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Entre obituários e homenagens, foi descrito uma e outras vez como um “benfiquista fervoroso”, uma “figura incontornável do cinema nacional” e um “autor de grandes sucessos de bilheteira”. Mas entre amigos e colegas de profissão, quem era afinal António-Pedro Vasconcelos?
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Entre obituários e homenagens, foi descrito uma e outras vez como um “benfiquista fervoroso”, uma “figura incontornável do cinema nacional” e um “autor de grandes sucessos de bilheteira”. Mas entre amigos e colegas de profissão, quem era afinal António-Pedro Vasconcelos?

JOSE COELHO/LUSA

Entre obituários e homenagens, foi descrito uma e outras vez como um “benfiquista fervoroso”, uma “figura incontornável do cinema nacional” e um “autor de grandes sucessos de bilheteira”. Mas entre amigos e colegas de profissão, quem era afinal António-Pedro Vasconcelos?

JOSE COELHO/LUSA

O "apaixonado, amigo e delicado António-Pedro", nascido para ser "contador de histórias"

Amigos, realizadores, atores e produtores descrevem António-Pedro Vasconcelos (1939-2024) como um homem de causas, dedicado à cultura e ao cinema português "até à exaustão".

O realizador António-Pedro Vasconcelos morreu esta terça-feira em Lisboa, a poucos dias de completar 85 anos. Figura do Cinema Novo Português, fez mais de duas dezenas de filmes, entre eles êxitos como O Lugar do Morto, de 1984, Jaime, de 1999, Os Imortais, de 2003 ou Call Girl, de 2007. O seu último filme, Km 224, foi lançado em 2022.

Atualmente, estava a trabalhar na adaptação cinematográfica de O Lavagante, livro de José Cardoso Pires, que deverá agora ser concluída pelo produtor Paulo Branco, assegurou num comunicado a produtora Leopardo Filmes.

Entre obituários e homenagens, foi descrito uma e outras vez como um “benfiquista fervoroso”, uma “figura incontornável do cinema nacional” e um “autor de grandes sucessos de bilheteira”. Mas entre amigos e colegas de profissão, quem era afinal António-Pedro Vasconcelos?

Morreu o realizador António-Pedro Vasconcelos, “defensor do cinema de grande público”

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“Perdi um amigo”, afirma João Canijo, em declarações por telefone ao Observador. O realizador do díptico Mal Viver/Viver Mal, que no ano passado conseguiu o Urso de Prata no Festival de Cinema de Berlim, conheceu António-Pedro Vasconcelos no início dos anos 80, nos escritórios de uma produtora do qual o último era sócio.

“Quando comecei nesta vida do cinema, há 40 anos, o António-Pedro foi das poucas pessoas que me defendeu quando eu menos esperava”, assegura. “Contra tudo e [contra] todas as expectativas, veio a público defender algumas coisas minhas que eram atacadas por toda a gente. Tenho uma grande dívida de gratidão em relação a ele.”

“Dirigiu-me com gentileza, detalhe, arrancou-me uma interpretação que eu não sei bem de onde veio. Quer dizer, até sei: foi tudo ele, afinando o tom de cada take até chegar onde queria. Para mim, foi como um milagre."
Nuno Markl

Os dois realizadores trabalharam juntos na escola de atores fundada em 2000 pela filha de António-Pedro, Patrícia Vasconcelos, a ACT, em Lisboa. “Durante dois ou três anos, trabalhámos e convivemos, fomos colegas e tínhamos bastantes conversas”, recorda. “Acho que a nossa amizade se cimentou nessa altura.”

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O realizador recorda que António-Pedro foi um dos grandes defensores da obra de Manoel de Oliveira, que morreu em 2015. “Embora depois tenham ficado desavindos, [ele] foi o primeiro grande defensor internacional e o primeiro grande promotor internacional do senhor Manoel de Oliveira”, lembra.

João Canijo diz ter uma “relação particular” com Call Girl, filme de António-Pedro Vasconcelos de 2007, no qual Soraia Chaves é uma acompanhante de luxo. “No fundo, talvez eu tenha sido um pouco responsável pela escolha da Soraia Chaves para esse filme.”

Em 2010, a atriz voltava a ser escolhida para protagonizar A Bela e o Paparazzo, uma comédia romântica. Um ano antes, Nuno Markl, que se costumava cruzar com António-Pedro na sede das Produções Fictícias, em Lisboa, foi convidado pelo próprio realizador para participar no filme.

“Disse-lhe que não era ator e só sabia fazer de mim, ele disse que era exatamente isso que queria”, conta por mensagem o apresentador e radialista. “Dirigiu-me com gentileza, detalhe, arrancou-me uma interpretação que eu não sei bem de onde veio. Quer dizer, até sei: foi tudo ele, afinando o tom de cada take até chegar onde queria. Para mim, foi como um milagre. Mas o ambiente que ele criava nas filmagens – feliz, familiar, divertido –, tornavam a experiência tão incrível que foi triste quando chegou ao fim.”

Na rodagem do filme “Oxalá”, com o diretor de fotografia Edgar Moura, no Porto, em 1980

Para Markl, os filmes de APV, sigla pela qual o realizador era conhecido, já eram uma referência. Sobretudo, O Lugar do Morto, de 1984, que diz ter marcado a sua geração, muito por representar “o fruto proibido”, considera. “Sempre admirei aquele precioso equilíbrio que ele conseguia, entre comunicar de forma simples e eficaz com o público e manter inteligência e o seu lado autoral.”

Pandora da Cunha Telles, filha do também realizador António da Cunha Telles, que morreu em 2022, conheceu APV por ser amigo do seu pai. “Fazem parte do Cinema Novo Português”, diz-nos.

