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O bullying na escola, a inspiração em E.T. e o sangue de Peaches: 10 revelações do livro de memórias de Elliot Page

Em “Pageboy”, a autobiografia que chegou às livrarias esta segunda-feira, o ator conhecido pelo filme “Juno” fala sobre a sua transição de género e como Hollywood quis esconder o seu lado queer.

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Em março de 2021, tornava-se o primeiro homem trans na capa da revista “Time”. Poucos meses antes, Elliot Page, estrela do filme indie “Juno”, de 2007, na altura com o nome Ellen Page, revelava ser trans num post de Instagram onde escolhia os pronomes “ele/eles” e dizia estar feliz, apesar de ter medo do “ódio”, das “piadas” e da possível “violência”, escrevia.

No mesmo dia, a Netflix anunciava que ia alterar os créditos da série de super-heróis “The Umbrella Academy”, da qual Elliot é protagonista, para o seu novo nome. Em 2022, na terceira temporada da série, também a sua personagem Vanya passou por uma transição de género, de mulher para homem, anunciando que agora era Viktor.

Na verdade, “sempre soube” que era trans, conta o ator canadiano na sua autobiografia, que chegou às livrarias em Portugal e no resto do mundo na segunda-feira, 12 de junho, mesmo a tempo do mês Pride: “Nunca fui uma rapariga, nunca serei uma mulher. O que é que vou fazer?”

No livro, editado pela Vogais (chancela da Penguin) e com uma tradução em português que fica muito aquém do original, o ator faz várias revelações íntimas, do bullying que sofreu na escola às relações sexuais com mulheres, passando por ameaças de violação de um ator famoso (e bêbado) numa festa em Hollywood ou pela disforia de género.

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A capa do livro, uma edição da Vogais (16,97 euros).

“Posso ser um menino?”

Elliot Page conta que quando tinha quatro anos percebeu que não era uma rapariga. “Essa sensação é uma das minhas memórias antigas mais claras”, escreve. Nessa altura, tentava fazer chichi de pé, achando que “seria a melhor opção”. Aos seis anos, perguntou à mãe se podia ser um menino. “Não, querida, não podes, tu és uma menina”, respondeu-lhe. No McDonald’s pedia sempre o “brinquedo dos meninos” e aos dez anos, “depois de vencer uma batalha de um ano para que [lhe] cortassem o cabelo curto”, algumas pessoas começaram a tratá-lo como um menino.

O bullying na escola

No início da sua autobiografia, Elliot conta que sofreu de bullying na escola no Canadá, onde era frequente chamarem-lhe “fufa”. No secundário, as ofensas cresceram para outro nível, quando foi “fisicamente forçado a ir à casa de banho dos rapazes”, recorda. No episódio que descreve, o professor de Inglês encontrou-o à saída da casa de banho e, indignado, mandou-o para o gabinete do diretor. “Eu pedi desculpa. Não disse que tinha sido empurrado.” Noutro capítulo, conta como foi perseguido com um amigo da escola por um bando de adolescentes que gritava “paneleiros de merda”.

A disforia de género

Aos onze anos começou a mudança do seu corpo, de rapaz para rapariga, “sem o [seu] consentimento”, lamenta. A partir daí, sentiu os efeitos da disforia de género, que tenta explicar: “A realidade estabeleceu-se; eu nunca me iria ver ao espelho, iria sempre sentir nojo e punir o meu corpo por isso.” No mesmo capítulo, conta como não conseguia comer, problema que o acompanhou nos anos seguintes. “Estudos demonstram que transgénero e jovens com um género não normativo têm quatro vezes mais probabilidades de terem distúrbios alimentares”, revela. De tal maneira que no final das filmagens de “An American Crime”, filme de terror com Catherine Keener de 2007, pesava apenas 38 quilos. “Os meus braços eram tão finos que eu poderia pegar na cinta de um copo de café, enfiar a mão e fazê-la deslizar pelo braço, para além do cotovelo e até ao ombro”, afirma.

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Num desfile da Balenciaga, no âmbito da Paris Fashion Week, em 2021

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Depois de “Juno”, teve de esconder o seu lado queer

Segundo Elliot, depois do sucesso do filme “Juno” (2007), de Jason Reitman, “pessoas da indústria” disseram-lhe que ninguém podia saber que era queer. Usou vestidos e maquilhagem e omitiu que tinha uma namorada, Paula. “Estava a lutar contra uma depressão e tinha ataques de pânico tão fortes que me faziam colapsar”, conta no livro. Na estreia mundial do filme, pensou em usar um fato. “Disseram que eu deveria usar vestido e saltos altos. Depois de discutirem isso com o realizador, ele ligou-me. Disse que concordava com eles, insistindo para que desempenhasse o papel.” Michael Cera, o coprotagonista, foi de “calças, camisa e ténis”, recorda. Ao mesmo tempo que lhe diziam para mentir, Elliot diz ter ficado intrigado por ver como “atores cis heterossexuais” eram celebrados por interpretarem personagens queer e trans, com “nomeações, vitórias e pessoas a gritarem ‘que coragem!’”.

