910kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

O filho do autarca que fazia negócio com telemóvel pago pelos contribuintes e o Preço Certo de outras irregularidades

Filho de autarca utilizou até a nível profissional número pago pela junta. Contratações envolvem candidatos do PSD e conhecidos de infância. Junta liderada por Vasco Morgado já estava na mira do DIAP.

    Índice

    Índice

Um telemóvel da junta utilizado para reservar mesas no bar de um antigo ator dos Morangos com Açúcar, contratações a empresas de velhos conhecidos com ligação ao PSD, irregularidades nas promoções, funcionários a trabalhar na junta e a receber subsídio de desemprego, denúncias sobre produtos ganhos numa edição solidária do programa Preço Certo. São vários os episódios que voltam a colocar a junta de freguesia de Santo António, em Lisboa, sob suspeita e que fazem parte de um rol de denúncias que foram já enviadas, sabe o Observador, para o Departamento de Investigação e Ação Penal. O mesmo DIAP de Lisboa já investigava o presidente da junta, Vasco Morgado, no âmbito da Operação Tutti Frutti.

O Observador teve acesso a documentos e falou com vários funcionários que denunciaram muitas das situações irregulares que também já estão nas mãos do Ministério Público. O presidente da junta de freguesia rebate várias acusações, mas não nega determinados atos, apesar de dizer não ver neles especial gravidade. Juristas contactos pelo Observador dizem que algumas situações podem configurar crime.

Junta paga telemóvel ao filho do presidente da junta

A história envolve um contrato da NOS, um mea culpa e a inauguração de um bar de shisha de um ex-membro da antiga boys band que emergiu dos Morangos com Açúcar, os D’ZRT. A sinopse é convidativa, mas a história é simples: era a junta (logo, os contribuintes) que pagava o número de telemóvel do filho do presidente da junta de freguesia de Santo António. Que inclusive, como relações públicas, chegou a utilizar o número nesses eventos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Vasco Morgado, o presidente da junta, tinha durante o anterior mandato e até ao início do atual mandato (que começou em 2017) um número (933xxx931) que fazia parte de um contrato da NOS que incluía mais números e que era faturado à autarquia. Problema: um desses números era o 933xxx932, que na verdade era utilizado pelo filho do presidente da junta.

O presidente da junta tenta justificar o caso ao Observador, dizendo que os dois números eram dele, apesar de publicamente o seu número (para colegas ou adversários da política e também para jornalistas) só lhe ser conhecido o que terminava em 931. “Eram os dois meus, totalmente meus. Um menos público, que quem tinha eram os meus colaboradores, que funcionava 24 horas. E já sabia que quando tocava aquele telefone não era uma coisa normal”, começa por explicar ao Observador.

Confrontado com o facto de vários contactos do filho terem recebido mensagens daquele número, o autarca admite que o filho o possa ter utilizado. “Um dia quando tiver filhos, vai ver”, explica. E tenta justificar esse acesso do filho ao seu telefone com o facto de o filho ter feito voluntariado na junta: “Tenho três filhos, o mais velho, com base em voluntariado aqui na junta, quando trabalha ganha uns trocos, pronto, aquela coisa. Estuda, trabalha. Faz serviço, às vezes nas nossas praias/campos como voluntário. Vai com o irmão mais novo, a irmã, esta coisa toda. Este 932 servia para contacto direto com a praia. E ele levava esse telefone“.

O autarca admite que, às vezes, o filho lhe pedia para enviar uma ou outra mensagem e dizia: “Pai, posso mandar uma mensagem do teu telefone? E eu dizia: ‘Manda lá a mensagem’. Agora, posto assim na realidade como me põe, se calhar fiz mal, mas é aquela coisa de pai. Eu não sei se foi por WhatsApp se foi por SMS”. Além disso, Vasco Morgado destaca que “não há sobrecarga  [para os contribuintes] já que o número era seu” e o contrato da NOS foi negociado em bloco, com um custo fixo que não mexia de mês para mês.

