Enviado especial do Observador em Paris, França

Tóquio e Paris não poderiam ser mais diferentes a todos os nível, Tóquio e Paris tiveram algo com um ponto de contacto demasiado grande para evitar: os resultados e a cadência dos mesmos. Estes foram novamente os Jogos que começaram com resultados que foram ficando um pouco aquém daquilo que era esperado entre boas exceções, que trouxeram depois o momento em que tudo parecia a pior coisa do mundo, que acabou na versão american (mais uma vez os que ganham mais medalhas, no total e de ouro) em que existe aquele raro sentimento dentro da realidade nacional de que é possível ganhar uma ou mais medalhas num dia – duas num dia ainda não aconteceu mas voltou a não andar longe, com o K2 em sexto no dia de Pichardo depois do quarto lugar de Auriol na prata de Patrícia Mamona. O resto, mudou. E desconstruiu um paradigma.

Haveria uns Jogos para a Missão com e sem ciclismo de pista, essa modalidade que teve a representação de Maria Martins no omnium em Tóquio sem ninguém do quadro masculino mas que até aí passou um pouco ao lado por aparecer no dia “cego” de competições que é o da cerimónia de encerramento. Com eles, tornou-se a melhor participação de sempre porque houve mais uma prata e menos um bronze em relação a 2020; sem eles, iria igualar as medalhas de Pequim-2008 sendo pior, teria apenas mais um pódio do que Londres-2012 e Rio-2016 e ficaria por metade em relação a Tóquio. Por serem medalhas de ciclismo de pista não contam? Sim, claro que contam. Contam até mais se calhar do que outras, não pela capacidade de resiliência, pelas horas de trabalho, pela história ou pelo peso, porque essas todas teriam, mas por ser uma viragem.

Aquilo que “salvou” Londres foi a prata de Fernando Pimenta e Emanuel Silva e as outras finais A e B que foram conseguidas. Agora, em Paris, Portugal teve quatro atletas; em Los Angeles, espera ter mais. Ponto central: a canoagem começou a dar sinais entre Atenas e Pequim, “apresentou-se” em 2012 e continua a ir tendo boas prestações internacionais mesmo que as novas gerações nem sempre consigam resultados. No caso do ciclismo de pista, que no máximo teve uma “semi apresentação” em Tóquio, chegou, viu e venceu com um ouro e uma prata com Iúri Leitão em comum, o primeiro português a conquistar duas medalhas só numa edição dos Jogos. Quer isso dizer que agora vai ganhar sempre? Era bom, é imprevisível. Mas aquilo que fica é mais uma modalidade que entra no léxico do desporto português e em 2028 passará de forma natural para o topo dos interesses nacionais em LA. A canoagem foi um projeto com cabeça, bolhas (nas mãos) e membros montado ao longo de mais de uma década, o ciclismo de pista é um projeto com rodas para andar após ter nascido ao longo de mais de uma década. Aqui está a diferença, entre presente e futuro.

À exceção da modalidade onde Portugal é historicamente mais forte nos Jogos Olímpicos, o atletismo (que até aparecer a dupla Iúri Leitão e Rui Oliveira no madison era a única com ouros para Portugal), fazem falta mais projetos destes, mesmo que demorem mais de uma década a ganhar forma para só depois nascerem aos olhos do grandes público. Pelo sucesso desportivo e pelo lastro que vai ganhar, o ciclismo de pista sai como o ponto mais alto da Missão em Paris. Aliás, das apostas mais previsíveis, só mesmo Pedro Pablo Pichardo não falhou a medalha mesmo perdendo o título. Por exclusão de partes, havendo o mesmo número de medalhas, houve surpresas positivas e prestações menos conseguidas. Mais importante do que isso, interessa perceber como as surpresas apareceram e as razões para outros resultados não saírem.