Chegou a recusar um filme por não querer usar vestido

Em 2008, Elliot recebeu um convite para fazer um filme em Inglaterra, “um papel cobiçado”, diz, baseado num livro famoso. No entanto, acabou por recusar, cansado de todo o “longo processo de publicidade de Juno”, que culminou com a cerimónia dos Óscares (esteve nomeado pelo seu papel naquele filme). Não se conseguia imaginar num traje de mulher de meados do século 19. “Depois de ter colocado a máscara para a temporada dos prémios, era demasiado para mim. Percebi que se fizesse isso acabaria por me querer matar.”

As relações com mulheres

Quando a autobiografia saiu nos Estados Unidos, a 6 de junho, as primeiras notícias e reações ao livro centraram-se nas descrições de relações sexuais com mulheres, sobretudo nos pormenores da relação de Elliot com a atriz Olivia Thirlby durante as filmagens de “Juno”. “Começámos a fazer sexo a toda a hora: no quarto de hotel dela, nas nossas caravanas do trabalho, uma vez num quarto minúsculo e privado de um restaurante”, descreve. Elliot conta também que teve uma relação com a atriz Kate Mara, quando esta era namorada do ator Max Minghella, que estava a par de tudo.

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Em 2021, na Met Gala, em Nova Iorque

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Foi ameaçado por um ator famoso numa festa

Pouco depois de se assumir publicamente como gay, em 2014, Elliot conta como foi ameaçado e assediado por um “dos mais famosos atores do mundo” numa festa de aniversário em Hollywood. “Bastante embriagado”, o ator confrontou-o com a sua orientação sexual: “Tu não és gay. Só tens medo de homens.”  O ator em questão, “O Idiota na Festa” que dá nome ao capítulo, começou a tornar-se agressivo e ameaçou violar Elliot. Mais tarde, quando o voltou a encontrar no ginásio, o ator pediu desculpa e disse não se lembrar de nada do que tinha acontecido.

O seu nome é inspirado no Elliot de “E.T”

No livro, Elliot conta pormenores sobre a sua mastectomia e como, depois de recuperar da cirurgia, o seu telemóvel se encheu de fotografias do seu “peito liso, de novos ângulos, daquele sorriso”. No primeiro Halloween depois de se assumir como trans, vestiu-se de Elliott, o rapaz de “E.T.”, com um casaco vermelho, foi para as ruas de Manhattan com amigos e teve “o melhor Halloween de sempre”. O filme é um dos seus preferidos e costuma vê-lo uma vez por ano – chora sempre. “Desejei tanto ser o Elliott quando era pequeno”, conta. “[Os] Desejos podem tornar-se realidade.”

Guardou o sangue de Peaches

Elliot dedica um dos últimos capítulos do livro à também canadiana Peaches, uma das suas grandes influências. A cantora acabava de lançar Fatherfucker (2003) e Elliot, na altura com 16 anos, foi ao seu concerto com um amigo. Por todo o lado, havia uma “queerness picante e rodopiante”, descreve. A meio do concerto, Peaches, num dos seus habituais números extravagantes, vomitou sangue falso para a plateia e agarrou-lhe no braço. Elliot passou a tomar banho com o “braço do lado de fora da cortina”. “Guardei aquele sangue durante quase duas semanas”, conta no livro. A “sensação de descoberta do concerto” mudou a sua vida.

Recebeu ódio e reações negativas à transição de género

No final do livro, Elliot afirma que depois de se assumir como trans recebeu “ódio” e reações muito diferentes daquelas que recebeu em 2014 quando revelou que era gay. “Sinto que estou sempre a implorar para que as pessoas acreditem em mim, algo com que imagino que a maioria das pessoas trans se identifique”, diz. As reações vêm não só de desconhecidos na rua como de “bons conhecidos e amigos”, com comentários sobre o seu corpo e uma “compulsão de infantilizar” a transição. “[Os comentários] Podem parecer insignificantes, mas quando a tua existência é constantemente debatida e negada isso esgota-te.” O ator conta que todas as sextas-feiras toma 40 miligramas de testosterona. “Estou a mudar, estou a crescer, tudo está apenas a começar.”

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