"Pai, posso mandar uma mensagem do teu telefone? E eu dizia: 'Manda lá a mensagem'. Agora, posto assim na realidade como me põe, se calhar fiz mal, mas é aquela coisa de pai."

O Observador questionou depois o autarca sobre um uso profissional do telemóvel por parte do filho e, aí, o assessor — presente na sala — interveio para dizer que “profissional não porque o [o filho do presidente] não tem profissões (…) faz uns part-time“.

Embora os dois números já tenham deixado de funcionar, o Observador conseguiu detetar um rasto público do número, quer em serviços de informações, quer nas redes sociais. O exemplo mais flagrante é na inauguração de um bar (o Luxury Shisha Bar), em Lisboa, no dia 2 junho de 2017, a três meses das eleições autárquicas. O número pago pela junta de freguesia foi então utilizado pelo filho do presidente para promover o evento e até para reserva de mesas. A proximidade das eleições mostra a naturalidade com que o autarca não questionava eticamente a decisão de permitir que o filho utilizasse um telemóvel e um número pago pelos contribuintes.

O número da junta de freguesia chegou a ser partilhado pelo músico e antigo membro dos D’ZRT, Edmundo Vieira, no Facebook. Edmundo Vieira e a namorada, Sury Cunha, são os donos do bar que tinha Vasco Morgado (filho) como relações públicas.

O número era, nesta altura, faturado à junta pela NOS. Portanto, pago pela junta. Uma outra publicação do filho de Vasco Morgado também no Facebook — de 20 de maio de 2017, dias antes da inauguração — mostra que era, através daquele telemóvel, que as pessoas reservavam mesas para a inauguração do evento.

Um especialista em Direito Administrativo contactado pelo Observador considera que esta situação “configura crime” e que o autarca pode ser “responsabilizado do ponto de vista finaceiro e criminal”. O mesmo especialista, que não se identifica por razões profissionais, diz que o caso representa uma “utilização indevida de dinheiros públicos” que “para interesse privado, que nem sequer é do titular do cargo público”. Pode assim, segundo o mesmo jurista, estar em causa um crime de peculato de uso. Um outro jurista não tipifica o crime em causa, mas diz que o caso “viola o princípio do interesse pública”, significando uma “violação do que está consagrado na Constituição e no Código de Procedimento Administrativo”.

Produtos comprados em mercearia de candidata do PSD

O presidente de junta Vasco Morgado, que está a ser investigado no âmbito da operação Tutti Frutti pelo Ministério Público, voltou a contratar serviços a uma pessoa com ligação ao PSD. Neste caso, uma candidata que estava nas listas do PSD à própria junta de freguesia de Santo António. Ao contrário das contratações do caso Tutti Frutti — que foram publicitadas no site Base.gov — estas compras escaparam à publicitação pública porque foram feitas através do fundo de maneio da freguesia.

A junta de freguesia de Santo António tem como um dos projetos mais relevantes a Mercearia Social Valor Humano, onde os mais desfavorecidos vão buscar comida a troco de uma simbólica moeda própria (Santo Antónios de papel). Ora, segundo o que funcionários da junta de freguesia revelaram ao Observador, muitas vezes as compras de produtos alimentares para esse espaço foram feitas na mercearia de Jacinta Pestana.

Jacinta Pestana, embora em lugar não elegível, integrou a lista encabeçada por Vasco Morgado em setembro de 2017. Era recorrente a mercearia social ter produtos do Amanhecer, como o Observador pode verificar numa ida em 2016 à mercearia social, numa visita do Presidente da República. O presidente da junta diz que só recorria à mercearia da candidata na sua lista em situações de urgência. “A Jacinta tinha uma mercearia aqui no bairro, o Amanhecer, nós adquiríamos lá os SOS. Acabava o leite, era preciso leite. O leite dela estava a 0,39 cêntimos, nós íamos ali” explica o autarca.

