representantes seus, credenciados para o efeito.
2.2. Tendo em vista o acompanhamento das negociações o Ministério das Infraestruturas e Habitação far-se-á representar por um mediador, que terá por missão conduzir as negociações e atuar de forma a promover o acordo das partes.
Segundo o Observador apurou, em princípio não será o ministro Pedro Nuno Santos a mediar pessoalmente as negociações — isso só aconteceria caso se desse um extremar de posições. Ainda não foi escolhida a pessoa que assumirá esse papel em nome do Governo.
2.3. No decurso das negociações, o Governo atuará de forma a garantir que os respetivos serviços intensificarão a sua atividade de acompanhamento do setor no âmbito do setor de transporte de mercadorias, nomeadamente no que diz respeito aos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho existentes.
3. LOCAL DAS REUNIÕES
As reuniões terão lugar em instalações do Ministério das Infraestruturas e Habitação, sitas em Lisboa, na Rua Barbosa du Bocage, n.° 5.
4. ATAS
4.1. De cada reunião é lavrada ata, da qual constará uma referência às matérias abordadas, às cláusulas que são objeto de um acordo de princípio e as declarações que cada uma das partes requeira que constem da ata e que devem, sempre que possível, ser apresentadas por escrito.
4.2. As atas serão redigidas pelo Ministério das Infraestruturas e Habitação devendo ser remetidas às restantes partes nos cinco dias seguintes para efeitos harmonização do texto.
4.3. As reuniões de negociação iniciam-se pela leitura, discussão e aprovação da ata da reunião anterior e sua assinatura pelas partes.
4.4. Serão elaborados dois originais de cada ata, sendo entregue um original a cada parte.
5. BOA-FÉ NEGOCIAL
As partes comprometem-se a atuar de boa fé durante todo o processo negocial, nomeadamente respondendo com a brevidade possível a propostas e contrapropostas negociais.
A insistência do advogado do sindicato na mediação "muito ativa" por parte do Governo sinaliza que, apesar desta aproximação de posições, a experiência passada do sindicato com a ANTRAM não lhe dá todas as garantias de que a associação patronal irá passar a abrir mais a porta às reivindicações do sindicato.
6. ACORDOS DE PRINCÍPIO
6.1. No decurso das negociações, as partes devem ter em conta e respeitar os acordos de princípio que vão sendo alcançados em cada um dos assuntos abordados.
6.2. Os acordos de principio relativos a cada um dos assuntos abordados não condicionam a eventual não existência de um acordo global aceite pelas partes.
7. CONFIDENCIALIDADE
As partes comprometem-se a guardar confidencialidade quanto ao teor das negociações, devendo a divulgação pública das mesmas, para além da sua divulgação perante os associados, ocorrer apenas no final do processo negocial.
8. DIÁLOGO SOCIAL
No decurso das negociações, as partes comprometem-se a diligenciar pela criação e manutenção de um clima de diálogo e paz social, mantendo o diálogo como forma de resolução de diferendos ou divergências entre as partes até ao fim das negociações, abstraindo-se de outras formas de pressão, nomeadamente greves ou outras formas que possam pôr em causa a satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
Caso a negociação não se conclua com sucesso até ao final do ano, o advogado do sindicato, Paulo Pardal Henriques, admitiu aos jornalistas que pode haver uma nova paralisação, embora assegure que esta será sempre uma opção de último recurso. "Antes dessa opção, haverá outras", assegurou.
Lisboa, 18 de abril de 2019
Pelo Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas
Pela ANTRAM – Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias
* Com Ana Suspiro, Diogo Lopes, Pedro Benevides, Nuno Vinha
PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR