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Equipas de limpezas trabalharam toda a manhã no Palácio do Planalto
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Equipas de limpezas trabalharam toda a manhã no Palácio do Planalto

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Equipas de limpezas trabalharam toda a manhã no Palácio do Planalto

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O diário nos bastidores do silêncio. Durante quase 48 horas, os jornalistas noticiaram os encontros, os tumultos e a ausência do Presidente

São dias de tempestade, política e não só, em Brasília. O silêncio do Presidente deixou o país mergulhado num mar de dúvidas, a que, nos bastidores da Alvorada, os jornalistas iam tentando responder.

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A trovoada e a água incessante que caía do céu, mesmo por cima do Palácio da Alvorada, na tarde desta segunda-feira, lembrava a todo o momento outras tempestades que o Brasil vive. “Senhor, lava essa carniça. Manda chuva.” A voz de um dos apoiantes de Bolsonaro, de dedos apontados para o céu, que fugia das primeiras pingas, às 18h (21h em Lisboa), era acompanhada pelo rebuliço dos jornalistas, que recolhiam os microfones, as câmaras e as máquinas fotográficas. Ao fundo, uma dezena de militares faziam a troca da bandeira — baixaram primeiro a da República e a do Mercosul, enquanto a do Brasil ficava lá no alto.

Entre os jornalistas, que se dividiam entre uma salinha envidraçada, lotada de pessoas e com o ar condicionado no máximo, e uma enorme tenda de lona branca com bancos de madeira virados para o mesmo lado e com um corredor no meio — a fazer lembrar a disposição de uma igreja —, as apostas multiplicavam-se. “Já não deve falar hoje”, “quero ver ter protesto hoje”, iam comentando e sendo rebatidos. O protesto de que falavam era aquele que deveria ter acontecido por essa hora junto ao Planalto e que levou as autoridades a criarem um perímetro de segurança. “A Esplanada [dos Ministérios] foi isolada preventivamente para evitar que camiões invadam a região. A ideia é proteger os órgãos públicos e manter a ordem”, tinha anunciado a Polícia Militar duas horas antes, sem mais detalhes.

Jornalistas no hall do Palácio do Planalto

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Nos bastidores, as informações nunca foram muitas durante estes quase dois dias. Bolsonaro só saiu do Palácio da Alvorada, onde se isolou quando se conheceram os resultados, uma vez. Foi ao Palácio do Planalto às 9h30 e antes das 16h já estava de regresso à residência oficial do Presidente da República. A qualquer momento, o silêncio poderia ser quebrado — quer fosse para assumir a derrota ou para criticar o processo eleitoral. Assim que a coluna de seis carros deixou o Planalto, os jornalistas brasileiros e estrangeiros que faziam a cobertura correram para os carros.

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Uma dificuldade que não é nova para os jornalistas que acompanham o Presidente: tudo é feito sem aviso prévio e nem sempre a agenda ao detalhe é conhecida. Vanessa Lima, jornalista da TV Record, nem se pode queixar dos ataques dos apoiantes de Bolsonaro que costumam ir para o Alvorada fazer esperas, mas explica ao Observador que nunca é possível prever o que vai acontecer.

Jornalistas no exterior, dentro da cerca metálica, o espaço que lhes foi destinado

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“Tivemos períodos diferentes. Houve uma época em que ele parava aqui quando passava para falar com os jornalistas, mesmo que não houvesse notícia, acredito que para se aproximar da imprensa. Só que quando começou a ser questionado e o cutucavam, ele perdia a paciência e dizia sempre alguma coisa que virava manchete. E na pandemia, claro, ele tinha mesmo de ser questionado, foi aí que veio o silêncio maior.” Um silêncio que, diz, tentou reverter entre a primeira e a segunda volta das eleições — convidando até jornalistas para entrarem no Planalto —, mas que agora voltou em força.

Na parte exterior onde ficam os jornalistas, há a toda a volta um gradeamento que foi colocado durante o mandato de Bolsonaro e que cerca os jornalistas. Os apoiantes, por norma, estão do lado de fora. Na manhã desta terça-feira não havia qualquer apoiantes, na véspera apenas estiveram 15 — longe das centenas que receberam o Presidente no dia de aniversário com um bolo. Mas os 15 foram suficientes para criarem um momento de tensão, quando um deles chamou “vagabunda” a uma jornalista brasileira.

A entrada no portão do Palácio da Alvorada

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Quem ali passa dias a fio tem bem presente na memória casos de violência — até física. E tudo pela forma como Bolsonaro lida com as pessoas, por ser um Presidente próximo de quem o apoia. Matheus Souza, jornalista do Valor Económico, um jornal do grupo Globo, afirma que, nisso, Lula e Bolsonaro são idênticos, a diferença é que Bolsonaro recebe apoiantes no Palácio e criou o hábito, no início, de dar aquelas pequenas conferências de imprensa quando entrava ou saía — o chamado “cercadinho”, porque fala cercado de pessoas. “Talvez Bolsonaro tenha sido o Presidente mais entrevistado, também porque, oficialmente, será dos que tem mais tempo, tem menos contactos oficiais, menos visitas ao exterior.”