Vasco Morgado diz que a junta tem nos regulamentos uma verba “autorizada para gastar por mês em SOS”, numa alusão ao fundo de maneio. E, por isso, conforme as necessidades, compra produtos quando é preciso fora do sistema normal de contratação pública. Garante também que agora já está a avançar para um procedimento em que terá um único fornecedor durante a duração do contrato: “Lançámos os convites ao Intermarché, ao Continente e ao Pingo Doce e estamos à espera de resposta. Para 20 mil euros ano. Para não cair já nesta coisa. Se está adjudicado, está adjudicado. Isto cumprindo o código de contratação pública.”

Apesar disso, Vasco Morgado não está convencido com o sistema, já que “se de repente há uma promoção no Pingo Doce de 75% de qualquer coisa e eu [caso o vencedor do concurso seja outro] não a posso aproveitar”. E acrescenta mesmo: “Isto são erros de quem faz as leis lá em cima e depois também nos complica.”

Quanto à ligação de Jacinta Pestana ao PSD, Vasco Morgado desvaloriza, dizendo que vinha “aí em 21.º lugar da lista”. Há também denúncias de que esta fornecedora — que entretanto já vendeu a mercearia, segundo consta do registo comercial — é amiga de infância do presidente de junta e que a contratação tinha por base essa relação de confiança. Já o autarca diz que recorreu àquela mercearia pela dinamização do comércio da zona, confirma que conhece Jacinta Pestana desde a infância, mas garante que a antiga candidata na sua lista não faz parte do grupo de amigos mais restrito.

Contratada para serviços de limpeza é ‘gerente’ de mercearia

Sobre a mercearia social houve ainda outras alterações que causaram estranheza entre os trabalhadores da junta de freguesia. A mercearia social aparenta ser um mini-mercado como qualquer outro, mas tem, naturalmente, características próprias. Ainda assim, tinha uma espécie de gerente, Luísa Chaves (militante do PSD em Lisboa), que era apresentada (como se vê neste artigo do Público de abril de 2017) como “responsável pela gestão de stocks da mercearia.” Era então coadjuvada por Isabel Nunes, que fazia as reposições dos produtos nas prateleiras.

Luísa Chaves foi entretanto afastada do cargo. Isabel Nunes terá ficado uns tempos nas funções de Luísa Chaves. O cargo é, no entanto, agora ocupado por outra funcionária, Paula Fonseca, que foi contratada para prestar serviços de limpeza ao abrigo do programa Vassouras e Companhia. Este programa, como mostra o site da junta de freguesia, pretende ajudar idosos com mais de 65 anos que vivem em situações de dependência, através de “auxílio na sua higiene pessoal e do lar” e também “acompanhamento nas deslocações diárias (tais como idas ao médico, supermercado, farmácia, missa)”.

A mercearia social, que funciona na Calçada do Moinho de Vento (Créditos: Junta de Freguesia de Santo António)

Ora, segundo vários funcionários ouvidos pelo Observador,  o que terá motivado esta escolha de Paula Fonseca terão sido não as competências profissionais, mas o facto de ser companheira de um dos funcionários de maior confiança de Vasco Morgado, Ramiro Dantas. Ao Observador, Vasco Morgado nega que Paula Fonseca tenha funções de coordenação, uma vez que “quem gere a mercearia social é a coordenadora do departamento de ação social”, Inês Carrolo.

Segundo o autarca, o que Paula Fonseca faz na mercearia “não é gerir, está lá como funcionária” e a “supervisão é sempre da Inês Carrolo.” Além disso, Vasco Morgado adverte que o Vassouras e Companhia não é um programa de limpeza e que a funcionária foi contratada para “apoio aos programas de intervenção social”, embora confesse que não tem bem presente os termos do contrato — que diz ser da responsabilidade do antigo tesoureiro da junta, Nuno Firmo. Quanto à escolha, diz que Paula Fonseca era, dentro da junta, a funcionária “que tinha melhores condições para assegurar o bom funcionamento daquele espaço diário [a mercearia].”

Funcionárias do programa Vassouras e Companhia (Créditos: Junta de Freguesia de Santo António)

Contratação de empresa de amiga de infância não foi publicitada no Base

Noutro caso, a empresa Tasty Emotions — uma empresa unipessoal que pertence a uma amiga de infância do presidente da junta de freguesia — chegou a prestar serviços que não estavam antes previamente contratualizados. O presidente da junta começou por dizer ao Observador que não poderia dar todos os detalhes do contrato, já que esse pelouro era do anterior tesoureiro, Nuno Firmo (envolvido em alguns esquemas de cacique já denunciados pelo Observador).