A produtora descreve-o como um homem “apaixonado por causas” e para o qual “a cultura era transversal”, afirma. “Podíamos estar a discutir com ele literatura russa, a guerra na Ucrânia, a importância da TAP e, no momento a seguir, a importância do cinema narrativo.”

Era, aliás, um “contador de histórias inato”, descreve. “Acreditava que os filmes deviam contar histórias e, obviamente, nos últimos anos, teve vários confrontos no setor porque defendia um espaço mais plural para vários tipos de cinema poderem ser produzidos e realizados em Portugal”, afirma. “Como disse o [realizador] Vicente Alves do Ó há pouco tempo no Facebook, era um homem que recolhia não só gostos, mas também ódios, porque defendia incessantemente aquilo em que acreditava.”

Os melhores filmes do realista e cuidadoso António-Pedro Vasconcelos

Apesar de nunca ter trabalhado em nenhum filme com António-Pedro Vasconcelos, Pandora esteve à frente da associação de produtores, a APCA, enquanto APV liderava a ARCA – Associação Portuguesa de Realizadores de Cinema e Audiovisual e muitas vezes estiveram do “mesmo lado da barricada”, afirma. Nomeadamente, em projetos de alterações legislativas do cinema, propostas e revisões de lei e críticas a regulamentos do ICA. “Aprendi com ele a importância de lutar com bons argumentos, temos de criar sinergias, é preciso falar com as pessoas, fazer compreender aos outros o que nos move”, explica a produtora. “Acima de tudo, morreu um homem de um enorme civismo e que lutava por uma enorme pluralidade no setor.”

“Era um homem sensível às nossas particularidades, atento e delicado. Além disto, era um homem lutador, que resistia perante as adversidades, uma pessoa de causas que defendia até à exaustão.”
Ana Zanatti

Apesar de nunca ter trabalhado ou conhecido António-Pedro Vasconcelos, Ana Rocha de Sousa conta que um dia, numa “época agreste de dor”, escreveu na sua conta de Instagram, recebeu um telefonema inesperado do realizador. “Disse-me então: ‘Não nos conhecemos, mas tinha de lhe ligar. Sabe, isto que lhe fizeram é um horror. Queria que soubesse que os velhos como eu não são todos assim. Há pessoas boas neste mundo. Não deixe de seguir o seu caminho”, partilhou a atriz e realizadora na sua conta de Instagram.

Ao Observador, Ana Rocha de Sousa não quer precisar o “enquadramento”. “Não é sobre mim, é sobre uma pessoa que não me conhecia de lado e ao ler uma quantidade de coisas que foram escritas e ditas [sobre mim] teve uma atitude de absoluta espontaneidade e doçura”, conta. “Havia uma coisa que [ele] conhecia: o meio (…) e preocupava-o que a juventude se deixasse levar e abdicasse de seguir caminho.”

Em 2020, Ana recebeu dois prémios no Festival de Cinema de Veneza com a longa-metragem que realizou, Listen, e nas suas primeiras declarações contou que esteve quase para desistir. “Genuinamente, foi um gesto que me tocou e não vou esquecer, já várias vezes voltei a esse lugar desse telefonema e ele tinha toda razão. Naquela altura foi uma primeira coisa que me fizeram de muitas outras que me continuarão a fazer, a mim e a muitas pessoas.”

António-Pedro Vasconcelos: “Se pudesse, teria feito um filme por ano”

Ao realizador diz nunca ter chegado “a agradecer devidamente o gesto”. Da sua obra, gosta especialmente de Jaime, de 1999, filmado no Porto. “É um filme bastante tocante e que me interessa naquilo que é a minha linha de arte cinematográfica”, afirma.

Em declarações à Rádio Observador, a atriz Ana Zanatti, protagonista do filme O Lugar do Morto, de 1984, recorda António-Pedro Vasconcelos como um “realizador que gostava e respeitava os atores”. “Era um homem sensível às nossas particularidades, atento e delicado. Além disto, era um homem lutador, que resistia perante as adversidades, uma pessoa de causas que defendia até à exaustão.”

“Aprendi com ele a importância de lutar com bons argumentos, temos de criar sinergias, é preciso falar com as pessoas, fazer compreender aos outros o que nos move. Acima de tudo, morreu um homem de um enorme civismo e que lutava por uma enorme pluralidade no setor.”
Pandora da Cunha Telles

Também o ator Miguel Guilherme lembra as conversas que teve com o realizador. “Foi um homem que lutou sempre por aquilo que devia ser a cultura e o cinema.”

Numa das últimas conversas que teve com António-Pedro Vasconcelos, o realizador Henrique Pina (Aires Mateus: Matéria em Avesso, de 2017) conta que APV costumava dizer, “com ironia”, sublinha, que os créditos dos filmes deveriam ter o nome do júri do ICA que o apoiou. “Para as pessoas poderem agradecer ou dizer mal de quem permitiu que aquele filme fosse feito”, ri-se.

Henrique conheceu o realizador em 2010, quando os dois passeavam os respetivos cães no bairro da Lapa, onde moravam, e lhe pediu conselhos para a sua primeira curta-metragem. “Ainda hoje os sigo”, diz.

Em dezembro de 2023, Henrique Pina convidou António-Pedro Vasconcelos para fazer de si próprio num episódio piloto de uma série que estava a gravar sobre um “ator a querer vingar no cinema” com Henrique Feist e Cristina Cavalinhos. “Ele estava a meio de uma produção, constipado, muito cansado, e mesmo assim aceitou”, conta. “Foi uma cena que gravámos no Casino do Estoril, é capaz de ser a última filmagem dele em ficção. Propus um pagamento e ele não quis receber, mesmo numa de ajudar.”

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