Ali, no Alvorada, não era comum os Presidentes virem até à porta falarem com os jornalistas. Quem ali trabalha há anos diz que com Fernando Henrique Cardoso terá acontecido uma ou duas vezes, e que com Lula também. Associado a isso, Bolsonaro tem muita popularidade no Distrito Federal, o que leva grandes massas até àqueles jardins, antes só visitados por famílias que queriam ver o edifício por fora.

Ao contrário de Vanessa, Matheus sentiu muita “hostilidade” por parte de quem ali vai para gritar pelo Presidente quando ele está a falar com a imprensa. “E não vejo excesso dos repórteres que acompanham o dia a dia dele, não sei se terá havido de comentadores ou assim, mas aqui nunca vi”, diz, lembrando que só o facto de ser de um jornal do grupo Globo acabava por prejudicar essa relação.

Na tarde de segunda-feira começou a chover torrencialmente, alguns jornalistas abrigaram-se numa tenda de lona, outros na salinha envidraçada

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As grades que foram colocadas para cercar a imprensa e separá-la dos apoiantes mais radicais de Bolsonaro são algo que antes não existia na totalidade. A aposta em grades começou em 2013, com as manifestações de descontentamento a propósito do Campeonato Mundial de Futebol e com o que o Brasil gastou nessa época em infraestruturas, mas foi reforçada no atual executivo.

E foi dentro dessa cerca que os jornalistas aguardaram até ao meio da tarde desta terça-feira, quando tiveram autorização para entrar no Palácio e ouvir uma declaração de Bolsonaro que não demorou mais de um minuto.

Discurso de Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada na tarde desta terça-feira

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O diário dos bastidores

Segunda-feira, 31 de outubro

9h30 (+3 horas em Lisboa) – Jair Bolsonaro chega ao Palácio do Planalto, local de trabalho, onde vários jornalistas aguardavam uma reação do atual Presidente à derrota. Um dos jornalistas que estavam no hall de entrada, onde está exporto o fato que Bolsonaro usou na tomada de posse, apostava em alto e bom som: “Deve ter escolhido fazer a declaração aqui, porque aqui tem outra força. Sairia por baixo se desse uma declaração na porta do Palácio da Alvorada”.

15h50 – Jair Bolsonaro sai do Palácio do Planalto. Assim que os jornalistas veem a coluna de cinco carros, arrumam o material e seguem para o Palácio da Alvorada — a uns 5 minutos de distância. À chegada, enchem a pequena sala de vidro para fazerem pesquisas no computador, aquele é o único espaço com tomadas. São cerca de 20 jornalistas dentro de uma sala e as conversas são sobretudo sobre o comunicado da Polícia Militar a informar que tinha montado um perímetro de segurança junto ao Planalto, para evitar protestos. Outros enumeram os chefes de Estado e de Governo que já deram os parabéns a Lula: “Putin, Biden e Xi Jinping já deram. São os mais importantes”.

16h16 – “Está chegando um pessoal.” É nesse momento, quando um dos jornalistas presentes alerta, que se começam a ver, através do vidro, os primeiros apoiantes de Jair Bolsonaro, que se posicionaram um pouco mais longe dos jornalistas do que o costume — estavam do outro lado da estrada. Os comentários foram rápidos e continuaram a ouvir-se nos telemóveis dos jornalistas alguns dos memes sobre Jair Bolsonaro que foram compilados numa aplicação.

16h30 – A Segurança Presidencial, que não conseguiu fazer o registo de toda a gente no início, entra na sala para registar os jornalistas que ainda não tinham sido inseridos no sistema. Enquanto isso, no exterior da sala de vidro estavam já perto de três dezenas de jornalistas, operadores de câmaras e fotógrafos.

16h50 – Chegavam os últimos apoiantes de Bolsonaro — eram 15 pessoas no total. Um sinal de que se esperava mesmo que Bolsonaro fizesse uma declaração.

17h00 – Alguém da imprensa chama a atenção para uma notícia da Globo News que dá conta de que Jair Bolsonaro está a redigir o seu discurso e que, por isso, a declaração pode não ser nas próximas horas. Nesse momento há um carro que sai de dentro do Palácio, mas ninguém presta muita atenção: “Se fosse o Presidente seria uma comitiva de cinco ou seis carros”, dizem.

18h00 – Nove militares saem para fazer a troca da bandeira. O céu está muito escuro e começam a cair algumas pingas de chuva. As notícias a dar conta de que o discurso já não deveria acontecer nas próximas horas e o estado do tempo fizeram os apoiantes desmobilizar. É nessa altura que vão todos embora e os jornalistas acabam por se recolher na sala ou na tenda de lona, onde passariam as próximas horas de tempestade.

18h10 – A lona abanava com a descarga forte de água e a trovoada tinha entretanto aparecido.