Vasco Morgado admite uma falha neste caso, mas afirma não ser tão grave como possa parecer. A empresa de Célia Anjos (a Tasty Emotions) foi contratada para servir entre 25 a 30 almoços a idosos necessitados por via do Centro Social Laura Alves, instituição gerida pela junta. Segundo o autarca, “foi preciso aumentar para 40 almoços” e aí, admite “pode ter havido um hiato” em que os almoços foram servidos sem que a contratação tivesse sido previamente autorizada pelo executivo.

O assessor do autarca intervém novamente na conversa com o Observador para explicar os contornos do caso: “O que aconteceu foi: fez-se um contrato de procedimento para 25 utentes. Faz-se hoje [o contrato para 25 pessoas], vai a reunião do executivo, mas amanhã aparecem 40 para almoçar. Nós não deixamos de dar almoço. Mas entretanto estamos com um procedimento de 25. Mais à frente percebemos que aquilo passou a ser diário. Aquilo que pode ter acontecido foi: andámos aqui uma semana até fazer novo procedimento de 40 pessoas a comer”.

Sobre a relação de amizade com Célia Anjos, Vasco Morgado volta a destacar que o seu “círculo de amigos é restrito”. Porém, destaca que nasceu no sítio onde é candidato por isso conhece “metade das pessoas” e “outra metade” andou com ele ao colo. “Toda a gente sabe quem eu sou. Na freguesia é natural que as pessoas saibam. Daí a ser amigo ou deixar de ser amigo… Depois dessa pergunta até fui pesquisar os meus backgrounds e nós nem na mesma escola andámos”, explica o autarca.

Vasco Morgado diz que conhece a contratada desde a infância e que ela é “mais ou menos” da mesma idade, mas o seu “círculo pessoal de amigos é curto”. E acrescenta: “Contam-se pelos dedos das mãos aqueles que eu acho que vão jantar a minha casa e vou jantar a casa deles e passo férias (…) Se crescemos na mesma zona geográfica, isso crescemos. Daí até estar e ser amigo, é daquelas coisas.”

Mas esta contratação tem outro problema: não foi publicitada no site Base.gov. Sobre este ponto, Vasco Morgado admite que tem “alguns [contratos] em atraso” e que em matéria de publicitação anda sempre a “correr atrás do prejuízo”. Os contratos já são de 2018, mas o autarca diz que “não há hipótese de fazer o contrato hoje e publicitá-lo amanhã”, já que não há “mão de obra para isso.” Isto porque o trabalho depende todo de uma pessoa que também tem funções como “retificação de faturas, tem de inserir coisas no e-banking e ir ao banco”.

Trabalhou na junta enquanto recebia subsídio de desemprego

Vários funcionários da junta contam ao Observador que uma das funcionárias, Rita Antunes, trabalhou na junta ao mesmo tempo que recebia o subsídio de desemprego, o que não seria legal. O presidente da junta de freguesia admite que, de facto, a funcionária esteve na junta dois meses antes de ser contratada (ao abrigo do CEI, um Contrato Emprego-Inserção), mas garante que não recebeu qualquer valor.

Vasco Morgado diz que Rita Antunes só tinha trabalhado no privado e que esteve “uns tempos” na junta sem receber para “perceber se se adaptava”. O autarca diz que a funcionária esteve “algum tempo, em regime de voluntariado, e perceber se também teria mãos para agarrar este barco” e que da junta “recebeu sempre zero, até ser contratada”. Funcionários ouvidos pelo Observador garantem que, durante esse período, Rita Antunes chegou a ter um email com a conta da junta, o que o autarca nega. “Só fizemos o email depois de ser contratada”, garante.