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Iúri para a história, Sampaio a dar a cara, o triatlo que promete e uma ginástica a saltar alto

Iúri Leitão, escolhido para ser um dos porta-estandartes na cerimónia de encerramento, foi a grande figura nacional nestes Jogos ao juntar não só a prata olímpica ao título mundial no omnium como a vencer ainda a medalha de ouro no madison com Rui Oliveira. Pedro Pablo Pichardo, apesar da frustração de um ouro perdido tornado prata por erros técnicos como a chamada na tábua que lhe retirou os três centímetros que lhe faltaram para a revalidação do título, também confirmou todas as expetativas. Já Patrícia Sampaio, que também ela foi porta-estandarte, acabou por ser uma espécie de salvação para um judo nacional que ficou com resultados curtos para as expetativas em casos como Jorge Fonseca ou Catarina Costa (e se em cima falávamos da questão do projeto, a competição de Paris deveria levar a uma reflexão para o futuro).

Ainda assim, nem só de medalhas foi feita a prestação portuguesa, sendo que até algumas participações que nem no top 16 deverão ser relevadas. A equipa de triatlo, que após a era Vanessa Fernandes e mais tarde João Pereira conseguiu reinventar-se com um grupo de jovens atletas promissores que têm Vasco Vilaça o principal expoente, saiu com três diplomas que são não só uma constatação do presente mas também uma certeza para o futuro. Também Gabriel Albuquerque, quinto classificado nos trampolins aos 18 anos logo na estreia nos Jogos, é outra das promessas não tarda passarão a surpresas, à semelhança de Maria João Barros no tiro (ficou a um único tiro da passagem à final, acabando em oitavo) ou de Diogo Costa e Carolina João na vela (quinta posição no 470 misto). Filipa Martins, que se tornou a primeira portuguesa a chegar a uma final do all-around nos seus terceiros Jogos aos 28 anos, e Salomé Afonso, que bateu duas vezes o recorde pessoal nos 1.500 metros, foram exemplos de como se pode ganhar sem ganhar

Das desilusões de Pimenta e Fonseca aos falhanços dos dois Ribeiro pela nova geração

Ninguém esperava, pelo menos entre quem sabia o que tinha representado aquela conquista do Campeonato do Mundo, que Diogo Ribeiro ganhasse medalhas. Objetivo muito ambicioso mas ainda assim a tocar o real? Chegar a uma final olímpica como só Alexandre Yokochi tinha conseguido em 1984. Não aconteceu. Ficou longe de acontecer. Mais: a possibilidade de melhorar aquelas que eram as suas marcas referências entre livre e mariposa ficou demasiado longe. Paris só terá valido a pena se for mesmo uma aprendizagem para o que aí vem, não só nas piscinas mas também fora delas. A outro nível, pelo que fez em Tóquio e pelo que andou a fazer na modalidade, Gustavo Ribeiro foi catapultado para patamares mais altos entre figuras que poderiam brilhar por Portugal nos Jogos mas falhou o acesso à final e acabou por ser outra desilusão.

Entre os mais consagrados, o sexto lugar de Fernando Pimenta foi um dos resultados mais “pesados”, não só por não ter ganho medalha mas pela forma como não perdeu todas as forças para ficar (ainda mais) marcado na história com um terceiro pódio olímpico. Também Jorge Fonseca, bronze em Tóquio, caiu logo no primeiro combate tendo pela frente o campeão Aaron Wolf. Entre resultados que se esperavam mais impactantes no surf ou no equestre, também a formação de ténis de mesa acabou por ficar aquém do que era aguardado mesmo não se esperando qualquer medalha. Derrotas na primeira ronda de singulares  e pares masculinos e na segunda de singulares femininos foi a pior forma de fechar um ciclo com estes nomes.

Resultados positivos, a consolidação de um projeto e o que quer o Governo para o futuro

Foi sobre todos estes resultados que a Missão fez um balanço este domingo depois da prova de Maria Martins num espaço que contou com o secretário geral do Comité Olímpico de Portugal (COP), José Manuel Araújo, e com o chefe da Missão, Marco Alves. Resumo? Os resultados foram satisfatórios, os desabafos dos atletas a pedirem mais apoios são considerados quase como normais perante o contexto em que foram proferidos e o futuro está dependente daquilo que sairá das reuniões com o Governo no âmbito do novo contrato programa que será assinado para Los Angeles e que poderá ou não incluir várias medidas apresentadas pelo COP.

“O desporto ainda tem uma palavra a dizer na sociedade. Trazíamos duas medalhas: mais de 50% de atletas estreantes nestes Jogos, com processos de qualificação cada vez mais exigentes e muitas quotas diminuídas; e teremos mais atletas femininas do que masculinos. É um virar de página também nesse capítulo e Portugal deve estar orgulhoso daquilo que as mulheres fazem no desporto. Estamos satisfeitos com os resultados, passa uma imagem de um país que conseguiu consolidar o que tinha sido feito e que foi superior a edições anteriores. Digo sempre que Jogos são Jogos, não são mais um Mundial ou um Europeu, e aquilo que os atletas conseguiram alcançar, medalhados ou não, foi muito positivo. Em termos de Missão foram Jogos bem conseguidos em que conseguimos consolidar aquilo que tinha sido feito. Uma palavra também para os familiares e amigos de atletas que estiveram em Paris, muitos com um esforço gigante para estarem e não podemos deixar de fazer esse agradecimento”, começou por dizer o chefe de Missão em conferência.

“Negociámos o contrato programa com o adiamento dos Jogos há três anos. Naturalmente que o desporto é feito de ambições e não seria entendível para atletas, federações e sociedade civil que baixássemos a fasquia. Baseamos muito o trabalho no mérito desportivo por Mundiais, rankings mundiais. É um processo que é crescente. Sucesso dos atletas do ciclismo de pista antes de Paris? Não teríamos todos identificados, confiávamos no projeto pela mão do presidente que foi acompanhando e traduziu-se em Paris num trabalho sério, com muita dedicação e atletas extraordinários. No ciclo de Tóquio houve vários indicadores em provas mundiais de que teriam estas condições, o Iúri aparece mais tarde mas tínhamos indicações que tinham condições para vir assim caso o investimento para se apresentarem nesta forma seguisse”, referiu.

“Fizemos um conjunto de propostas muitas delas acompanhadas de mais financiamento que na altura em que foram contratualizadas as coisas para Paris não foram possíveis. Temos a consciência do país em que vivemos, somos ambiciosos, o alto rendimento não vive de outra coisa. Conseguimos fazer alterações mas só de quatro em quatro anos, para dar estabilidade ao processo não convém ser negociado todos os anos. O que introduzirmos agora só terá frutos em 2028 ou 20232. É perceber os desafios para os próximo ciclo, que será noutro continente, com processos de qualificação ainda não conhecidos. Sentimos junto das federações que o percurso é difícil até chegar ao Comité. Muitas vezes é esse caminho que é penoso para os atletas, as federações precisam de mais condições para ser mais fácil para estarem nas qualificações”, frisou.

Entre as reflexões, uma dúvida: Portugal deve ser um país a apostar mais nas modalidades que vão tendo de forma crescimento e sustentado resultados ou continuar a apostar ao máximo na diversificação em contexto de Jogos? Há muitos modelos espalhados no mundo no que diz respeito às apostas numa modalidade para o sucesso ou insucesso, e isso mede-se pelas medalhas. Parte de uma estratégia que não é só do Comité, é também do país e do que pretende da equipa de Portugal nos Jogos. Se me é permitida a opinião, termos mais é termos mais referências, mais modalidades, mais atletas e um desporto melhor. O programa de preparação olímpica está montado na valorização do mérito, não sendo igual porque as competições não são iguais. Tentamos ser o mais equitativos para a realidade de cada modalidade”, destacou.