19h00 – Alguns jornalistas começam a sair, mas houve televisões brasileiras que ficaram toda a madrugada de plantão, como o caso da TV Globo. Isso apesar de ser já quase certo que Bolsonaro falaria apenas na terça-feira.

Terça-feira, 1 de novembro

8h00 – Eram já vários os jornalistas que estavam no exterior do Palácio do Planalto.

8h44 – Entra um carro com a matrícula da Força Aérea, que é identificado pelos repórteres como sendo do Comandante da Aeronáutica.

8h50 – Começa a circular a informação de que tinha sido aberto um canal de YouTube não oficial, mas que anunciava o discurso de Bolsonaro para daí a momentos. Os jornalistas começam a comentar que seria pouco correto se, depois de tal espera sem informações, a primeira declaração do ainda Presidente fosse feita pelo Youtube. Mas muitos avançaram logo que poderia ser apenas uma manobra para distrair.

9h43 – Entra dentro do Palácio da Alvorada o carro do Chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, mas ia vazio. A maioria diz que o mais provável é que estivesse já lá dentro e que o carro o fosse lá buscar.

10h07 – Uma comitiva de seis carros sai de dentro do Palácio, nenhum deles é o do Presidente da República.

10h15 – A CNN Brasil anuncia num direto feito a partir do Alvorada que a Polícia Rodoviária Federal se preparava para dar uma conferência de imprensa onde iam detalhar como iriam agir para desbloquear as vias que estavam a ser obstruídas. Na segunda-feira chegaram a estar bloqueados 236 pontos, em 24 estados, incluindo o Distrito Federal, onde fica Brasília. E o dia havia acabado com um aviso de Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (também juiz do Supremo) à Polícia Rodoviária Federal, para que fizesse alguma coisa para travar esse tipo de protestos.

11h00 – Fica a saber-se que Bolsonaro tinha chamado quatro juízes do Supremo Tribunal Federal: Rosa Weber (presidente), Gilmar Mendes, Kassio Nunes Marques e Luiz Fux. Alexandre de Moraes também terá sido sondado, mas não pôde comparecer por motivos de agenda, estava em viagem. Depois disso, diziam algumas fontes aos jornalistas presentes no local, seria o discurso oficial.

11h30 – Os quatro juízes do Supremo estavam já a caminho do Alvorada para uma reunião com o Presidente da República.

14h40 – Os jornalistas são, por fim, autorizados a entrar no Palácio da Alvorada, era o sinal de que a reunião com os juízes do Supremo tinha acabado e que Bolsonaro se preparava para falar ao país. Estava de novo a chover em Brasília, quando é enviada a mensagem a confirmar o discurso: “PRONUNCIAMENTO. A Secretaria Especial de Comunicação Social informa que o senhor Presidente da República, Jair Bolsonaro, fará pronunciamento em instantes no Palácio da Alvorada. Os veículos/profissionais de imprensa com credencial anual do Planalto/Alvorada estão automaticamente cadastrados”.

15h22 – No interior do Palácio do Planalto, os microfones já estavam preparados. A TV Globo já tinha até captado, através de uma janela, imagens do Presidente a andar num corredor, mas no espaço destinado à imprensa ainda não havia sinais de Bolsonaro.

16h39 – Bolsonaro chega ao púlpito carregado de microfones e pergunta se pode falar. Esperava-se um longo discurso. “‘Tá ok, posso começar?”, questionou de rajada. Dois minutos depois, virou as costas sem reconhecer diretamente o resultado das urnas e sem responder a uma única questão dos jornalistas.

16h40 – Para trás ficou Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil, que disse ter sido autorizado por Bolsonaro a iniciar o processo de transição do Governo, estando só a aguardar a formalização de Geraldo Alckmin como novo vice-Presidente.

Mesmo com o cair da noite foram vários os jornalistas que se mantiveram no local

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O discurso de Bolsonaro na íntegra

“Quero começar agradecendo aos 58 milhões de brasileiros que votaram em mim no último dia 30 de outubro. Os atuais movimentos populares são furto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral. As manifestações pacíficas sempre serão bem vindas, mas os nossos métodos não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população — como invasão de propriedades, destruição de património e cerceamento do direito de ir e vir. A direita surgiu de verdade no nosso país, nossa robusta representação no Congresso mostra a força dos nossos valores: Deus, Pátria, Família e Liberdade. Formámos diversas lideranças pelo Brasil, os nossos sonhos seguem mais vivos do que nunca. Somos pela Ordem e pelo Progresso. Mesmo enfrentando todo o sistema, superámos uma pandemia e as consequências de uma guerra. Sempre fui rotulado como anti-democrático e, ao contrário dos meus acusadores, sempre joguei dentro das quatro linhas da Constituição. Nunca falei em controlar ou censurar os média e as redes sociais. Enquanto Presidente da República e cidadão continuarei cumprindo todos os mandamentos da nossa Constituição. É uma honra ser o líder de milhões de brasileiros que, como eu, defendem a liberdade económica, a liberdade religiosa, a liberdade de opinião, a honestidade e as cores verde a amarela da nossa bandeira. Muito obrigado.”

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