Um advogado especializado em Direito Público considera esta situação “juridicamente atípica”, já que “existem formas legalmente previstas na lei de a funcionária fazer a experiência no cargo. E esta não é uma delas”. O mesmo jurista, que também não se identificou por razões profissionais, acrescenta que “a situação não é nada comum” e que pode estar em causa o desrespeito pelo Código de Contratação Pública.

Processamento de vencimentos com irregularidades

No dia 1 de junho de 2018 vários funcionários passaram a fazer parte dos quadros da junta ao abrigo do plano de integração dos precários no Estado. Entre esses funcionários estavam três que foram integrados como assistentes técnicos (com um vencimento de 683,13 euros). Ora, foi esse vencimento que receberam em junho, mas em julho já receberam como coordenadores técnicos (1.149,99 euros).

O único problema é que os funcionários passaram ao novo cargo sem que o assunto tivesse sido aprovado em reunião do executivo, sendo por isso uma situação irregular. O autarca garante que a situação foi regularizada a meio desse mês e que a 13 de julho foi feito o procedimento para que os três funcionários em causa (Filipa Veiga, Tiago Lopes e Ramiro Dantas) passassem a receber como coordenadores. Na verdade, garante o presidente, essa irregularidade só aconteceu nos primeiros 13 dias do mês.

Há ainda uma situação de um funcionário que recebeu isenção de horário, mas também horas extraordinárias. Isto podia configurar uma situação de favorecimento ilícito, mas o presidente da junta diz que se limitou a seguir a lei e as reivindicações dos sindicatos. Vasco Morgado explica que a “isenção de horário é às 35 horas, mas tem que as fazer na mesma. Tem é de fazer à hora que entender. E depois em dias de sábados, domingos, feriados, eles têm sempre direito a continuar a receber horas”. E acrescenta: “Tínhamos de pagar isso, senão tínhamos aqui os sindicatos à perna”.

O Observador teve acesso a documentação segundo a qual, além de horas extraordinárias e isenção de horário, o mesmo funcionário (Pedro Miguel Martins, coordenador da comunicação) recebeu um acerto salarial no valor de 183,3o euros no mês de outubro de 2018 (que lhe foi pago no dia 18 desse mesmo mês), que o presidente não conseguiu explicar quando confrontado no imediato.

Há ainda denúncias — que chegaram ao Observador acompanhadas das várias despesas do fundo de maneio –de que há um uso abusivo do fundo de maneio, com pagamento de refeições em restaurantes fora da área geográfica da freguesia, despesas superiores ao limite máximo permitido no regulamento, faturas registadas no fundo de maneio com datas diferentes dos períodos de fundo de maneio. Ao Observador, o presidente justificou algumas destas despesas do fundo de maneio,explicando que a mercearia também vive de doações, mas “é preciso ir buscar os produtos”. Ora, quando vão de carro, é preciso colocar gasóleo ou gasolina. Além disso, destaca que a junta “paga subsídio de almoço, mas não subsídio de jantar” e há muitos casos em que “os trabalhadores estão ao serviço da junta” e têm de fazer refeições. E dá um exemplo: “No verão, temos cinema ao ar livre à noite e os funcionários têm de jantar. Como é óbvio, os funcionários não podem perder com isso.”

O Preço Certo em inventário da junta

Em dezembro de 2017, a junta de freguesia de Santo António foi ao Preço Certo e do programa solidário — como é habitual em tempo de Natal — resultou um prémio em bens alimentares no valor de 8.368 euros.

Além dos bens alimentares (que o presidente diz que se foram gastando na mercearia), os funcionários desconfiaram do destino dos vários equipamentos que foram ganhos no programa, uma vez que perderam alguns de vista. Em causa nessa “montra final” que reverteu a favor da junta de freguesia estava uma máquina de café Polti Expresso, uma TV LED LG, dois computadores Vortus V7 2.8 GHz, um monitor Viewsonic, um frigorífico TEKA e uma arca congeladora Indesit.

O presidente justificou um a um: “A TV LED está na entrada na junta, no edifício em S.José, onde passam as informações, o frigorífico está no armazém e a arca na mercearia, os computadores estão lá [na calçada do Moinho de Vento], a máquina do café está ao serviço das pessoas que vão à mercearia, que vão bebendo um cafezinho e um chá”.