Ainda olhando apenas para esta edição mas num contexto mais individual, Marco Alves abordou também as palavras de Pedro Pablo Pichardo e Diogo Ribeiro após as respetivas provas. “O Pedro falou dessa hipótese de se retirar na zona mista. Sem desvendar muito mas dizendo algo que não é muito privado, não me pareceu quando chegou à Aldeia Olímpica que tivesse essa vontade, a sua equipa também não terá essa vontade de abandonar a equipa de Portugal. Não devemos normalizar a situação mas é encarar com respeito aquilo que foi dito porque normalmente não têm também esse espaço e o que é conseguido dentro de campo tem de ser permitido fora de campo. Foi sincero, mais construtivo do que destrutivo. Há coisas que queria dar o seu ponto de vista e devia ter o seu espaço”, começou por referir sobre o atleta que ganhou a prata.

“Sobre o Diogo, tivemos oportunidade de falar com o Alberto [treinador] e com ele após as declarações e sentimos a possibilidade, porque tem essa atenção, de passar uma mensagem que tinha lá dentro. Acreditava no que estava a dizer e não contornou a questão. Os Jogos são Jogos, é difícil explicar por outras palavras e quando vimos para uma realidade que não conhecemos somos surpreendidos por algumas situações. Faz parte do processo de aprendizagem, ele entende assim e não como algo em que ele falhou. Pareceu-me de forma legítima que com esta experiência de aprender e pode fazer melhor”, assumiu. Já sobre o Pimenta e o que dizer depois da forma como falhou as medalhas, uma atitude: “não dizer nada”. “São demasiadas coisas para se assimilarem num momento, ninguém mais do que ele queria chegar à frente. Não somos as pessoas com quem está todos os dias, não somos a Federação de canoagem mas fazemos parte da equipa deles e por isso é apenas estar, respeitar e no caso do Fernando não precisar de dizer nada”.

“Atletas reconhecem que o apoio que recebem pelo contrato programa é significativo”

Em relação ao balanço, também José Manuel Araújo falou num resultado “positivo”. “Atingimos vários objetivos a que nos tínhamos proposto. Há um que é muito evidente, que é o das medalhas. Além de cumprir os objetivos, há uma lógica de consistência e mantivemos o número de medalhas subindo ligeiramente com um ouro, duas pratas e um bronze. Há diversidade de modalidades e um conjunto com nomes com potencial, para o futuro vamos ter a continuidade que pretendemos. Que possamos dar condições para que em cada ciclo olímpico se tenha mais condições para o ciclo seguinte. Temos um contrato programa mas tivemos sempre todas as condições para executar do nosso lado esse contrato programa. As coisas correram bem, tendo sido um ciclo mais curto com o governo anterior e com o atual. Muitas vezes temos de saber esperar pelo resultado, gerir bem os melhores momentos e os piores que às vezes acontecem quase com uma diferença de minutos”, resumiu numa primeira declaração o secretário geral do COP em conferência.

“Embora possa haver algumas observações de atletas sobre determinados momentos, sentimos que em geral reconhecem que o apoio que recebem do Comité no âmbito do contrato programa é significativo para o alto rendimento. Ao dizer isto, também estou a dizer que o que vem do governo para ser distribuído é a nosso ver suficiente. Pode ser mais, claro que pode ser mais, claro que temos esse espírito de reivindicação e os resultados positivos também ajudam a explicar ao governo situações como o ciclismo de pista. É verdade que todos nós temos sempre algo mais a pedir e quando atingimos o máximo ainda queremos ter um pouco mais e não vemos uma lógica de reivindicação, não é por não ter o suficiente mas sim por querer mais para dar mais ao país. Isso dá uma visão positiva”, reforçou, elogiando também a “presença muito importante” de Luís Montenegro, “o primeiro-ministro a ir à Aldeia em mais de 20 anos.