Só o monitor é que o presidente não conseguiu precisar onde se encontra: “Este monitor [Viewsonic] avariou, queimou, deve estar para arquivo morto. Não lhe sei dizer. Mas deve andar ou no armazém para deitar fora ou uma coisa qualquer, mas nós só fazemos isso normalmente quando eles avariam, deixamos dois anos e depois é que limpamos tudo”.

Para comprovar que está tudo inventariado, a junta de freguesia mostrou ao Observador as folhas do inventário dos equipamentos em causa, que terão sido registados a 06/02/2018, cerca de dois meses depois do programa. Entre os documentos cedidos pela junta ao Observador estão todos os equipamentos em causa, inclusive o monitor que o presidente diz que está para “arquivo morto”.

Documento cedido ao Observador pela junta de freguesia de Santo António

O ‘Tutti-frutti’ que beliscou o nome Vasco Morgado

Vasco Morgado nasceu um mês antes do 25 de Abril, mas já trazia uma grande herança associada ao nome. É neto da atriz Laura Alves e do ator e empresário histórico do teatro português Vasco Morgado. O presidente da junta de Santo António tem uma vida ligada ao teatro, tal como os pais, e chegou mesmo a ser diretor artístico do Teatro Villaret.

Na política começou por ser secretário da junta de S. José (em 2005) e no mandato seguinte (2009) tornou-se presidente da junta de freguesia, eleito pelas listas do PSD. Em 2013 e 2017 voltou a ser eleito, mas a junta tinha ganho dimensão: passou a chamar-se Santo António e a integrar as extintas freguesias de S. José , São Mamede e Coração de Jesus.

À frente da junta de freguesia Vasco Morgado tem desenvolvido projetos importantes na área social como a Mercearia Social Valor Humano (já referido neste artigo), o Espaço Júlia (de apoio a vítimas de violência doméstica) ou o programa Vassouras e Companhia, entre outros projetos que são dados como exemplo no plano autárquico. A 5 de outubro de 2016, por exemplo, Marcelo Rebelo de Sousa visitou a mercearia como um exemplo dos bons projetos que se fazem em Portugal.

Mas em 2017, o rótulo de autarca-modelo começou a ser beliscado. Tudo começou com uma investigação do Observador em julho que revelou que três juntas de freguesia do PSD — incluindo a de Santo António — tinham feito ajustes diretos de mais de um milhão de euros a empresas de militantes e/ou a militantes do PSD. O DIAP começou, desde logo, a investigar estes autarcas.

PSD. Três juntas fazem adjudicações superiores a um milhão a empresas de militantes

Um ano depois, em junho de 2018, era divulgado que o DIAP estava a investigar alguns destes ajustes diretos na chamada Operação Tutti Frutti. Vasco Morgado estava na mira da PJ e até a direção do PSD, pela voz do secretário-geral José Silvano, retirou o tapete aos autarcas em causa: “Esta investigação é sobre factos anteriores à eleição deste líder do partido e desta direção”. Quando fizeram buscas na sede do PSD, na São Caetano à Lapa, um dos inspetores da PJ levava uma cópia do artigo do Observador na mão. A PJ também fez buscas nas instalações da junta de freguesia de Santo António.

Crime de financiamento partidário ilícito do PSD está a ser investigado na Operação Tutti Frutti

Como os caciques do PSD estão a ser investigados na Operação Tutti Frutti

Em dezembro de 2018 era a vez de a revista Visão trazer mais detalhes sobre o caso e que envolviam diretamente a junta de freguesia liderada por Vasco Morgado. Segundo a revista, a investigação acredita que o deputado do PSD Sérgio Azevedo enviou emails a empresários com instruções sobre como poderiam assinar contratos com a junta de Freguesia de Santo António.

Nuno Firmo — antigo tesoureiro da junta de freguesia de Santo António, que já saiu da junta e a quem Vasco Morgado imputa as responsabilidades de contratação enquanto esteve no executivo da junta — terá, segundo a Visão, tido o seu computador apreendido e buscas na sua casa.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.